quarta-feira, março 23, 2005

O desperdício

É perturbador encontrar um amigo íntimo que nos desleixou a amizade. Porque a velha química de novo se põe em marcha e a conversa flui. Como se não passasse do capítulo seguinte num livro feito de muitas noites, bastantes copos, alguns amores e dois homens a céu aberto. Mas não é verdade:(. O coração abre-se; como ele o caixote das recordações e a caixa dos afectos. Mas a caixinha da confiança cega, no interior de tudo o resto, permanece intransigente. A chave apodreceu, de tanto esperar...
É muito bom o reencontro! Mas se voltarmos a viajar juntos cada um dormirá no seu quarto. E encontrar-nos-emos de manhã, na sala do pequeno-almoço, como os excursionistas japoneses, delicados e munidos das suas máquinas fotográficas. Porque a amizade, quando mostra as garras, furiosa por ter sido desperdiçada, pode revelar-se bem mais severa do que o amor.

26 comentários:

Kafka disse...

Ola Professor!

Soube há bem pouco tempo, através de um blog amigo, que tb ja tinha aderido a blogosfera...Seja bem-vindo.

-E-

va disse...

Será? Não sei. Trair a amizade é uma coisa, desleixar...se calhar falo de mim, das muitas vezes que me ausento, sobretudo quando as coisas correm mal (é estranho, mas acontece muito). Os piores momentos são passados comigo mesma. Só quando começo a vir ao de cima é que procuro os amigos.
Quanto ao resto, procuro estar presente quando precisam.
Mas, quando passa muito tempo, mesmo quando não falamos ao telefone, mesmo quando não há sms, quando nos reencontramos é sempre igual, com direito à partilha de quarto, aos copos e, muitas vezes, à choradeira. Os amigos são para sempre!

Helena disse...

onde vais passar a páscoa?

tens terra?

8)

Helena disse...

eu não tenho, nasci em lisboa

não fossem os gatos e era uma páscoa triste

bolas :/

lobices disse...

...sabes, Professor, que me pergunto muitas vezes, onde é que a amizade "entra" no amor ou se este pode conter a amizade, ou seja, no momento em que existe amor a amizade não "morre"?... Será que a amizade é algo ainda mais "severo" (como dizes) quando se desperdiça ou se desleixa ou se perde?... Será que o amor quando "morre" a amizade pode "viver"?... Como conceber que no amor a amizade pode não existir e desta possa nascer o amor?...
...que concepção tão estranha essa de se tentar diferenciar os sentimentos... serão eles mesmo diferenciáveis?... Não será tudo (e apenas) uma questão de química animal?... Seremos ainda os macacos nús do Desmond Morris?...
...como posso eu "pregar" aos 7 ventos que Amar é o caminho?... se pelo caminho só existe dor (pane)? e mesmo nos momentos em que essa tal de amizade mostra as garras é assim ainda tão mais severa do que no amor?... como pode o ser humano ser feliz se, pura e simplesmente, não o quer ser?... como pode o ser humano pretender encontrar a felicidade se ela está apenas dentro dele, um estado "dormente" que acorda apenas se quisermos?...
...será mesmo tudo um desperdício?
abraço Júlio

La fille disse...

entre aqueles "está tudo bem" ou os "vai-se andando", a cumplicidade e aquela confiança foge-nos mesmo.
Acredito q desprecidiçamos mto, tanto nas velhas amizades, como nos amigos que acabamos por não conhecer.

Anónimo disse...

O "Caso Del Gado"

O roubo de gado foi um problema muito grave na pacata aldeia da Terrugem, em meados do século passado. Ainda sou do tempo em que roubaram a Quitéria e a devolveram uns dias depois com um enorme buço e sem as teias de aranha. O Craveiro Lopes não gostou da brincadeira e deu-lhe uma coça das antigas, que a deixou com um "olho à Belenenses". Soube-se mais tarde que tinha sido um engano, a Quitéria fora levada no meio do rebanho pelo pastor Ánhuca, que a confundira com a "Bigodaça", a ovelha com o melhor rabo da região PaçoArquiana. Mas o caso mais dramático, que envolveu todas as forças policiais da zona norte, foi o desaparecimento do Boi, que se dizia Cobridor, mas afinal era só de língua, o Del Gado. Na manada comportava-se como um verdadeiro General.
O Del Gado era um Boi curioso e atento aos detalhes, abordando os assuntos de forma muito discreta. Era um Cobridor de Língua muito seguro, nunca se engasgava. Os companheiros chamavam-lhe o "Garganta Curta".

