quarta-feira, agosto 31, 2005

Manifestação.

Uma espectadora pediu-me para comentar este texto no Estes Difíceis Amores:



Assunto: Manifestação da Frente Nacional contra os casamentos dos homossexuais


Cito - "O caso Casa Pia está de volta, e com ele estão de volta os protestos dos
nacionalistas perante o desenrolar do caso que, anunciado como «um terramoto»,
tem vindo gradualmente a tornar-se numa amostra de arrastão. A montanha ainda
não pariu, mas parece grávida de um rato...
Tendo sido libertados quase todos os suspeitos de um dos maiores crimes da
humanidade restou o solitário Bibi para «dar a cara» pelos políticos e pelo
responsável da vinda do Europeu de Futebol para Portugal - sabe-se lá a troco de
quê. Mas a cereja em cima do bolo foi um dos principais arguidos desse processo
ter sido recebido com palmas no Parlamento, ficando a faltar-lhe apenas a
habitual condecoração com que o «presidente de todos os imigrantes» costuma
brindar aqueles que se destacam por... serem muito seus amigos.
Tal como o Governo Espanhol cedeu ao «lobby gay» permitindo que duas pessoas do
mesmo sexo possam casar, sejam elas gays, lésbicas, travestis, transsexuais, ou
outra anormalidade qualquer do (ou sem) género, e depois da reacção de 1 milhão
de espanhóis que gritaram nas ruas de Madrid «não ao casamento e adopção de
crianças por parelhas homossexuais», achamos que chegou a nossa vez e que o
Governo prepara terreno para, também em Portugal, ceder às pressões desse
obscuro, mas poderoso, lobby. O facto do Serdezelo da Opus Gay integrar as
listas do PS devido ao facto de ser gay é um bom (mau!) prenúncio disso mesmo.
Aliás, as ameaças feitas pelo «lobby gay», de revelar publicamente a lista de
deputados homossexuais que não cedessem às suas exigências, são uma prova do
tipo de poder exercido por estas sinistras organizações. E as suas motivações
são claras, basta prestar atenção às declarações do Serdezelo, ao Correio da
Manhã de 17/03/2005, quando disse que «a pornografia funciona como uma ajuda na
estruturação da identidade sexual dos jovens de 14-15 anos». Pornografia... ou
promoção da pedofilia?! Estruturação da identidade... ou formação de
homossexuais?! Vale a pena lembrar o que disse um cientista perito em estudos
sobre a homossexualidade, a propósito de tais criaturas: «sinto que por vezes
são expostos desde muito cedo a pornografia…». Realmente, o interesse das
organizações que defendem a homossexualidade anda muito longe do simples lazer,
andando mais próximo da formação, não de mentalidades, mas... de novos recrutas!

