sábado, dezembro 31, 2005

O prometido é devido! Sai do baú velharia solidária com a Sical:).

Despedida




Acordou cedo e definitivamente. Ofereceu-se preguiça longa na banheira, talvez os músculos empertigados cedessem ao calor da água... Derrota assumida, contribuiu para a saúde financeira da indústria farmacêutica engolindo um calmante. Desceu. Na cozinha, o rafeiro exibia cauda solidariamente de rastos, fez-lhe carícia grata. O céu de chumbo autorizou um desabafo esperançado - “merda de tempo!” -, mas o quisto cinzento do peito resistiu à lanceta do palavrão. Dobrou a dose de café e partiu ao meio a dieta, demolindo um naco de queijo da serra (por coerência gastronómica e triste avidez ensopado num cálice de Porto). A seguir, preparou-lhe o pequeno almoço com obsessivo requinte, enrugando a toalha para escapar ao seu “nada de últimas refeições perfeitas, ninguém vai morrer!”.
Literal e completamente não, mas cada despedida era um inferno. Quando o pai desaparecera, sem carta sinuosa, porrada velha ou aceno da mão ainda vestida de aliança, o pirralho ouvira, olhos secos, a explicação titubeante de mãe atarantada. E seca fora a resposta, de uma calma gélida para a sua pouca idade – “deixa, eu tomo conta de ti”. Fazendo-o se tornara homem. Mais precisamente – o seu homem. Outros, que lhe tinham debicado a vida ao longo dos anos, nunca saltavam da cama para o coração, aí reinava ele. Apesar de repetir a si própria o que as mães sabem e ignoram - “é teu filho, mas não te pertence, vai crescer...”.
Tanto que Portugal fora curto para o seu voo e aterrara em Londres. Boa escolha: grande cidade para ele, duas míseras horas de avião para ela. Quando o visitava era menos doloroso, recebida de braços abertos mas sabendo que ali não pertencia, na sala de embarque podia fazer batota - “volto para a minha terra”. Mas com ele de regresso à parvónia as coisas mudavam de figura, o metro e oitenta de rapaz a caminho dos trinta não sobrevivia ao contágio de fotografias espalhadas pela casa, era de novo o seu menino. E os meninos não abandonam as mães no avião das sete.
Ouviu o chuveiro. Afivelou o sorriso de ocasião, só o despiria depois de o deixar no aeroporto. Ele desceu, gentil mas parco em palavras; cauteloso, como se temesse dar-lhe pretexto para despedida lacrimejante. Ao almoço, petisco favorito, retribuiu com o “está muito bom” da praxe. Disse-lhe para ir visitar os amigos, o carro estava à disposição, arrumações a fazer e o tempo..., “uma merda!” (o palavrão voltou a não surtir efeito). Agradeceu, já se despedira da malta na noite anterior. A que ela se agarrou como uma náufraga, fazendo perguntas sobre tudo e todos, do restaurante in da saison aos mexericos da movida e a teóricas aventuras – “como te portaste?; olha que telefono à inglesinha!”. Ele sorrindo, mestre na esquiva, em pano de fundo o Mozart que ambos amavam. D.Giovanni... O patife e o seu humor arrevesado!
A dúvida em contagem decrescente – aguento-me até partir? O aeroporto. A hesitação entre o desejo de um atraso que lhe concedesse mais uns minutos e a imperiosa necessidade de o ver pelas costas para o chorar. O abraço descontraído que ele impunha. Conhecia-o tão bem!, ao seu menino, esquivo nesses momentos por também sentir um nó na garganta. “Pisga-te já, ouviste?” E ela dizia que sim, mas ficava no carro até o avião atascado na pista se transformar primeiro em pássaro elegante e depois num ponto; longínquo mas não final.
Rumo a casa, embalando o medo - “é bem mais perigoso andar de automóvel”. Conceder-lhe uma hora a mais para bagagem e trajecto. O telefonema falsamente desprendido, “chegaste bem? Óptimo. Vê se descansas”. Depois, o mail pecaminoso que jamais teria resposta – “foi bom, querido, amo-te muito”. Só então ficou só. Um silêncio de tortura por estrear. Saiu para a varanda. Os espanta-espíritos, espantados com o furacão assolando o seu, dançavam enlouquecidos sem ponta de brisa como alibi. Sentada, abriu os diques - nem uma lágrima. De tão violentadas ao longo do dia tinham amuado e partido com o dono, clandestinas entre as gotas do after-shave.
Na manhã seguinte, ele fez a barba como de costume; e como de costume orvalhou a face com o até aí anónimo after-shave. Para descobrir que a pele não lhe ardia, mas ronronava sob carícias de mulher. Que o acompanharam, religiosa e diariamente, até ao regresso definitivo a Portugal.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Mais um...

Agora morreu o cinema Nun'Álvares:(. Dito à moda de Jorge Sampaio: existirá, daqui a algum tempo, vida para além dos Centros Comerciais?

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Também há finais felizes no baú:).

