sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Do exagero e outras infantilidades.

Maria,
Já estou em Cantelães. O portão está de boa saúde e a caldeira também. Mas um dos focos da sala recusou-se a acender e havia água na despensa. Tive uma reacção inesperada - entrei em pânico. Lembras-te do poema da Bautista? Nunca me preocupou. A hipótese de morrer antes dos rapazes é tão monstruosa que não me assola. Mas de repente veio-me um pensamento angustiante, e se esta casa envelhecesse antes de mim? Imagino o teu sorriso, tenho a certeza do teu comentário/ralhete - as coisas que sou capaz de prever para infernizar a vida. Talvez. Mas sabes como Cantelães passou a escorar o meu viver. Não suportaria assistir-lhe à decadência, competindo com a minha. Preciso de a saber viva depois de mim, abraçando o Gaspar e o Tiago, cuidada pelo Guilherme e pelo João. O foco está substituído, a prateleira seca. E a calma não vem, que ferida mortal poderá escancarar-se amanhã, para a semana, um dia? O candeeiro solar brilha, ténue, lá fora. Vigio-o, como ave de rapina supersticiosa. Decido que enquanto viver a casa resistirá e com ela os Machado Vaz. Eu sei, this is rubbish. O Carnaval marimba-se na minha indiferença e mascara-me de pitonisa cobarde. Se tiveres razão, a calma regressará de braço dado com Quarta-Feira de cinzas, ou seja, quando eu estiver de volta ao Porto. Escreve e obriga-me a sossegar antes disso. Para que a minha angústia não perturbe o majestoso rodar dos moinhos da Cabreira. Fazemos assim: se amanhã a geada cobrir o terreno, decretá-la-ei sinal teu, mesmo sem mail. E o medo animal de ver o berço inventado da família estilhaçar-se perante os meus olhos, aterrorizados e sem futuro, desaparecerá naquele branco esverdeado. Deixando semente, tronco, ramo e flores que anunciarão a Primavera. Uma Primavera. Das muitas que sobreviverão ao meu Outono.
Dorme bem.

21 comentários:

Anónimo disse...

Espero que a Maria o sossegue e que possa adormecer, certo de que não há distância que atenue a ternura.

Bons sonhos!

A Menina da Lua disse...

Gosta mesmo da casa :)))

"Fazemos assim: se amanhã a geada cobrir o terreno, decretá-la-ei sinal teu, mesmo sem mail. E o medo animal de ver o berço inventado da família estilhaçar-se perante os meus olhos, aterrorizados e sem futuro, desaparecerá naquele branco esverdeado. Deixando semente, tronco, ramo e flores que anunciarão a Primavera."

Mas que brincadeirinha tão engraçada que inventa para enganar os seus receios; aceitar os sinais da natureza como estando embuídos de significado e espiritualidade, é um exercício mental que por vezes tambem costumo "brincar":)))

Quanto à parte mais imediata do motivo dos seus receios e por experiência própria , aconselho-o a ter uma lista de contactos de "habilidosos" (electricista, carpinteiro, pedreiro, canalizador, etc.) que morem por perto e que possam ajudar em situações de emergência....

andorinha disse...

Júlio,
Porquê essa angústia?:(
A Maria tem toda a razão, as coisas que é capaz de prever para infernizar a vida...
E acalme-se, ela escreve-lhe de certeza.:)
Entretanto saboreie esse belo refúgio, ouça Mozart, leia um bom livro, escreva ao maralhal, sei lá...simples sugestões de uma alma amiga.
Fique bem.:)

Moon disse...

Júlio,

recebi o teu mail e apresso-me a responder porque te quero calmo e sossegado. Às vezes adoras complicar o que é simples, defeito de formação ou...talvez...não sei.
E, embora te compreenda, creio os teus receios completamente infundados. Repara, Cantelães será sempre Cantelães, uma terra sem mapas, sem fronteiras, imortal... E digo imortal porque também tu o és! Cada palavra, conto, história, velharia, etc... escritos por ti são como pedaços de terra, folhas, àrvores, pedras de Cantelães. Já não existem isolados. Júlio Machado Vaz é Cantelães e Cantelães é Júlio Machado Vaz. E enquanto tu fores lembrado(e serás sempre) também o será Cantelães.
Descansa, meu querido, Cantelães sobreviverá a todos nós, tal como tu! Cantelães é como uma história de amor, que, sendo antiga, sempre se renova...