Mas tudo isto não é novidade, sobretudo se nos lembrarmos que, há alguns anos,
figuras importantes da política europeia assinaram uma petição a solicitar... a
despenalização da pedofilia! Quem eram essas «personalidades»? Jean-Paul Sartre,
Michel Foucault, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, Alain Robbe-Grillet,
Françoise Dolto, Jacques Derrida, Bernard Kouchner, André Glucksmann, François
Chatelet, Jack Lang e muitos outros de Félix Guattari a Patrice Chéreau ou
Daniel Guérin e Philippe Sollers. Interrogado hoje, Sollers não se recorda:
«Havia tantas petições, assinava-se quase automaticamente...». Daniel
Cohn-Bendit, um dos líderes de extrema-esquerda do Maio de 68, hoje deputado
europeu pelo partido Os Verdes, dava conta de um dos motivos que o levava a
considerar a pedofilia como normal, contando as suas experiências num jardim de
infância alternativo com crianças de 5 e 6 anos: «Eles abriam-me a braguilha
(...) o desejo deles colocava-me um problema, mas eles insistiam e eu
acariciava-os apesar de tudo».
Mas não se iluda, porque apesar dessas propostas aberrantes terem vindo da
extrema-esquerda -- o que até demonstra coragem, ao assumirem o nojo que são...
-- os tentáculos do «lobby gay» não escolhem «esquerda» ou «direita», sendo
transversais a todos os espectros políticos do sistema. Aliás o silêncio que os
partidos da assembleia votaram, em acordo mútuo, sobre o «Caso Casa Pia», e a
total ausência de posições destes contra o casamento ou adopção de crianças por
homossexuais, é bem elucidativa da podridão que grassa na sociedade, com os
políticos no topo da pirâmide.
Ninguém pode assistir a tudo isto em silêncio! Por isso nos associamos ao
abaixo-assinado contra a exibição de programas que visam promover comportamentos
alternativos numa tentativa de reeducação (i)moral das nossas crianças. Assine a
petição, distribua, comente com os seus amigos, colegas e conhecidos, proteste e
demonstre a sua indignação perante a pouca-vergonha!
Por tudo isto, e muito mais, é nossa obrigação estarmos na linha da frente na
apresentação de uma verdadeira alternativa à corja política de intelectualóides,
vendidos, traidores, mentirosos e restante pandilha que aparece diariamente na
caixa mágica a prometer mundos e fundos. Associamo-nos a esta manifestação
fazendo um apelo a que todos os portugueses, independentemente da sua idade,
ideologia, condição social, etc., se juntem ao protesto contra a pedofilia e
contra a adopção de crianças por homossexuais. Será um momento histórico e você
pode, e deve, fazer parte dele.
Honrar o passado / agir no presente / garantir o futuro!" - fim de citação.

Circula na Net. Dá pano para mangas. E para diversas carapuças...

terça-feira, agosto 30, 2005

As perigosas férias...

41 mulheres vítimas de violência doméstica em Espanha desde o início do ano. Segundo os psicólogos, durante as férias a convivência é mais estreita, o que acentua o momento da ruptura quando há crise.
É verdade. Quantas vezes ouvi palavras de esperança antes do Verão: "com as férias "isto" melhora". Nem sempre. O quotidiano, com o seu ritmo alucinante e o afastamento entre os membros do casal, acaba por camuflar o apodrecer de muitas relações. Mas nas férias são 24 horas sobre 24 juntos e as brechas aprofundam-se...

segunda-feira, agosto 29, 2005

Os Balint nas suas próprias palavras.

"... todo o sintoma - por mais complexa ou desesperada que seja a situação - deveria ser correctamente examinado com o doente e, se possível, pelo doente. Este conselho é fácil de dar, mas, em virtude da sua formação, os médicos consideram-no muito difícil de seguir."

M.Balint e E.Balint - Técnicas psicoterapêuticas em Medicina.


Passaram 44 anos, mas não creio que a formação dos médicos seja ainda a mais adequada a este nível. A "ideologia" das super-especialidades torna problemática a adopção de um estilo na relação médico-doente que permita esta verdadeira aliança terapêutica entre os dois Sujeitos presentes na consulta.

domingo, agosto 28, 2005

A pedra na chuteira:).

Admito que:
1) Houve quem se esquecesse do campeonato miserável do Porto e do Sporting e acreditasse que ganhámos o ano passado "contra tudo e contra todos".
2) Os famosos reforços que nos iam deixar de boca aberta não chegaram e o dinheiro da transferência do Miguel ainda vem a caminho.
3) O Simão não está em forma desde 2004.
4) O guarda-redes do Gil voa como os anjos do Senhor.
5) O árbitro marcou um penalti duvidoso e esqueceu-se de dois evidentes.
6) O Nuno Gomes tentou.
7) O sistema era tão inovador que baralhou o adversário e o Benfica.
8) Um auto-golo é um galo - ups!, raio de palavra:) - do caraças.

MAS..., O BETO A MÉDIO ALA?

E por que não o Moreira a ponta de lança?

sábado, agosto 27, 2005

Balint.

