sexta-feira, março 31, 2006

E eu digo: Salut i força al canut:)!

Catalunha dá mais um passo rumo à sua autogovernação
Bernat Armangue/AP

Pascual Maragall, presidente do Partido Socialista da Catalunha, aplaude a aprovação do novo Estatuto


Vítor Pinto Basto

A pós sete horas de debate, os deputados espanhóis aprovaram, ontem, um documento inédito ao aceitarem pela primeira vez que uma Comunidade Autónoma espanhola seja considerada "uma nação". Os nacionalistas catalães dão assim mais um passo rumo à autogovernação.

O novo Estatuto da Catalunha foi aprovado por maioria absoluta, com os votos de 189 dos 345 deputados. Por razões diametralmente opostas, votaram contra (154 votos) os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Partido Popular (PP); a eles juntou-se o deputado basco da EA.

Os independentistas catalães queriam mais competências, mais autogoverno e dizem que votaram contra porque o documento, segundo o seu porta-voz, Joan Puigcercos, "não consagra a Catalunha como uma nação, apesar daquela palavra aparecer escrita no estatuto.

Os populares, pelo contrário, queriam conceder menos autogoverno autonómico. O seu líder, Mariano Rajoy, diz que, com a aprovação daquele texto, começou para a Espanha o início de uma nova fase da sua vida institucional "O início do fim do Estado espanhol".

O texto deverá ser, agora, levado ao Senado espanhol, onde poderá ser alterado antes de ser adoptado definitivamente pelos deputados. Depois, será votado, em referendo, pelo povo catalão.

O novo Estatuto, com 223 artigos, significa um avanço significativo no autogoverno da Catalunha, sobretudo se tivermos em conta o teor do documento anterior, datado de 1979, estava a Espanha, morto o ditador Franco, a dar os primeiros passos da democracia e a dividir o país em comunidades autónomas, cada uma com o seu Estatuto. Agora, Zapatero tem pela frente um conjunto de propostas de alteração desses estatutos e o seu futuro político depende, segundo os analistas, da maneira como vai gerir esse complexo dossiê. Complexidade que se acentuará quando for discutido o do País Basco, onde os nacionalistas exigem ter direito à autodeterminação.

Na Catalunha, o presidente do Governo espanhol envolveu-se pessoalmente nas difíceis negociações e conseguiu reduzir substancialmente as reivindicações dos nacionalistas num documento que foi aprovado, por 90% dos deputados catalães, no passado mês de Setembro (novamente o PP votou contra).

No Parlamento espanhol, José Luíz Zapatero contou com o apoio dos nacionalistas democratas-cristãos da Convergência i União (CiU). O partido de Artur Mas foi batido nas eleições regionais de 2003 pelos socialistas e pelos independentistas da ERC mas, ontem, voltou a traçar os destinos da Catalunha ao ajudar a aprovar um documento que não agradará a uma parte substancial da população catalã, que quer mais autogoverno para gerir a sua riqueza. Riqueza que Zapatero quer ver distribuída, com "espírito de solidariedade" por outras comunidades espanholas. Como manda a Constituição espanhola.

quinta-feira, março 30, 2006

Em abstracto sou contra. Na prática parece-me temporariamente indispensável.

PS e BE aprovam quotas de um terço de mulheres

PS e BE aprovaram esta quinta-feira, na generalidade, com a oposição do PSD, PCP, CDS/PP e PEV, quatro projectos para impor quotas de um terço de cada género nas listas eleitorais, para aumentar a representação das mulheres.



As quotas serão aplicadas nas legislativas, autárquicas e europeias, obrigando os partidos a adoptarem a regra interna do PS e candidatarem pelo menos 33,3% de mulheres, sendo rejeitadas as listas que não a cumprirem.
O projecto de Lei da Paridade do PS e os três diplomas do Bloco de Esquerda (BE) que alteram, respectivamente, as leis eleitorais da Assembleia da República, das autarquias locais, do Parlamento Europeu, serão agora discutidos na especialidade.

Quando entrar em vigor, a nova legislação não garantirá, porém, a presença de um terço de mulheres no Parlamento, porque apenas impede que «mais de dois candidatos do mesmo sexo» sejam «colocados consecutivamente» e nada determina quanto aos cabeças-de-lista.

PS e BE justificaram um sistema legal de quotas com a existência de obstáculos ao acesso das mulheres aos cargos políticos, que não foram detalhados, enquanto PSD, PCP e CDS/PP contestaram que o género seja considerado na escolha dos candidatos.

Apesar do voto contra da bancada social-democrata, a deputada do PSD Ana Manso anunciou que apresentará uma declaração de voto em conjunto com outros deputados, depois de a aprovação dos diplomas ter sido aplaudida pelos grupos parlamentares do PS e do BE.

Diário Digital / Lusa

30-03-2006 17:46:00

quarta-feira, março 29, 2006

O ramo de oliveira (onde pousa a Vitória).

Sousa,

Recebi o SMS, mas de ficção científica estou farto, ainda há momentos ouvi o líder parlamentar do PP sugerir que para salvar a maternidade de Elvas bastava convencer as mulheres espanholas a virem lá ter as suas criancinhas. Factos, quero factos, tão palpáveis como os 50 milhões de chineses - pelo menos... - que fazem fila para se tornarem sócios do Glorioso. Está você arrependido? Pois tire as devidas conclusões do sentimento - assine a propostazinha, compre o kit e a t-shirt. Porque na próxima Quarta-Feira, cá em casa, não haverá lugar para duplicidades: levaremos cinco todos ou todos seremos abençoados pelo Deus do Moretto. Estou-me nas tintas para a liberdade de expressão, o desportivismo, a sadia convivência, o relativismo cultural e até o direito à diferença, aqui só entram benfiquistas, analfabetos futebolísticos como a Gertrudes ou objectoras de consciência ao futebol como a menina Maria. Lá fora é outra coisa: como já teve a oportunidade de verificar, sou amigo do Miguel Sousa Tavares e mantenho uma relação muito cordial com o Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa. Sem problemas, reparou? Sabe porquê? Porque não me planto em casa deles a rezar Terços para o FCP perder! É pegar ou largar - cá em casa só dentro do meu quadrado, como diria o Manuel Alegre (por acaso benfiquista). Ou mesmo o senhor engenheiro José Sócrates!, não me diga que não lhe ouviu o entusiástico optimismo para Barcelona depois do jogo de ontem. Vai ver o jogo em Angola! Em Angola, percebeu? O Primeiro-Ministro nem em viagem oficial esquece os seus deveres para com a Nação benfiquista e compreende-se - ela confunde-se com a outra, a portuguesa.
Decida-se.

P.S. A menina Maria acaba de telefonar, intercedendo pela Gertrudes, que não por si. Compreendo-a, afinal você é um porco chauvinista que mantém a sua mulher num estatuto de dependência incompreensível para um homem igualitário, paritário e feminista como eu. Por ela - pobre fêmea escravizada aos seus apetites, caprichos e mordomias! - aceitarei outra modalidade: em dias de jogos do Benfica você ficará confinado ao quarto por cima da garagem, o qual a menina Maria se prontificou a revestir a cortiça e a dotar de vidros duplos para que nenhuma heresia me chegue aos ouvidos. (Como a menina Maria vive com dificuldades em Inglaterra e eu estou a planear uma OPA sobre o Sporting, o preço das obras será deduzido do seu chorudo ordenado).
É tudo.

Machado Vaz, A Águia Magnânima.

terça-feira, março 28, 2006

SMS.

Patraozinho,
FOI PENALTI, FOI PENALTI, FOI PENALTI!!!!!!!!!!!
Lá, sem o Robert e com o Moretto proibido de pôr o pé na bola... ganhamos!!!!! (Ao que eu chego, meu S.Juon do Puorto, carágu, para ele me perdoar, mas já não aguento tanto xuxi, ssója e vanvú:().
Posso voltar, patraozinho? Posso?

Sousa-san.

Este timing pode ser um tiro no pé da esquerda:(

Filme político de Moretti gera polémica em Itália



José Mário Silva

Aestreia na passada sexta-feira, a pouco mais de duas semanas das eleições legislativas italianas, que se realizam nos dias 9 e 10 de Abril, de um filme anti-Berlusconi, assinado por Nani Moretti - um realizador assumidamente de esquerda, que gosta de trazer a política para o centro dos seus filmes - está a gerar acesa controvérsia em Itália, sobretudo dentro dos partidos que vivem, com uma certa ansiedade, a aproximação de um dos mais renhidos plebiscitos dos últimos tempos.

O senador Michele Bonatesta, da Aliança Nacional (partido de Gianfranco Fini, o segundo maior do governo de coligação liderado pela Força Itália), não se coibiu de afirmar que Il Caimano [O Caimão], último trabalho de Moretti, é "a quintessência do tédio e do ódio a Berlusconi", procurando apenas transformar-se no "emblema da criminalização e demonização do primeiro-ministro".

Já Francesco Rutelli, líder de uma das forças (Margarita) com maior peso na oposição parlamentar ao Cavalieri, revelou-se bastante evasivo: "Não creio que tenha tempo de o ver [ao filme] antes das eleições." Igualmente cauteloso, Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Europeia e principal favorito (segundo as sondagens) à vitória nas eleições de Abril, à frente da plataforma Oliveira (centro-esquerda), limitou-se a desejar que o impacto de Il Caimano seja "útil e não provoque danos na campanha eleitoral".

Essa parece ser também a vontade do próprio Moretti, que se manteve bastante discreto nos últimos dias, assistindo apenas a uma das várias projecções promocionais do filme e reduzindo as entrevistas radiofónicas e televisivas ao mínimo indispensável.

Por seu lado, o primeiro-ministro, novamente "debaixo de fogo" no celulóide (depois da ficção Bye Bye Berlusconi, do alemão Jan Henrik Stahlberg, apresentada em Fevereiro no Festival de Cinema de Berlim), reagiu ao seu estilo. Quando os jornalistas lhe perguntaram se tenciona ver a obra de Moretti, respondeu com rispidez: "Não, claro que não, absolutamente não."

As resistências a Il Caimano - um termo que foi cunhado pelo jurista Franco Cordero nas páginas do La Repubblica - não se resumem contudo aos partidos envolvidos no frenesim pré-eleitoral. Todas as estações televisivas, mesmo as poucas que estão fora da esfera de influência de Berlusconi, ignoraram olimpicamente a estreia do filme. E se os canais pertencentes ao grupo Mediaset (Rete 4, Italia 1, Canal 5) nem sequer se deram ao trabalho de explicar porquê, a TG2 (pública) apresentou uma nota, lida no telejornal da noite, em que justificava o silêncio como forma de respeitar a igualdade na gestão do tempo de antena das várias coligações que concorrem ao próximo acto eleitoral.

