domingo, julho 31, 2005

A room with a view.

Lembram-se do filme? E da canção? Pois eu estou na mesma. Só que não vejo cidade nem mulher, mas a piscina infantil:). Senhor, os psis, por que os castigais? Anos e anos a vir para o Algarve por causa dos filhos e agora juntam-se-lhes os netos! Detesto o calor, a areia, a multidão; suspiro pela paz de Cantelães. Malévolo, deixo-os partir rumo à praia com a firme intenção de me manter no sossego do relvado com o meu livrinho. Depois os putos viram para mim aquelas faces lisas e coradas, virgens de plásticas e álcool, e entoam um "vens lá ter, pois vens?" que é uma ordem travestida de pergunta. E eu lá me informei na recepção sobre o serviço de carrinhas. Parto às três para o odiado areal, resta-me a consolação de ter o mar ali tão perto (isto é roubado ao Sérgio Godinho:)).
Tendresse oblige!

sábado, julho 30, 2005

Antes que seja tarde:).

"Sempre mais um ano possível, um dia possível, uma hora. E logo, em atropelo, o futuro, que é uma variante modesta da eternidade. Conquistar um império, escrever um livro, apertar um parafuso da porta. Amar ainda uma mulher - vou escrever uma carta de amor".

Vergílio Ferreira, Para Sempre.

sexta-feira, julho 29, 2005

A noção de instrumentalismo heterossexual.

"O intrumentalismo heterossexual refere-se aos comportamentos que reflectem e mantêm a expectativa de que toda a heterossexualidade deve ser praticada com requisitos explícitos de dominância e subordinação.
... conseguidas pela força, coacção ou consentimento (implícito ou outro).
... O objectivo último de tais comportamentos é a manutenção das desigualdades de género pré-existentes".

Schacht e Atchinson.

quinta-feira, julho 28, 2005

Adiante.

"Fomos ambas, às vezes, acusadas de "trair as mulheres" apenas por sermos heterossexuais - por "dormirmos com o inimigo". Como feministas lutando nas suas relações, sentimos o facto como um ataque injusto. E contudo a nossa resposta não mostra a raiva que tal injustiça desperta em nós, mas sim uma espécie de postura defensiva apologética. Porque a nossa heterossexualidade não é sentida como uma identidade política (quem desejaria mobilizar-se à volta do facto de ser heterossexual?!), e porque de muitas formas o lesbianismo parece ser a identidade política mais adequada para as feministas, sentimo-nos culpadas. Até nos sentimos ambivalentes ao escrever este artigo - não queríamos ser vistas como atacando as nossas irmãs lésbicas, que já o são suficientemente. E contudo não responder é tornarmo-nos cúmplices do nosso silenciamento. Não é? Tem de existir uma forma de exprimirmos a nossa raiva sem que ela seja interpretada como um ataque às nossas irmãs. Nós ainda a procuramos".

Rosalind Gill e Rebecca Walker.

As crises.

Sejamos claros: a tertúlia desta noite azedou, e muito! Há vinte anos teria ficado de boca aberta e - perdoem o termo velhinho:) - desgostoso. Lembro-me de um colega me dizer que, por ser eu filho único, alimentava a nostalgia de que todos se dessem bem à minha volta, "como irmãos". Era verdade. Hoje sei que os "irmãos" também se zangam, se sacaneiam, se afastam. Por vezes sem remédio. Outras, o "simples" facto de digerir os conflitos, sem campeonatos obsessivos para averiguar quem deve desculpas a quem ou que protagonista "levou a taça", pode reforçar relações. Já perdemos companheiros de tertúlia e perderemos mais. Entretanto chegaram e chegarão outros. Gosto de imaginar que, se por qualquer razão eu não pudesse servir de catalizador, muitos continuariam o Murcon sem mim, ele tem sido uma experiência muito gratificante.
Devo apenas reafirmar um ponto que me toca e fere. Sempre que a temperatura aquece, alguns de vocês "mailam-me" em privado: uns queixam-se, outros acusam, alguns pedem opinião fora do blog. No big deal:). Mas de vez em quando surge a fantasia de que eu poderia participar no Murcon a coberto de outro nick ou anónimo. Já o disse e repito: nunca o fiz, não faço e não farei. Nada meu aparecerá no blog sem Machado Vaz por baixo. Porque não é o meu estilo e por razões éticas, se o fizesse vocês teriam o direito de achar que eu transformara o Murcon num parque de diversões e experimentação particular. E para tal procedimento, só me ocorre um nome: sacanice.
Já fiz algumas? Seguramente. Preferia não as ter feito? Na maioria dos casos, mas
situações houve de que não me arrependo, do outro lado a metralha também chovia:). Sou monotonamente humano, voilà.
Mas aqui nunca sacaneei ninguém, muito menos a coberto do anonimato. Se algum de vocês o justificar, porei os pontos nos is e arcarei com as consequências. Mas por baixo - nos comentários é por cima:) - da rosnadela, do lamento ou do raspanete ler-se-á Júlio Machado Vaz. That´s all folks:).

