segunda-feira, novembro 19, 2007

No sofá do corredor.

Enrosco-me no avesso de uma noitada. Todos dormem ainda. O prado, esse, acordou vestido de um branco sem piedade. (A não ser para a casinha de plástico dos meus netos, que parece enregelada pela ausência deles.) Imagino-os à janela nos dias de honesto calor estival, a imaginação ao poder de braço dado com a gula por uns euros - "Avô Júlio, queres comprar hamburguers?". Claro que sim, apoio sem reservas as micro-empresas e desconfio das corporações, abro os cordões à bolsa e ao coração em face do riso desavergonhado das crianças, mas fecho a cara à sedução plastificada dos adultos, "há coisas fantásticas, não há?". Há. A geada que se evapora diante dos meus olhos, enquanto os moinhos da Cabreira se espreguiçam e ensaiam um giro preguiçoso. Desligo o candeeiro da mesa do corredor. O espanta-espíritos tilinta surpreendido, quase escandalizado. Obediente, volto para a cama. Cantelães deseja acordar sem testemunhas.

28 comentários:

Anónimo disse...

"Enrosco-me no avesso de uma noitada."
Gostei mesmo desta frase.
A mim jamais me sairia uma coisa dessas.
Pronto! E quem sabe escrever sai-se com pérolas destas.

Ana Gilda disse...

Simplesmente Limpo! Sim limpo de percebermos a importância de um sorriso de um neto, uma criança...Parabéns pela expressão "...fecho a cara à sedução plastificada dos adultos..." Mais uma para o meu bloco de notas portátil....Parabéns, como sempre um Senhor! Ana Gilda

f disse...

Fantástico esse seu Sofa do Corredor!!...depois se puder diga-me onde o comprou:-)))

Cumprimentos

Nelson disse...

Há coisas fantásticas, não há? Claro que há... basta ver com atenção como no silêncio interrompido pelo espanta-espíritos existe tanto sentir!

thorazine disse...

Hoje acordei num desses sofás.. :))

A informação segue dentro de breves instantes..

"Tribunal da Relação deu razão a despedimento de cozinheiro com HIV
18.11.2007 - 22h53 Catarina Gomes


O Tribunal da Relação de Lisboa considerou justificado e legítimo o despedimento de um cozinheiro infectado com HIV que trabalhava na cozinha de um hotel, confirmando decisão semelhante já tomada pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.

No acórdão que o PÚBLICO consultou lê-se que "ficou provado que A. é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluidos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida". Por essa razão, os magistrados concluem que se continuasse a ser cozinheiro representaria "um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante do hotel".

Os três juízes desembargadores que assinam o acórdão da Relação - Filomena Carvalho, José Mateus Cardoso e José Ramalho Pinto - tinham ao seu dispor dois pareceres científicos, um deles pedido pela Coordenação Nacional para a Infecção HIV/sida ao Centro de Direito Biomédico, que desmentem alegados riscos de transmissão de um cozinheiro. Mas ignoraram-nos na sua decisão de Maio deste ano. O funcionário recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

O coordenador nacional para a infecção HIV/sida, Henrique Barros, não comenta a decisão judicial, mas "cientificamente" afirma que, "do ponto de vista biológico, as conclusões tiradas nunca foram provadas nem a comunidade científica as considera plausíveis". Explica que é verdade que o vírus existe no suor, lágrimas e saliva, "só que é irrelevante em termos de riscos de transmissão porque as concentrações do vírus nessas circunstâncias são incapazes de transmitir a infecção".

Em causa está António (nome fictício), cozinheiro do quadro de um hotel do Grupo Sana Hotels durante sete anos. Em 2002 adoeceu com tuberculose e esteve um ano de baixa, quando regressou ao trabalho foi mandado ao médico do trabalho do hotel. Não revelou ter HIV e o médico do trabalho pediu ao médico assistente mais dados sobre a sua situação clínica.