O puto




O puto chorava, num desamparo primaveril.
Olhou-o, aflito. Sem sombra de dúvidas – mil vezes o choro de mulher magoada! Por mais torrencial que seja, nele sempre viaja dedo acusador não definitivo, aberto a pontes e embarcadouros. Ali mesmo, na sala que agora guardava um minuto de silêncio, obsceno de tão longo, por sonhos infantis, vira ele rebentar muitas águas, fêmeas e não grávidas. E contudo cheias: de raiva, abandono, tristeza. Lembrou a rapariguinha loira de olhos resmungões e boca semi-cerrada como o coração dele – “se os homens fecham as comportas por medo de se diluírem na corrente, problema vosso; nenhuma mulher deseja imitar a pose do cow-boy da Marlboro, estamos na merda a tempo, corpo e alma inteiros”. Erro crasso, tê-la deixado partir...
Facto é que um homem tem por onde escolher: pede perdão sem admitir a falta ao espelho; regressa engolindo o orgulho; promete fazendo figas; arrisca ternura que considera mariquice; discute como adulto, refreando o adolescente ansioso por bater a porta; contra-ataca sem argumentos; rende-se! (encomendando o futuro ao Criador...). Não que seja fácil. Da estratégia de xadrezista gélido à fogachada nascida de cabeça quente, tudo acarreta preço e riscos. O choro delas enternece e agride, devasta rostos e sacode ombros, acirra o desejo oficialmente esquecido; tem a força de uma lava húmida que afoga e incendeia, como se um vulcão fêmea recusasse dor a solo.
Mas aquilo... Não havia acusação, esperança, raiva, saudades; ou hipótese. Sentia-se um espectador impotente, parte da mobília, como a estante superlotada e os sofás puídos; um estranho. Ou ladrão que à sorrelfa tivesse entrado para honestamente ganhar a vida, apenas receando alarmes ou cidadão com licença de porte de arma e nervoso ao gatilho; e se imobilizasse, face às lágrimas do garoto, dando consigo a gritar o impensável – “não há direito, chamem a polícia!”.
Inventar esponja ou alegria para aquele choro. Mas com cautela!, sem minar demasiado as regras da casa, bovinamente decalcadas das páginas ditatoriais dos especialistas, prontos a responsabilizarem educadores angustiados pelas catástrofes vindouras. Reviu mentalmente a lista de caprichos recusados, presentes adiados, castigos decretados. Obsessivo, tentou prever a reacção da ex-mulher, sempre disposta a puxar-lhe as orelhas ao telefone, “é preciso que lhe falemos a uma só voz!”. (Tarefa difícil para quem apenas estivera de acordo no desacordo, nunca deviam ter casado). Mas tentavam permanecer pais, o miúdo não tinha culpa de confusão frequente no tempo deles: tomar por amor com futuro um imperioso desejo sexual momentâneo.
Decidiu atacar o fogo com violação das regras alimentares vigentes.
- Queres ir ao MacDonald´s?
Surpreso ficou. O que não o impediu de enxugar as lágrimas rapidamente, não fosse o velho mudar de ideias ou algum vizinho de mesa aperceber-se da sua “fraqueza”. Mas o semblante permaneceu toldado.
Frente a frente. O pai refugiado numa saudável e destoante salada; o filho metodicamente demolindo um hamburguer organizado em propriedade horizontal, com nome a condizer – super-max qualquer coisa. Mais dose reforçada de batatas fritas, todos os molhos habitando saquetes luzidios e um refrigerante de cor tão berrante como as paredes. Para sobremesa, um gelado de apelido pontual – Sunday. A tudo resistiu o silêncio, mesmo à gratidão. Suspirou - a cabeça do rapaz não acompanhara o júbilo surpreendido do estômago. De regresso a casa, meia hora de bónus ao computador, já sem esperança. O toque de recolher, aceite sem os protestos da praxe.
Quando assim tristes, consentem mimos que já crismaram de vergonhosos para a idade. Aconchegou-lhe os lençóis e disse baixinho segredo por ambos conhecido,
- Gosto muito de ti.
Nenhum próximo adolescente que se preze responde a tal piroseira!
Chegado à porta, não resistiu a assumir o papel de oráculo optimista,
- Vais ver, para a semana o Benfica ganha.
Acusador, como o choro das mulheres,
- Tu não queres que isso aconteça, és portista!
O pai, digno, em defesa da honra ferida,
- Mas não fanático!
E o milagre, de que já desistira, aconteceu – o filho, não se dando sequer ao trabalho de discordar, desatou a rir à gargalhada.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Cêtê falou de melancolia...

... e eu lembrei-me de uma crónica que escrevi há muito tempo:).