Na noite de 13 para 14 de Fevereiro de 1965 algo se passou na Quinta dos Fideles. Os populares só se lembram dum barulho muito grande, "semelhante a um peido do Graise dado no Algarve na casa do Conan, no quarto ao lado do das primas, em que ele acusou o Mac Macléu Ferreira, apresentado no dia seguinre às primas, durante o pequeno-almoço", seguido dum enorme clarão "parecido com o que queimou os cu-elhos do Pilas, na casa da Guetrudes no Algarve, quando ele resolveu aproximar uma chama dum BIC, e peidar-se para cima dele" - contou-nos o popular Grilo.

No dia seguinte deram por falta do Del Gado e da cabrita Arajá Rir. Rapto? Fuga? O assunto era grave, o Manelinho do Estrume estava foribundo. Tinham-lhe levado a Arajá Rir, a cabrita que lhe dera mais prazeres na vida. A população fez uma batida ao Ánhuca e descobriu-o colado com a cadela do Milhas, a "Laica". Só a pronta intervenção do Investigador do S.I.R. (Serviços de Informação da RIAPA) Joaquim Caça-Ratas, é que salvou o pastor dum linchamento.
- E o Del Gado e a Arajá Rir? - Perguntava indignado o povo.
- Foram vistos a caminho da Ar- Gélia - respondeu a Sesaltina, filha do Manuel Motorista.
Fugiram para Ar-Gélia, a quinta do visconde Todo Boneco, aquele que nas cenas de ósculo no Cine-Teatro de Paço de Arcos gritava sempre,"espera aí que já cospes".

Mas havia outra ausência. O Pateta Alegre não tinha aparecido na pocilga para o jantar, mas ninguém referia o assunto.
- Nesta quinta o porco não tem classe, ideologia ou raça. É transversal, sai e entra quando quer - explicou o João da Quinta, coçando a cabeça e tirando a palha da boca.
- Este tipo não bate bem da tola - riu-se o inspector Joaquim Caça-Ratas.
- Deixa-o falar - pediu o colega Mac Macléu Ferreira.
- O Pateta Alegre é o emblema desta quinta - continuou o Sr. João. - Ele é o emblema da cretinização generalizada, do cinismo sem escrúpulos, da miséria política e do pensamento. Ele representa a censura genética, na sua república só se admitem porcos: o Só-Ares da Quinta dos Patos Bravos, o Akaide Santos, da Quinta dos Intrujões, etc. E o Pateta Alegre é um Senhor Porco!

www.riapa.pt.to

Anónimo disse...

Professor Júlio Machado Vaz,
Recuso-me a pensar na "Amizade" com prazo de validade. Se o tem, por alguma razão, já deixou de o ser.
Tive um amigo em África. A vida separou-nos... (Poderia ter sido outro motivo qualquer!).
Todas as noites, nas minhas orações - se é que as faço - desejo que esteja vivo e feliz. Onde? Com quem? Que importa! E se, porventura, alguma vez nos reencontrarmos, vou olhá-lo e senti-lo como então, ou não?!
O amor podia ter morrido,a paixão passado, o interesse acabado.
A Esperança, desejo que não apodreça.
Boa noite e receba um abraço,

Anónimo disse...

Professor Júlio Machado Vaz,
Recuso-me a pensar na "Amizade" com prazo de validade. Se o tem, por alguma razão, já deixou de o ser.
Tive um amigo em África. A vida separou-nos... (Poderia ter sido outro motivo qualquer!).
Todas as noites, nas minhas orações - se é que as faço - desejo que esteja vivo e feliz. Onde? Com quem? Que importa! E se, porventura, alguma vez nos reencontrarmos, vou olhá-lo e senti-lo como então, ou não?!
O amor podia ter morrido,a paixão passado, o interesse acabado. A Esperança, desejo que não apodreça.
Boa noite e receba um abraço,

Madalena disse...