Para os que tenham lido uma citação minha no Correio da Manhã, devo esclarecer que não foi incluída a seguinte frase: "Balint escreveu que o médico se prescreve a si próprio, pela segurança que transmite e a empatia que cria com o doente". Ou seja: não só o médico influencia o resultado da medicação, como o efeito placebo surge também no exercício da Medicina Ocidental.

sexta-feira, agosto 26, 2005

"Intuição feminina"?

Maria, minha querida,
Tinhas razão - bastou ver os miúdos na piscina de Cantelães para ter a certeza que a casa foi uma boa ideia e os Machado Vaz crescerão nela com prazer, memória e corações entrelaçados. Devo-te um pedido de desculpas por rosnar "isso é a famosa intuição feminina?" quando mo asseguraste, anos atrás. E apresentá-lo-ei. Mas só se fizeres o mesmo! Achas que responder "não, o caso não a exige. Tu é que sofres de miopia neuronal masculina" foi delicado?!
Pensa nisso. Até porque podíamos desculpar-nos um ao outro e fazer as honras a um peixito em Matosinhos ao mesmo tempo... A meias, claro!, não te quero ameaçar os rituais igualitários:).

quinta-feira, agosto 25, 2005

Atentado ao pudor.

O juiz olhou-o, incrédulo. Parecia um homem decente, incapaz de acto tão repulsivo na via pública. Sem antecedentes criminais, pai de família extremoso. Pelo menos assim o tinham descrito alguns amigos, também eles atónitos. A mulher exilara-se com as crianças em casa dos pais. Os papéis de divórcio já faziam um caminho pacífico através da burocracia, ele fora o primeiro a admitir que o casamento estava condenado. Na realidade, confessava tudo, menos duas coisas: remorsos e motivo.
O Meretíssimo até agradecia a ausência de arrependimento, o facto tornava menos problemática a sentença exemplar que lhe reservava. Mas o motivo... E não resistiu,
- Por que o fez, homem de Deus?
O repugnante exibicionista fitou-o intensamente. Os olhos brilhavam tanto que Sua Excelência se encostou para trás no cadeirão e procurou de soslaio a segurança do guarda armado que dormitava ao canto da sala. E o desalmado, em vez de alinhavar um daqueles "não sei, senhor Dr. Juiz" sumidos em busca de compaixão, encolheu os ombros e exibiu-se de novo, agora pela palavra:

"Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso".*


Foi condenado por atentado ao pudor e com a indicação de se tratar de um provável reincidente no futuro. Não disse nada, não pediu nada. Consta que ainda permanece na prisão, não solicitou precárias e passa o tempo na cela a desenhar. A cada novo esboço murmura "não era assim" e recomeça. Só desenha sorrisos de mulher...

* Eugénio de Andrade, O Sorriso. Em O Outro Nome da Terra.

quarta-feira, agosto 24, 2005

Finalmente a prova: Eugénio de Andrade partilhava as ideias do Noise sobre a poesia!:)

"Não sou um poeta inspirado, o poema é em mim conquistado sílaba a sílaba."

Eugénio de Andrade, Da Palavra ao Silêncio.

terça-feira, agosto 23, 2005

Poética.

"O futuro do homem é o homem", estamos de acordo. Mas o homem do nosso futuro não nos interessa desfigurado. Este animal triste que nos habita há milhares de anos, cujas possibilidades estamos tão longe de conhecer, é o fruto de uma desfiguração - acção de uma cultura mais interessada em ocultar ao homem o seu rosto do que em trazê-lo, belo e tenebroso, à luz limpa do dia. É contra a ausência do homem no homem que a palavra do poeta se insurge, é contra esta amputação no corpo vivo da vida que o poeta se rebela.

Eugénio de Andrade, Rosto Precário.

segunda-feira, agosto 22, 2005

Levei os meus livros do Eugénio para Cantelães, acho que ele preferiria assim.