Desmentido


Se disserem que parti, não acredites.
Quem? Sei lá! A senhora da mercearia entregando o troco, algum puto reguila que espere a teu lado o verde para atacar a passadeira, a locutora de seios fartos e neurónios raquíticos do programa da manhã, uma daquelas “amigas” que se esquecem de assinar as cartas ou pousam o auscultador antes de dizerem o nome. Sei lá...
Não acredites.
É verdade que o silêncio invadiu a nossa vida, já não me lembro de conversarmos. Pior!, já não me lembro se algum dia o fizemos. Hoje falamos. Pouco. Esgrimimos as palavras indispensáveis ao bom andamento das refeições, à partilha equitativa da televisão – quando não te refugias no quarto com a portátil -, ao ingresso matinal sem atropelos no quarto de banho. Extra-muros restam as de circunstância nas visitas às respectivas famílias e no almoço de curso, durante o qual sempre nos dedicam um brinde por sermos o casal perfeito da nossa geração. É pouco. Mas chega. Aposto que pensas o mesmo, há anos que te não ouço protesto ou remoque. Ultimamente, creio mesmo termos descido mais um degrau nesta ascese comunicativa, ambos utilizamos com frequência o grunhido como resposta, apenas a entoação dá a entender o seu significado. E funciona! (Vantagens de uma longa convivência...) Mas poderão insinuar que parti em busca de companhia que me desate a língua e ressuscite os ouvidos que para ti entraram em greve sine die.
Não acredites.
É verdade que os corpos seguiram as palavras. Primeiro refugiados num sexo mecânico e estereotipado em noites de dias certos. Não digo ineficaz, essa história sobre a necessidade do amor e da comunicação é balela de filmes românticos e especialistas gananciosos; uma vez aprendidos movimentos e ritmos, o prazer físico salta como o joelho no reflexo rotuliano, esteja a cabeça vazia ou cheia de outra pessoa. Sim, outra pessoa, nunca to disse. A princípio escondia-o, depois nunca estive tão furioso que desejasse lançar-to à cara. Nada de importante, uma colega do escritório. Colega? Que exagero! Umas pernas elegantes cruzadas na secretária junto à minha, a saia trepava apenas o suficiente para exasperar a carne, o mesmo acontecendo às profundezas do decote, o cabelo à Veronica Lake escondia-lhe a cara. Melhor, nunca desejei a intimidade de uma troca de olhares, muito menos “bons dias” sugestivamente alegres ou despedidas de prometedora melancolia ao fim da tarde. Tinha dela o que precisava. O resto só poderia ser uma desilusão ou o princípio de uma carga de trabalhos, passado o entusiasmo inicial essas histórias clandestinas são de um ridículo atroz. Colava a sua imagem à tua face, quando ainda era necessário obrigar o corpo a fingir de quando em vez. Felizmente, hoje o sexo também se esconde por trás de grunhidos e monossílabos, tu vais para a cama cedo ou sofres de enxaqueca, eu refugio-me na net ou no clube de bridge. Manobras de esquiva inúteis, nenhum de nós já espera nada, um dia destes passo para o quarto dos rapazes. (Quanto à importância do sexo, considero-a sobreavaliada, a masturbação chega-me perfeitamente para relaxar e adormecer.) Mas admito que sussurrem ter partido a reboque de alguma paixão outonal.
Não acredites.
É verdade que ao pôr a hipótese de invadir o quarto dos rapazes me assalta uma tristeza enorme, a casa parece – e está! – vazia sem eles. Acho que foram uma no man’s land entre nós, encontrávamo-nos os quatro algures entre as trincheiras desta mútua indiferença. E o armistício era de boa fé, dos seus risos sobravam alguns estilhaços que recolhíamos sem esperança ou rancor. As preocupações da moda com os adolescentes não nos punham ombro a ombro, mas pelo menos cruzando os dedos no mesmo exorcismo às drogas, acidentes de viação e fracassos escolares. Se um dia aparecerem, não acredito que tal aconteça com os netos, não voltaremos a estender os braços um para o outro, nem mesmo para segurar um bebé. Dito isto, é possível que digam ter eu esperado a sua partida para também fazer as malas.
Não acredites.
Vou simplesmente passar o dia à quinta, gosto de a saborear sem o peso da minha solidão reflectida na tua. Estarei em casa - como e para sempre... – à hora de jantar.


P.S. Como é óbvio, não se tratava de uma carta encapotada a Maria! Escrevo-lhe desde os doze anos e nunca o desencanto meteu o nariz em tal monólogo dialogante:)))))).

Bom dia, maralhal:).

Como me escreveu um de vocês:


A vida é isso que estas a ver:
Hoje sorris,
Amanhã não sorris,
E segunda-feira ninguém sabe o que será.

Carlos Drummond de Andrade.

Ou, em versão tripeira: siga a rusga:))))))))))))))).

terça-feira, dezembro 27, 2005

Até amanhã.

Obrigado pela compreensão, maralhal. Dizia um bom amigo meu, também psiquiatra, que sofro do "síndromo do filho único". Ou seja: alimento, de forma neurótica, fantasias acerca de muuuiiitos irmaozinhos à volta da mesa, amigos uns dos outros e a salvo de zangas pueris, quanto mais de maldade diplomada! Não digo tanto, mas o psi em mim aponta o dedo e diagnostica: "não andas longe...". Aceito o reparo que me foi feito por alguns de vós, esperei tempo de mais por uma acalmia que nada tinha de provável. Peço desculpa aos que aturaram o descambar da situação e fico grato a outros, que se afirmam dispostos a regressar. Lamento, mas compreendo que outros partam, desiludidos por um formato que lhes "proíbe" a comunicação imediata. O psi volta a rosnar: "esse horror às separações...". E tem razão. A vida é também feita de lutos, sofridos mas assumidos. Negá-los na cabeça ou - pior ainda! - acreditar poder iludi-los no concreto, equivale a deixar para trás novelos afectivos enrodilhados. Que nos continuam a assombrar, como os pássaros de Hitchcock nos fios eléctricos... Não imagino o futuro do Murcon, estarei cá amanhã e logo se verá. Boa noite.


Ver claro


Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede.

O Lobices tinha razão.

Como ele próprio esclareceu num comentário, nunca lha neguei. Mas o pensamento de cercear a absoluta liberdade de opinar(?) angustiava-me. Ao longo de dez meses, reflecti sobre posições diversas das minhas, sorri perante a brejeirice, fiquei grato pela ternura, aceitei caneladas "mazinhas", semelhantes a tantas outras com que fui mimoseado de há mais de vinte anos para cá. Tudo bem, são as regras do jogo. Mas o que li hoje de manhã está muitos degraus abaixo disso, descambou para o insulto puro e duro, que não me sinto na obrigação de aturar. A brejeirice, o desacordo, o alegre chat entre vocês permanecerão. Mas intervenções que me retirem por completo o prazer de visitar o meu próprio blog, isso não. Por isso mesmo - porque me dá gozo vir aqui e não o quero ver substituído pela náusea.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Lembrete.