Não por acaso, Il Caimano, produzido pela Sacher, é a primeira obra do autor de Palombella Rossa que nem sequer se candidatou aos financiamentos públicos da RAI, assim garantindo uma total independência e liberdade criativa.

Após uma espécie de interregno em O Quarto do Filho, melancólica reflexão sobre o impacto da morte de um adolescente numa família de classe média, que arrebatou a Palma de Ouro em Cannes (2001), Moretti regressa ao tom mordaz, humorístico e assumidamente "esquerdista" de Abril (1998), rodado entre a primeira vitória de Berlusconi (1994) e a sua única derrota (1996), às mãos de Romano Prodi.

Il Caimano acompanha os muitos obstáculos encontrados por uma jovem realizadora (Margherita Buy) e um produtor de filmes série B (Silvio Orlando) quando tentam fazer um filme sobre Berlusconi, começando pela dificuldade em encontrar um actor disposto a assumir o papel do líder da Força Itália.

Em entrevista à revista L'Espresso, em Agosto de 2005, Moretti previu que o centro-esquerda, caso vença estas eleições, encontrará um "país armadilhado economicamente e de rastos do ponto de vista psicológico, constitucional e moral".


DN.

domingo, março 26, 2006

De regresso.

Maria,
Cheguei do Algarve e do Congresso de Diabetologia com uma sensação estranha de apaziguamento. Nos últimos anos, os convites para falar em reuniões especificamente médicas ou de profissionais de saúde multiplicaram-se. O que enternece o "fugitivo" das enfermarias que fui. Hoje, tanto tempo volvido, penso que a psiquiatria não era a única solução, talvez a medicina familiar não corasse de vergonha por me abrigar. Facto é que sou psi, alguns vêem-nos como os últimos moicanos da arte - ou charlatanice... - que recusa o método experimental. Não satisfeito, ensino Sociologia Médica. Disciplina suspeita por tentar reflectir sobre a instituição, suas práticas e ideologias, recusando a linearidade do velho e reconfortante "contra factos não há argumentos". E é a este marginalzito que os colegas abrem os braços e deixam o prazer/angústia de escolher os temas das suas conferências. Estará a idade a tornar-me respeitável? Não sei. Mas revi gente que não encontrava desde os anfiteatros da faculdade e escutei intervenções sublinhando a urgência da educação médica, sobretudo na vertente relacional. Que mais poderia desejar? Pois se até a paella na Marina foi um sucesso... Desculpa, não me lembrei que estás farta da comida inglesa:(. Pronto, está decidido - amanhã mando-te uma francesinha por correio-expresso!
Um beijo e boa noite.

sábado, março 25, 2006

Mais um passinho...

Homossexuais portugueses já podem dar sangue

Os homossexuais portugueses já podem dar sangue, depois de o Instituto Português do Sangue (IPS) ter retirado a homossexualidade dos critérios de exclusão, avança o Diário de Notícias este sábado. O presidente do organismo, Almeida Gonçalves, explica a decisão com a existência de uma nova geração de análises, mais fiável no despiste de doenças infecciosas como a SIDA ou as hepatites.



Falando ao DN, Almeida Gonçalves adianta que «a tendência actual é de igualdade de critérios para todas as orientações sexuais, há uma recapitulação em termos internacionais nesta matéria». Segundo o responsável, já foi retirado do site do Instituto o critério de exclusão «homens que têm sexo com homens».
A decisão foi tomada no fim de 2005, mas até ao momento, nem as associações de defesa dos direitos dos homossexuais tinham conhecimento. A alteração da política foi explicada com a existência de um novo tipo de análises, os testes de ampliação de ácidos nucleicos – TAN. «Pelo seu grau de fiabilidade muito superior aos antes utilizado, estes testes permitem despistar com muito mais segurança a existência de infecções como a do HIV/sida ou das hepatites», afirma Almeida Gonçalves.

Questionado durante anos sobre a validade desta interdição o responsável admitie agora que se tratou de uma estigmatização sem fundamento científico. «Penso que isso se deveu ao facto de o problema da sida ter começado na comunidade gay americana. Hoje, em Portugal e em quase todo o mundo, a principal via de infecção do HIV é heterossexual», disse.

25-03-2006 14:16:18

sexta-feira, março 24, 2006

Ora aqui está uma boa notícia!

Café Piolho reabre e regressa às tertúlias



Joana de Belém

Fechado há três meses para obras, o centenário Piolho (1909) reabre portas de cara lavada e com vontade de retomar a tradição das tertúlias.

Longe vão os tempos em que os oponentes ao fascismo se reuniam no Piolho, café onde se discutiam ideias e realizavam tertúlias nas noites do Porto. Local associado aos estudantes universitários, tem como característica fundamental a clientela diversificada e o ambiente informal: ao lado do professor pode estar um aluno, junto ao advogado ou arquitecto o desempregado, a freira que aparece à tarde apanha com o fumo do cigarro do "mitra".

Hoje é a primeiro noite em que o Âncora D'Ouro (nome original do espaço, adulterado pelos estudantes durante os anos 50 que, diz-se, chamavam "piolhice" aos docentes universitários que também frequentavam o café) se apresenta à cidade, mas não para todos. Apenas na segunda-feira abre para o público em geral, os fiéis habitués de um espaço que deixou e vai continuar a deixar marcas em várias gerações.

Esta noite, a casa entrega-se ao espírito da tertúlia, com convidados como Germano da Silva, Paulo Valadas e Paulo Morais, ex-vice- -presidente da Câmara do Porto, mas foram muitos outros os que receberam a convocatória para um momento que se pretende espoletador de uma nova dinâmica.

Edgar Gonçalves, um dos proprietários há já 25 anos, cresceu com a casa. "Vim para aqui com 19 anos", corria o ano de 1979, conta ao DN. Edgar Gonçalves não teve outra vida durante os três meses que duraram as obras. "Necessitávamos mesmo de melhorar isto em termos de espaço público, o cliente gostava do Piolho como era mas não tínhamos grandes condições de trabalho".

"Mataram o Piolho", ouviu já da boca de alguns clientes que vão passando para ver o andamento das obras. "Mantive sempre isto meio aberto para que as pessoas pudessem ver o que estava a ser feito", conta Edgar, que faz questão de ressalvar que quis manter a traça do café da Parada Leitão, praça que o acolhe.

O pequeno restaurante deixa de existir, alargando-se o espaço, mas o mobiliário mantém a dimensão característica, embora substituído. No caso específico das cadeiras foram reproduzidas as originais do Piolho - em madeira, com o assento coberto a pele negra e uma âncora em relevo. "Tentamos não ferir aquilo de que o cliente gosta."

Edgar Gonçalves lamenta apenas a legislação que não lhes permite manter a esplanada aberta durante o horário do café. "Comprámos a residencial por cima por causa do barulho, mas temos de retirar as mesas e cadeiras do exterior à meia-noite [a duas horas do fecho do café] e as pessoas amontoam-se no passeio".

*com Sara Novais

quinta-feira, março 23, 2006

Sem prolongar desnecessariamente...

Medicamento pode inverter Alzheimer
2006/03/23 | 12:47
Estudo revela que o genérico Donepezilo pode melhorar as faculdades cognitivas dos pacientes em casos mais graves da doença.

Um medicamento com o nome genérico de Donepezilo pode inverter os efeitos da doença de Alzheimer nos pacientes mais gravemente afectados, segundo um estudo publicado esta quinta-feira pela revista médica britânica The Lancet, noticiou a agência Lusa.

O estudo foi realizado por médicos do prestigioso Instituto Karolinska, da Suécia, que compararam o efeito do Donepezilo (disponível em Portugal) em 99 pacientes a quem foi administrado o fármaco durante seis meses e noutros 95 tratados só com um placebo. Todos sofriam de demência severa, uma condição que afecta um em cada cinco doentes de Alzheimer.

«O nosso estudo demonstra que o Donepezilo pode melhorar as faculdades cognitivas e conservar essas funções nos pacientes afectados por Alzheimer grave», afirmam os autores do estudo.

Uma preocupação dos estudiosos de Alzheimer é que os tratamentos com fármacos podem permitir a sobrevivência do paciente num estado de demência e prolongar assim desnecessariamente o seu sofrimento.

«A administração prolongada de inibidores de colinesterase (de que é exemplo este fármaco) não afecta a sobrevivência», dizem os autores do estudo.

No seu entendimento, «este tratamento deveria ser uma opção disponível porque pode ajudar os pacientes em fase avançada de demência sem prolongar desnecessariamente o tempo em que sofrerão de Alzheimer grave».

Ó mundo cruel!

Para onde fugiu o Murcon?:(.

quarta-feira, março 22, 2006

Gould.

(velharia).