Maria

Moon disse...

P.S. Amanhã quando sentires o cheiro da terra molhada, olhares o verde da Cabreira (mesmo sem geada) e vires um raio ou outro de sol a espreitar pelas nuvens lembra-te que é vida a acontecer e que eu vou estar a sorrir aqui para ti.
Ah...não deixes os focos por acender. Lembras-te de eu te dizer que a iluminação é muito importante? Dá conforto. Não te esqueças que a vida é um peça de teatro e, por isso, deve ser iluminada como um palco.
Dorme bem também

Maria

Anónimo disse...

Seu "casa-comprada" que bicho estranho que é! Não entendeu ainda que se é com dificuldade que o portão se abre é por amuo meu de o ver partir? Que a ruidosa abertura é o meu barafustar? Apago-lhe a luz para lhe ver o contorno e teima em acendê-la? Não consegue suportar o ritual do depilar das paredes? E depois... entra em pânico ao assistir ao meu justificavel pranto em estação tão deprimente!?
Sossegue.
O meu lento envelhecimento, garanto, permitirá aos meninos ter moldura física de ternas memórias suas. Olhe...permita-lhes, que me tatuem algures, ainda que de forma clandestina, para recordarem a perspectiva que só recuperarão quando também eles forem avós!

Se ouvir ranger de noite, não tema: sou eu que padeço de "bruxismo".

Anónimo disse...

exageros … de outras casas ;)

“Casa Morta (em Minas)” de Octávio Mora

“A casa estava atrás de cada porta.
As paredes espessas eram brancas
e de pedra. De ferro eram as trancas
com que o tempo, a sós na casa morta
trancara-se por dentro. O assoalho
de madeira sonora nos transporta
por longos corredores. Grande aorta
comum aos que viveram e sumiram
a morte vem em busca de agasalho.
Idêndicos os mortos, semelhantes,
passeiam pela casa. Por dentro
parece que maior a construíram.
A casa ficou tal como era dantes –
Mas me sinto de fora quando entro.”

Anónimo disse...

...” E não morrer depois dos nossos filhos.”
E Cantelães, não é, também, uma filha? Sonhada, planeada, gerada com muito amor para, por seu turno, abraçar e proteger dos tempos e vendavais “pai”, “irmãos”, “sobrinhos”, “netos/(as)”... – não faltarão raparigas travessas para azucrinarem a cabeça aos rapazes!
Um dia, dir-me-ás...
Agora descansa. Respira a calma da Serra. E dorme bem, meu menino lindo.

noiseformind disse...

Boss,
Se queres um comentário sincero (e eu sei que queres), eu fazendo um bocadinho de psicologia forense sobre o cadáver destes dois posts (partindo da ideia de que as palavras morrem para quem as escreve no momento em que as transmite e passam a ser sinónimo e beleza para outros) diria que andaste a ler o Estilhaços outra vez. Leste o texto do post anterior e entre as velharias foste até ao texto do homem a mirrar dentro do quarto do filho morto atolado em lembranças a quem o "Canalha" do psi tinha dito "se calhar é uma boa ideia" trazer cá para fora o luto do filho. Juntando a isto as prateleiras e uma má recepção de satélite provocada pela chuva (não conseguiste ver os vários programas televisivos que antecipam a perdição do Benfica no Domingo na Luz) deste luz ao segundo post.

Mas isto sou eu a especular, especular especuálamos todos, ou não existisse o espécolometro ; ))))))))

Anónimo disse...

Se amanhã a geada cobrir o terreno??????
Deixamos a coisa ao sabor de jogos de azar?
Um pontapé no racionalismo?
Superstição?
Entregamo-nos nas mãos do aleatório, com o qual jogamos roleta russa emotiva?
Meus Deus.
MARIA não aceite esse jogo. Rebata, bata, expluda, mas imponha a realidade.

Anónimo disse...

Julius, Julius:

What's all that sadness about?!
Será isso tudo uma penitência pré-quaresmal?
Yes, you know what I mean!
Você ainda é do tempo em que esse calendário fazia sentido (semântico). Nowadays ninguém já sabe o que isso é...
Vá, vamos lá a tirar esses panos roxos!
O calor está quase a chegar, cheer up!