quarta-feira, julho 27, 2005

Pronto, pronto!

Habituei-vos mal, é o que é:). Querem Camille Paglia? Aí está:

"O facto predominante da história sexual moderna não é o patriarcado, mas o colapso e desmembramento da velha família alargada, que deu lugar à família nuclear, unidade isolada que, na sua forma presente, é claustrófoba e psicologicamente instável. A família nuclear só pode funcionar numa situação pioneira, quando o fisicamente árduo trabalho agrícola mantém todos ocupados e exaustos da aurora ao anoitecer. A família nuclear de classe média, em que os pais são profissionais de colarinho branco que fazem um trabalho cerebral, fervilha de frustrações e tensões. Há sempre nas palavras uma carga de tensão, e a autoridade real está noutro lado, com os patrões no trabalho. Isoladas em subúrbios ou barricadas em apartamentos urbanos, as famílias de classe média ascendente têm compromissos freneticamente excessivos e são geograficamente transitórias, desenvolvendo raros laços com a vizinhança e contactos pouco sustentados com familiares".

Camille Paglia. (Não há Lei na Arena, Vampes e Vadias, Antropos).

terça-feira, julho 26, 2005

Tangas.

Se bem percebi, Tangas considera que sou um machista mestre no disfarce, mas com alguma lucidez nas análises. Vale a pena fazer um comentário à primeira opinião. O maior dos machistas parece-me exagerado, afinal ainda não há um ranking oficial, tanto quanto sei:). Mas que sou machista, é verdade. Lembro-me de frase famosa em show televisivo brasileiro: cadê os outros? Porque considero raros os homens da minha geração que se podem afirmar livres desse "revestimento para interiores". Significa isto que nada há a fazer e nos podemos entregar, aliviada e alegremente, a um determinismo cultural? Não. Mas trata-se de combater verdadeiros reflexos condicionados ao nível dos comportamentos e visões "essencialistas" ao nível teórico.
Exemplo mais prosaico que me ocorre: se jantar com uma amiga, e não estiver atento ao que (não) faço, sou capaz de me quedar hipnotizado pelo telejornal enquanto ela levanta a mesa e arruma a cozinha. Perguntar-me-ão quantas amigas minhas aturam isso. E eu respondo que não me ocorre o nome de nenhuma:), o problema é outro. O problema é ter de pensar - ou ouvir... - "Júlio, ajuda!" para me comportar de uma forma decente a um nível tão básico, em vez de o fazer espontaneamente. Por isso, Tangas, tem razão, cá dentro sou machista. E muitos da minha idade que exibem a sua postura igualitária não passam de tangas ambulantes:).
E daqui decorrem perguntas que me interessam: quão diferentes são as gerações mais novas? Que conclusões tirar de estudos em que rapazes e raparigas aceitam como "normal" um ou dois tabefes na relação? Sobreviverão o machismo e o duplo-padrão melhor do que pensávamos há vinte anos?

segunda-feira, julho 25, 2005

A propósito de heterossexualidade.