Da serenidade


Trouxe, de mais uma catastrófica visita à FNAC!, as duas Variações Goldberg de Bach por Glenn Gould: de 55 e 81. E vocês – sobretudo os que não deitam nada fora! – invocam artigos em que assumi total cegueira de ouvido e acusam-me, risonhos ou ácidos, de novo-riquismo – “deu-lhe para fingir que percebe de música clássica”. Não percebo. O ouvido continua mais duro que o diamante. E contudo guloso... Porque saboreio intensamente a beleza da música, apesar de não conseguir reproduzir um acorde sem, ofendido, ver a família rebolando-se num choro convulsivo de gargalhadas respeitosas – que talento para assim desafinar! A humilhação pior é a solitária: em diversas situações uma melodia irrompe e eu rosno que a conheço e guardo na estante, paredes-meias com os livros, mas sou incapaz de a baptizar e a quem a compôs. Enfim...
Um texto sublinha as diferenças entre as interpretações. O que me interessou, como se reflectiria o trajecto de vinte e seis anos de vida no teclado? Antes de procurar, triste aluno aplicado e espesso, as nuances que outros notam espontaneamente, uma frase do pianista saltou-me à vista. Dizia ele que “o objectivo da arte não é a libertação de uma momentânea descarga de adrenalina, mas antes a construção, gradual e ao longo de uma vida, de um estado de encantamento e serenidade”. Dei comigo a pensar que talvez o objectivo de arte e vida fosse o mesmo: quando temos sorte - ou a procuramos? -, também a segunda evolui de picos afectivos jamais esquecidos para uma certa acalmia. Cujo sossego não mata à fome as velas da nossa embarcação; a viagem continua.
Reza a crónica que nove anos após a gravação de 55 Gould abandonou os palcos. Devolvendo-lhe a palavra: “A tecnologia tem o poder de criar um clima de anonimato e conceder ao artista o tempo e a liberdade para preparar a sua concepção de uma obra levando ao limite as suas capacidades”. O psiquiatra em mim desconfiou de segundo coelho morto com a mesma cajadada, não seria o homem avesso à angústia provocada por mil olhos atentos nas salas de concerto? Pouco importa, decidiu que precisava de isolamento para extrair o melhor de si próprio e fê-lo. A segunda gravação leva Tim Page, autor do texto, a falar de uma interpretação “profundamente pessoal e contemplativa”. Gould fez cinquenta anos a 25 de Setembro de 1982 e sofreu um acidente vascular fatal a 27. Page diz que tivera a sensação do círculo a fechar-se com a morte de um homem que lhe parecera, na última entrevista, “pronto a metamorfosear-se em puro espírito”. E cita T.S. Eliot: “Não pararemos de explorar/E o fim de toda a nossa exploração/Será chegarmos onde começámos/E conhecer esse lugar pela primeira vez”.
Terá Gould alcançado alguma forma de encantamento e serenidade? Os musicólogos o saberão. Eu, resignado à incapacidade de apreciar devidamente as mais ou menos subtis diferenças de interpretação, pedi boleia e ajuda a música e poema - não será a vida assim, a busca da paz que nos deixe revisitar o passado? Com ternura, mas também com a distância que permite apreciá-lo a salvo das armadilhas de afectos violentos?
Como é óbvio, a parelha Bach/Gould não foi o meu único capricho. No saco, ladrão despudorado com ademanes de inocência baratinha, viajou colectânea magnífica de Pablo Milanés. Uma das canções chama-se “O tempo é implacável”. Nela se fala do tempo, “o implacável, o que passou”, das “recordações que, quando menos se imagina, afloram”, de “marcas impossíveis de apagar”. A serenidade é uma estação de chegada, talvez nunca atingida; seguramente longínqua, apesar do caminho ser breve. Se Gould estava pronto para morrer, não sei. Mas foi capaz de tocar “outras” Variações Goldberg, apoiado no que vivera o rapaz genial de vinte e dois anos para se transformar no homem genial de quarenta e nove. Poliu a obra de juventude sem a amordaçar. E se a vida permitisse o mesmo? Voltaríamos atrás para percorrer outra veredas, guardando na estante – em DVD! – os trambolhões dados na primeira viagem.
Mas para comparar com os da segunda! Porque a vida não apresenta o magnífico rigor de uma partitura de Bach e nós a “tocamos” de ouvido, órfãos de génio e ensaios. Em contrapartida, público não falta...

terça-feira, março 21, 2006

Sábado à tarde.

Maria,
Perguntas-me pelo fim-de-semana em Cantelães. Choveu a cântaros. E eu esfreguei as mãos, tinha de trabalhar e o sol não me piscava o olho cá fora. Depois o Gaspar enroscou-se no meu colo e sorriu. Não trabalhei. Não saí. Não arredei pé do tapete. Senta-te, para evitar um desmaio às cavalitas do gargalhar - vi o canal Panda! Que é sinistro... Para onde fugiram os desenhos animados do meu tempo? Porque reinam criancinhas cruéis e ululantes, com traços faciais a meio-caminho entre Washington e Tóquio? Que se dane, o miúdo sorria, abraçado a mim:).

segunda-feira, março 20, 2006

O que torna a prevenção muito difícil, acrescento eu.

Drogas


Leonel de Castro

Três estilos de música electrónica, pessoas diferentes, cada uma com as suas drogas de eleição. O psicólogo Vítor Silva percorreu, durante dois anos, festas de "trance", "house" e "techno" e confirmou que o uso recreativo de drogas nestes ambientes é distinto.

"O uso das drogas está muito associado aos estilos destas três subculturas de música. Há policonsumo em todas e o haxixe surge como o refogado de um prato psicotrópico em que se juntam todas as outras", explicou.

No entanto, há as drogas rainhas de cada estilo. "O 'trance' está ligado à espiritualidade, logo as drogas de eleição são as psicadélicas (LSD, cogumelos mágicos). O 'house', muito associado à sensualidade, privilegia o consumo da cocaína e da pastilha, enquanto o 'techno' está completamente ligado à energia e ao consumo de pastilhas", resumiu Vítor Silva.

Esta conclusão foi apresentada em tese de mestrado, na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, e sugere outras diferenças a nível cultural e socioeconómico, as primeiras a serem detectadas pelo psicólogo que quis entender os consumos recreativos.

"O 'techno' é o parente pobre. As pessoas que frequentam as festas têm um nível cultural mais baixo, poucas são as que têm a escolaridade obrigatória. Muitos são desempregados. Gostam de fazer esta distinção, porque normalmente dedicam-se ao pequeno tráfico", referiu Vítor Silva, adiantando que são festas frequentadas por gente muito jovem, com 16 anos.

Os adeptos da música "trance" são, "talvez, os que melhor planeiam o consumo, porque o entendem como oferendas dos deuses, com objectivos específicos, associados à transcendência e os excessos provocam os castigos". São normalmente da classe média e estudantes universitários ligados às áreas das humanidades, com um nível cultural elevado.

Para Vítor Silva, o "house" foi o estilo mais difícil de definir, "é muito heterogéneo. "Por um lado, temos um grupo de pessoas mais velhas, até aos 40 anos, com poder económico, que consome cocaína. Os mais novos, entre os 16 e os 25 anos, optam pelas pastilhas, provavelmente ecstasy".

Excessos

Em qualquer um dos casos, a maior preocupação revelada é o excesso de consumo. "São consumos contextualizados, em ambientes de festa, e normalmente demonstram conhecimentos sobre os efeitos de cada uma das drogas. Por exemplo, que não devem consumir mais do que uma determinada quantidade e o que não devem misturar, isto de acordo com os questionários que elaborei ao longo do trabalho", afirmou.

No entanto, "na prática, fazem o contrário. Há quem fale em consumos de 12 pastilhas por festa, ou mesmo em 'minar a bebida', ou seja, desfazer ecstasy numa bebida alcoólica quando apenas devem beber água". Por outro lado, sublinhou, além do consumo exagerado e mal associado, "há ainda a questão de não se saber, por exemplo, de que são feitas as pastilhas. Estão muito adulteradas e representam um risco para a saúde pública mais grave do que o MDMA (que deu origem ao ecstasy)". Verificou que, além do ecstasy, também consomem anfetaminas.

"Era importante apostar nas políticas de proximidade, fazer o que se faz na Holanda onde se facilita os testes às pastilhas. Correm-se menos riscos. Basta ver alguns pela manhã a delirar ou a não conseguir andar".

"É importante lembrar que se tratam de consumos exagerados, mas não são toxicodependentes e não se vêem como tal", concluiu.

sábado, março 18, 2006

Os homens...:).

Telefonema escrito (Dezembro 2000)