Depende, Professor, eu acho!
Depende do estados das almas de cada um. Estamos todos estragados do tempo, mas há pedaços de nós recuperáveis e há quem nos saiba recuperar.
Depende mesmo, eu acho.
Olhe, um beijinho par si, não na qualidade de "colega de blog" mas na qualidade de fã de show da TV.
E para a Gabriela também!

K. disse...

Uma amizade que se esvaneceu pode ser um vazio maior que um amor perdido. Precisamente por essa sensação de desperdício que referiu. Mas eu prefiro fazer como a Sofia e desejar que a esperança não apodreça.



www.katraponga.weblog.com.pt

Luis Moutinho disse...

já tinha pensado o mesmo.
Old friendship never rusts: a verdadeira amizade nunca enferruja diz um ditado. Mas a verdade é toda outra...

setesois disse...

Curioso! Este é o único blog que visito em que as pessoas falam ao "Professor". :_)

Anónimo disse...

Há bem pouco tempo, paassei por experiência semelhante.
Não que a amiga tivesse desleixado a amizade, a vida levou-a para muito longe.
Já não nos viamos há alguns anos, mais de cinco.
E foi como se a nossa conversa nunca tivesse sido interrompida durante esse tempo.
Recomeçou como se nos tivessemos visto no dia anterior. Com o mesmo à vontade, com a mesma confiança.
Com o coração aberto.

Uma Páscoa feliz, Senhor Professor.

Anónimo disse...

Mais uma bela “posta” para nos fazer desenferrujar os neurónios, mas sobretudo algumas lembranças mais antigas...
A amizade, tal como o amor e as flores, precisa de ser regado com alguma frequência. Não diariamente, nem quatro vezes ao dia como a amizade adolescente (ou companheirismo, cumplicidade)... Mas é preciso ir dizendo (e ouvindo, claro) “estou aqui!!”.
É bonito dizer: “Ah! E tal! Já não nos víamos há 5 anos e a conversa flui como se tivéssemos falado ontem à noite pela ultima vez”. Mas será que é a verdade? Ou gostavamos que fosse?
As causas do afastamento ditam as regras: a distancia, os ex ou as ex, uma traição ou simplesmente rumos desencontrados, objectivos diferentes ou uma amizade que foi desleixada. Não será Professor Murcon? Se a causa é a traição, once traído always traído :D. Pé atrás para sempre. Porque a distancia pode encurtar novamente, e os ex ou as ex podem deixar de o ser... Quanto à amizade desleixada: só desleixamos aquilo que deixa de fazer sentido.. Mesmo que o façamos inconscientemente. Cumprimentos
SonecasS do Melhor que Prozac!!!

Joana disse...

Tão verdade..independentemente da idade!
Talvez porque no fundo a amizade é uma forma de amor...daquele tipo de amor que nunca se dá como garantido. E, como tal, quando desleixado é como se morresse um pouco; e a intimidade que se exige para partilhar um quarto deixe de fazer sentido.

um abraço Professor

Anónimo disse...

Nem sei o que dizer... sonhei com isso esta noite. Uma amizade (quase "irmandade") que azedou, muitos anos de separação, muitos quilómetros de ambos os lados e um dia, o "amigo" tenta sentar-se ao nosso colo...
Confesso, não fui capaz. Não sou quem fui há anos, nem quero voltar a ser. Também não me quero contar toda outra vez porque sinto que agora tenho de me preservar. Depois de ter sido preterida por outros sonhos, deveria sentir-me obrigada a reatar algo no qual não acredito simplesmente porque me procuraram "com saudades" ao fim de tanto tempo?
Acho que desde sempre consegui manter a inocência, acho que não sou amarga. Mas há amizades que existem em determinada altura, determinado contexto. Nem todas as amizades - mesmo que na altura nos pareçam as mais fortes - têm de durar toda a vida. Essas durarão eternamente sem que nos apercebamos.

Beijos aos meus Amigos.

elisa disse...

Os rancores da amizade são tenazes mas quero acreditar que nada se perde para sempre..como diz alguém tudo se transforma e porque não o rancor em confiança cega outra vez:)Beijinhos e uma boa Páscoa!

Unknown disse...