"Heterossexual"(como "branco", "macho" ou "robusto") é sempre um termo silencioso.
...
Os termos "heterossexual" e "lésbica" não são simétricos; as consequências de os aceitar são diferentes, como o são as consequências de desistir deles. Rótulos seguros e incontestados e pertença a grupos dominantes podem ser dispensados como não tendo importância; a pertença a um grupo oprimido tem de ser reivindicada, e tenazmente, apesar das contradições.
...
"Heterossexual" e "lésbica" não são extremidades opostas do mesmo contínuo. Porque "lésbica" é uma identidade intrinsecamente politizada, e a heterossexualidade não é, os dois termos não são proporcionais, não pertencem ao mesmo espaço conceptual.

Kitzinger e Wilkinson.

domingo, julho 24, 2005

O álibi.

Então alguns de vocês congratulam-se por eu citar Ferré e cá o meco não aproveitava?:). Ná, vamos a isso:


L'oppression

Ces mains bonnes à tout même à tenir des armes
Dans ces rues que les hommes ont tracées pour ton bien
Ces rivages perdus vers lesquels tu t'acharnes
Où tu veux aborder
Et pour t'en empêcher
Les mains de l'oppression

Regarde-la gémir sur la gueule des gens
Avec les yeux fardés d'horaires et de rêves
Regarde-la se taire aux gorges du printemps
Avec les mains trahies par la faim qui se lève

Ces yeux qui te regardent et la nuit et le jour
Et que l'on dit braqués sur les chiffres et la haine
Ces choses "défendues" vers lesquelles tu te traînes
Et qui seront à toi
Lorsque tu fermeras
Les yeux de l'oppression

...

sábado, julho 23, 2005

Palavra a Ferré!:).

La Révolution ça dérange
La Révolution ça s'arrange
La Révolution ça s'explique
Et quand ça s'explique ça s'complique
Et ça s'met dans une commission
Et ça s'met dans une commission
De l'armée d'préférence
Et dis, Sanguinetti, eh! qui c'est celui-là, dis?
C'est un Corse?
Et non c'est un gaulliste!

Vocês é que falaram de revoluções:).

A semi-revolution


I advocate a semi-revolution.
The trouble with a total revolution
(Ask any reputable Rosicrucian)
Is that it brings the same class up on top.
Executives of skillful execution
Will therefore plan to go halfway and stop.
Yes, revolutions are the only salves,
But they're one thing that should be done by halves.

Robert Frost.

sexta-feira, julho 22, 2005

O megalómano.

A bruma de vazio que não levanta,
a fonte de mentiras sem maré vaza,
o pássaro do amor que já não canta,
os sonhos adolescentes em campa rasa.

Recuso a venda, rebento os laços,
persigo esses barões empanzinados,
em cuja lama não tropeçam os meus passos.
A mim!, vós que não estais acomodados:

Ainda é possível libertar as costas da parede
e fazer a vossa fome devorar a sua sede.

quinta-feira, julho 21, 2005

Rendido ao fracasso:).

O post do Noise provocou o sobressalto das "little grey cells" e a azáfama dos dedos nas estantes, mas o resultado foi um enorme fracasso - não encontrei a referência:(. Lembro-me de ler um trabalho sobre a taxa de suicídio e os problemas de adaptação de adolescentes, filhos de diplomatas japoneses nos países ocidentais, que regressavam ao Japão e ao seu sistema de ensino. Educados numa sociedade ferozmente individualista, viam-se em palpos de aranha para se adaptarem à abordagem nipónica, que privilegiava o trabalho colectivo e "punia" as tentativas de sobressair. No paleio da minha profissão, diz-se que passaram de uma cultura que promove o ego individual para outra que incensa o ego grupal. E assim acrescentamos - a reboque da pista luxemburguesa deixada pelo Noise:) - outra variável à conversa: a abordagem transcultural.

quarta-feira, julho 20, 2005

O que é o sucesso?

