quinta-feira, junho 02, 2005

Boa noite, maralhal.

Olhando o prédio em frente por cima das flores que minha Mãe cuidava, disse-lhe: “Maria, chegam os dias longos e quentes e tu mudas. Não sei, pareces mais igual a ti”.
Ela sorriu, cruzou as pernas sobre o canteiro, pôs as mãos entrelaçadas atrás da nuca e transformou cadeira normalíssima em prima de baloiço, com alma e riscos de trapezista. Semicerrando os olhos, rezou vésperas:


Da luva lentamente aliviada
a minha mão procura a primavera
Nas pétalas não poisa já geada
e o dia já é maior do que ontem era

Não temo mesmo aquilo que temera
se antes viesse: chuva ou trovoada
É este o deus que meu peito venera
Sinto-me ser eu que não era nada

A primavera é o meu país
saio à rua sento-me no chão
e abro os braços e deito raiz

e dá flores até a minha mão
Sei que foi isto que sem querer quis
e reconheço a minha condição


Primavera-raiz-flores…, arrisquei: “Eugénio de Andrade?”.
Ela riu, gaiata: “Morno, querido. Ruy Belo, A Chegada dos Dias Grandes”.
E quem não suportaria alegremente o peso de tão magnífica ignorância, com riso e “querido” seus já aferrolhados na alma? A poesia é para ser vivida. Abri os braços e ela neles deitou raiz:).

29 comentários:

andorinha disse...

Júlio,
No mesmo dia uma belíssima canção e agora um belíssimo poema.
Está-nos a mimar demais.:)
Na Primavera até a chuva ou a trovoada ganham outros cambiantes e novas tonalidades.
É o renascer com tudo o que essa palavra tem de mágico.

A poesia é para ser vivida
Sem dúvida, saibamos nós vivê-la.

K. disse...

Ah, a Primavera...

"Primavera

Cieli azzurri e raggi
di sole preannunciano
la primavera.
Le rondinelle
tornano al loro nido.

E voi, piccole mie,
perché non tornate
con voli di rondine
leggeri
e sussurrati silenzi?"

Giovanna Nigris


www.katraponga.weblog.com.pt

Anónimo disse...

E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo

Caro Professor
os poemas são na realidade muito bonitos!
E não haja dúvida que "love is in the air" - after all it's springtime*

Maite disse...

Boa noite Maralhal e Professor
De facto, este blog está cada vez mais irresistível :)

Para fugir à "cadeira normalissima" do dia a dia, nada como transformá-la "em prima de baloiço, com alma e riscos de trapezista" que é como quem diz, demos asas à imaginação e avancemos sem medos ao encontro daquilo que mais desejamos :)

PortoCroft disse...

Cumplicidades, caro Prof. m8.;)

Que remédio. Depois de nos deitarem raiz, a safra é toda delas. ;)

andorinha disse...

Portocroft,
Muito espirituoso...:)

andorinha disse...

Totalmente de acordo com a Maite - avancemos sem medos ao encontro daquilo que mais desejamos.:)

Pamina disse...

Bem reaparecido mais um episódio da "história do amante e da Maria".
Muito bonito o último parágrafo.

Parafraseando Vinícius de Moraes:
Saravá, escritor!

Anónimo disse...

Ó Vénus sensual
Pecado Mortal
Do meu pensamento!
Tens nos seios de bicos acerados
Num tormento
A singular razão dos meus cuidados

Poeta Bajoulo - poema “Tita Xantola deste-me cabo da Tola”

www.riapa.pt.to

Anónimo disse...

"Sim, eu, a mulher superior com toda a minha mentalidade esclarecida, sou afinal como todas as fêmeas, sucumbindo à necessidade genésica do macho!" - Tita dos Pés Sujos in "O Meu Bajoulo"

www.riapa.pt.to

Anónimo disse...

crazyjo

a idade não perdoa

a dos jovens, claro

lembranças

E&E

Anónimo disse...

JMV

a idade não perdoa

a idade, claro

E&E

Anónimo disse...

JMV

Lembranças e mais poesia

vou-me embora para Pasárgada

E&E

lobices disse...