António,


Achei melhor escrever-te. Há assuntos impróprios para o sinistro regateio dos nossos advogados, mas infelizmente os últimos telefonemas não foram um modelo de civismo, talvez ainda não estejamos preparados para falar sem duas pedras na mão. Concordarás que utilizando o plural recuso o papel da desgraçadinha cujo marido partiu e, não satisfeito com abandoná-la, lhe desliga o telemóvel na cara. Também eu já o fiz e quanto aos insultos, bem…, penso que vêm sendo democraticamente distribuídos. Dito isto, não penses que o Senhor me iluminou e tenciono fazer parte desse teu lamentável plano para apresentar ao mundo a separação como resultado de um acordo entre “duas pessoas adultas”. Não sei se somos adultos, mas tenho a certeza de que tu és adúltero ( não me admiraria se no caso dos homens os dois termos fossem sinónimos! ). Pelo que farás o favor de te amanhar com as consequências dos teus actos, seja a nível da sacrossanta família – a minha está elucidada… - ou dessa corja de machos latinos endinheirados a quem chamas, com assinalável optimismo e uma certa melodia siciliana, os “rapazes”. Os “rapazes”, diga-se de passagem, dirigem fábricas lucrativas, jogam ténis sem grandes resultados para o pneu e cobrem as costas uns dos outros quando saem à noite, mas não abandonam as queridas mulherzinhas. António, a tua fogachada vai contra as regras vigentes na tua própria equipa.
O que me intriga. Das outras vezes – ou pensas que não estou a par das tropelias anteriores? – foste sempre previsível: passarinho novo, uns dias de trabalho fora do país sem hotéis e países devidamente identificados, chocolates e sexo ( ainda mais ) distraído para mim, ego satisfeito, fim de semana em família na casa da Póvoa, jantar a dois no Casino. Até à próxima… Não estou particularmente orgulhosa por ter aturado essa rotina, mas também não me refugiarei no papel da defensora do bem estar dos miúdos. Continuámos juntos porque não desejava perder-te para uma qualquer flausina que as minhas cenas arvorassem em segunda mulher da tua vida - suponho que ainda te lembras de me considerar a única -, depois de saíres de casa o teu orgulho adolescente impediria uma reconciliação. No fundo cometi um erro habitual: amar o marido, aturá-lo como um filho traquina e esperar a acalmia dos anos.
Embora me revolva as tripas, sou obrigada a aceitar o diagnóstico dos que te conhecem o derriço: a rapariguinha está apaixonada por ti e não merece as frases que aliviam o fígado e preparam o perdão, género “a cabra roubou-mo porque os homens são uns anjinhos, sobretudo quando começam a envelhecer”. Sabes, é difícil abrir mão dessas frases feitas. As mulheres utilizam-nas para salvaguardar os seus homens e a intenção de lhes perdoar. Fazem-no à custa de os considerar débeis mentais, mas fazem-no, transformam-nos em pobres escravos das hormonas que outras, mais jovens e apetecíveis, manobram a seu bel prazer. Não te darei o benefício de tal ofensa, seria atentar contra a estatística. Ao longo dos anos coleccionaste estagiárias, clientes e muito provavelmente, bom…, senhoras da noite, agrada-te o eufemismo? Perante uma colecção para todas as estações seria ridículo partir do princípio que sistematicamente foste seduzido e abandonado. O inverso também não é verdade, por vezes penso que os homens casados têm mais saída do que os solteiros, talvez comprometam menos esta liberdade compulsiva que as miúdas de hoje tanto prezam.
A verdade é que por esta saíste de casa (a expressão “abandono do lar” não me parece adequada, atendendo ao registo de cama-mesa-e-roupa-lavada em que vinhas funcionando). Como já disse, pelo que de ti conheço o regresso está fora de questão, mesmo que o comodismo o exigisse, o tal orgulho macho não o permitiria. Deve ser cansativo, António, provar todos os dias que se é homem. E não às mulheres!, que não partilham os vossos critérios. Aos outros homens, quantas vezes me senti um pretexto para esses concursos de galos. Porque não arreiam simplesmente as calças e medem as gaitas? Afinal pensam com elas…
Não digo neste caso, já admiti que todos me dizem ter a miúda cabeça, para além de um corpo de anúncio televisivo. Mas terá sido “apenas” isso, descobriste pessoa inteira e não boneca insuflável de carne e osso? Porque não te limitaste a conceder-lhe os intervalos entre a fábrica e nós? As viagens de negócios, verdadeiras e fictícias? Por que arriscas a amizade dos amigos que, não a meu pedido!, se recusam a receber-vos? E o habitual desmaio da tua mãe? Fez-te descobrir coisas novas ou recuperaste com ela o que perdemos há muito? Vais partir noutra direcção ou regressar sem mim à estaca zero da nossa estrada? Em melhor companhia…, afinal ela tem menos vinte anos do que eu e outros tantos quilos, com inveja amargurada o digo! Porque neste mundo de homens vocês podem envelhecer tranquilamente e nós não, tudo o que a meia-idade traz de bom fica na penumbra da vossa rendição à imagem física. Mesmo que ultrapassemos incólumes os anos, as gravidezes, os problemas, mesmo que vivamos nos health-clubs os breves momentos entre as aulas dos miúdos e o trabalho chato e inacabado que nunca reconheceis, o vosso olhar embacia-se, sofre de “miopia conjugal”. Tirei um curso de Românicas para acabar tua mulher a tempo inteiro, mas ainda recordo Ovídio: “Eis a causa que impede as esposas legítimas de serem amadas; os maridos vêem-nas quando querem”. E onde está a alternativa, para uma dona de casa que tem de a manter a funcionar sobre rodas? Ir de férias com as amigas? Arranjar um amante com as vossas justificações habituais na manga, “querido, ele não significou nada para mim, já nem recordo a sua cara, sabes como são estas coisas, estava com a malta e tinha bebido muito, depois o tipo não me largava e eu cheia de medo que tu e os miúdos viessem a saber…”?. Merda, António, quase ficamos com a sensação de ter de vos agradecer as mentiras!
E como competir? Vocês saem a correr de manhã e deixam-nos em roupão, atarantadas, hesitantes entre os restos dos vossos pequenos almoços e o atraso dos miúdos, sempre avessos a deixar a cama. Na qual pensamos em plena correria, “há quantas semanas não fazemos amor e como o temos feito?”. Os homens acreditam com demasiada facilidade nas mentiras piedosas com que os sossegamos. Não imaginas as conversas que se ouvem num ginásio depois de uns quilómetros no tapete e um duche bem quente! As mesmas parvas que aturam as queixas de cansaço e a rotina erótica do Sábado à noite – fazes alguma ideia de há quanto tempo não me surpreendes? – suspiram pelo tapete da sala ou por automóvel de namoro, odeiam-vos a pressa já ensonada que as deixa despertas e a ferver. Entretanto suas excelências quedam-se, embasbacados, perante miúdas que vivem em casa dos pais e todas se aperaltam para o emprego. Dá-lhes vinte anos como os que vivi e veremos o que resta da sua frescura! Mas os homens não pensam nisso, vivem a meia-idade com desespero, procuram recuperar nelas um pouco do vigor que lhes sentem fugir. Supõe que chegas a velho - e espero que sim, os miúdos não merecem ficar órfãos, apesar do pouco que lhes vens ligando -, achas que a lua de mel será eterna? Ou tencionas pô-la também na beira do prato quando o hábito vos atacar? E ela, acompanhar-te-á sem dúvidas? Neste momento és o homem poderoso que por si abandonou uma família e lhe mostra o mundo, mas estará disposta a apagar-se contigo? Exigirá crianças? Admitirá como eu que durmas no quarto de hóspedes porque “tens de trabalhar” no dia seguinte? Que voltes à tua única paixão duradoura, a fábrica, e chegues ao fim da tarde para mergulhar no sofá e no zapping? E como reagirás tu à sua juventude? Com orgulho ou suspeitas? A menos que as cenas de ciúmes sejam um privilégio meu, é preciso ter lata para abandonar a mulher e depois largar-lhe remoques por ela ter ido ao cinema com um amigo de longa data. Meu pobre António, não me sinto hoje obrigada à discrição, se quisesse enganar-te poderia fazê-lo com alguns dos teus companheiros de borga, rondam como abutres. Aparentemente a famosa solidariedade masculina também abre brechas, algumas das escapadas no passado foram-me contadas por amigos teus, preocupados com o meu bem-estar e prontos a consolar-me. Não penses que preparo declaração da minha superioridade moral, não o fiz pela mais prosaica das razões: nunca me apeteceu. Escandalizado? As mulheres, meu caro, finalmente perceberam que apenas são mais fiéis do que os homens porque eles as convenceram de que eram assim. Não sou mulher de um homem só; gostava só de um homem.
Desculpa, acho que me passei, isto parece um telefonema por escrito, ainda aí estás? Espero que sim, precisamos de ter cuidado. António, vivemos numa terreola, em país pequenino. Como pensaste que poderias dizer aos miúdos que não os levavas à neve porque tinhas de sair em trabalho? E a esperteza saloia de fazer as reservas noutra agência de viagem e mudar de estância de Inverno! O gerente ficou eufórico com a hipótese de passar a ter-te por cliente e falou disso ao jantar, os filhos dele são colegas dos nossos, mas com menos dinheiro, vai daí quiseram ir à neve por interposta pessoa e perguntaram aos garotos como era em…, como se chama o sítio…?, pois, Courchevel. Os putos não têm culpa, António, deixaste-me a mim, não a eles, percebes? Vais afundá-los em presentes e jantares em restaurantes finos? Deixá-los com os Avós enquanto vives em lua-de-mel? Eu sei que andam difíceis, mas fugir ao seu amuo não é solução, afinal ninguém os consultou sobre este circo, compreendem como quase adultos e sofrem como crianças. O amuo serve apenas para te fazer insistir, precisam de ter a certeza que desejas a sua companhia. Por favor, pensa. Usa a cabeça e o dinheiro, pára duas semanas e divide-as irmamente entre os miúdos e a garota (não deixa de ser irónico como ela está mais próxima da geração deles do que da tua!).
Faz o que quiseres, mas não apenas o que te apetecer. Resolve o problema. Ou juro por Deus que não resistirei à tentação de desempenhar o papel da mãe sofredora e maltratada e virá-los contra ti. Que coisa horrível de dizer… Vês? António, precisamos de ter cuidado, toda esta amargura e ressentimento entre nós pode acabar mal. Como nós…
Escrevo-te ao fim do dia. Vinte anos atrás vinhas a correr da fábrica e fazíamos amor. Tinhas um brilho agarotado no olhar. Não me deixavas pôr a mesa, eu fingia um protesto, mas era pegar no casaco e partir rumo ao marisco de Matosinhos ou às tripas do Leonardo na Póvoa, de regresso a casa adormecíamos; abraçados e tarde. Quem sabe?, talvez eu encontre alguém, refazemos os dois as nossas vidas depois da nossa vida a dois. Que acabou. Mas António, não deixámos de ser pais por isso. Tem cuidado. Por eles, mas também por ti - a mim deixaste-me, a eles podes perdê-los. Estás preparado para isso?

Lena.

sexta-feira, março 17, 2006

Dizia-se que fora vencida...

Luta à tuberculose tem de regressar às origens
Política de combate à doença no país falhou. Comissão defende mais unidades específicas para acompanhar doentes




O acompanhamento feito em Portugal aos tuberculosos falhou. Esta é a conclusão da comissão encarregue de elaborar o Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose, que defende a criação de mais estruturas vocacionadas só para o tratamento da doença. "Um espécie de descendentes dos antigos SLAT (Serviços de Luta Anti-Tuberculose) que foram fechados por erro político", defende Agostinho Marques, membro da comissão e director do serviço de Pneumologia do Hospital de S. João, no Porto.

O estudo, que será apresentado ao Governo perto do Verão, defende que estas estruturas deveriam ter duas valências. Por um lado, o diagnóstico em fase muito precoce "por forma a que, entre as primeiras queixas e as segundas, não se ande a contagiar pessoas", acrescenta o especialista. Por outro lado, a obrigação de levar o tratamento de cada doente até ao fim. "Este poderá até ser feito em casa".

Pelo meio, fica o rastreio, ou seja, "a partir do momento em que se diagnostica esta doença, é preciso saber se mais alguém na família, ou no ambiente que o doente frequenta, está infectado", alerta o médico.

Agostinho Marques avança ainda que o estudo propõe que as equipas de enfermagem nestas unidades sejam em número suficiente. "É preciso saber onde anda cada doente e, se falta ao tratamento, a razão por que faltou", justifica. O documento não esquece o internamento destes doentes nos hospitais e avisa que é urgente que se definam espaços próprios para que o contágio não se espalhe pelos outros pacientes. "Não esqueçamos que esta é uma doença altamente contagiosa", relembra.

Mas antes de mais, a comissão propõe legislação para enquadrar a tuberculose e definir regras "muito concretas de método e tratamento", diz.

As propostas a fazer ao Governo pretendem inverter uma tendência que demonstra que a tuberculose em Portugal tem vindo a diminuir menos do que no resto da Europa. Apesar do número de casos, a nível nacional, decrescer todos os anos, "não tem decrescido como deveria", garante o director do serviço de Pneumologia do S.João, acrescentando que "as últimas estatísticas da Direcção Geral de Saúde revelam que Portugal tem o triplo de casos relativamente à Europa dos 15.

Aliada fiel da pobreza

Recorde-se que esta estatística demonstrava que, em Portugal, por cada 100 mil habitantes, há 34 a sofrer de tuberculoses. Numa população de 10 milhões, temos 3500 tuberculoses. Os distritos mais atingidos pela doença são o Porto, Lisboa e Setúbal, estando a cidade invicta na liderança. Dentro deste distrito é a própria cidade do Porto, na área oriental, que alberga o maior número de casos. "Repare, é um fenómeno que vai a todas as camadas sociais, mas preferencialmente às zonas mais pobres e esse é o caso de Campanhã, Bonfim, Paranhos", explica.

Destaque-se ainda que a sessão de amanhã, na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto, do XIII Congresso de Pneumologia, será dedicada à tuberculose.


JN

quarta-feira, março 15, 2006

Para acalmar as hostes.

Caríssimos benfiquistas,
Tenho o prazer de anunciar que no princípio de Abril o nosso calvário terminará. (Excepção feita à luta titânica para assegurarmos o terceiro lugar!). A responsabilidade - como é evidente! - cabe em exclusivo às equipas de arbitragem.

Perdidos? Nós? São intrigas da oposição!