Fora da lei pergunta o que é, afinal, o sucesso? No seu caso a resposta é simples - manter-se longe do alcance da polícia:). Mas em termos gerais? Um amigo disse-me um dia que os velhos Gregos "decretavam" um homem feliz pelo balanço que faziam dos serviços por ele prestados à Cidade. Presumo que todos, incluindo o próprio, estariam de acordo em considerar a sua vida um sucesso. Apesar de eventuais vicissitudes estritamente particulares!, pois a hierarquia de valores punha no "top" o bem da polis.
O mundo em que vivemos privilegia o dinheiro, os bens materiais, o poder. Ser bem sucedido implica, não raras vezes, ultrapassar e pisar outros. O que torna a solidariedade palavra politicamente correcta e prática anacrónica numa Sociedade que se descreve aos seus filhos com expressões como "o mundo é dos espertos" e "o segundo é o primeiro dos últimos". É difícil fugir a tal espartilho cultural, mas na minha profissão assisto ao drama de pessoas extraordinariamente bem sucedidas e infelizes. Porque o "sucesso" não trouxe paz interior. E depois de uma primeira fase em que tentaram mais do mesmo - dinheiro, poder, bens materiais... - começam a ter dúvidas sobre o que pretendiam da vida. Elas próprias!, participantes de uma cultura, mas não se esgotando na sua ideologia.
Porque ele deu uma entrevista à Pública, atrevo-me a citar o exemplo de meu filho mais novo. Que se formou em Engenharia e ao longo de alguns anos desempenhou várias tarefas a contento dos respectivos chefes. E a pouco e pouco chegou à conclusão de que não retirava da profissão o gozo que pretendia e a que se julgava com direito. Em Outubro começa novo curso. Daqui a 20 anos estará satisfeito ou arrependido? Não sei, mas considero improvável que ainda viesse a apaixonar-se pelo que fazia. E pôr-me-ia de cabelos em pé a hipótese de o ver chegar a estas conclusões aos quarenta e tal, sem poder mudar de agulha pelos encargos do quotidiano.
Em associação livre, recordo o nick de um de vocês - rosebud. Não era Citizen Kane um homem de sucesso? Seguramente, e no entanto é ao pequeno trenó(?) que regressa no fim... Sejamos claros - nada tenho contra o tipo de sucesso oficial desta cultura quando "encaixa" na personalidade de quem o tem. A mim, definitivo pequeno-burguês e amante de mil futilidades, não me chega. A muitos outros também não.
E depois, o conceito de sucesso pode variar ao longo da vida, não é? Pensem, por exemplo, no(a) jovem que precisa de um êxito "quantitativo" no reino da sedução para reforçar o ego. Alguns anos mais tarde o sucesso poderá estar ligado à manutenção de uma relação monogâmica, com ou sem coabitação. Ou à capacidade de viver sozinho(a) mas não só...
Irra!, que estou verborreico:). Bom jantar, maralhal.

terça-feira, julho 19, 2005

O "negativo" do fracasso:).

A nossa conversa sobre aprendizagem, medo e fracasso fez soar campainhas cá dentro. Na auto-estrada, regressando de Braga, espremi os neurónios. E lembrei-me de um parágrafo no meu velho compêndio de psiquiatria. Passo a traduzir, assaz livremente:):

A expressão "neurose de fracasso" (Laforgue, 1939) designa o comportamento, presente em todas as neuroses, mas especialmente notável nalguns indivíduos, que os leva a privar-se da satisfação obtida pelos seus esforços ou a conduzir o seu destino para a repetição de "infelicidades" ou "azares". Freud descreveu um desses comportamentos típicos utilizando a expressão "aqueles que fracassam no sucesso".

(Ey, Bernard e Brisset).

Ou seja: por vezes impedimo-nos de saborear o sucesso ou, inconscientemente, fazemos batota e evitamo-lo, culpando a sorte, o destino, alguém.

Por que assustará o sucesso alguns de nós? Ou será o prazer em sentido lato? Ou a vitória, simbólica ou concreta, sobre outros?

segunda-feira, julho 18, 2005

Morreu a fazê-lo.

"Os fracassos são parte da curva de aprendizagem. O único fracasso é não tentar".

(Peter Blake, Embaixador da boa vontade para o ambiente da ONU, assassinado em 2001 numa expedição ao Amazonas.)

A frase consta da introdução do livro A Lei do Desejo, Direitos Humanos e Minorias Sexuais em Portugal de Ana Cristina Santos, nossa companheira da blogosfera:))))).

Belo e verdadeiro. Cyrano de Bergerac poderia tê-lo dito enquanto travava o seu último duelo, contra a morte e a hipocrisia dos homens.

domingo, julho 17, 2005

Esses cátaros fascinantes...