Não confundir viagem e quilómetros. Fazer os indispensáveis para encontrar ramo adequado, provavelmente à sombra de uma qualquer igrejinha românica. E só então levantar voo, com doçura empurrado pela pedra ascética. Fundo, mais fundo, navegar por osso e raiz, surpreender a alma nua em cada prece reservada a Deus. Vesti-la do silêncio que emoldura o desejo e não o pudor. E sobretudo não a ofender com postais a tanto a meia-dúzia, fotos de telemóvel da última geração ou bugigangas de lojas de artesanato plastificado. Para que não fuja. Transformando-me num simples turista em busca de troféus culturais para exibir aos amigos, mortos de inveja por ter eu visitado cinco cidades, dez vilas e cinquenta aldeias em apenas uma semana...

domingo, dezembro 25, 2005

Pergunta incómoda.

Maria,
Que te hei-de responder? Este ano lembrei-me de comprar pilhas para os brinquedos e os miúdos estavam felizes. Quanto ao resto, amanhã é dia de trabalho. Felizmente... Obrigado pelo mail. Tem cuidado contigo. Se puder, meto-me no avião e vou aí no próximo fim-de-semana. Não por ser Ano Novo, sabes como detesto divertir-me com data e hora marcada:). Para te abraçar no aeroporto e beber cada grão de areia da ampulheta que conta os minutos antes de nos separarmos de novo. Raio de vida, Maria! E não me venhas outra vez com a cantilena sobre "as certezas que resultam da distância". Volta. E eu prometo que alugo um apartamento em Gondomar para fazermos a experiência a meia-hora um do outro. Em horário laboral:).

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Fiquem bem.

Presumo que muitos estarão a aquecer motores para rumarem a Natais fora de portas. Por isso vos deixo já um abraço sincero. Não sou um fã do Natal, há demasiados fantasmas pela casa, embora se tenham apiedado de mim depois do nascimento dos meus netos:). Quem resiste à alegria das crianças? Nela renasce a nossa, que por vezes julgámos exilada para sempre.


Deixo ao Miguel as coisas da manhã -
a luz (se não estiver já corrompida)
a caminho do sul,
o chão limpo das dunas desertas,
um verso onde os seixos são
de porcelana,
o ardor quase animal
duma romã aberta.


Eugénio de Andrade, O Peso da Sombra.


Herança complicada, mas "obrigatória" - deixar-lhes o melhor do mundo e de nós.

Vocês não poupam um pobre velho...

Paroxístico=paroxísmico. Relativos a paroxismo.


Novo (?) Dicionário Lello da Língua Portuguesa.



P.S. Última página do Público: a nova moda nos Estados Unidos é oferecer operações plásticas às mulheres. Incluindo reconstituições de hímen, às vezes para satisfazer fantasias de desfloração. Ideia curiosa essa, reconstruir a virgindade...

quinta-feira, dezembro 22, 2005

As palavras que o não deixam morrer.

O Arnaldo Saraiva, que ao longo dos anos me presenteou com atenções que decorrem da sua natureza gentil e não de merecimento do destinatário, ofereceu-me, em nome da Fundação Eugénio de Andrade, a 2ª edição revista e acrescentada de Toda a Poesia do Eugénio~de Andrade. E a saudade do homem torna dolorosamente espessa a distância que me separa das palavras do poeta a quem Yourcenar disse: "Ce clavecin bien tempéré de vos poèmes...". Estou de acordo com a autora dessas maravilhosas Memórias de Adriano - a música é uma das duas pontes para a transcendência que pressentimos na poesia do Eugénio. A outra, como já foi dito e redito, é o sol. Queimando o sol(o) e os corpos que nele se debatem, paroxísticos, antes de se erguerem. Rumo à luz.

E não é gralha...

Governo contra vinho do Porto americano
2005/12/22 | 10:11
Acordo permite a comercialização de vinho americano com as designações vintage, tawny e ruby associadas ao vinho do Porto

O ministro da Agricultura, Jaime Silva pronunciou-se contra o acordo firmado em Setembro pelos Estados Unidos e pela União Europeia que permite a comercialização de vinho americano com as designações vintage, tawny e ruby associadas ao vinho do Porto, avança a edição de quinta-feira do jornal Público.

Para o governante português, o problema reside no facto de este acordo abrir um precedente face a outras regiões do Mundo, o que poderá prejudicar as exportações do produto original.

O acordo sobre vinhos entre os Estados Unidos e os 25 prevê que numa primeira fase, e até que as autoridades de Washington fixem novas designações, os produtos vinícolas americanos possam ser comercializados com as denominações de origem, entre elas Port (e não Porto).


Citação do PortugalDiário.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Que mais iremos ler?:). Já não há revisores de texto?

Política

União Europeia


Candidatura de Alegre acusa RTP de «tratamento imparcial»
A candidatura de Manuel Alegre acusou a RTP de «tratamento imparcial» e de violação das regras da igualdade de oportunidade na sequência do debate transmitido depois do frente-a-frente entre Mário Soares e Cavaco Silva, na terça-feira à noite.