O tribunal superior constata que o médico de António respondeu ao médico do trabalho do hotel que este tinha sofrido de tuberculose, da qual estava completamente curado, e que era HIV positivo. Acrescentava que o cozinheiro podia "retomar a sua actividade laboral em pleno" e que "não representa qualquer perigo para os colegas". Apesar da informação, o funcionário foi impedido de voltar ao seu trabalho na cozinha e esteve sem nada para fazer durante meses. Em Março de 2004, recebeu uma carta onde se lia que o médico do trabalho o tinha dado como "inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro, pelo que não pode manipular alimentos", lê-se no acórdão.

Dever de lealdade violado?
Inconformado, António contactou a Associação Positivo e decidiu recorrer aos tribunais ainda em 2004. A primeira decisão judicial (de Março deste ano), do Tribunal do Trabalho de Lisboa, deu razão ao hotel Sana e considerou legítimo o final do contrato de trabalho. António recorreu ao Tribunal da Relação, que em Maio deste ano voltou a dar razão ao hotel.

O hotel nega alguma vez ter tido conhecimento de que António era portador de HIV antes do julgamento, ou de ter sido informado pelo médico do trabalho da sua condição. Afirma mesmo que o funcionário devia ter "informado imediatamente que é portador de HIV, o que nunca fez, violando assim o dever de lealdade".

No julgamento do Tribunal do Trabalho a defesa de António juntou documentos científicos da agência governamental americana responsável pelo controlo e prevenção da doença (Centers for Disease Control and Prevention - CDC), em que se diz que ninguém foi infectado pelo HIV por transmissão ambiental e que as únicas formas de contágio conhecidas são as relações sexuais não protegidas, a via endovenosa ou por via materno-fetal.

A sentença do Tribunal do Trabalho chega a referir-se ao documento do CDC mas diz que o caso em julgamento "não tem a ver com riscos conhecidos mas com a possibilidade desses riscos" e que o CDC refere que o vírus também está presente na saliva, suor e lágrimas. O documento científico em causa refere, de facto, que o vírus pode ser encontrado laboratorialmente naqueles fluidos mas nota que a transmissão por esta via é "zero", dado científico que é ignorado pelo magistrado Martins Alves.

O magistrado do Tribunal do Trabalho ignorou na sua sentença a médica que tratou o trabalhador para o HIV, que disse em tribunal que António cumpria rigorosamente a terapêutica e que sua "carga viral é indetectável". Ao invés, o juiz escolheu citar o médico que tratou António para a tuberculose e que diz que existe risco no "caso de um pequeno derrame de sangue que passe despercebido e que caia sobre alimentos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida". O médico em causa, António Gautier, afirma que o tribunal sabia que ele não é perito em infecciologia mas em pneumologia. "Eu não sou especialista nesta área, mas não fugi à pergunta." O médico diz que foi instado a responder em que situações o risco podia existir, explicando a situação da "ferida na boca", "algo que é muito remoto".

O Tribunal da Relação de Lisboa, órgão de recurso, repete quase toda a argumentação da sentença do Tribunal do Trabalho e reforça: existe "o perigo concreto de no caso de qualquer corte ou ainda por qualquer das formas referidas (saliva, suor ou lágrimas segregados sobre alimentos) transmitir o vírus a terceiros".

Os dois tribunais consideram que, provado que ficou que o cozinheiro é seropositivo, o despedimento é legítimo. Contactada pelo PÚBLICO, a administração do Grupo Sana Hotels recusou-se a comentar o caso.

No parecer do Centro de Direito Biomédico, incluído no processo pela defesa, lê-se que "não está provado que um empregado de uma cozinha possa, no exercício das suas funções e por causa delas, transmitir o vírus HIV".