Homens não admitem estar perdidos


Um estudo realizado para o Royal Automobile Club (RAC), que presta um serviço de seguros e assistência automóvel na Grã-Bretanha, revelou ontem que os condutores britânicos do sexo masculino sempre tiveram problemas em admitir que estão perdidos e, normalmente, demoram duas vezes mais que as mulheres a perguntar o caminho.

Os homens esperam até 20 minutos antes de se decidirem a perguntar o caminho, enquanto que as mulheres não esperam, em média, mais que 10 minutos. Os 10 minutos de diferença, segundo a sondagem, causam um aumento de tensão entre os casais, como revela a maioria dos inquiridos, cerca de 64%, que admitiram já ter discutido no carro por essa razão.

No total, a resistência dos homens britânicos em admitir que estão perdidos fá-los desperdiçar, em média, perto de seis milhões de horas por ano no carro. Apesar deste facto, apenas 27% dos casais inquiridos pelo RAC revela preparar a viagem com alguma antecedência.


JN.

terça-feira, março 14, 2006

Serviço Público:).

Tiago Sousa Dias

As chamadas para linhas de valor acrescentado foram realizadas durante dois meses e meio
O ex-presidente de uma junta de freguesia do concelho da Guarda deixou levar-se pelo famoso “me liga vai” e terá gasto 49 mil euros em chamadas telefónicas para linhas eróticas, em menos de três meses. Quando chegou a factura, o autarca demitiu-se e a Portugal Telecom (PT) penhorou três terrenos para recuperar a dívida. Os bens foram vendidos ontem em Tribunal.

Correio da Manhã.

segunda-feira, março 13, 2006

Quem não arrisca..., não prova os bolos de bacalhau da Mindinha:).

Abuso de menor (Fevereiro2001)




- O João?
Olhos azuis-bebé em bebé envelhecido de alguns anos. Faces apetitosas e gorduchas, a Tia Amélia costumava chamar-lhe o seu leitaozinho porque dava ganas de o comer, acompanhado por batatinhas loiras - como ele… - e salada mista. Mordiscava-o com ternura carente de viúva longa mas não convencida, a sobrinha e protesto risonho, “ó Tia, parece impossível!”. Os mares assim espremidos, em forma de amêndoa, herdara-os do pai. Que os cuidasse bem!, nada mais restava do Pedro… Talvez o miúdo o pressentisse, quando exibia proeza aprendida com as avós - tinham-lhe ensinado a abrir os braços com ar desprotegido, deixar pender a cabecita para um dos lados e gemer lamento: “fuxiu…”. Dizia-o do gato, animal coerentemente esquivo e autónomo, senhor de si, nada sensível a chamamentos dos teóricos donos. Era habitante da casa com direito a cama, mesa e roupa lavada, mas tais privilégios básicos não o faziam sentir-se obrigado a responder presente a caprichos ditatoriais dos humanos. Dessa distância altaneira mas solidária não se podia gabar o Pedro, fugira como um rato. Ela sentada em banco de jardim para lhe dar as novidades - ou a falta delas! –, e ele pálido como os lençóis que não tinham partilhado, tudo acontecera prosaicamente no automóvel, depois de muitos copos e outros tantos bares. Atenção!, nunca utilizara o facto como desculpa. Também seria masoquismo falar de curte anónima de Sábado à noite, naquele tempo tê-lo-ia definido como namorado, hoje não, cada idade segrega os seus critérios para conceder estatuto de companheiro a alguém. Ele era bonito para além dos olhos, a cabeça não chocava por oca, mas sobretudo fazia-a sentir-se desejada, confundira isso com ser mulher. Não era. À distância dos anos via-se jovem e inexperiente, ansiosa por pequenas liberdades, como sair à noite, e grandes sonhos, como amor para toda a vida. Este não o confessava, por pouco cool. Mas lá no fundo de si, ele ria das frases definitivas derramadas sobre a mesa do café, “não quero amarras antes dos trinta, há muita vida por viver”. Sorriu. Que vivera com o Pedro, sobretudo naquela madrugada? O amor nem pensar, ao menos o desejo e o prazer? Para um não tivera tempo e mesmo o outro, muito sexo feliz depois, defini-lo-ia mais como curiosidade. Afinal as amigas falavam dele como profissionais, são precisos anos para descobrirmos todas as mentiras ditas nas conversas adolescentes. E é tão cansativo resistir fim-de-semana após fim-de-semana à insegurança macha dos homens, ansiosos por estarem à altura das loas exibidas nas mesas de outros cafés, quando não do mesmo. Tinham curtido. E a pergunta sinistra rodando-lhe na cabeça, “é só isto?”. À cautela não lho perguntara. Quanto ao prazer dele, não sabia. Curto fora de certeza!, egoísta como o de certos homens feitos que se estão nas tintas; e o de outros rapazolas, nervosos e apressados, de uma incompetência que seria ternurenta se não deixasse corpo e alma das mulheres a meio caminho. Como cantava a miúda na pimbalhada de Domingo?, ah, sim, a chuchar no dedo! O que lhe faltara de gozo tivera-o de medo, o imbecil nem um preservativo sabia utilizar decentemente, mas calara-se caladinho. Calada mirava ela incrédula o calendário, para quando o sangue tranquilizador? Não veio. Deu consigo na situação daquelas meninas dos anúncios patéticos da TV, no fim do exame olham com um sorriso pitonísico para a câmara, a quem vê de decidir a razão da alegria silenciosa. No seu caso não teriam dúvidas, chorara como uma Madalena arrependida. Bom, talvez mais surpreendida, não pensara que lhe pudesse acontecer, quem pensa, ainda por cima na primeira vez? O olhar dos pais diferente, pelo menos na cabeça dela, a todo o momento pressentia o dedo acusador e a pergunta, retórica por apenas exigir a confirmação da catástrofe. Já o Pedro não desconfiara de nada, aparecera com o sorriso habitual, a moto habitual, a inconsciência habitual. O movimento de recuo e o olhar acossado, “que vais fazer?”. Não tivera a delicadeza de empregar o plural, entrar no comboio sem travões que a levava mundo abaixo, a participação dele no evento terminara no preciso momento em que puxara as calças para cima. Ela não estava ainda preocupada com a decisão, antes disso precisava do mimo que lhe provasse não ter de se afligir sozinha. Tão sozinha como ele a deixara, para depois telefonar com um discurso de inspiração materna - “somos novos, os estudos, quem sabe um dia?, mas não agora, tenho um número de telefone…”. Literalmente – puta que o pariu! Considerara a hipótese do aborto seriamente, defendia-o em abstracto e em concreto dera o voto pela sua despenalização. (Não chegara porque muitos tinham preferido a praia e outros lavavam as mãos como Pilatos enquanto se crucificavam pobres mulheres.) Tinha a certeza que o teria aconselhado a qualquer amiga nas suas condições, mas uma raiva solitária a invadira, depois dele fora vez do pai se pôr de fora. Acontecia sempre assim em alturas de crise, preferia saber e depois fingir que não sabia, a mãe falava pelos dois em ar de mistério, “se o teu pai sabe…”. E também acabara por a deixar sozinha, porque no meio dos argumentos do costume deixara cair frase lamentosa que a reduzia a apêndice mal comportado, “como foste capaz de nos fazer isto?”. Um desejo imenso de ter alguém consigo e para si, não é uma boa razão para encomendar uma criança à cegonha, mas fizera-o. O sofrimento teatral dos pais abafando o seu e ela de imediato inflexível, “vou trabalhar”, precisava de independência para os olhar de frente. Pelas costas viu o Pedro, balbuciando promessas vagas, correndo para a mamã, porque raio há-de ser fértil o esperma de putos assim? Anos duros e órfãos de homem. Trabalhava com uma ferocidade automática, regressara aos estudos à noite, a mãe agradecera a Deus o álibi para gozar o neto algumas horas por dia, o puto reconciliara a família à sua volta, o pai sempre desejara um rapaz e a mãe afogava a solidão em remédios para os nervos. Mas quem não casa quer casa, resistira aos apelos deles e alugara o seu apartamentozinho, o único luxo fora a aparelhagem estereofónica, quem consegue viver sem música? Sem homem sobrevivera bem. Nem sequer à espera de príncipe encantado ou refugiada no ressentimento que os define como todos iguais apesar de só se ter conhecido um. Repartia-se entre o trabalho e o miúdo, adormeciam apaixonados todas as noites. Até aparecer o João. Moreno e sisudo, avesso a motos, palavras raras, um olhar meigo que a admirava, longínquo, da secretária ao lado da sua; as mulheres sentem essas coisas. E assim ficara, mudo durante meses, até o convite pressentido se ter tornado improvável e as colegas já não se meterem com ela, quase caíra quando lhe propusera um cinema. O namoro que conhecia dos livros, João era gentil, com as suas flores roubadas pelos canteiros e mãos suaves, descobriu que o corpo lhe uivava de fome em silêncio no apartamento dele. Quase igual ao seu, com vergonha o admitia – um pouco mais arrumado. O primeiro passeio com o filho e este desconfiado, farejando concorrente, quando chegaram a casa espetara o dedo, solene, “agora vais-te embora”. E João fora, perdido de riso. E humilde voltou, acedeu em seduzir dois ao mesmo tempo, ela preocupada, “será que o puto um dia aceita?”. Dentro de pouco tempo o ciúme transferira-se para ela, o filho encetara namoro descarado ao par de calças que de vez em quando apareciam lá por casa e João, esse, transformava-se por completo, era preciso interceptar os chocolates e os brinquedos, “olha que o estragas!”. O que fazia na mesma, oferecendo-se em substituição das guloseimas e rebolando pela alcatifa em coboiadas trepidantes que terminavam com tiros definitivos - ele jazia mais quieto do que após o amor, e o puto escrevia-lhe o epitáfio com voz triunfante, “morreste”. Até necessitar de parceiro para a próxima brincadeira e o ressuscitar, com a naturalidade de quem ainda não descobriu a outra morte e apenas conhece a dos bonecos na televisão, engraçada de tão reversível. Anos bons, com uma só regra - de futuro não se falava. Não porque ela o não pensasse, mas porque desenvolvera uma espécie de superstição que a fazia sacrificar os sonhos longínquos para beber um niquinho mais de vida no presente. E fora ele a romper o acordo, “porque não vivemos juntos?”. A economia do seu lado, com o dinheiro poupado sempre poderiam respirar um bocadinho melhor; viajar. Mas o medo era mais forte, “não quero”. E ele, sempre manso, empertigara-se, “não gostas de mim”. Do que ela também se queixara de imediato, toda a gente sabe que não há saída dessas discussões, ambos mal amados ou certos disso, vai dar ao mesmo. A primeira zanga séria, até aí só conheciam arrufos que apimentavam a noite seguinte, ele de súbito muito calmo, “pensa e depois diz-me alguma coisa”. Ela pensando há semanas e o miúdo desconfiado. No emprego eram corteses, mas João ia deslizando para a frieza e ela utilizava-a como desculpa para se convencer de que o melhor era ficarem como estavam, se ele não queria paciência, tudo tem um fim. O medo pânico de um dia, quando já não conseguisse viver sem ele, vê-lo partir. Era independente à custa de dentes cerrados, se o deixasse mimá-la ainda mais poderia não ter coragem para arrancar de novo sozinha.
- O João?
E o telefone logo ali, a cama vazia juntando-se ao miúdo, o medo ganindo avisos, a tentação pintando-lhe trio feliz, quem sabe?, um irmão para o puto, que os filhos únicos são egoístas até mais não.
- O João?
O abuso de menores.
- Queres telefonar-lhe?
O garoto arrulhando ao telefone e estendendo-lho. Do outro lado um João tenso,
- Sei que isto não é correcto, mas podemos ir dar um passeio, eu e ele? Acho que o miúdo gostava e eu tenho saudades.
Também ela tinha, disse que sim. E quando João chegou, seguiu o filho carripana dentro e admirou-lhes em silêncio o abraço apertado.
João fazendo das tripas coração para não engolir o orgulho,
- Deixo-te onde?
E ela a coberto do riso,
- Livra-te de o fazeres nos próximos cinquenta anos.
Ele mudou-se à noite. Deitaram-se tarde porque o miúdo estava excitado e nunca mais adormecia. Seguiram-lhe o exemplo.
Felizmente havia pouco trabalho no escritório na manhã seguinte.