No debate sobre o Estado da Nação, da RTP, o painel de convidados não contemplou um representante da candidatura de Manuel Alegre o que permitiu que, quando um dos comentadores, membro da comissão de honra de um dos candidatos, criticasse a candidatura do deputado poeta, não houvesse defesa.
O deputado socialista fala numa «exclusão inadmissível» de um espaço de debate público.
Este protesto de Manuel Alegre surge depois de, na semana passada, ter anunciado que iria processar a Eurosondagem, por aquilo que apelidou de «sintonia» entre o responsável da empresa e o socialista Jorge Coelho.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Vigília.

Quando te sinto adormecer e ao meu desejo,
saciados mas famintos de futuro,
procuro medos antigos e não os vejo,
do amor, de ti, do quarto escuro.

Uma criança suspira aliviada,
um rapazinho afaga o louco sonho,
um homem vive a certeza mais inesperada,
um velho não se crê já tão bisonho.


E todos te segredam um "até amanhã" agradecido.

domingo, dezembro 18, 2005

Pelo sim, pelo não...

... rejeito qualquer responsabilidade pelo que possa acontecer no Porto esta noite - a partir da 1.30... - provocado pelos inexauríveis convivas do jantar do Murcon!



Agora a sério - foi muito bom:).

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Directos ao coração.

Maria,
Que coincidência estranha! Recebo o teu mail, cheio de uma tristeza funda e solidária que me faz desejar correr a dar-te colo, e a 2 emite a História dos blues. Um homem e uma guitarra; a dor, o racismo e a pobreza a céu aberto. Compreendo o teu horror à injustiça não mediática que nos rodeia. Mas porque sou bem mais velho, lembro-a nas cruzes do Ku Klux Klan, no discurso de Luther King, na morte anónima de Skip James. Maria, admiro o teu escândalo e a necessidade que sentes de ir à luta. Admiro-te o suficiente para me sentir envergonhado por ouvir blues no conforto da sala. Receio que a velhice também seja isto - refugiar-me nas palavras para esconder a preguiça que torna difícil as barricadas, mesmo simbólicas. Saber-te nelas enche-me de orgulho e receio. Porque me rejuvenesces e afastas ao mesmo tempo. Pouco - muito!:( - importa: fazes o que tem de ser feito, pobre do amor que "dura" à custa do puxar de rédeas de alguém. Vai. Logo veremos se ainda consigo, ao menos, seguir-te à distância de um beijo, de um sorriso, de um olhar. Se não conseguir é porque já não te mereço.
Boa noite e bom caminho.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Associação livre: Pamina-Shakespeare-Vasco Graça Moura-Petrarca.

"O que costumava amar, já não amo; minto: amo, mas amo menos; ainda assim continuo a mentir: amo, mas mais envergonhadamente, mais tristemente; agora é que disse a verdade. De facto, é assim: amo, mas desejaria não amar o que amo, desejaria odiá-lo; amo todavia, mas sem querer, mas coagido, mas triste e em pranto. E, mísero, em mim mesmo experimento aquele famosíssimo dito: Odiarei se puder; se não, amarei apesar de mim".

Em Vasco Graça Moura, As Rimas de Petrarca.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Com efeito...

Ofício de suicidas


Poucas as palavras, pequenos seus desígnios,
nomeiam sempre realidades banais,
triviais signos, factos consumados,
e, ao fundo, sórdida presença da morte.
Ofício melancólico, construir estas grades,
estas escassas lápides do tempo que nos passa,
ofício de suicidas, tentar reter
o rasto da luz em sílabas de sombra.


Juan Luis Panero, Poemas.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

O outro espírito natalício.

Maria,
Que maldade!, perguntares ao psi como vai a contagem decrescente para o Natal:(. Perguntavas ao Avô e ele te diria que sobreviveu ao Toys'r'us - ou lá como se escreve... - com um sorriso nos lábios e muita paciência na caixa, pensando em mãos e olhares ávidas dos netos. (Nota importante: não exagerar, a miudagem desenvolve uma "ideologia consumista" aterradora.) Mas o psi recebe muita gente que despe as máscaras usadas à luz das lâmpadas na rua. E que teme os holofotes escrutinadores dos outros... Confessam desejar que tudo passe a correr e cheguem os Reis para os libertar de tristeza republicana; recordam fantasmas do passado; viram e reviram os medos do futuro; perguntam, sorriso amargo, se não há uma pastilha que os faça dormir por dentro até Janeiro, enquanto funcionam por fora. Estou soturno e em pleno delírio de auto-piedade? Soturno talvez, mas jamais ouvirás de mim um lamento. É verdade que o riso não abunda na minha profissão ou, quando chega, leva as pessoas porta fora a gastar melhor tempo e dinheiro. Mas não me imagino a fazer outra coisa, sou um ouvidor. Só não te ouço a ti? Perdão, mas é uma surdez selectiva, apenas acontece quando me azucrinas o juízo! Ups... Just kidding, Maria, just kidding.
Júlio, dois ouvidos ao teu dispor:))))).

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Os Simões em Cantelães:).