Medo de represálias
O caso do cozinheiro do Grupo Sana Hotels só é diferente porque se deu num ambiente de trabalho estável e porque o trabalhador teve "coragem" de avançar judicialmente, mas situações destas "são corriqueiras", diz o responsável pela unidade de tratamento de HIV/sida do Hospital de Cascais, José Vera. A maioria dos casos de discriminação dá-se "em ambiente de trabalho temporário. Assim que se sabe que estão infectados não lhes é renovado o contrato", diz. Para que estes casos cheguem ao tribunal "é preciso que pessoas tenham contrato definitivo e que tenham coragem de avançar e se expor". Amílcar Soares, presidente da Associação Positivo, onde o cozinheiro foi denunciar o seu caso, afirma que "o problema da discriminação de trabalhadores mantém-se". Por ano costuma chegar pelo menos um caso à associação, mas muitos não avançam para tribunal "com medo de represálias, com medo de passarem para outra empresa onde isso se saiba". "

PS - Mesmo que o hotel ficasse convencido das conclusões científicas, do ponto de vista do consumidor um cozinheiro com HIV é um bicho verde e pegajoso.

Mitsou disse...

A Yulunga já disse o que eu ia dizer.

Gosto muito destes seus textos aconchegantes :)

Abraço para si e saudações aos tertulianos.

PAH, nã sei! disse...

Boas tardes ao Professor e, aos murcónicos residentes ;)

Pah... :( é de mim, ou o "chefinho" anda algo nostálgico?

Será do frio?
Quem me dera... estes meus ossos angolanos sentem um frio nada nostálgico...
Deve ser da falta da lareira acessa!!! tenho que ir à lenha (e venho já:)

Beijocas quentinhas para todos(as)!!!

andorinha disse...

Boa noite.

"Enrosco-me no avesso de uma noitada."

Fabuloso, como já disse a Yullie.
Adorei o "textinho", isto sim, são ruminações:)

P.S. Mas cuidado com as noitadas, olhe que já não é nenhuma criança:))))))

Olhar disse...

Agora a sério:)
Já o post anterior me lembrou isto..., que reli no "prefácio" do livro O Amor É...
e, agora como se repete..., não vou resistir:
Ao fim
Ao fim são muito poucas as palavras que nos doem a sério e muito poucas as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas que tocam o nosso coração e menos ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados e não morrer depois dos nossos filhos.
Amália Bautista
Por aí, parece que é por aí que anda:)

thorazine disse...

Ahh e tal..se fosse o ratatui!

;))))))

thorazine disse...

PS - A Fátima Campos Ferreira não sabe que em Espanha se trata a malta pela 2ª pessoa do singular? :D

Julio Machado Vaz disse...

olhar,
Espero sinceramente já ter chegado ao ponto de ter assim claras as prioridades.

Unknown disse...

Exmo. Srº Drº Júlio Machado Vaz.

Somos alunas da turma C do 12ºano, da Escola Secundária com 3º Ciclo
do Ensino Básico de Pinhal Novo. No âmbito da área curricular não
disciplinar de Área de Projecto, vimos por este meio solicitar a sua
colaboração no nosso projecto.

O nosso trabalho intitula-se "Vidas à Parte (disturbios mentais
causados por desajustamentos sociais)". Escolhemos este tema de acordo
com as nossas ambições futuras. Dentro do "Vidas à Parte" pretendemos
abordar os seguintes sub-temas: hiperactividade (escolhida como forma
de trabalhar um desajustamento social nas crianças), toxicodependência
(abordando essencialmente as diferenças entre consumidor-dependente,
consumidor-não dependente e não consumidor - abordagem social da
toxicodependência), parafilias (uma vez que é um tema tabu dentro da
sociedade e que
pretendemos desmistificá-lo) e depressão (especificamente bipolaridade).

Como seguidoras assíduas do seu trabalho e espectadoras atentas do programa "Serralves Fora de Horas", vamos estar presentes na apresentação, em Lisboa, do livro "O Amor é...". Gostariamos então de solicitar uns minutos da sua atenção, após a apresentação, a fim de averiguar a sua disponibilidade para contribuir para a realização do nosso projecto.