A propósito dos amores, todos:


Escrita da Terra


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

Etc...:).

domingo, agosto 21, 2005

Para Eubozeno.

No problemo:) - PAI!

Mas também me ocorrem SIM (foi com esta que a Ioko apanhou o John), LUZ, VEM e NÓS.


P.S: O Noise explicará as motivações freudianas para cada uma porque eu tenho os netos aos berros e é meu dever ir agravar a situação:).

sábado, agosto 20, 2005

Na esteira de S.Gabriel.

O RAM foi buscar a "artilharia pesada":).


"Mesmo que seja verdade o que te dizem os ciúmes"...

Pois. E sem gaiolas temporais!, os ciúmes pintam, de amarelo traiçoeiro, passado, presente e futuro. Neste último caso, há questões curiosas. Se somos abandonados, é frequente surgirem ruminações sobre o "escândalo" de existir felicidade ou simples curtição que nos não implica. Mas quando somos nós a partir, mesmo depois de madura(?) reflexão, e acontece o mesmo? Dois aspectos me impressionam, sobretudo nos homens: a nostalgia do "depois de mim o dilúvio", em que o outro arrasta saudade - e virgindade secundária:) - até à morte; e a posse disfarçada de amor, que faz alguns e algumas regressarem para marcar terreno e partir de novo quando espantaram intrusos.

P.S. Quanto à crueldade exibida pelo RAM, ao incluir a frase "sem romantismos de Avô", não farei qualquer comentário. Os actos ficam com que os comete:(. Snif, snif...

sexta-feira, agosto 19, 2005

Isto parece um programa de discos e poemas pedidos:).

Sempre

Do teu passado
não tenho ciúmes.

Vem com um homem
às costas,
vem com cem homens nos cabelos,
vem com mil homens entre o peito e os pés,
vem como um rio
cheio de afogados
que encontra o mar furioso,
a espuma eterna, o tempo!

Trá-los a todos
ao lugar onde te espero:
estaremos sempre sós,
estaremos sempre, tu e eu,
sozinhos sobre a terra
para começar a vida!

(Pablo Neruda, Os Versos do Capitão).

quinta-feira, agosto 18, 2005

Porque estamos no Verão.

Arte de Navegar


Vê como o Verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.

(Eugénio de Andrade, Obscuro Domínio.)

quarta-feira, agosto 17, 2005

Recaída:(.

Não consigo manter-me no registo científico, sou um caso perdido:(:


Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
esta perna é tua?, é teu este braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

Eugénio de Andrade, Matéria Solar.

Para salvar a minha reputação!

Para calar os que me acusam de ser um mero psiquiatra, venho juntar à discussão este naco de prosa, que demonstra como me debruço com o maior interesse sobre todos os mecanismos "íntimos" da sexualidade feminina e não apenas os psicológicos:):

"E por fim o Óxido Nítrico. Um dos grandes avanços na compreensão da fisiologia sexual foi perceber qual o papel do NO na relaxação das fibras musculares lisas vasculares e não vasculares.
Há libertação pelas terminações nervosas NANC de NO e citrulina a partir da L-Arginina sob acção da NOS. A adenilciclase vai actuar sobre a Adenosina Trifosfato (ATP) transformando-a em Adenosina Monofosfato cíclico nos músculos lisos. Nas células endoteliais o NO por acção da Guanilciclase sobre a Guanosina Trifosfato vai formar a Guanosina Monofosfato cíclico que é responsável pela deplecção do cálcio intracelular provocando o relaxamento da parede vascular aumentando assim a circulação e por consequência o engorgitamento da parede vaginal e clítoris."

(Santinho Martins, em A Sexologia).

P.S. Não continuo a citação porque a partir daqui todos sabemos que "as fosfodiesterases..."

terça-feira, agosto 16, 2005

Para complicar a história:).