domingo, março 12, 2006

Drama na Mindinha!

O almoço do Murcon na Mindinha foi uma delícia. Para mim, sem querer diminuir o rstaurante que com tanta gentileza nos tem recebido em Matosinhos, houve um "sabor a casa" muito especial, sinto-me como peixe na água naquele matriarcado:). Velha raposa, não me deixei tentar pelo cozido e enteguei-me a um despautério de bolos de bacalhau, vitela assada e até ginja com chocolate! A única mancha aconteceu no fim, já pelas 17.30:(. A Mindinha, demonstrando enorme sangue frio, chamou-me à parte e disse que o Sousa telefonara, com um riso alucinado, afiançando que amigos seus do bas-fond tinham colocado uma bomba na cave! Vi-me assim obrigado a deixar a sala de forma sigilosa para evitar o pânico dos convivas em geral e do Noise em particular, já tocado por fortíssima Coca-Cola. Encontrei o engenho atrás das garrafas de Muralhas na adega e desactivei-a com extrema habilidade e um pouco de sorte. Infelizmente, quando regressei ao restaurante, já todos tinham partido:(. Resta-me a consolação de ter evitado uma catástrofe que deixaria o blog mais pobre...

P.S. Caríssimos benfiquistas: pró ano há mais!:).

sexta-feira, março 10, 2006

Agonizou durante dias...

Nuno Silva

O afogamento terá sido a causa da morte de Gisberta, o travesti assassinado há duas semanas, presumivelmente por um grupo de menores, no Porto. O JN apurou que os exames complementares realizados no âmbito da autópsia - cujo relatório final deve estar terminado para a semana - já estão concluídos e reforçam aquela possibilidade. Ou seja, tudo indica que a vítima tenha sido lançada para o fosso ainda com vida, depois de ter sido submetida a agressões e sevícias.

Ao que foi possível apurar, as análises detectaram a presença de água do fosso nos pulmões de Gisberta. A suspeita inicial da morte por afogamento ganhou, assim, maior consistência. Por outro lado, terão sido igualmente comprovadas várias lesões resultantes das agressões.

Parece certo, portanto, que o travesti agonizou durante alguns dias, até ser atirado pelos jovens para o fundo do fosso.

Agonizou durante dias

As agressões terão ocorrido durante o fim-de-semana de 18 e 19 de Fevereiro, mas a vítima apenas terá sucumbido no dia 21, quando os jovens, pensando que Gisberta estava morta, decidiram atirá-la para as águas. Recorde-se que o estado de saúde da vítima era já bastante débil - era toxicodependente, seropositiva e tuberculosa. A confirmar-se o afogamento - a "hipótese mais forte", segundo uma fonte ouvida pelo JN - poderão verificar-se mudanças no que diz respeito ao tipo de crime a ser imputado aos adolescentes, passando-se de ofensas à integridade física grave agravada pelo resultado para o crime de homicídio.

Decisões

Recorde-se que o jovem de 16 anos encontra-se em prisão preventiva e 11 dos restantes 13 menores suspeitos de envolvimento na morte de Gisberta foram encaminhados para centros educativos, em diversos pontos do país. Um deles está em regime fechado e os restantes em regime semiaberto.

As medidas cautelares aplicadas aos menores serão avaliadas dentro de menos de três meses, altura em que decorrerá o julgamento. Serão, então, aplicadas as designadas medidas tutelares, que poderão ir da simples admoestação ao internamento em centro educativo em regime fechado por um período máximo de três anos.

Os adolescentes (com idades entre os 13 e os 15 anos) eram quase todos internos da Oficina de S. José, instituição de acolhimento de jovens em risco.

quinta-feira, março 09, 2006

O day after de uma mulher:(.

Menina Maria,
Desta vez é tarde para lhe pedir ajuda – escrevo do exílio, em Vigo. Tão triste, tão triste, que nem me apetece ir ao Corte Inglês ou às lojas da Calle del Príncipe. E de relações cortadas com o Sousa!, o sacana – perdoe a linguagem… - foi longe de mais. Imagine a menina que ontem, para variar, o senhor doutor estava optimista. Até foi buscar umas iscazitas ao Frise para eu não ter trabalho por ser o Dia da Mulher, benza-o Deus!
(Que cá para mim era melhor os homens tratarem-nos sempre bem e deixarem-se destas mariquices de cow-boys portugueses uma vez por ano… A menina viu o filme? Até onde chegará esta podridão? E não me venham dizer que a culpa é do chinoca, alguém lhe deu o arame para fazer uma trampa daquelas. Um Óscar… E falar de amor, menina, falar de amor, até fiquei eu de olhos em bico!)
Mas o senhor doutor fê-lo com boa intenção, da maneira que o educaram não se pode exigir mais. Sentou-se no sofá e disse ao Sousa “o que lá vai, lá vai, Sousa, de qualquer forma não o apanhei nas matas de Cantelães, faça também um tabuleirinho para pouparmos a Gertrudes e vamos ver a bola juntos”. Bonito, não acha? E abriu uma garrafa de Bacalhoa, os olhos do Sousa brilharam tanto que eu disse para os meus botões – “não é lampião, mas parece”.
O jogo não começou muito bem para o senhor doutor. Por isso, ele bebeu dois copos de rajada e mostrou aquela cultura de que tanto me orgulho, é uma honra trabalhar para um homem assim. Virou-se para nós com um sorriso muito calmo e disse: “Já dizia Séneca – os postes fazem parte da baliza e quem lhes acerta é porque não sabe meter a bola lá dentro”. Estava tão cordial, que fingiu não ouvir o Sousa rosnar que “tantas vezes o cântaro vai à fonte…”
Veio o golo do Simão e ele impecável, não se pôs aos pulos nem fez aqueles manguitos – ou pior… - horrorosos ao Sousa. Deu-lhe um forte abraço e disse - “Sousa, somos ambos portugueses, aproveitemos esta vitória que se desenha e a posse do novo Presidente da República para enssetarmos (é assim que se escreve?) um novo capítulo da nossa relação laboral e afectiva”. Um senhor, menina, um senhor! E o Sousa calado como um rato. Eu estranhei, conheço o bicho - é um biltre, como a menina diz daquele político americano que tem nome de árvore, arbusto ou floresta, já não me lembro. E não é que estava mesmo a preparar uma sujeira?
Veio o intervalo e o senhor doutor virou-se para ele e pediu – “Ó Sousa, isto merece um champanhezito. Vá à adega e traga uma garrafa de viúva Quelicote para celebrarmos no fim do jogo”. (A menina conhece a fulana? Olhe que mulheres viúvas – e casadas… - a mandar presentes a homens não são de fiar!) Bom, mas adiante. O Sousa levanta-se e diz com um ar muito sério – “e o senhor doutor bebe quando voltar? Deixo-lhe uma tábua de queijos e o champanhe no ferapê, quer?”. O senhor doutor olhou para ele varado e respondeu – “voltar de onde, homem de Deus? Daqui não saio. Mesmo que fosse ter com os meninos para ver a segunda parte arriscava-me a perder uns minutos do jogo e isso nem morto!”. E o Sousa com um ar pesaroso – “é que a mesa-redonda na Faculdade de Medicina está marcada para as nove e o patrão costuma ser pontual…”.
Julguei que dava um ataque ao senhor doutor. Virou-se para o meu homem e disse-lhe – “mas então não é amanhã que vou ao ISMAI? Você marcou-me uma mesa redonda para hoje à noite, jogando o Benfica?”. O Sousa continuou com ar de cangalheiro a divertir-se à brava por dentro, jurou que nunca lhe passara pela cabeça que o Benfica chegasse tão longe na Taça dos Campeões e lembrou que era a Faculdade em que o senhor doutor se formara e fora o Professor Mota Cardoso em pessoa a convidar, um velho amigo, falara há meses, quem podia prever que aqueles…, aqueles… - aqui engasgou-se! – aqueles heróicos jogadores do Benfica se trans-sendêcem?
A menina não imagina como o senhor doutor saiu de casa. Agarrou-se a mim – com todo o respeito! – e disse-me: “Gertrudes, e se não volto a ter oportunidade de recordar as vitórias do Benfica da minha adolescência? Peça ao Sousa que me envie o resultado por sms”. E nem uma palavra mais dura para ele, menina, ainda lhe disse para acabar o Bacalhoa. O que ele fez consolado, mas sempre a incitar o Liverpool e a cantar uma canção que eu não conheço, o refrão diz “vocês nunca caminharão sozinhos”. Cheguei a pensar que estivesse a referir-se ao senhor doutor, lá fora numa noite de chuva, sujeito a ser assaltado e violado nalgum sinal brumelho.
E depois aquele nanico italiano marcou o segundo golo e ele gritou – “cosa-se, já passaram!”. Fez um sorriso mau como as cobras e disse-me que para o senhor doutor ter uma alegria maior lhe ia pregar uma partida giríssima. Nem tive tempo de perguntar o quê, mandou-lhe um sms a dizer que os bifes tinham marcado terceiro nos descontos, como o Benfica na Amadora. Estava eu a pedir que não demorasse a repor a verdade dos factos – aprendi isto na televisão… - quando o telefone tocou. Era da Urgência. O senhor doutor tinha tido uma síncope quando estava a explicar a um aluno a importância da Antropologia na relação médico-doente. Levaram-no de charola para a reanimação, ele voltou a si e, segundo disseram, enquanto lhe faziam o eléctricocardiograma repetia que o deixassem morrer e pedissem ao LFV – quem é? – que emprestasse a águia Vitória para lhe deixar cair as cinzas no riacho de Cantelães. Foi então que um interno, quase em lágrimas, lhe disse que ia sobreviver. Talvez um bocadinho xoné, porque o sangue fugira do cérebro por uns minutos, mas pronto para festejar mais vitórias do Benfica. Como a de hoje (ontem…).
Diz quem viu que o senhor doutor largou um rugido, arrancou os fios todos do aparelho e se pôs de joelhos a gritar “iésssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss”. Mas depois… Ficou gélido, agradeceu aos colegas o cuidado deles e assumiu a responsabilidade da alta que lhe não queriam dar. Disse que tinha umas contas a ajustar com um gandacíssimo filho de uma curta (isto nem é linguagem dele, menina!). O Sousa pousou o telefone, emborcou a garrafa da tal viúva…, e fizemo-nos à estrada. Com ele a rosnar que, se calhar, desta vez tinha exagerado.
E cá estamos em Vigo. Mas seguimos! O senhor doutor enviou-lhe um sms a falar de uma série qualquer em que um médico chamado Quimbal perseguia um maneta pela América fora. Terminava assim: “mais depressa o Veiga e o Pinto da Costa fazem as pazes do que eu te perdoo. Procurar-te-ei por todas as Casas do FCP pelo mundo fora e em cada uma do Glorioso estará o teu focinho com uma gorda recompensa por baixo. Prepara-te para seres dragão de ouro a título póstumo, sacana!”.
O Sousa marcou viagens para o Japão via Madrid. Diz que vai fazer um curso intensivo de artes marciais…Adeus, menina, que Deus a proteja. E reze por mim, que ainda por cima odeio aquela coisa chamada xuxi!