Ontem os Simões visitaram os Vazes. O clã é chefiado por alguém que todos vocês conhecem, o Professor Manuel Sobrinho Simões, um dos nossos mais ilustres investigadores e universitários. A reunião das duas famílias - e de dois homens que construíram uma amizade sem uma nuvem ao longo de quase quarenta anos! - só não foi perfeita porque o filho mais velho do Manel e a mulher não vieram por estarem fora de Portugal. Porque os (exagerados) intervalos entre estes rituais à volta de mesas longas e muito povoadas não alteram nada, é como se tivéssemos estado juntos na noite anterior, ainda sem filhos e muito menos netos. O Manel gostou de Cantelães, mas não deixou de fazer notar que "sem mar e com mau tempo...". Compreendo-o, perdi a conta das vezes em que desafiámos céus pesadões em Vila Praia de Âncora e levámos a criançada esticar as pernas à beira-mar. E porque sempre fui eu o citadino, o preguiçoso, o hesitante face a excursões em busca de cogumelos no Camarido, uma frase dele era inevitável - "Ó Vaz, não te imaginava num cenário destes". Também eu tive dúvidas. Acontecia-me recear que passados três ou quatro fins-de-semana para aqui viesse só para não dar o braço a torcer, mas suspirando pela cidade. Não sucedeu, já não acredito que suceda, pequenos (grandes) pormenores o sugerem - o jardineiro, o senhor Augusto, veio trazer batatas, cebolas e ovos, para o caso de "você" - que sou eu:) - "cá não voltar antes do Natal"; o funcionário da farmácia meditou comigo sobre a fórmula a empregar (bom dia ou boa tarde), eu afirmava que passava das doze, ele retorquia que ainda não almoçara; o patrão do Sol da Cabreira descobriu que vive no Porto muito perto do meu consultório; a senhora do café já não precisa de me ouvir, só confirma que jornais desejo reservar. Não, Cantelães não é um capricho efémero, mas um porto de abrigo à la Toyota - veio para ficar:)))))).
Adiante. Porque a visita do Manel y sus muchachos me enterneceu, aqui vos deixo o artigo que lhe dediquei quando ganhou o prémio Pessoa. Escreveu-se a si próprio, como acontece quando falamos da alegria e orgulho que nos despertam os que amamos.







O Manel


Sento-me ao computador e recomeço luta com história que teima em não levantar voo. Em barulho de fundo, cocktail criminoso: Mozart e notícias. De repente, eis o divino Wolfgang transformado em simples actor secundário - o Manel ganhou o Prémio Pessoa! Sei, não é forma de me referir a Catedrático de Medicina. E contudo, sem beliscar a admiração intelectual que nutro pelo Professor Sobrinho Simões, no coração prefiro-lhe o Manel.
Ambos médicos, ele navegava dois cursos antes do meu. Navegar não será o verbo adequado, tal o brilhantismo com que planava acima de aulas e exames que nos esculpiam as olheiras. Abundantes embora, nunca precisei de histórias acerca da sua fina inteligência e célere sentido de humor. Como ele, filho de professor, bastava-me escutar as descrições enlevadas de meu Pai – foi um dos seus alunos favoritos. E não pelas respostas certas, infelizmente o curso de Medicina favorecia(?) o empinanço puro e simples. O meu velho adorava nele, isso sim, o talento para articular meros conhecimentos rumo à sabedoria possível na sua idade e o gozo com que aceitava fazer do programa um simples trampolim para discutir o mundo em geral.
Em contrapartida, pertencíamos à mesma fornada de lagartos ao sol do Molhe. E desaguámos juntos na tropa: eu por lapso de um computador incompetente, ele por não invocar joelhos cambados, que o faziam marchar como marinheiro em terra, para desespero do tonitruante instrutor. Pouco habituado a hierarquias não alicerçadas no mérito, lembro a naturalidade com que me arrastou a invadir a messe dos oficiais em busca de parceiros para um bridge. Fomos informados de que atentáramos contra a disciplina militar, as chefias não se misturavam com recrutas. Paciência!, jogámo-lo sem farda por muita mesa de jogo. Perfeccionistas, debatíamo-nos com problemas diferentes: eu jogava há uns tempos, mas uma crónica distracção impedia-me de ser bom jogador; ele era um neófito, mas dotado e com pressa de dominar os requebros das cartas. Em democrática votação decidimos desactivar essa mistura explosiva, para que eventuais estilhaços não comprometessem o carinho que nos unia.
Mas não se pense que abandonámos o desporto! Antes de mim, o Manel percebeu que as fugas da cidade ao fim de semana se tornavam imperiosas para a manutenção da saúde mental. E refugiava-se em Âncora e Arouca, amiúde pegando no telefone a desafiar-me, “ó, Vaz, anda daí!” E eu ia, com os Machadinhos, rumo a terríveis futeboladas e não menos homéricos banquetes, antecedendo a conversa à lareira ou sob um céu estrelado. E se já antes gostava muito dela, foi nessas escapadas que apreciei a importância fundamental da mulher, a Gu, originária de clã a quem a cidade muito deve - os Areias. O Manel não teria sido o que é, a todos os níveis, sem a sua discreta mas firme doçura, que não raras vezes nos punha a todos em sentido!
Fico muito contente. Pelo amigo, que em triste época da vida me telefonou e disse: “não te quero invadir, quando desejares a porta está aberta”; pelo universitário brilhante, acima de tudo capaz de formar discípulos; pelo homem que sempre mimou a família, apesar de um quotidiano de saltimbanco ao serviço da ciência; pelo tripeiro ferrenho, jamais engaiolado na armadilha do bairrismo; pelo portista doente e agarotado, que me telefonava à gargalhada a oferecer condolências quando o Porto zurzia o Benfica; pelo pai de filhos que cresceram ombro a ombro com os Machadinhos, numa algazarra que só poupava a Joana, a rapariga da geração; pelo avô de futuros netos que os meus já esperam, para continuar esta saga entrelaçada.
O Professor Sobrinho Simões merece amplamente esta homenagem, como cientista e cidadão. Mas o prémio chama-se Pessoa. E como pessoa, o laureado não existe sem o Manel, pois o brilho que justifica o reconhecimento irradia, genuíno, de dentro. Os “outros” não passam de fogachos mediáticos.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Para alívio de alguns e desencanto de outros..., sobrevivi!