"A verdadeira Igreja de Deus é o coração do Homem". Belibasto, último Perfeito cátaro, queimado em Villerouge-Termenès entre Setembro de 1321 e Novembro de 1322. (E chegado ao martírio depois de uma vida em que violou os preceitos das duas Igrejas: a cátara, a que pertencia, e a romana, que o perseguiu, prendeu e condenou.)

Eu acrescentaria, no início da frase, "em última análise...", nada tenho contra a existência de uma hierarquia. Mas, se tivesse Fé, agradava-me pensar no coração do Homem como refúgio, altar e trono favoritos do Senhor.

sábado, julho 16, 2005

Será o incitamento à delação uma prática cristã?

Público: "A redacção de um sítio na Internet ligado a um grupo de católicos pôs a circular uma carta sugerindo aos eventuais interessados que "informassem" três organismos do Vaticano das declarações do padre Vítor Feytor Pinto ao Público, domingo passado, a propósito do aborto e do preservativo".

Frases da entrevista:

1) "... (Recentemente), o cardeal-presidente do Conselho Pontifício (para a Saúde) disse à imprensa que estão em questão dois mandamentos: o sexto, (que se relaciona com) os nossos comportamentos sexuais, e o quinto, "não matarás". E que, quando o que está em questão é o não matar, e a única forma de não matar é o uso de um profiláctico, ele pode justificar-se."

2) "A pessoa pode dispor da própria vida, não da vida dos outros. Dispor da vida dos outros é egoísmo, oferecer a minha vida pela dos outros é generosidade. (A pessoa) pode ter uma pressão de tal natureza que, em consciência, não é capaz de encontrar outra saída. Não vou dizer que, em teoria, é bem. No caso de uma violação, a pessoa não encontra alternativa. Vamos ajudá-la ao máximo para que não destrua uma vida. Mas, se a destruir, compreendemos que o conflito interior foi de tal natureza que não encontrou outra saída. Não vamos dizer que esta pessoa é uma criminosa (...)".


Colaborei com o padre Feytor Pinto quando desempenhou funções na área da Toxicodependência, mais precisamente no Projecto Vida. Algumas (óbvias) divergências entre nós na área da sexualidade e das drogas não impediram o desenvolvimento de uma boa amizade. Não esqueço o seu convite para falar de Sexologia em Fátima, no âmbito da Pastoral da Saúde, sei que houve quem se opusesse a tal convite e não assistisse à conferência, mas ele não cedeu. Guardo com carinho as palavras com que me agradeceu uma intervenção que não podia subscrever na totalidade. Sou, portanto, suspeito: a ser verdade tal iniciativa, afecta um amigo. ("A ser verdade" não traduz menos confiança no jornal, mas o facto parece-me tão inacreditável que a expressão fugiu-me dos dedos:(.) Daqui envio um abraço ao padre Vítor, ele sabe que é tão espontâneo como as posições que defendo e nos separam sem tragédia.

E pergunto: será o incitamento à delação uma prática cristã?

sexta-feira, julho 15, 2005

Dicionário excêntrico.

Nós -

No meu peito de eterno macho latino
tua cabeça de fêmea sem pai nem dono.

(Mas..., será toque de magia?)

Destes meus dedos,
surpresos por suaves,
jorra um amor frágil, clandestino.
E os teus segredos,
orgulhosos, mesmo graves,
vencem o jugo do óbvio sono.

(E desta velha melancolia...)

Speed dating.

Notícia do Público: a empresa cobra 25 euros aos participantes (25 de cada sexo). Conversam cara a cara durante três minutos, até cada um o ter feito com todos os participantes do sexo oposto (speed dating heterossexual!, suponho:)). Anotam num cartão as suas preferências. Nos casos em que houver acordo, a empresa informa o par por mail e as duas pessoas decidem se querem voltar a encontrar-se. Principal justificação: o tempo que se poupa. A Gabriela Moita diz que só condena a priori quem tem determinadas competências comunicacionais que facilitam os primeiros encontros ou considera a modalidade "artificial". Além disso, sublinha existir um contacto visual ausente na Net - o que torna o speed dating mais real - e o progressivo isolamento das pessoas, facto que implica novas formas de contacto.
O que opinam vexas?

quinta-feira, julho 14, 2005

Fiéis depositários.

