sexta-feira, março 30, 2012

Um degrau de cada vez.

Cama de casal é uma expressão enganosa, siginifica apenas que acomoda duas pessoas. (Ou uma, confortavelmente esparramada...). É mais seguro construir o casal em cama de solteiro e partir depois para a conquista de espaço (não) vital, pese embora a sonoridade nazi da frase:).

domingo, março 25, 2012

Sábado à tarde.

Ontem, Serralves foi uma delícia! É claro que não faltou uma das minhas distracções, o menu era tão saudável que nem me dei ao trabalho de perguntar - vi garrafinhas de água de braço dado com o salmão e o pato e peguei numa, triste racionalização em punho, "melhor, às 14.30 é preciso deitar mãos à obra, nada de preguiça pós-prandial!" Cinco metros adiante tropecei em mesa de bebidas menos inócuas e matizei tão admirável intenção com desculpa esfarrapada - "bebo vinho verde, é mais fraquinho:)".
Da amena cavaqueira, retirei, de novo, um tema em particular - a frequência com que os meus colegas referem queixas de desejo sexual diminuído - ou ausente... - em mulheres muito jovens, preocupadas com a reacção do(a) parceiro(a), pois não detectam murchar do amor, mas temem que seja essa a interpretação do(a) outro(a). O Chico Allen tem razão - vivemos tempos de problemas de desejo. A discussão das razões levar-nos-ia longe...

quinta-feira, março 22, 2012

Sábado em Serralves...

... estarei com médicos pela segunda vez em quinze dias. O tempo parece ter esmaecido algumas reticências ao meu trabalho por parte de alguns colegas. Eu era o regente de uma disciplina que muitos consideravam inútil e "agressiva" para a Medicina, por se obstinar em reflectir sobre as práticas, teorias - e ideologias... - da profissão. É reconfortante ver o cenário mudar, pois a conjuntura, uma sociedade capitalista de consumo e os dilemas bioéticos com que nos defrontamos não perdoariam a inércia de profissionais cujos quotidianos transbordam de situações-limite. Assim os Poderes compreendam que a eficácia desses quotidianos não depende apenas da competência e idiossincrasias das pessoas, mas também dos contextos que lhes são proporcionados. E aos doentes...

segunda-feira, março 19, 2012

Dia do Pai.

Pai,
Se me telefonasses hoje à noite dizia que estava tudo resolvido. Antibiótico para trás das costas, penso no lixo, cicatriz fechada sem balanço, edema em (lentas) vias de extinção. Dos amigos nada a referir, tudo a agradecer, iguais a si mesmos: o Carlos trinchou o meu pescoço de peru megalómano, o Manel, se possível!, acelerou a máquina afinada do IPATIMUP e presenteou-me com adjectivo cada vez mais cobiçado nos dias de hoje com 24 horas de antecedência - benigno.
Dir-te-ia que tratei da coisa na maior clandestinidade possível e tu concordarias, também te horrorizava ver a angústia estampada em rostos amados. Feito; anunciado; ouvi protestos que em situação inversa seriam os meus e respondi com a verdade - fazia tudo outra vez.
Há dezasseis (?) anos que não era anestesiado, sabes como detesto a experiência, eu!, sempre revoltado contra a descarada insónia que teima em (não) dormir comigo. O silêncio do Hospital, a pergunta da miúda - "como gosta que o tratem?" - e a sua decisão perante o silêncio que me invadia, de mãos dadas com resposta inadequada - "bem." -, fica "senhor Júlio".
O senhor Júlio acordou às cinco da manhã e pensou em ti e na Mãe. Da outra vez, na Trindade, tu e ela foram visitar-me no dia seguinte. Visitar-me..., que optimismo:(. Tu já te passeavas numa twilight zone, não abriste a boca, olhar perdido na parede. A Mãe preocupava-se com todas as ameaças à tua saúde, da corrente de ar ao atraso para o jantar, foi das primeiras vezes que percebi o grau da sua própria deterioração. Agora, como vocês não vinham, tive de vos alucinar com um prazer doloroso, tu levavas-me os sacrossantos jornais e ela zurzia-me por não ter dito nada, a acusação soava sempre orgulhosa, "vocês são iguais".
Se me telefonasses hoje à noite, Pai, seria para agradecer - "e à Senhora sua Mãe" - o magnífico e inesperado jantar, datas não eram contigo. E gabarias a beleza e inteligência dos petizes, agora o Gaspar e o Tiago, e dos rapazes, o Guilherme e o João, trintões, imagina tu! Mas depois haveria privilégio só meu, "vá descansar, meu filho". Como seria mais simples fazê-lo com vocês ainda na Rua do Bolhão, meu querido:(. Dá um beijo grande à Mãe, num curto intervalo dos teus. No próximo fim-de-semana trabalho, mas no seguinte vou-me sentar junto à nossa árvore em Cantelães.

segunda-feira, março 05, 2012

Diálogo ao fim da tarde.

E o miúdo perguntou ao velho,
- O que é o futuro?
Sem abrir os olhos, gozando sol e relva à beira-rio,
- O sumo do presente meditado.
O miúdo murmurou,
- Mas ninguém parece muito interessado em reflectir!
O velho, encolhendo os ombros,
- E por isso lá irão buscar o passado ao congelador. Talvez se engasguem...