Não sei bem como... Vi sozinho em casa, sem apoio médico. Ainda por cima de um modo esquizofrenizante, os vizinhos de cima gritavam golo antes da bola entrar e ela entrava! Suponho que as notícias cheguem mais depressa pela rádio ou a minha televisão trabalha au ralenti:))). Claro que saboreei até ao tutano uma vitória inesperada. Mas se tivesse levado com um balde de água fria nos últimos momentos continuaria a dizer o mesmo: eles bateram-se até à exaustão e essa é a minha única exigência inegociável.
Quanto ao dedo médio de Cristiano Ronaldo, diria que se trata de um caso de dinheiro e bajulação a mais e idade e educação a menos.

terça-feira, dezembro 06, 2005

O optimismo da "família mantida".

Admito que sou suspeito. Admito que eu e minha ex-mulher tivemos sorte, os nossos rapazes não nos deram um desgosto, apenas motivos de orgulho. Mas sou psi há 30 anos e tenho visto como é ilusório decidir que a não separação dos pais resulta, por definição, num benefício para os filhos. A família é um espaço emocional, não um somatório de presenças físicas. Os campos de batalha, os silêncios sepulcrais, a aflição de miúdos que se vêem obrigados a tomar partido ou a refugiar-se em quartos ou cafés, nada disso é compatível com um crescimento saudável dos jovens. E devo acrescentar que já ouvi bastantes dizerem a pais, que juram ter ficado juntos por sua causa: "não o pedi e preferia paz em duas casas". Acresce que muitos pais o dizem de boa-fé, mas sem ser verdade - ficaram por medo, remorso, comodismo, ainda esperança... E que seja verdade!, nenhum adolescente pode ser "responsabilizado" pelo arrastar da tristeza parental. Não tenho dúvidas que o divórcio é, muitas vezes, a decisão mais benéfica para todos os envolvidos, desde que o retomar da navegação por parte dos pais não implique o seu afastamento emocional das crias.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

A importância do significado atribuído.

Investigadores australianos demonstram impacto do stress na saúde humana
05.12.2005 - 14h08 Lusa

Investigadores australianos do Instituto Garvan de Sydney conseguiram provar cientificamente os efeitos do stress para a saúde humana, que podem gerar desde uma simples constipação ao cancro, indica hoje uma revista médica.
Em períodos de stress, uma hormona libertada no corpo, chamada neuropéptido Y (NPY), afecta o sistema imunitário e torna a pessoa doente, defendem os cientistas.

"Antes havia provas indirectas de uma ligação entre o cérebro e o sistema imunitário. Agora temos a ligação", disse Fabienne Mackay, membro da equipa de investigação.

Durante os períodos de stress, os nervos libertam muito NPY que vai para o sangue, onde inibe as células do sistema imunitário", acrescentou a cientista ao “Journal of Experimental Medicine”.

Herbert Herzog, que também participou na investigação, comentou que o efeito negativo do neuropéptido Y sobre a tensão arterial e o ritmo cardíaco era já conhecido, mas a descoberta do seu impacto no sistema imunitário poderá agora abrir novas portas para combater certas doenças.

A libertação dessa hormona "torna as pessoas mais vulneráveis quando têm uma constipação ou uma gripe e mesmo em situações mais graves, como o cancro", afirmou à estação de rádio ABC.

A artrite reumatóide, a esclerose em placas, a doença de Crohn e a diabetes são também doenças que têm uma ligação ao stress, segundo os investigadores.


Gosto sempre de registar os avanços nesta direcção, a pouco e pouco vão tornando ainda mais obrigatória a abordagem psicossomática da realidade humana que impede o refúgio na velha chaveta espírito/corpo. Mas atenção!, a relação stress psicológico-consequências físicas não é simples e mecânica. Desde logo, por uma razão básica: muitos factores só se tornam stressantes quando o indivíduo os percebe como tal, daí a importância do significado atribuído por cada um às experiências que vivencia.


Nota: como outras vezes, o PortugalDiário pediu a minha opinião sobre dados sociológicos, neste caso do INE sobre casamento e divórcio. As perguntas e respostas descambaram em conversa que, como é óbvio, não poderia ser transcrita na íntegra. O que foi publicado é, assim, asceticamente fiel, excepto num ponto: nunca disse que o divórcio é uma "solução fácil". Jamais o poderia fazer, por experiência pessoal e profissional. Disse, isso sim, que o divórcio é hoje mais fácil por razões culturais e económicas. Mas o divórcio das pessoas de carne e osso muito raramente é um processo isento de dor ou, pelo menos, da frustração pelo fim de um projecto que um dia se julgou com futuro sólido.

domingo, dezembro 04, 2005

I'm John.

Gostei do artigo da Pública sobre John Lennon com este título. Quanto à pergunta sobre onde estava quando soube da sua morte, é fácil: a entrar em casa e ouvindo um noticiário. Parte do meu mundo desmoronou-se, e eles estavam separados há 10 anos. Era um amigo que partia, no preciso momento em que reencontrava a sua música e continuava a afagar o sonho de uma reconciliação entre ele e Macca ao nível musical. Essa nostalgia de recomeço, infantil e susceptível de me provocar enorme desilusão, morreu naquele dia. A saudade, embalada ao som da sua música, tornou-se mais forte e perdura.
Das citações de John, saliento uma: "O meu papel na sociedade, ou o papel de qualquer artista ou poeta é tentar expressar o que todos nós sentimos. Não dizer às pessoas como sentir. Não como um pregador, não como um líder, mas como um reflexo de nós todos". Estou de acordo. Acontece que alguns são capazes de escrever ou compor reflexos caleidoscópicos que nos encantam e fazem descobrir facetas desconhecidas...

sábado, dezembro 03, 2005

A caminho da pauta:).