Em relação ao orgasmo, algumas dicas:

1) A Sexologia é por muitos acusada de se ter transformado numa "orgasmologia", por ter ajudado a erigir o orgasmo na relação heterossexual como única "ambição erótica normal". O erotismo recusa qualquer espartilho deste género. Por vezes, surge outro mito à arreata - o orgasmo simultâneo como "melhor orgasmo".

2) O facto da resposta sexual feminina ser considerada mais complexa não implica a negação das semelhanças das respostas sexuais dos dois sexos. E não deve ser utilizado para a patologização da vida sexual das mulheres, ao serviço dos interesses dos laboratórios farmacêuticos que procuram criar e vender um "viagra" para o fabuloso mercado feminino.

3) No caso do orgasmo, seria simplista ligá-lo apenas à "incompetência erótica" do(a) parceiro(a). Em ambos os sexos encontramos anorgasmias devidas a problemas da relação ou do indivíduo.

4) A anorgasmia é primária se sempre existiu por qualquer tipo de estimulação (coital, se apenas no coito). Secundária se instalada após funcionamento sem problemas.

5) Importante é falar da anorgasmia situacional, em que o orgasmo aparece com um(a) parceiro(a) e não com outro(a). Facto que mostra claramente a importância dos factores psicológicos, quando não é referida incompetência do(a) parceiro(a) ou falta de atracção por ele(a).

6) Os casos de anorgasmia masculina relativa - pelo menos... - têm vindo a aumentar, mesmo na ausência de consumo de drogas que facilitam o seu aparecimento. Nestes casos, a erecção é obtida sem problemas, contudo o orgasmo aparece com dificuldade, sendo muitas vezes facilmente atingido através da masturbação.

domingo, agosto 14, 2005

Ney.

Sábado, fui num pulo ao Porto ver o Ney Matogrosso à Casa da Música. Não sendo um especialista em fado, considero que a intérprete que preencheu a primeira parte deixou a desejar. A reacção gentil, mas pouco entusiástica, do público talvez me dê razão. Adiante. Sempre gostei do maroto, desde os tempos dos Secos e Molhados. Achei-o em boa forma física e com uma voz que lhe permitiu correr riscos com um sorriso nos lábios. A banda era boa. E depois, como da última vez no Coliseu, o espectáculo cultivou um "ascetismo" que me agrada. Sei que alguns franzirão o sobrolho perante a aplicação de tal substantivo ao personagem Ney. Ou dirão, "pois o tipo deixou-se de plumas". Sim e não. Pessoalmente não sou um fã de plumas. Em homens ou mulheres, nas Marchas de Lisboa ou no Lago dos Cisnes. Pode ser impressão minha, mas Ney não me pareceu menos provocador. Pelo contrário!, um par de calças e uma camisa branca é uma indumentária tão respeitável, tão "normal":), e no entanto...: o corpo de Ney ondeou como poucos o conseguem e o olhar tinha um brilho irónico, ou fui eu a inventá-lo. Envelheceu bem, o maroto, com um requinte depurado! E quando no primeiro encore cantou a Rosa de Hiroshima, um monte de recordações fez-me saltar da cadeira com o velho fascínio e uma gratidão renovada. (Passei por uma vergonha, quase toda a gente ficou sentada:)).
Mas o segundo encore - Fala - foi um deslumbramento despojado. Aqui vos deixo o poema:

Fala

Eu não sei dizer nada por dizer
Então eu escuto
Se você disser tudo o que quiser
Então eu escuto
Fala
Fala
Se eu não entender, não vou responder
Então eu escuto
Eu só vou falar na hora de falar
Então eu escuto
Fala

sábado, agosto 13, 2005

O velho Eça:).