quarta-feira, março 08, 2006

No Dia das Mulheres procuro refúgio no Senhor:).

Diálogo à chuva


Como chove, meu Deus... (Inútil dizê-lo, ela jorra aí de cima, onde, por definição, esperas alguns de nós). Ou não me limitei a informar-Te? Agora que a releio, noto aragem lamentosa na frase. Talvez mesmo um vento que sopra, amuado, rumo à queixa ressentida. A ser verdade, desculpa - não me passaria pela cabeça pedir-Te explicações. (Mas confesso que um bode expiatório vinha a calhar.) Fiz um drama de mudança climática perfeitamente adequada ao calendário? Invocar o Outono parece-me optimista da Tua parte, hoje em dia as estações misturam-se, enlouquecidas e pouco fiáveis. Antes, na adolescência, Setembro era o melhor mês de praia. O areal da Aguda engolia um valente naco de mar, a nortada ia de férias e nós jogávamos futeboladas tanto mais enérgicas quanto as saudades das namoradas apertavam. Porque elas tinham partido rumo a vindimas durienses, não havia telemóveis mas sobravam pais severos, as nossas entranhas ganiam e...; bom, perdoa o tema, quiçá chocante. O quê? Por que não? Peço desculpa de novo, não acerto uma, convirás que os burocratas aqui em baixo não Te apresentam como aberto a hemorragias da alma (não me dou ao trabalho de pôr a expressão entre aspas porque, na Tua omnisciência, sabes que a roubei a um poeta). Sou injusto ao confundir-Te com esses? Muitos outros já são de vistas largas, sem por isso abençoarem o mero consumo dos corpos? Pois peço desculpa outra vez!, mas agora com enorme satisfação. A Tua provável heterodoxia já me ocorrera. Agora que os burocratas, de carimbos morais em riste, estivessem a caminho de se tornar minoritários..., isso já me parecia quase delirante. Mas aí de cima a perspectiva é mais global e Tu possuis fontes de informação privadas, acredito no que dizes. Estou perdido? Eu sei, não aspiro ao Céu. Pecador sim, mas com auto-crítica, terei de me entender com o Príncipe das Trevas. (Logo eu!, que já não me lembro de sair à noite...). Perdi foi o fio à meada, quanto à alma depois se vê? Obrigado pelo fio de esperança. Não pelo que sou e fiz, mas um tipo sempre acarreta memórias de coisas e pessoas bonitas, talvez caiam bem nos Teus arquivos. Divaguei, tens razão. E não por a teres sempre, mas por mereceres a bênção das palavras, eu tropeço nelas com uma frequência assustadora, escritas e ditas; saem-me a anos-luz do que penso, as traidoras. Mas eu explico. Esta chuva é um bluff, percebes? Porque imita o Dilúvio trasnformando as casas em solitárias arcas de Noé, o granizo parece condenar-nos à vergonhosa lapidação reservada a certas mulheres, a sua teimosia traz-nos à memória os poetas – “chove chuva, chove sem parar” – e no entanto não acontece nada. Estou cego? Contradigo-me? Eu sei. A lavoura, os acidentes de viação, as barragens cheias, os salários dos meteorologistas... Mas uma chuva tão megalómana tinha obrigação de fazer mais e melhor! Empoleira-Te um bocadinho no meu ombro, é agnóstico mas acolhedor, fui criado por velhos republicanos que veneravam a hospitalidade. Assim olhamos na mesma direcção, embora aceite que vejas mais longe, por seres quem és e eu sofrer de miopia. Notas alguma diferença? Achas que o mundo sai desta gigantesca barrela de cara lavada? Já me satisfazia com meia-dúzia de nódoas em vias de esmaecer, há-as para aí aos montões - de pobreza, ódio, indiferença. Nada. O dilúvio imitou a montanha - pariu um rato. O quê? Esta água não serve para isso... E qual servirá?, a das lágrimas já vai secando e resultados nem vê-los! Desculpa, entristeci-Te. Não podemos esperar que a Tua chuva limpe os dejectos da nossa liberdade... Paciência. Algum conselho? Dar mais atenção a coisas simples e à paz que acarretam? Vou tentar: a floreira da varanda ressuscitou; o puto no relvado salta, deliciado e à revelia da mãe, de poça em poça; por entre os blocos de cimento brilha a cauda de um improvável arco-íris citadino. Estou a ir bem? O meu rosto suavizou-se? Deus - perdão! -, Tu sejas louvado – ainda não embruteci por completo.

terça-feira, março 07, 2006

Pergunta estúpida.

Maria,
Sete de Março. Obrigado pelo mimo, aparentemente alheio à morte do meu velho. Não me enganaste, sabes? Na tua cabeça os aniversários são sagrados, de nascimento ou partida. Maria, porque não tem a dor prazo de validade? Boa noite, querida.

Saí do Ministério da Saúde há 12 anos e os problemas na área da toxicodependência são os mesmos:(.

Director-geral das prisões faz duras críticas ao Estado



Ana Sá Lopes

O director-geral dos Serviços Prisionais, Miranda Pereira, aproveitou ontem a última visita de Jorge Sampaio ao Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) para lançar uma chuva de duras críticas ao Estado que, segundo o director-geral, faz com que os Ministérios da Justiça e da Saúde estejam, no que toca às prisões, de costas voltadas.

O principal destinatário das críticas era o Ministério da Saúde (o ministro Correia de Campos acompanhou parte da visita de Sampaio, mas não assistiu à exposição de Miranda Pereira, por ter outro compromisso). Para o director-geral, as novas respostas para o sistema prisional "só se resolvem em articulação com o Ministério da Saúde". "Tenho muita pena que o senhor ministro da Saúde tenha saído", disse o director-geral.

"Não foi possível até hoje sentar à volta de uma mesa o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça para encontrar uma solução articulada. Não se encontrou ainda uma resposta", disse Miranda Pereira, que apontou como exemplos as dificuldades de articulação entre prisões e CAT's (Centro de Atendimento de Toxicodependentes), às dificuldades dos serviços prisionais contratarem médicos no exterior, à ausência de coordenação e direcção clínica do sistema de saúde prisional.

"Há 20 ou 30 anos havia médicos residentes nos estabelecimentos prisionais, hoje estão algumas horas, fazem atendimentos curtos", disse Miranda Pereira.

O director-geral lembrou que os professores das escolas limítrofes vão dar aulas no interior do Estabelecimento Prisional: "Por que não hão-de ser os médicos dos centros de saúde a vir cá para dentro?", interrogou Miranda Pereira.

Jorge Sampaio ouviu e concordou. "A primeira vez que vim ao EPL fiz a mesma pergunta à senhora ministra da Saúde [Maria de Belém]", afirmou o Presidente, para quem também não se compreende que médicos que possa haver "a mais" num serviço não possam ser transferidos para outro serviço. "A concepção de que são de outro Ministério e que o Estado não é o mesmo é uma coisa difícil de entender a um cidadão", disse.

O Presidente agradeceu "o desassombro" do director-geral dos Serviços Prisionais. "Agradeço o desassombro que me reconforta. Muitas vezes nestas reuniões olhamos todos uns para os outros e não dizemos o que é preciso ser dito", afirmou.

O ministro da Justiça, Alberto Costa, afirmou que as questões colocadas pelo director-geral eram "de natureza estrutural que se reconduzem ao longo de décadas e que requerem coragem política, meios financeiros e imaginação".

Alberto Costa disse que a resolução destes problemas "vêm esperando a reunião destes requisitos" e manifestou esperança de que o Governo a que pertence possa vir a trazer soluções: "Estou convencido que esta legislatura poderá ser o quadro político adequado para decisões neste domínio que têm sido proteladas ao longo de anos", afirmou.

O ministro da Justiça aproveitou, entretanto, para se despedir publicamente do Presidente, sublinhando que durante os seus dois mandatos Jorge Sampaio "demonstrou um interesse permanente sobre a problemática prisional" e que, tal como "o interesse colocado na temática da droga em meio prisional", foi "um sinal que ficou na sociedade portuguesa".

Antes da exposição do director-geral, Jorge Sampaio fizera uma demorada visita à ala livre de drogas da prisão, onde contactou com vários reclusos, alguns dos quais tinham sido beneficiados pelos indultos presidenciais de Dezembro último. Considerou ter tido "um papel importante" na "descrispação cultural sobre a toxicodependência" e lembrou que numa conferência que promoveu logo no início do mandato "a metadona era falada às escondidas no Centro Cultural de Belém".

