terça-feira, junho 29, 2010

Dúvida.

Regou as plantas como a Mãe fazia. E, de súbito, a dúvida. Se o Pai fosse vivo... Assim, hesitou entre psiquiatra e padre. Decidiu-se por homem de Igreja, além de resposta ambicionava ombro e coração abertos, livres de preconceitos. Capela na sombra, voz acolhedora,
- Posso ajudar?
E ele,
- Se o choro lava a alma, porque não a vejo no estendal do jardim?
O padre em murmúrio cúmplice,
- A Deus agradam as almas lavadas, meu filho, mas horrorizam as que secam.
Regressou em paz à varanda solitária.

domingo, junho 27, 2010

Também fiz urgências, é uma irresponsabilidade total:(.

O conselho de administração do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, em Portimão, deu ordens para que, a partir do próximo mês, as urgências funcionem apenas com um especialista de medicina interna, cirurgia e ortopedia. A escala de médicos passa a ser composta por apenas um clínico das 8h00 às 16h00. E a decisão, comunicada num ofício enviado aos directores de serviço a que o i teve acesso, é justificada como uma "forma de dar resposta ao plano de contenção para redução de despesas em horas extraordinárias".A ordem, que não é motivada pela falta de médicos, mas pela vontade de cortar nas despesas, está a criar um verdadeiro terremoto. O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Ordem dos Médicos já manifestaram o seu "veemente protesto" junto da ministra da Saúde, Ana Jorge. E usam palavras como "irresponsabilidade", "gravidade", "desrespeito" e "violação das recomendações" de qualidade e segurança no atendimento aos doentes para descrever esta decisão.Numa altura em que o Algarve vê a sua população multiplicar-se devido às férias de Verão, a medida torna as urgência daquele hospital "tecnicamente inoperacionais". É que, em cirurgia, ortopedia e medicina geral, um médico a trabalhar sozinho nem sequer pode operar um doente urgente que lhe chegue às mãos. A urgência do Hospital de Portimão tem a categoria medico-cirurgica - um nível avançado de diferenciação, a seguir às urgências básicas. E ter apenas um médico de serviço viola os requisitos mínimos definidos para estes serviços.De acordo com a ordem assinada pelo presidente do conselho de administração da unidade de saúde, "em caso de necessidade de intervenção cirúrgica urgente" deve estar outro elemento designado para fazer equipa, que será chamado ao serviço. O médico especialista que estiver na urgência "acumula ainda com a reanimação numa parte significativa dos dias do mês, ficando a urgência sem especialista", critica o SIM. Tendo em conta que "está em risco a assistência condigna aos doentes", o SIM deu instruções aos clínicos do hospital para que se "abstenham de actos específicos sem que as equipas cumpram o determinado técnica e legalmente". E, por isso, os médicos são aconselhados a transferir todos os doentes que cheguem ao hospital a partir de 1 de Julho.Também a Ordem dos Médicos do Algarve aconselha os doentes a não irem àquele hospital devido "às deficientes e inaceitáveis condições em que passará a funcionar o serviço". "Assumidamente não estão reunidas as condições mínimas para a prestação de cuidados", conclui um comunicado assinado pelo presidente do conselho distrital, Martins dos Santos.O corte nas horas extraordinárias é uma das medidas decididas pelo governo para conter despesas na saúde. E as urgências são os serviços responsáveis pela maior fatia dos gastos com trabalho suplementar.

Fonte - Jornal i.

sexta-feira, junho 25, 2010

Os sacrifícios equitativamente distribuídos...

No final de 2009 havia 11 mil portugueses com fortunas superiores a um milhão de dólares, mais 5,5% do que em 2008
A crise em que mergulhou o País durante o ano passado não impediu que a lista de portugueses com uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares (815 mil euros) ganhasse 600 novos nomes. De acordo com o estudo World Wealth Report 2009, elaborado em conjunto pela Capgemini e Merrill Lynch, no final de 2009 havia em Portugal um total de 11 mil milionários, um número que representa um crescimento de 5,5% face aos 10 400 milionários registados no relatório de 2008.
Segundo o relatório da Capgemini e Merrill Lynch - que exclui da contabilização do património as casas e restantes bens consumíveis -, a subida do número de milionários em Portugal foi alimentada pelo aumento dos preços do imobiliário (em 0,2%) e pela forte descida das taxas de juro. Outro factor apontado no World Wealth Report para o crescimento de mais de 5% no número de milionários portugueses foi a valorização da Bolsa portuguesa, que cresceu 33,5% em relação a 2008. A valorização de muitos títulos - principalmente no terceiro trimestre do ano, quando o PSI-20 valorizou 19,2% - terá contribuído fortemente para o crescimento de fortunas no País, salienta o estudo.
Os 600 novos milionários portugueses juntam-se assim a uma lista que é encabeçada pelos empresários Américo Amorim (fortuna avaliada em 2,83 mil milhões de euros), Belmiro de Azevedo (1,09 mil milhões de euros) e Joe Berardo (618,2 milhões de euros). Juntos, estes três milionários têm uma fortuna avaliada em mais de 4,5 mil milhões de euros, equivalentes a 2,8% do PIB.
Para o crescimento das fortunas milionárias em Portugal pouco ou nada contaram os números da recessão da economia portuguesa, adianta o World Wealth Report. Recorde-se que em 2009 registou--se uma contracção de 2,7% do PIB, o recuo de 21,8% nas exportações e o decréscimo da produção industrial em 8,1%. Ao longo do ano passado, destacam ainda a Capgemini e a Merrill Lynch, há ainda a assinalar a queda do consumo interno em 10%.
Não foi só em Portugal que o número de milionários aumentou. O relatório ontem divulgado aponta para um crescimento de 17,1% em 2009, atingindo um total de 10 milhões de pessoas que possuem uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares. A Capgemini e a Merryl Lynch destacam ainda que, além do número de milionários ter aumentado, as suas fortunas também engordaram durante o ano passado. No final de 2009, a totalidade destas fortunas ascendia a 39 mil milhões de dólares (cerca de 31,8 mil milhões de euros).
Na apreciação que fizeram dos resultados deste estudo, os responsáveis pelo relatório referem que "os últimos anos têm sido relevantes para os investidores ricos". Segundo Sallie Krawcheck, do Global Wealth & Investment Management, "enquanto em 2008 a riqueza global dos milionários sofreu um declínio sem precedentes, um ano depois existem claros sinais de recuperação e em algumas áreas verifica-se mesmo o regresso aos níveis de riqueza e crescimento registados em 2007".