Hoje o Expresso debruçava-se sobre os casos de pessoas que abandonam os seus animais durante as férias e a Clara Ferreira Alves deslizava desse abandono para outro - o dos idosos. Acontece que eu estava a reler o Eça (qualquer dia, estou como alguém que dizia: "je ne lis plus; je relis"). E não resisti a passar da tristeza ao riso com o inimitável Ega:

"Voltou-se para o lado, para o Ega:
- Vossa Excelência pertence?
- À Sociedade Protectora dos Animais?... Não, senhor, pertenço à outra, à de Geografia. Sou dos protegidos."


E porque falámos recentemente de quem dirige os destinos das nações:


"- Ó Ega, quem é aquele homem, aquele Sousa Neto, que quis saber se em Inglaterra havia também literatura?
Ega olhou-o com espanto:
- Pois não adivinhaste? Não deduziste logo? Não viste imediatamente quem neste país é capaz de fazer essa pergunta?
- Não sei... Há tanta gente capaz...
E o Ega radiante:
- Oficial superior de uma grande repartição do Estado!
- De qual?
- Ora qual! De qual há-de ser?... Da Instrução Pública!


E agora, maralhal, citando ainda o Ega: vou pastar!:). Fiquem bem.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Na minha idade...

... já é difícil surpreender-me, mas continua a ser fácil desiludir-me. O que se passa com o PT no Brasil é uma tristeza:(. Tanta esperança emporcalhada...

quinta-feira, agosto 11, 2005

E com o início do poema?

Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa
...


E agora? Será desleixo caseiro? Repouso do guerreiro fingidor cá fora? "Defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora...".


P.S. O Noise tem razão: nunca apareço, sozinho ou acompanhado, nas revistas do jet-set. It's an injustice, it is!:(.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Estou cansado, venha a poesia!

...
Estás aqui comigo e tenho pena de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais do que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz


Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estares aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que estás aqui de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui

Ruy Belo, Tu estás aqui.

E um leve odor a auto-complacência macha...:). Ou não? Que dizem as meninas?

terça-feira, agosto 09, 2005

Longe da Mancha e do Algarve.

Peter O'Toole e os seus olhos transparentes mas não mortiços. D.Quixote, essa paródia genial que acarreta o nosso sonho impossível:). Em Barcelona estava uma exposição notável sobre a sua relação com a cidade. Quanto a mim, só posso contribuir com os moinhos anorécticos de Cantelães. É verdade, cá estou. Rodeado de bruma e chuvisco. E no entanto, feliz por ter deixado o "paradisíaco Algarve". Também eu vivi mais de quarenta anos e vi a vida como é. A burguesa, evidentemente!, nada se torna mais ridículo do que a auto-piedade dos que nunca comeram o pão que o Diabo amassou e se podem oferecer o luxo da angústia existencial. "Ouvi todas as vozes da criatura mais nobre de Deus...". Caraças, meus!, gostava de ter escrito isso... Até amanhã maralhal, sleep tight.

segunda-feira, agosto 08, 2005

A propósito de Morin.

A citação de Morin, que RAM gentilmente nos trouxe, levanta uma questão importante: dizemos com enorme facilidade que somos os animais menos "naturais" que existem. Com efeito. Toda a cultura nos afasta do instintivo, mas todos os interditos sugerem que os comportamentos censurados esperam dentro de nós uma oportunidade, se não por que nos daríamos ao trabalho dessa intransigência? Seremos instintivamente "piores" do que os outros animais? Ou o processo cultural acrescentou traços que não existiam à partida? Teríamos uma civilização ao mesmo tempo protectora e "má conselheira"...

domingo, agosto 07, 2005

Adenda.

Li, com o interesse habitual, a crónica de Vasco Pulido Valente sobre a bomba de Hiroshima. Em desacordo com as suas conclusões, não posso deixar de referir dados para que chama a atenção. A saber, os bombardeamentos indiscriminados de cidades alemãs, como Dresden e Hamburgo. Não foi em Hiroshima que a chacina em massa começou. E é preciso recordar o "ensaio geral" sinistro que foi Guernica...

sábado, agosto 06, 2005

Há sessenta anos, a rosa radioactiva...