Sampaio congratulou-se com o facto de ter encontrado "6 ou 7 pessoas que foram indultadas": "As cadeias fizeram-se para recuperar as pessoas. Se ninguém se preocupar com isso é algo que está completamente errado", afirmou o Presidente, que se mostrou estupefacto pelo debate em Portugal várias vezes cair no lugar comum "há um crime, aumentem-se as penas". E despediu-se: "Se precisarem de alguma coisa, daqui a dois dias estou livre..."



Diário de Notícias.

domingo, março 05, 2006

O homem que me convidava para tomar chá.

Por razões familiares não pude comparecer à homenagem prestada ao Eugénio no Sábado, em Lisboa. Aqui vos deixo parte do que teria lido.







Tenho muita pena, é a segunda vez que falto a um encontro à volta de obra e memória do Eugénio. E escrevo encontro, por saber que a palavra homenagem lhe despertaria sorriso trocista e leve encolher de ombros, “ora Júlio”. Mas antes de conhecer alguns dos traços de personalidade do homem de carne e osso, vislumbrei-lhe a alma; por mais que digam, os poetas são exibicionistas pudicos, à mercê da análise dos sentidos e dos relâmpagos da intuição. De forma assaz coerente, o primeiro livro do Eugénio foi-me oferecido numa ventosa praia nortenha, por rapariguinha em que severidade e doçura rimavam com tão espantosa perfeição que, em cada gesto dela, espreitava já um adeus inevitável e amargurado, mas não apodrecido. Ficou o livro, buraco negro que sugou recordações e por estranha alquimia as converteu em moldura daquela poesia única. Raras vezes ausente da mesa-de-cabeceira, magnífico breviário laico, profundamente religioso na acepção terrena da palavra. Severo como ela, ventoso como a praia, sedento como eu de uma perfeição que bordejava a cada verso.
Foram anos de enorme gozo e também algum receio. Eu sabia o Eugénio pelas ruas do nosso Porto e um diabinho megalómano segredava-me que havia amigos comuns, por que não? Devo confessar, sem qualquer arrependimento ou sincera intenção de um dia o acolher, que menti com abundância a mim mesmo. Rosnei vezes sem conta que os poetas não devem ser incomodados, ver para lá das coisas é artesanato a tempo inteiro que dispensa visitas. Sobretudo curiosos diletantes, que nada acrescentam a forno, plaina, martelo ou escopro, muito menos a aparo lento por exigente. Era mentira, redonda se não anafada. Eu receava conhecer o espírito por trás dos versos, a mínima dissonância entre artista e obra espalharia mancha gordurosa nas páginas coçadas dos meus livros. De uma auto-complacência já confessada, não aceito compromissos no que às paixões diz respeito - o autor daqueles poemas teria de estar à sua altura, mesmo em simples conversa de guarda a café bebido à pressa.
Mas um dia…, troquei a mentira pela batota e pus a decisão no colo do Eugénio. Enviei-lhe a minha Tese de Doutoramento e decidi que não moveria mais um dedo, muito menos daria outro passo! E o tempo correu, forrado por um silêncio que aceitava e odiava ao mesmo tempo, não percebera ele que eu era apenas mais um fiel devoto e no entanto aspirava a tratamento privilegiado? Para onde fugira a perspicácia bondosa do poeta, que assim me empurrava para o espelho da minha mediocridade?
A caixa de correio ao fim da tarde. Um cartão singelo – “peço desculpa pela demora, problemas de saúde. Pensei que na Universidade portuguesa não se escrevia sobre temas desses. Muito obrigado”. Já recuei perante muitas portas entreabertas, mas naquele momento teria arrombado várias sem remorsos. Não foi preciso, fui bater à dos amigos que podiam fazer a ponte entre nós. E aterrámos no restaurante do Molhe. A noite estava amena e o Eugénio também, eu levei orelhas esfomeadas e um cisco de apetite, sentia-nos ambos sujeitos a exame sem época de recurso. Ele passou com brilho, a sua poesia assentava-lhe como uma luva, suspirei de alívio. Quanto a mim, decidi – com algum optimismo… - atribuir-me um dez salvador mas pouco glorioso, preparei-me para despedida grata e não menos grata recordação. E os olhos dele, zombeteiros. O braço no meu. Dois passos curtos ao lado e estávamos a quilómetros de distância de todos os outros, a frase nonchalante, doce, autoritária – “apareça para o chá um dia destes”.
Foi o princípio de uma amizade longa, esparsa por minha culpa, vivendo a um ritmo alucinante que ele fustigava sem contemplações. Sempre aceitei os argumentos dele, mas só há poucos anos os sinto na carne – o tempo dos relógios é curto para o tempo que exige o da meditação fecunda. É preciso eleger prioridades e as suas estavam claras: a poesia, os amigos chegados, a música, os livros, jamais perdoaria a si mesmo a dispersão que arrastasse o desleixo do fundamental. Discutimo-lo em abstracto e no concreto, o Eugénio não deixava que o afecto lhe embotasse a crítica. Com enorme placidez me escreveu o bilhete que reabriu velha ferida - “homem, você é um escritor, deixe o resto”. Com a mesma placidez escreveu outro, após a leitura de Muros: “meu querido amigo, o seu romance contém páginas muito belas e outras que mostram o pouco tempo livre que tem para se dedicar à escrita”. Se nunca lhe poderei agradecer a poesia, essa franqueza também não. Com ele pude sempre discutir um programa de rádio ou televisão, na certeza de que seria implacável para não ofender - ou sequer beliscar! - o que existia entre nós.
O homem que me convidava para tomar chá morreu. O gato que apenas me aceitou para o não contristar também. O miúdo esquivo mirando-nos, é hoje um rapagão desempenado meu colega. No Campo Alegre, palmeiras e gaivotas evitam olhar a varanda que foi a sua. Há poucas semanas, o Arnaldo Saraiva, guardião do Templo, referia-se com escandalizada bonomia ao esquecimento, por parte de tanta comunicação social, do aniversário do Eugénio. Compreendo-o. Se o facto é de uma injustiça tremenda, as consequências dele são risíveis. Porque o poeta encolheria os ombros com a mesma indiferença que reservou a algumas honras mundanas. E a poesia, essa, não precisa de ser recordada aos quatro ventos, vive em nós. De onde sai em ocasiões como a de hoje, para ser ouvida - luminosa, cortante, ascética, pagã, apaixonada. Como ele era.
Fiquem bem.

sábado, março 04, 2006

O "como" e não de que se morre em discussão imperiosa.

Doentes preferem morrer em casa



Os portugueses morrem cada vez mais no hospital. A situação é igual em quase todo o mundo ocidental, mas contradiz, segundo vários estudos, a vontade expressa da maior parte dos doentes, que preferem a companhia dos familiares nos últimos dias de vida. Uma investigação, publicada ontem no British Medical Journal - e que contou com a participação da portuguesa Bárbara Gomes - identifica os factores mais importantes que favorecem a morte de doentes em estado terminal em casa: cuidados domiciliários intensivos e rede de suporte familiar.

O envelhecimento da população traz o aumento da prevalência de doenças crónicas. E com estas vêm os internamentos prolongados em instituições hospitalares e mais custos para os sistemas nacionais de saúde. A sustentabilidade dos serviços hospitalares depende também de uma rede de cuidados continuados que possa continuar a apoiar o doente em casa. Os cuidados paliativos a nível domiciliário são um desafio, que se assume cada vez mais, explica Bárbara Gomes, investigadora do King's College London, como "um imperativo em termos de política de saúde para a sustentabilidade do sistema".

A investigação desenvolvida consistiu numa revisão sistemática da literatura e é a primeira que, em termos quantitativos, aborda o tema da morte em casa. E surgiu, explica a investigadora portuguesa, porque apesar de várias medidas implementadas em alguns países - como o Reino Unidos, Canadá, Estados Unidos e Austrália - as pessoas continuam a morrer cada vez mais no hospital. Por exemplo, em Portugal essa percentagem cresceu de 64% para 67% em apenas quatro anos. Ou seja, diz Bárbara Gomes, "as políticas não têm o efeito desejado".

O trabalho analisou um universo de mais de 1,5 milhões de doentes, envolvidos em 58 estudos e 13 países. Os resultados apontam que 17 factores são essenciais para que cada vez mais os doentes em estado terminal possam morrer em casa. Segundo explica Bárbara Gomes, o suporte familiar é essencial: quem tem uma rede em casa, tem sete vezes mais hipóteses de vir a morrer junto da família. Se forem assegurados cuidados domiciliários continuados de qualidade, com carácter frequente e intensivo, a probabilidade de alguém morrer em casa é até oito vezes superior. As minorias étnicas e as pessoas de estrato sócio- -económico baixo têm, por outro lado, maior probabilidade de virem a morrer nos hospitais.



Diário de Notícias.

sexta-feira, março 03, 2006

Várias vezes...; por indivíduos diferentes...; ao longo de vários dias...

Travesti terá sido atirado ao poço ainda com vida
2006/03/03 | 09:30
Exames complementares aos órgãos internos clarificaram morte

A autópsia realizada ao travesti sem-abrigo que alegadamente foi morto por um grupo de adolescentes no Porto revela que a vítima terá sido atirada ainda com vida para o poço de um prédio abandonado.

Em exames complementares realizados no âmbito da autópsia, os peritos encontraram nos órgãos internos de Gisberta (como era conhecido o transsexual) organismos idênticos aos que existem na água do poço, escreve o DN citando uma fonte judicial.

Conforme já tinha noticiado, um sinal de que o transsexual ainda estava vivo quando foi atirado ao poço foi o facto de o corpo não ter sido encontrado a boiar, mas submerso.

A investigação começa assim a encontrar uma causa para a morte do sem-abrigo, refere o DN, acrescentando que «o nexo causal poderia ser bastante difícil de averiguar se o corpo já tivesse sido atirado ao poço sem vida», pois tudo indica que a vítima tenha sido agredida várias vezes por indivíduos diferentes ao longo de vários dias.

Daí - acrescenta o DN - os primeiros resultados da autópsia, conhecidos no início desta semana, não terem sido conclusivos.

Recorde-se que o crime terá sido cometido no fim-de-semana de 18 e 19 de Fevereiro, mas o corpo só foi encontrado na quarta-feira seguinte num poço.

PortugalDiário.

quinta-feira, março 02, 2006

Há momentos em que não há lugar para palavras fora da poesia e da música.

...

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,


que te procuram.



Herberto Helder, Tríptico, A Colher na Boca.

quarta-feira, março 01, 2006

Os veteranos do Murcon não perdoam nada:(, snif. E este?

"De Profundis"


Os cem enamorados
dormem para sempre
sob a terra seca.
A Andaluzia tem
longos caminhos rubros.
Córdova, olivais verdes
onde cravar cem cruzes
que os lembrem.
Os cem enamorados
dormem para sempre.