Anónimo disse...

Enfim...acabei de ler o seu livro MUROS, ontem, uff :))) Cinco meses a ler um livro (parece impossível, mas é verdade...parece que tinha começado a dar os primeiros passos na leitura mas depois até já conseguia ler depressa. Veja lá que até já nem me perdia! A meio da leitura do livro, era mesmo falta de tempo, por isso escrevia imensas notas (mesmo pessoais) a lápis nas margens e dobrava os cantos de muitas páginas. Por isso é um dos tais livros que não se pode emprestar a ninguém. Adquiriu o direito de ser íntimo.
E o narrador? Esse foi uma grande surpresa. Diria mesmo uma traição ao leitor:), (só no cap. IX é que sabemos quem é!) que até pensa em pôr a "tal senhor" no seu lugar, reduzindo-o àquilo que é e não se pôr a dar palpites em relação às personagens. E veja até onde vai o "desplante" de criar um "assessor" (novo narrador) para o protagonista que é para não se pensar que é parcial. Mas traiu-se. Em vez de o assessorar queria guiar-lhe os passos, a certa altura. Agora percebe-se porquê! O seu estatuto na história confere-lhe esse papel que não consegue largar completamente.
A Casa dos Moinhos faz milagres, afinal a relação do Pedro com o pai entrou no bom caminho :) e sabe? o final não me desiludiu como no final do VIII capítulo comecei a pensar. Por mim penso que o destino os vai juntar, inevitavelmente :) Emocionou-me a história de Eduardo e Teresa no final do livro.
Já estou a pensar no próximo. Ando de olho no "Olhos nos olhos" mas li aqui, penso que até foi o Sousa que " o sr doutor vai publicar outro livro e até lhe mudou o nome a ele, Sousa". Mas digo-lhe, desde já, que só recomeço a leitura daqui a um mês. Agora quero ficar a saborear esta história :) entretanto vou para as Intermitências. Ah e estou também a ler o Estrangeiro.

Peço desculpa por me ter alongado tanto.

Bom fim de semana, Professor. A Casa dos Moinhos é Cantelães, não é? Até tem bruxas! (li aí num comentário que tem) :))))))

Moon disse...

Professor,
ontem esqueci-me de esclarecer que o mail era da Maria e só foi reencaminhado para a caixa de comentários a pedido da Maria. Parece que a sua caixa de correio estava bloqueada ou coisa assim...:))))

Anónimo disse...

"Já estou em Cantelães. O portão está de boa saúde e a caldeira também."

Ou seja, desta vez não há razões para maus agoiros... ;-))

CêTê disse...

"amanhã a geada cobrir o terreno, decretá-la-ei sinal teu, mesmo sem mail."


Aposto que se levantou a tempo de ver a geada, só para ver o que os coração queria.

Eu, ainda hoje, não resisto em adivinhar o que as palavras não dizem nas somas dos algarismos das matriculas dos carros que com o meu carro se cruzam. E quando não dá o que quero, arranjo maneira de escolher outras... LOL. Infantilidades. ;]
Um xi-coração terno para partilhar.

Aguardo expectante o seu novo programa de TV e a forma como irá explorar o(s) papel da internet nos afectos.
Tenham uma tarde deliciosamente perguiçosa ;]

Anónimo disse...

Inundas-me a caixa de correio, e eu protesto, mas eu já não passo sem estas cheias de fim-de-semana.
E fico ali a enfrentar as ondas de palavras, num desassossego para que não escapem nenhumas, e se percam, voltando areia abaixo, ao mar que as criou. Tão longe.
Tu sabes que eu sou menos de palavras, do que acções.
Palavras são ferramentas em que eu, desde que me lembro, mexo desajeitadamente, sobretudo quando o que há a transmitir é difícil.
Nem o treino me habituou a manejá-las melhor do que fazia (apesar de por estas paragens eles acharem que tudo se resolve à custa de experiência e trabalho árduo!)
Jamais lhes tocarei com a tua destreza, tu conheces-me.
Mas, sabes? A guerra estaria sempre perdida à partida!
Porque como é que alguma vez eu conseguiria verbalizar o que tu me inspiras?
TENHO DOIS OLHOS PARA TE VER, DOIS OUVIDOS PARA TE OUVIR...E SÓ UMA BOCA PARA FALAR DE TI!
A bem do decoro...e da tua respeitabilidade, a natureza é perfeita, meu querido!
Adeus, quero que chova muito.
Não apenas porque aqui também chove, cats and dogs, mas porque espero as próximas.
Inundações....