Li hoje alguns artigos justificando a decisão de Truman de lançar as bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki. Por coincidência, na RTP1 passou ontem à noite um documentário com declarações de fontes russas e japonesas envolvidas no processo da rendição nipónica. E é muito difícil negar a interpretação de alguns intervenientes: as bombas serviram mais uma estratégia para a relação no pós-guerra com os russos do que fins militares. Com um Imperador que já enviara mensagens claras sobre o seu desejo de terminar a guerra através de canais diplomáticos paralelos, o que teria acontecido se Little Boy fosse lançado numa área não habitada? Francamente, não acredito que o lobby da guerra pudesse resistir à conjugação da vontade imperial e do horror de uma destruição verificável. Dois depoimentos me ficaram na memória: um japonês que descreveu um cenário dantesco de sofrimento humano e acrescentou que a beleza das cores estava para além do imaginável; e um dos aviadores americanos que comeu e bebeu alguma coisa, dormiu, passou o resto da viagem a ver os círculos de fumo que lhe saíam do charuto e mergulhou na festa organizada na base. Recordo um velho texto, de cujas palavras exactas e autor já não me lembro, que dissertava sobre as trágicas consequências dos seres humanos serem os únicos animais que, ao desenvolverem a tecnologia necessária para matar à distância, tinham tornado quase obsoletos os mecanismos inatos de inibição da violência íntra-espécie...

sexta-feira, agosto 05, 2005

O talento ajuda muito a escrever sobre as coisas.

"De uma vez o coração falhou. A enfermeira veio logo, uma seringa no ar. Sandra recompôs-se no sofrimento. Recomeçar. Porque te não deixaram morrer? Mas era assim a lei da caridade humana, mesmo um condenado à morte. Não se mata doente. Trata-se e mata-se depois. Havia que remediar até onde houvesse remédio. Sandra restabeleceu-se e pôde continuar a sofrer. Agora era a dissolução e o horror. Horror de te ver dia a dia no escárnio de ti, quanto tempo ainda? a descida à imagem do ultraje, putrefacção repelência, oculta nas raízes de um homem."

Vergílio Ferreira, Para Sempre.

P.S. Como é óbvio, não concordo com a palavra "caridade" aplicada à Medicina. Trata-se da abordagem clássica da profissão: vencer a dor e retardar o mais possível a morte. A actual discussão bioética introduz outras variáveis: a vontade do doente e o conceito de dignidade humana, traduzido pelo contraste entre "ter uma vida" e "estar vivo".

quinta-feira, agosto 04, 2005

Wilde e a sua língua afiada...

A citação do Portocroft fez-me sorrir. Ouço gente a falar de amizade e amor no consultório há quase trinta anos. Querem uma visão impressionista? As pessoas perdoam coisas no amor que não perdoam na amizade. Como se aquele fosse volátil, explosivo, reversível. Da amizade esperam uma confiança inabalável, logo, à mercê de qualquer fissura. (Como é evidente, falo de amigos e não dos "amigos" que não passam de meros conhecidos). Por isso estou de acordo com a afirmação de Wilde, mas não pelas mesmas razões. A amizade pode ser mais trágica do que o amor porque o seu fim nunca foi encarado como possível. No amor, a possibilidade de uma catástrofe é, pelo menos, admitida no plano teórico. E cada vez mais, numa sociedade tão efémera. Talvez a idealização da amizade tenha resistido melhor ao passar e mudar dos tempos, esta sociedade efémera também é a do "salve-se quem puder", não é? Quem sabe se a mantemos por necessidade pura e dura:), afinal em que ombros choraríamos as cinzas dos nossos amores se não nos que os amigos estendem em silêncio piedoso, calando o "eu avisei..." da praxe?

quarta-feira, agosto 03, 2005

A andorinha não me deixa ir para a praia que adoro!:)

1 - Creio que a "peregrinação" pelos amores imperfeitos pode facilitar a descoberta do Graal:), mas não por da quantidade surgir a qualidade numa qualquer forma de paciente alquimia. Penso, isso sim, como alguns de vocês sugeriram, que a visão e a expectativa sobre o "amor perfeito" vão mudando e aproximando-se da realidade, logo, da possibilidade de o construir (não acredito em amores prontos-a-vestir...).