A Inês - que eu trato sempre por Pedrosa... - enviou-me o seu último livro. Por amizade, claro!, mas também para se desculpar por ainda não me ter visitado, como prometido, em Cantelães. Enfim: uma lisboeta ocupadíssima:)))))))). Aí vai um naco da sua prosa:

"Como é que a gente evita que os nossos mortos morram? Não me ocorre nada a não ser a arte. Qualquer arte: a de lhes acariciar os retratos, devagar, de os guardar em gavetas escuras para que não percam a cor. A de os escrever com minúcia, para os prender à teia, ainda efémera, das palavras. A de os escrever mesmo quando já não é possível, sobretudo quando já não é possível, inscrevendo-os no corpo íntimo dos nossos sonhos, na alegria que em nós, apesar da dor, arrastada pela dor, sobra da morte deles".

quarta-feira, julho 13, 2005

Fim de tarde.

Quando os ombros vergam de cansaço
e os garotos me aguardam, esfusiantes,
procuro abrigo eterno em teu abraço,
lembrando as noites que foram antes.
(Nós dois, o amor e sono fundo,
a casa inteira fora do mundo…)
Depois, a ternura cerca a saudade,
uma verdade empurra outra verdade.
Dou-te um beijo, maroto por credor,
e ajoelho na alcatifa p’ra brincar.
Os bárbaros invadem-me sem pudor.
E eu, credo e riso na boca,
admito que a ambição é pouca:
chegar vivo à hora de jantar!:).

segunda-feira, julho 11, 2005

Dicionário excêntrico.

Gula -

No sedento rio do teu desejo
navega o meu: exausto mas ansioso.

A palavra aos sócios fundadores.

A Pamina pediu e eu transcrevo o poema. Contudo..., não o fiz já aqui no blog? A palavra aos sócios fundadores:).

Conta-mo outra vez


Conta-mo outra vez, é tão formoso
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-mo de novo, os dois da história
foram felizes até vir a morte,
ela não foi infiel, ele nem
se lembrou de enganá-la. E não esqueças,
apesar do tempo e dos problemas,
todas as noites sempre se beijavam.
Conta-mo mil vezes, se faz favor:
é a história mais bela que conheço.

Amalia Bautista.

Durmam bem.

Xerazade


Levo já quase mil noites com fábulas
e a cabeça dói-me e tenho seca
a língua e esgotados os recursos,
a imaginação. E nem sequer
sei se me salvarei com as mentiras.

Amalia Bautista.

quinta-feira, julho 07, 2005

Londres.

Penso falar em nome de todos ao expressar o meu alívio por saber o Portocroft bem.


Paris era a cidade de meu Pai, desconfio que Nova Iorque foi a dos meus filhos. Londres acolheu a minha adolescência, fez-me sentir vivo entre paredes onde se lia "Clapton is God". Conheço os britânicos - cerrarão os dentes. Talvez alguns em "quiet desperation", como cantaram os Floyd, mas sem vergarem.

Um abraço à velha guarda.

Ringo Starr faz hoje 65 anos:).

David Gilmour encaminhará para instituições de caridade os seus lucros com a subida de 1343%! das vendas desde Sábado dos álbuns Echoes e The Best of Pink Floyd.



P.S. Mais um julgamento por alegadas práticas abortivas vai "abortar" à custa dos agentes do sistema judicial. Trata-se de uma prática perversa por parte de alguma classe política e que implica uma obscena humilhação das mulheres envolvidas.

quarta-feira, julho 06, 2005

E a conclusão do artigo.

Marriage has been in a constant state of evolution since the dawn of the Stone Age. In the process it has become more flexible, but also more optional. Many people may not like the direction these changes have taken in recent years. But it is simply magical thinking to believe that by banning gay and lesbian marriage, we will turn back the clock.

Pois é...

Um colega teve a gentileza de me enviar um artigo do NYT sobre o horror de alguns aos casamentos gay e as modificações da Instituição da "responsabilidade" dos heterossexuais. Que a transformariam numa união de duas pessoas, ponto.