Corrijo exames da pós-graduação organizada pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e nem a paz de Cantelães pode camuflar a realidade - as respostas ao meu grupo de perguntas sofrem de anemia grave. Claro que a matéria será enfadonha para alguns, quem a ministrou merecerá o mesmo diagnóstico por parte de outros, mas receio que mais variáveis entrem no jogo, género "por que raio vou perder tempo com aspectos históricos se o que desejo é ser terapeuta sexual? Que me conste os romanos não tinham clínicas a trabalhar nesta área!". E desconfio disso por encontrar o mesmo raciocínio nas Faculdades de Medicina, laboriosamente produzindo super-especialistas. Trata-se de um erro crasso. Não somos cavalos, qualquer tipo de antolhos não melhora a nossa eficácia, pelo contrário. A cultura (geral e profissional) torna-nos mais capazes de analisar uma queixa - e por arrastamento sobre ela intervir... - por a colocar sobre o pano de fundo de outros olhares. A ela e a quem a sussurra ou grita, gente como nós que não pode ser reduzida a portadora de sintomas. E o olhar romano sobre o género sublinha de modo cristalino como algumas das nossas chavetas, exclusivamente baseadas na orientação sexual, são produzidas num dado momento histórico e não revelações divinas. Elas pareceriam estranhas a um honesto e viril cidadão de Roma, apenas preocupado com um eventual carimbo de passividade numa relação erótica com qualquer um dos sexos.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Isto não é o day after.

Nem o fim do programa - que os três prevíramos para dois anos atrás! -, nem meia-dúzia de comentários mais... acutilantes:) à minha pessoa justificam preocupação, maralhal. O Lobices tem razão e a Camille Paglia também - não há lei na arena (neste caso do Murcon). É um preço baixo a pagar pela tertúlia, não acham? Quanto a mim, ficaria mais preocupado se alguém me tivesse feito o "diagnóstico" que consta do livro A Conspiração contra a América, de Roth (agora já não vale utilizá-lo:)!) - "O inchado filho da mãe sabe tudo: é uma grande pena que não saiba mais nada". Eu conheço alguns e vocês também, seguramente. Bom fim-de-semana, gente. E não se esqueçam: a felicidade não existe, mas ter saúde e falar livremente são privilégios a não olhar com sobranceria, tomando-os como dados adquiridos:).

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Para evitar surpresas.

Se na próxima semana o Estes Difíceis Amores for para o ar será um programa gravado. O mesmo acontecerá se a RTPN decidir mantê-lo na grelha até ao fim do ano. Como os que costumam ver sabem à própria custa, tanto na 2 como na RTPN as surpresas - horários e ausências - foram frequentes. Por causa de jogos de futebol, festejos variados, datas mais ou menos simbólicas, etc... Embora triste com muitas dessas ocorrências, a minha ligação com o "canal da minha terra" falou sempre mais alto. Bem assim como a relação cordial que mantinha - e mantenho! - com quem lá trabalha. Acontece que há limites que não devem ser ultrapassados. Esta semana fui informado da impossibilidade de gravar no dia habitual..., no próprio dia! Proposta: sexta à noite - impossível para mim -, pois não existe um único programa de reserva como ordena a prudência. Não se pode trabalhar desta forma. Sei que os factos não traduzem má vontade contra qualquer um dos três, mas sim a "descontracção" que três anos de trabalho acarretam: "logo se vê", "eles são da casa", trá-lá-lá. E realmente somos da casa. Eu estou na RTPN desde o início e cheguei a trabalhar de graça; o Estes Difíceis Amores é um programa barato, porque nos foi pedida compreensão para a pouca disponibilidade financeira da estação (pedido reiterado quando o programa começou a passar também na 2, RTPi e RTP Internacional sem qualquer ajuste nas remunerações); a este nível, o desprendimento da Leonor Ferreira chegou a ser embaraçoso para todos, durante muito tempo não ganhava para o pitróleo, como se dizia no meu tempo; torcemos as nossas vidas para acatar todas as alterações de gravação, que não foram poucas; fizemos o melhor que pudemos e sabíamos durante três anos; e creio poder dizer que do operador de câmara ao director de antena ninguém ficou com queixas nossas.
Por tudo isso - e por unanimidade:) - decidimos ficar por aqui, sentimo-nos desta vez um bocadinho desleixados de mais. Tenho pena, apetecia-me que os últimos programas fossem alegres, afinal traduzindo o que de melhor guardarei: três anos volvidos, saí sempre das gravações cansado mas divertido, a Leonor e a Gabriela conseguiam abanar-me a preguiça e despertar o prazer da tertúlia. Para elas vão os meus agradecimentos sinceros e o sublinhar da sua competência, com um beijo especial para a Leonor, que se arriscou a conversar com dois velhos amigos que conhecera meia-hora antes da primeira gravação. E para os que nos visitavam, um "até qualquer dia" não menos grato, nenhum programa dura três anos sem o apoio do público.
Fiquem bem.