Antecipadamente gratas pela sua atenção,
Os nossos melhores cumprimentos.

O grupo de trabalho
Joana Fernandes
Marisa Silva
Melanie Alcântara
Natacha Fonseca
Raquel Dinis

Contacto: disturment12c@gmail.com

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

P.s.- Caso não tenha disponibilidade para nos dispensar, após a apresentação do livro, pedimos-lhe encarecidamente que, de qualquer forma, entre em contacto connosco. Gostariamos imenso de tê-lo como parte integrante do nosso projecto.

thorazine disse...

Já estava eu prontinho para aproveitar algum tempo da hora de almoço e ir à bertrand afiambrar-me ao livro..e não é que o gajo vem embalado? Só mesmo comprado!! :|

Não sai edição de bolso? pdf? LOL

Olhar disse...

Professor,
Pode ser engano meu, que a seguir o li confesso..., mas foi o que me pareceu ver, algumas prioridades bastante claras:)
O ponto, eu acho..., terá a ver com percursos, alguns deles, se calhar a penantes:))))

andorinha disse...

Boa tarde.

Ui! De repente até me assustei. Tantos distúrbios mentais!!!:)))

Thora,

É também por isso que gosto de ti, confessas os teus pecadilhos em público:)))
Claro que vem embalado, lógico, para não ser profanado:)

Olhar,
A idade traz sageza, como o Júlio sempre diz e é verdade:)
Valha-nos isso, não são só desgraças:))))))))))

CêTê disse...

Quase vejo o que descreve!;)

No corredor?! Valha.me Deus!;P


Percebo o que diz em relação aos netos mas prepare-se porque daqui a poucos aninhos os mais velhos vão levá-lo à certa (ainda que o saiba, perfeitamente) ao seduzirem os mais novos a dizerem.lhe "há coisas fantásticas, não há avô?" ;P

"ó prá mim a falar com experiência na àrea" LOL, confesso o crime.

abraços a todos

Su disse...

gostei de ler esse sentir

jocas maradas...sempre

un dress disse...

xxxxxxxxxxxxxx.....................

silênCio tOtal...





:)

Ni disse...

Texto tão bonito...

... sorri, ao 'ver' o vestido branco da lua (de 6ª) sobre o pasto.

:)

fiiury disse...

estas diferencias de temperatura fazem-me arrepiar:) que frio!
:::::::::::::::::::::::::::::
ajude a ajudar a esmeralda, por favor!

fiiury disse...

diferenças

Moon disse...

:))))

Doce...

Quanto às prioridades... Hum, não me parece... Ainda é muito (demasiado!) cedo para "ter assim claras as prioridades"... Isso é ao fim, certo?! Ainda vai a meio!! Vamos com calma, sim!?
E depois, às vezes, ainda consigo ver o puto irreverente a espreitar através desse sorriso maravilhoso... E, lamento informar, mas parece-me que ele não o vai poupar... Está aí para "lavar e durar" (e toldar-lhe a vista, de quando em vez...:)))) Ups...:(( Lá se vão as prioridades....:))

Nuno Guimas disse...

Há textos que são como pinturas de cor, sensações e memórias. Momentos únicos, fugazes, como relâmpagos cheios da energia que nos faz ver o mais belo da vida.
O seu é um deles.
"Fantástico" ;-)

P.S.: De qualquer modo, convenhamos que se as meninas da TV Cabo aparecessem no cenário não seria de todo desagradável :)

Olá!! disse...

Um friozinho sedutor aquecido pelo alegria ausente das crianças...
Enrosco-me no sentir destas (suas) palavras.

GS disse...

Gostei sinceramente deste seu 'pedacinho' de prosa poética! Sempre sensível, na escrita...

Quanta verdade nesta sua imagem: '...fecho a cara à sedução plastificada dos adultos...'!

Continuação de bem estar!