segunda-feira, junho 21, 2010

Das agruras do desejo.

Há no desejo uma violência ingénua que nos remete para infância e terra. Claro que o podemos negar, carpir, sublimar, conter, mas a céu aberto ou nas profundezas dos neurónios exilados a que chamamos coração, ele resiste. E de tão espontâneo e fiel a si mesmo, em vida que a cultura não cessa de impregnar, merece respeito e cuidado. Ao contrário do prazer, que agradece a tantalização, por a adivinhar falsa e degrau para girândola final, ao desejo acontece mirar quem o atrai com gula já derrotada de criança e nariz pregados à montra de confeitaria proibida. E vai-se embora triste, é demasiado primitivo para se satisfazer com o window shopping:).

segunda-feira, junho 14, 2010

Na loira Albion.

A ternura de minha nora fez o milagre - os três Machado Vaz maiores de idade reuniram-se num típico pub londrino para verem o Mundial. Azarado, levei com uma inglesa no mínimo longilínea à minha frente. Pior!, devia ter andado tanto como eu durante o dia porque passava o peso de um pé para o outro, com o inevitável movimento pendular. Dela e meu, em sentido inverso, para ver qualquer coisinha... Mas o ambiente fez-me recuar a 66, quando adolescente segui a cavalgada de Eusébio e companhia. Tenho uma paixão sem remédio por estes pubs, a cerveja que não aprecio, o rugir da espremida multidão quando a bola namora os postes, os cânticos, o "excuse me" que brota das faces mais patibulares:). Não idealizo Inglaterra; mas sempre me senti cá bem, expliquei-a com sucesso aos meus filhos, a eles de o repetirem aos netos, "não há euros e os carros andam fora de mão porque os ingleses são europeus mas não continentais". E depois do jogo saímos os três em amena cavaqueira, há vinte e cinco anos mostrei-lhes Wimbledon depois de mendigar o favor a um guarda de coração mole e o Guilherme, extasiado, murmurou: "parece uma igreja". Nunca joguei ténis, quem sabe? Mas dessa altura até agora, os três Machado Vaz praticaram sem falhas a religião da cumplicidade solidária, venha o Julgamento Final ou o Nada e será o meu cartão de visita - it was worth it:).

sexta-feira, junho 11, 2010

À espreita do raio verde.

Maria,

A Igreja a fustigar as mulheres com o rótulo de tagarelas durante séculos e nós dois a torpedearmos o estereotipo. Eu a escrever pelos cotovelos e tu ascética na resposta - "ontem adormeci a ouvir música no teu ombro...". O assumir do que foi, a promessa do que virá, para mim sobra a inveja agradecida. O ombro espera-te. O sono também. Mas depois do teu!, há crepúsculos que nos enchem de sol o coração:).

terça-feira, junho 08, 2010

Boa noite.

Maria,

O corredor fica mais longo e escuro sem o teu passo ondeado, o olhar risonho de través, num desafio sem dúvidas quanto à resposta, para onde fugia o meu cansaço? Miúdo, assobiava em desespero na casa da Rua do Bolhão, resistindo à tentação do interruptor; num exorcismo desafinado que calava os fantasmas e amiúde trazia minha Mãe, sempre atenta como por acaso, nunca precisei de luz quando lhe sentia os dedos em viagem pelo meu cabelo. Mas agora? O medo - pelo menos o infantil... - desapareceu e a tristeza não se fez rogada - ocupou-lhe o vazio. Não penses que teria vergonha de assobiar! Mas para quê? Eu digo-te - para sentir a falta dela também:(. E assim vestir o corredor (?) de luto mais pesado...

sábado, junho 05, 2010

As amarras.

O medo e a auto-piedade são criminosos refinados. Espalham o nevoeiro sobre as águas e nós ficamos na segurança do porto. Claro que a espera envelhece. Mas é a viagem por fazer que acaba por matar.

quinta-feira, junho 03, 2010

A última fronteira.

Este amor interesseiro que sinto por alguns amigos mais velhos. (Alguns, não todos, o facto merece reflexão aturada.) Protegem-me, são cercas de ternura farpada entre mim e a morte. Eu sei: os acidentes de viação às cavalitas do álcool ou dos telemóveis; os cancros - perdão!, doenças prolongadas... - tão previsíveis como as campainhas das slot machines; os quinze minutos de fama nos telejornais, porque alguém entrou num local que nem sequer frequentávamos e descarregou arma e raiva, etc... Não falo disso, mas do ciclo "natural" da vida. Oiço-lhes o riso e a vida parece eterna. Frustrante, mas eterna, pois não os vejo atacar tripas à moda do Porto e sangria, alheios ao mero pensamento de uma insónia enfartada? E contudo o amor sem adjectivos resiste ao oportunismo hipocondríaco. Deixo-os em casa e sorriso e aceno deles acompanham-me Boavista abaixo, não sei quem partirá primeiro, mas os que ficarem selarão um quarto nos seus corações.