Heterosexuals were the upstarts who turned marriage into a voluntary love relationship rather than a mandatory economic and political institution. Heterosexuals were the ones who made procreation voluntary, so that some couples could choose childlessness, and who adopted assisted reproduction so that even couples who could not conceive could become parents. And heterosexuals subverted the long-standing rule that every marriage had to have a husband who played one role in the family and a wife who played a completely different one. Gays and lesbians simply looked at the revolution heterosexuals had wrought and noticed that with its new norms, marriage could work for them, too.

Não é assim tão simples, como a História prova. Sempre houve casais "unissexuais" - as palavras "homossexual" e "gay" não são aplicáveis a outras épocas - que aspiraram ao casamento. Mas a descrição de algumas das modificações da instituição é correcta e propicia uma boa reflexão.

terça-feira, julho 05, 2005

Há solidões e solidões.

"...estava fisicamente desfeito mas moralmente inteiro. Talvez porque já estava para além da dor. Para lá também da esperança. Num deserto de solidão, ou melhor, de solidariedade solitária".

(Semprún, Vinte anos e um dia.)

segunda-feira, julho 04, 2005

As árvores morrem de pé e crescem lado a lado.

Alguém teve a gentileza de me enviar a seguinte citação de Khalil Gibran sobre o casamento: "E fiquem lado a lado, mas não próximos demais um do outro, pois os pilares do templo ficam afastados. E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro".(O Profeta).

Estou de acordo, em qualquer tipo de relação amorosa. A nostalgia fusional de uma só Carne e um só Espírito ignora as características irrepetíveis que nos atraíram em alguém. Não nego que se pode crescer à sombra de um outro, muito menos que o possamos admirar ou sempre temer que nos abandone. Digo apenas que é bom o afecto ser - e continuar... - o resultado da articulação de duas liberdades. Sob pena da "sombra" do(a) amado(a) deixar de constituir um oásis no relativo deserto que nos rodeia e se tornar o espartilho sufocante e raquítico que um dia acarretará o azedume.

domingo, julho 03, 2005

Linhas cruzadas na teia familiar.

Ontem regalei-me em Cantelães com o Live 8. Não tenho ilusões: muitas pessoas no público estavam-se nas tintas para África e o G8 não prima pelas preocupações solidárias. Mas a iniciativa enobrece Geldorf e o rock em geral. Quando anunciaram os Floyd "completos" não queria acreditar, Gilmour e Waters juntos no palco vinte e quatro anos depois! Precipitei-me para o telefone. Do outro lado o João - "também ia telefonar". O resto da conversa é private, mas demonstra que novos gostos musicais podem conviver com os antigos, verdadeiros cimentos nas walls:) que protegem as gerações da família e a teia entre elas. Que os Floyd e McCartney nos fizessem desejar que o outro não perdesse o espectáculo, com a certeza de que isso seria importante para ele, prova a existência de "áreas afectivas" comuns em que o reencontro é sempre possível e gratificante.
(Sem prejuízo da sua desejável autonomia, algumas vezes em risco por culpa de um sinistro pai-coruja:).)

sexta-feira, julho 01, 2005

Das brumas da memória.

Hoje falei na Antena 1 de Educação (Sexual). E recordei um velho texto. Aqui está ele:


“O que se pretende quando se quer esconder às crianças – ou aos adolescentes – as explicações sobre a vida sexual dos seres humanos? Teme-se despertar precocemente o seu interesse por essas coisas, antes que surja de forma espontânea? Espera-se com tal dissimulação conter a sua pulsão sexual até ao dia em que poderá percorrer as únicas vias que lhe são abertas pela ordem burguesa? Quer isso dizer que as crianças não mostrariam nenhum interesse ou compreensão pelos factos e enigmas da vida sexual se para tal não lhes fosse chamada a atenção por alguém do exterior? Crê-se possível que os conhecimentos que são recusados não lhes sejam fornecidos de outra maneira? Ou na realidade deseja-se, real e seriamente, vê-los considerar mais tarde tudo o que diz respeito ao sexo como algo de vil e abominável, de que os pais e os educadores os tentaram manter afastados tanto tempo quanto possível?”

Freud. Que não era propriamente um libertário:). Em 1907…