Uma forma de me despedir

Há o mar há a mulher
quer um quer outro me chegam em acessíveis baías
abertas talvez no adro amplo das tardes dos domingos
Oiço chamar mas não de uma forma qualquer
chamar mas de uma certa maneira
talvez um apelo ou uma presença ou um sofrimento
Ora eu que no fundo
apesar das muitas palavras vindas nas muitas páginas dos dicionários
bem vistas as coisas disponho somente de duas palavras
desde a primeira manhã do mundo
para nomear só duas coisas
apenas preciso de as atribuir
Não sei se gosto mais do mar
se gosto mais da mulher
Sei que gosto do mar sei que gosto da mulher
e quando digo o mar a mulher
não digo mar ou mulher só por dizer
Ao dizer o mar a mulher
há penso eu um certo tom na minha voz sinto um certo travo na boca
que mostram que mais do que palavras usadas para falar
dizer como eu digo a mulher o mar
mar mulher assim ditos
são uma maneira talvez de gostar
e a consciência de que se gosta
e um prazer em o dizer
um gosto afinal em gostar
Enfim o mar a mulher
pode num dos casos ser a/mar a mulher
mera forma talvez de uniformizar o artigo
definido do singular
Há ondas no mar
o mar rebenta em ondas espraiadas nos compridos cabelos da mulher
que ela faz ondular melhor de tarde em tarde
no mês de setembro nas marés vivas
O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher
e à mulher que um só dia encontro na vida
de passagem um simples momento num sítio qualquer
talvez a muitos quilómetros do mar
mas mulher que não mais consigo esquecer
mesmo imerso na dor ou submerso em cuidados
a essa mulher qualquer
eu chamo mulher do mar
Nos fins de setembro quando eu partir
de uma cidade seja ela qual for
quando eu pressentir que alguém morre
que alguma coisa fica para sempre nos dias
e ou nuns olhos ou numa água
num pouco de água ou em muita água
onda do mar lágrima ou brilho do olhar
eu recear seriamente vir-me a submergir
direi alto ou baixo conforme puder
com a boca toda ou já a custar-me a engolir
as palavras mar ou mulher
com certo vagar e cada vez mais devagar
mulher mar
depois quase já só a pensar
o mar a mulher
Não sei mas será
talvez mais que outra coisa qualquer
uma forma de me despedir


Ruy Belo
In “Toda a Terra”

lobices disse...

...BOM DIA à tutti
...Ruy Belo, why not?
...boa escolha
abreijos

Anónimo disse...

"Et voici: Soudain les nuits ont été chaudes. Et puis les jours.
La mémoire vous en vient parfois dans le plein soleil de la plage à travers la transparence des rouleaux de vagues. Quand parfois l'été est à perte de vue répandue, si fort, si blessent, ou sombre, quelquefois illuminant, quand par example vous n'êtes pas là, et que je suis seule au monde."


Marguerite Duras

Anónimo disse...

Uma questão me ocorre por vezes: quantos de vocês transpõem para a vossa vida afectiva esta, e outra, maravilhosa poesia... ?

Beijinhos, é lindo

Raquel Vasconcelos disse...

Um interessante ponto de vista...
(maria)

Anónimo disse...

Nós somos os livros que lemos , os amigos que temos, a música que ouvimos, os filmes que apreciamos, a ternura, o silêncio que partilhamos...
Nós somos.

Anónimo disse...

Maria (das 10h52/11h23) quem és tu, que eu quero simplesmente te conhecer, carago? Desculpa, mas deves ser uma pessoa do caraças. És mesmo uma maria simplesmente ou estás a disfarçar?

De qualquer maneira um beijo do Bernardo

Anónimo disse...

Puxa Professor, é lindo!
Estava só a falar do poema...
Ok, são ambos!

Anónimo disse...

Carago digo eu!

Puxa Maria estás a agitar as hormonas do pessoal:)))))), soltem-se, soltem-se com a poesia da maria. Bom fim de semana Prof JMV, maralhal e para ti Maria.

Anónimo disse...

Sem fantasia

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu

Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus

Anónimo disse...

Para o Joaquim da 10h52 p.m.,

Marias!!!

Bom fim-de-semana!

Anónimo disse...

Está bem, para todas as Marias e principalmente para a minha mãe e para a Maria, simplesmente.

Anónimo disse...

Alô Murcon e galera este blog é muito erudito! Que bom. Vou vir cá, muitas vezes. parabéns.
Um abração
Marcos

Ruvasa disse...

Viva!

Quer juntar-se a nós?

http://ruvasa.blogspot.com/2005/06/399-comisso-de-luta-contra-excluso.html

Cumprimentos

Ruvasa

Tão só, um Pai disse...

Parabéns ao gráfico que compôs a imagem e a quem a colocou no cabeçalho do blog.

O mais integrante deste post não serão os poetas, mas quem o nosso amigo descreve de forma deliciosa, tão deliciosa que quase maliciosa: Maria.
Ah, a Maria da saia hippie ... por certo ...?

Anónimo disse...

“COISAS TUAS

Levo coisas tuas
Para poder estar contigo
Na distância.
Para nunca te perder a companhia,
Mesmo não estando.
Levo gravado o teu gesto,
O pranto, o riso, e
(Ora inocente, ora picante)
O teu sorriso,
Que é a tua expressão,
O teu maior encanto.
E levo um objecto,
Teu pertence,
Como se o espaço tivesse autoridade
E o tempo nos afastasse…

Como se fosse preciso…

MARGARIDA FARO,
Tantas mãos, a mesma Primavera
Oficina do Livro”