quarta-feira, outubro 20, 2010

O casaco.

O Pierre tinha um casaco dos marines. E eu, pacifista por convicção e receio, adorava-o. Entretanto o Pierre comia e deixou de caber nele. Herdei-o. O cancro do pulmão roubou-me o amigo e foi a minha vez de engordar. O João herdou o casaco e vi-o partir com ambivalência - satisfeito por o ver no rapaz, triste por deixar de lhe sentir o calor, que me lembrava o da amizade. Em Londres vi um - demasiado grande, eu emagrecera... Quase fiquei com ele, só para o ter no armário, odiei-me por ouvir a razão. Em Amesterdão entrei loja dentro, decidido a comprar até um XL! O Senhor e o Acaso perceberam e entregaram-me um do tamanho certo. O frio chegou. Vesti o casaco. Lá em cima o Pierre sorriu, meneando a cabeça, e murmurou - "aquele eterno pateta...".
... Recorda-o todos os dias.


P.S. Asseguram-me que em breve o O Amor é... da RTPN estará disponível em podcast (?).

11 comentários:

Bartolomeu disse...

Então...vamos lá aprofundar a "coisa"...
Dá licença que me sente cinco minutinhos, aqui na sua mesa e tome um cafézinho na sua companhia?!
Então vamos lá (sem saír do lugar).
Ó xôrAntónio... um cimbalino por favor!
;)
Então, caro Professor... quer o Senhor dizer, na sua, que a memória viaja através dos objectos?!
Muito obrigado xôrAntónio, depois pode pôr na conta aqui do Sr. Doutor-pacifista.
;)
Mas... voltando à questão da vaca fria...
Ah... diz o caro Professor que é da ligação entre a memória e a história que nasce, que é construída a consciência.
Pois muito bem, quer dizer então que a memória necessita de objectos para se confirmar a si mesma?!
Então será por isso que a arquelogia tem tanta importância para a compreensão do percurso e evolução d ahumanidade...
E eu que fazia tanta fé no "Cogito, ergo sum"...
Orábóbora!
Ó xôrAntónio! um palito fáxavôr!

Tété disse...

Prof,
Sensibilizam-me muito e sempre as amizades que dão de si de alma e coração.
Acho que nós, mais cotas, encaramos o amor pelos outros com um registo de valores, que certamente os mais novos têm dificuldade em etender.
São os nossos velhos tempos que nos ensinaram a humedecer os olhos sempre que alguma coisa nos fala à alma.
Cá espero a informação sobre o "O Amor é" ... da RTPN.
Grande abraço
Teresa

Julio Machado Vaz disse...

Bartolomeu,

Desculpe se o induzi em erro, não, não preciso de objectos. Na realidade, vivo hoje escarranchado em dois mundos: o "concreto" e outro interior, povoado de gente muuuuuito viva. Ainda ontem discuti o psicodrama do Orçamento com meu Pai e lhe ouvi desabafo descoroçoado - "são tão fraquinhos...".

Bartolomeu disse...

Júlio,
Espero que o "desculpe", não passe de uma figura de retórica. É que se não o fôr, eu devo-lhe tantas, que irei passar o resto da vida a pedir-lhas.
;)
E... esse seu mundo interior, é menos concreto, ou, pelo contrário é imensamente mais real que este onde físicamente se desloca?!
Pessoalmente, entendo que o seja, a prova é lucidez do desabafo de seu pai... são mesmo muito fraquinhos, aflitivamente fraquinhos... tão fraquinhos que se tornam irreais.
;)

A Menina da Lua disse...

Professor e Bartolomeu:))


Fascinante de facto essa nossa capacidade de humanos (única em relação aos outros animais) de sermos capazes de criar realidades interiores baseadas nas nossas memórias passadas, presentes e mais dificil ainda, criarmos e projectarmo-nos, em antecipação, em memórias de futuro mesmo que essas possam nem sequer vir a ser realidades.:)

Para alem disso, é muito Belo sermos capazes de amar os que já não estão...como dizia a Espanca é mesmo sermos capazes de "Amar só por amar".

Bartolomeu disse...

Yah Menina da Lua... amar só por amar, e nada mais.
Afinal, o que está na essência de cada doutrina...
Ou seja... aquilo que verdadeiramente nos pode tornar imortais.

andorinha disse...

O post é lindo!:)

Quanto ao seu P.S. espero bem que isso aconteça. Ainda não consegui ver nenhum...

Cê_Tê ;) disse...

;D
O professor ainda vai a tempo de influênciar os estilistas a não perpetuar abismos nas diferenças de género (em particular dos números)! Qual XL qual quê! Eu bem quero passar por "tonta" mas não posso- corro o risco de morrer asfixiada ou ter de ser amputada in situ o mesmo será dizer numa cabine de prova.
Mas com o calçado ;))) os garotos só estranham à 1.ª quando calço Allstars. ;P E é tão bom! E ainda hei-de comprar umas Sanjo!

Quanto ao resto é uma boa nova- estou como a passarinha! ;))) Mas a nossa ministra está Solidária com a nossa impossibilidade.;P

bea disse...

Senhor professor
Obrigada pelas palavras e o sentir de intimidade. Um homem dá-se a conhecer desde que comunica. Em qualquer dimensão. E daí as gradações do íntimo. A intimidade que começa no umbral da atenção, e é o outro que cria, não sei se em nós se connosco; doce margem de abandonos de que a amuada estranheza se arreda. Os livros podem ser íntimos, como é íntima toda a leitura não espelhada. Assimilar, diz esse fundo de pertença que se internalizou, indistinto do eu. Por isso, descobrir um princípio da Física é íntimo. Ler na natureza o não evidente, é penetrar-lhe o secreto.

O casaco do seu amigo, professor, o senhor vestiu por dentro.

isabel disse...

Estou como a Andorinha, também ainda não consegui ver nenhum :(

venha lá o podcast rapidamente, para poder ver nos intervalos desta vida louca, que ainda não conheço a Inês ;)

Graça Paz disse...

Num dia posterior a uma semana bem complicada este bocadinho fez-me rir! Está fantástico...o universo tem destas coisas e a vida vivida assim muito mais piada!

Parabéns !

Graça