Maria

maloud disse...

"e se esta casa envelhecesse antes de mim". Quem tem este "pensamento angustiante" não é deste nosso tempo. É de um tempo mais antigo, em que o que ficava para além do "eu" era tão ou mais urgente do que o "eu". Que saudades de gente assim. Onde estarão os meus avós? e o meu pai? Só me resta a urgência do que ficava para além deles. Que saudade!

Pamina disse...

Boa tarde.

Gostei do comentário da Moon (11.50): "uma terra sem mapas, sem fronteiras, imortal..." Nesse sentido, a casa naturalmente existirá sempre ("Nor shall Death brag thou wander'st in his shade/ When in eternal lines to time thou grow'st...").
Mas mesmo no sentido físico, a degradação, ou não, da construção é capaz de não ser o mais importante, mas o que os filhos sentem e os netos venham a sentir por esse local. Em caso de necessidade (lagarto, lagarto, lagarto), as casas reparam-se ou reconstroem-se.

Anónimo disse...

Olá Prof.,
O seu "Um homem reservado" deixa-nos de facto a pensar em atrocidades que se cometem em nome do amor.
Como mãe, penso muitas vezes se estarei a dar uma orientação correcta aos meus filhos. O medo de errar está sempre presente mas, a esperança de isso não acontecer também me acompanha. Regras sim, mas mimos também. O facto de terem sido crianças, hoje já adolescentes, nunca me impediu de lhes pedir desculpa, quando achei necessário. Fiz sempre questão de lhes mostrar que para se ser respeitado, tem que se respeitar. Espero que o mundo e a vida os não corrompa.

Quanto a Cantelães, o seu "cantinho", compreendo essa ligação. Ao contrário de algumas pessoas que não se prendem a coisas dessas, eu considero que são pedaços das nossas vidas. De vez em quando, gosto de me sentar com as minhas crias e, através de fotografias mostrar-lhes os pedaços de mim que ficaram em África. Como alguns, não lamento a vida que lá deixei, mas sim a terra em si. Comer uma manga empoleirada na mangueira; depois da chuva o cheiro da terra molhada; a água de côco... a casa dos meus avós, que foi palco de brincadeiras de três gerações.
Ainda bem que pode disfrutar e cuidar desse seu cantinho.
Bom fds para si e para todos que ruminam aqui.

Vera_Effigies disse...

Mahatma
Não desespere a Maria deve estar sem comunicação, existem falhas, o Mahatma sabe disso ;-)
Quanto à geada, não era fácil cair ontem. Mas algo mais branco era provável. Caiu?!... Nem me informei.
Sábado estava temporal. Assisti "in loco".
Hoje deve ter "sua majestade" com manto branco. Uma paisagem sem par ;-). Aproveite e suba ao Talefe, leve a Maria a ver esse espectaculo imaculado; se optar pela lareira, a Maria dançará com o calor que lhe é inato em cada chama.Assista enroscado no sofá e de certeza o calor dela o tomará nos braços.

Usufrua essa maravilha branca (Cabreira), contemplada pelo, não menos belo, amante de anos (Gerês).Dois inseparáveis, caminham sem se tocarem, apenas trocam olhares cúmplices, testemunhados por um cávado atento e reflector de anseios e imagens que os mantêm vivos.
Um beijo e bom fim-de-semana.
MJ

Anónimo disse...

"Ó homem, anime-se!
Por si, até nem me importo que o FCP perca."


Oh sr. Augusto!!! Tanto não. Tanto não!


Caros amigos: o sr. dr. teve o que merecia pela sua falta de tino. Está gripado. E eu já nem sei se é da temperatura se a loucura veio para ficar... O homem está a dizer cada coisa?! Queira Deus que a menina Maria chegue depressa- ao menos ela consegue fazer com que ele tome os medicamentos! Chiça que nem parece médico.