Falar de amizade é bonito, concretizá-la por vezes é que é o bom e o bonito. Não me apetece falar de algo que todos defendem mas que muitos não aplicam. Boa Páscoa para todos

Anónimo disse...

Sábias palavras senhor professor, ainda que não consiga não deixar-me entristecer pela verdade que encerram. Há coisas que nunca se recuperam...

Anónimo disse...

Não é verdade que só desleixemos aquilo que deixa de fazer sentido; isso não seria desleixo, seria sinónimo de sanidade mental.
Há, de facto, grandes amizades que se perdem por desleixo. Já vivi isso e hoje lamento não as ter sabido cultivar:(

noiseformind disse...

Nesse campo temos aqueles períodos mais ou menos longos em que como amigos isolados somos deixados para trás em favor de amigos em casal. Por isso é que gosto de continuar a fazer amizades, basta um casamento ou ás vezes até um namoro para que aquela pessoa, que nos achava tão especial e importante na vida dela, nunca mais ter tempo para uma conversa e muito menos para um encontro, homem ou mulher, aqui o afecto não tem género. E o pior é mesmo esse regresso, porque quem regressa é sempre quem saiu, quem abandonou o barco… e depois que dizer? Dizer que não ficou vazio nenhum com o fim daqueles prazeres a que nos abandonávamos indulgentemente? Que bastou passar a ir a tal sítio com outra pessoa e é tudo igual, em vez de se mandar sms para o 91 tal passou-se a mandar as sms para o 93 tal? Em vez de conversar sobre isto passou-se a conversar sobre aquilo? Se tudo neste mundo fossem botões, um dia destes ficávamos todos sozinhos. E é por isso que o meu coração não tem chave: abre-se uma vez por vontade e risco meus para deixar entrar quem parece trazer boas novas, a saída das instalações com abandono das funções por livre vontade, tal como a fecundação não consumada, deixa-me receptivo a novas amizades, novos horizontes…

Cerejinha disse...

Custa mais ainda esbarrar constantemente com uma amizade que deixou de o ser por estupidez e traição da outra parte. A vontade de perdoar e o medo que volte a acontecer misturam-se em partes quase iguais...mas o medo acaba por vencer!Perdoar, só de coração e sem medos...um dia quem sabe...

Na amizade reencontrada custa constatar que a mesma vive do passado. O presente não existe e com dificuldade se encontrará no futuro.

Bem haja por este espaço tão delicioso!

Anónimo disse...

J, quem por lá passou terá as diferentes experiências que a vida reserva a cada um. Já tive de tudo, mas prefiro guardar apenas as que, por terem sofrido de desleixo (e muito) conseguiram reforçar-se e tornar-se ainda mais sólidas, ainda mais confidentes, a unha e a carne. É importante que a separação (provocada ou pretendida) não faça com que as pessoas cresçam e se desenvolvam de forma diferenciada, pois se isso acontecer o desleixo será o fim de tudo.
É importante, quanto a mim, que nesse desleixo as pessoas conservem o âmago da amizade, que se lembrem do que eram, do que foram e do que podem ser se tudo voltar!
Já tive um Amigo, o melhor que se pode ter (!), que um dia resolveu desaparecer, reapareceu depois de muito tempo, um ano e tal que me pareceu uma eternidade (dura e cinzenta), voltou. O reencontro foi estranho, pensei que não o iria reconhecer, julgo que ele terá pensado o mesmo, o tempo tinha deixado as suas mazelas...
Não posso dizer que tudo voltou à normalidade ali, naquela hora, mas tudo ficou muito melhor depois.
Onde quer que estejas neste exacto segundo (de férias, que sorte!), obrigada por teres voltado, serás sempre o meu "maninho do coração".
KATZ

Anónimo disse...

Eu concordo perfeitamente.... é como se tivesse lido os meus sentimentos com relaçao a esse assunto!!!

Sara MM disse...

Ainda não percebi porquê, mas há certos amigos que podemos estar 10 anos sem ver (nem saber) e quando encontramos é como se fossemos irmãos... parece lamechas mas a mim intriga-me! Arrepia-me! Tenho dúvidas se é suposto ser assim... mas é! E só com alguns, nem sequer com os "melhores"...?!?!?!