2 - Sim, há pessoas que nos podem "assombrar" toda uma vida. Mas atenção!, em muitos casos não se trata - acho... - de amor, mas de idealização do passado, narcisismo ferido, álibi para "cortar o pescoço" a novos amores. Ou alguém pode ficar na nossa cabeça e não impedir que outro alguém nos dê a mão. Basta ver o que seria a vida do Kevin Costner no filme, se não tivesse morrido heroicamente a salvar vidas!:)))). Aquilo sim, é um homem: corajoso, sensível, bonito, calado, bom filho, simpático para o filho dela, extraordinário artífice, marinheiro competente, visita de chocolates em punho, ingénuo na desumana cidade... Espera aí: não será mais simples dizer que é um homem típico? Eh, eh, eh, algumas de vocês vão acrescentar morto aos adjectivos...

terça-feira, agosto 02, 2005

O último moicano:).

Ontem à noite deixei de ser o último português que não vira ou lera "As palavras que nunca te direi"! Fiquei mais sossegado quanto à minha cultura geral, mas não quanto ao meu gosto - por junto e atacado gostei do desempenho de Paul Newman. Pior ainda no que diz respeito a sensibilidade:(, não aderi à enxurrada lacrimejante que me fora descrita. Mas uma coisa é certa, o filme confirma a velha ideia ocidental: os grandes amores são os impossíveis:). E eu voltei a sentir um arrepio, ao imaginar Romeu e Julieta com uma ranchada de filhos e a trocarem caneladas venenosas a peopósito das respectivas famílias. Serão distância ou morte condições indispensáveis aos amores perfeitos?

segunda-feira, agosto 01, 2005

Duas palavras.

A primeira sobre um dos temas que vos ocupou no post anterior. Considero que a Assembleia da República tinha legitimidade para despenalizar o aborto. Na minha opinião, o PS decidiu seguir bovinamente as preferências de António Guterres. Como bovinamente deixou sozinhos na estrada -leia-se campanha... - todos os que deram a cara pela posição oficial do partido. Extraordinário, não é? Senti maior apoio na JSD do que no PS, aterrorizado pela hipótese de desagradar ao seu ungido trunfo eleitoral. O referendo foi o que se viu: da praia às sondagens, passando pela pureza de convicções - que não permitiu a incoerência de ir votar... -, ouvi de tudo nas semanas seguintes de bocas amarguradas. Mas o referendo foi feito e perdido, ganho por quem antes dos resultados os dizia não vinculativos e agora se agarra a eles como às tábuas de Moisés. Ignorá-lo seria, penso, desprezar a democracia. E por isso defendo que um outro se impõe, a menos que seja inviabilizado pela oposição ou pelo pelo próximo PR.


A segunda para a Circe. Que morreu, uma de vocês teve a amabilidade de me "mailar" tal informação. Não foi uma surpresa, atendendo ao tipo de lesões. A Circe acompanhou O Sexo dos Anjos durante oito anos. E depois A Bela e os Monstros. E os programas de televisão. Fez sugestões, críticas, humor. Durante anos enviou para esses programas postais de férias dos mais diversos destinos. Nunca impôs a sua presença física a ninguém. Não sou partidário da habitual "santificação póstuma", tão apreciada pelos portugueses - ocasiões houve em que foi agreste, quase outras tantas em que se penitenciou por isso. Era uma de nós, aqui no blog. E por isso a vossa preocupação ao longo destes dias me convence que, para além das diferenças, debatidas de formas mais ou menos estridentes, construímos uma base mínima de solidariedade que é consensual e definitiva.