domingo, dezembro 26, 2010

Porque alguém pode não ler os comentários!

...Em meados do ano passado tive um sonho. Era a continuação, eu e ele estávamos a acabar a bancada da oficina. As mãos dele eram mesmo as mãos dele, fortes, morenas, dedos compridos e nas palmas as linhas eram fundas. Nesse dia acordei com a ideia de acabar a bancada. Estava decidido o meu novo projecto: resolver o antigo. Fui comprando material, tomadas, parafusos, dobradiças.. Nas férias grandes construí a bancada, pintei-a com uma tinta de epoxy, organizei as ferramentas, pintei o tecto e as paredes, instalei umas luzes novas. No fim faltava o torno, igual ao dele que eu parti com uma investida de marreta enquanto me armava em serralheiro. Talvez um dia compre, quando estiver mais folgado. Acho que ele ia gostar do resultado final, no entanto só lhe ia sacar um "Tiveste bem, moço!" :)

Thora.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Ritual privado.

Meu Pai desespera com os noticiários fotocopiados. Solta o olhar pelos livros em exagerada liberdade e vacila entre o alívio de os notar gastos e a desaprovação pela falta de compostura. Vence o primeiro, "há que ler, há que ler", nele a frase não abriga réstia do spleen de Jacinto, traduz uma filosofia de vida.
Minha Mãe guarda-o, campânula que sem esforço renova oxigénio e carinho, "tens frio? Vou-te buscar a manta." A Michelle não a larga por um momento, desafia-a com o mesmo empenho que a faz descrever círculo gordo para lhe evitar o marido, desde o primeiro dia farejou a reticência do medo sem esperança de ponto final.
A Avó Sorgue desceu à Ribeiro, menos por guloseima do que pela baixa perigosa dos níveis de contacto humano, regressa de lá com novas amizades e um aceno aprovador para as convicções políticas do Senhor Álvaro, "o teu Avô já dizia o mesmo, isto precisa de uma grande volta". No fundo não acredita na raça diletante dos intelectuais, cala o diagnóstico por amor à filha, mas cita-a com volúpia, "tu e o teu Pai só servem para estudar".
O Pierre vocifera no outro extremo do arco político, embora neste momento o faça ao telefone, jura que não baixa um cêntimo ao preço enquanto os olhos nórdicos riem a bandeiras despregadas, a margem de lucro deve ser obscena. Do outro lado a voz não paga para ver o bluff, mas sim para lhe engordar a conta bancária, desliga e resmunga contra o frio, "Júlio, vens quinze dias para o anexo do jardim e eu arranjo quem transforme esta pocilga num arremedo de casa, irra!, já é masoquismo". Reprova aos intelectuais não saberem ganhar dinheiro e gozar a vida, mas não os mete todos no mesmo saco, "pelo menos o teu Pai respira classe". O querido maroto não resiste a picar-me...
O Zé Gabriel cerra o punho deliciado, a avaria do meu leitor de CDs rende-se com orgulho ao mestre do som. De imediato lança mãos à obra, a sala é invadida por ritmos dolentes e sinuosos, órfãos de corpos enlaçados que lhes façam as honras, ondula ele sozinho, é de olhos semi-cerrados que me lança aviso tantas vezes repetido, "não vá a África, doutor, garanto que não volta".
O relógio força-me a abandonar o regaço das nítidas sombras, em questões de memória Natal é mesmo quando um homem quer - e até quando não quer! -, estarão aqui amanhã, "tenho de ir...". Meu Pai e dialecto esquecido, "dê um beijo aos petizes, diga-lhes que as saudades doem"; minha Avó e a psicopatia amorosa, "não podes dizer que estás doente e ficar connosco?"; o Pierre e a amizade pragmática, "que não se metam em aventuras, o dinheirinho longe da Bolsa"; o Zé e o eterno amor, "uma boa colecção de jazz na FNAC e nada cara"; minha Mãe oferecendo a asa livre, "estás agasalhado?".
E aproveitando a quadra eu retenho-a com desculpa de armistício de cores entre jeans e camisola, a pergunta a medo que já desagua no terror, "estou perdoado?". Aqueles imensos lagos verdes, por natureza avessos à mentira, cravados nos meus, "não, mil vezes não, tinhas o dever de pôr fim aquele horror". Os dedos afloram-me o rosto, "rega as plantas, amo-te muito".
Michelle seca esta lágrima que exige irmãs em altos berros e também mergulha no fundo de mim.
O único ainda escravo do ranger de portas...

quinta-feira, dezembro 23, 2010

O reverso da medalha.

Um amigo triste depois de um jantar alegre. Porque não acredito no clássico "ano novo, vida nova"? Talvez por o conhecer bem demais:(.

domingo, dezembro 19, 2010

Cuidado com as generalizações:).

"Eu tinha 20 anos. Não consentirei que ninguém diga que é a idade mais bela da vida". Paul Nizan.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Ontem à noite...

... fui ver o caçula tocar com Os Azeitonas no Sá da Bandeira. Que tantas vezes demandei com minha Mãe, ansiosa por reencontrar os amados companheiros de cena, à qual fora subtraída pela paixão por e de meu Pai. Mas antes abanquei no Buraco, o senhor Manuel fizera empadão e trouxas de batata em honra deste Machado Vaz fugidio, mas nunca ingrato. Acabara de cumprimentar os anfitriões e já pulava da mesa para abraçar o Alexandre Alves Costa. Sentei-me e novo pulo, era o Sérgio Fernandes. Chegaram as trouxas, de oito sobravam seis, o Alexandre invocara uma ida tormentosa ao dentista para roubar duas em trânsito! Os sms com o Rui Veloso, "depois do espectáculo...". Que começou com um atraso finérrimo e de mau agoiro, a dor de cabeça de hoje perfilava-se no horizonte. Não fosse eu o ouvido mais duro da cidade e do clube de fãs e já estaria pronto a substituir qualquer um dos Azeitonas (com excepção da garota coleante...). O João e o sorriso enlevado que apenas adivinho nestas circunstâncias. O Rui, sempre solidário, a curtir uma jam session com os seus protégés. E no fim a invasão pacífica do palco, naquela multidão um andar que afiançam jovem e elástico, mas - tirando isso...:( - igual ao meu, ali estava o Guilherme em dueto com o irmão, fazendo uma perninha na percussão. Foi uma delícia vê-los assim:). Quarenta anos depois da primeira aula teórica, ainda não me convenci que passei dois terços da vida em palco, maravilho-me com quem dá prazer ao público e com ele o partilha. E voltei para casa agradecido por outra razão - à entrada caíra nos braços do Carlos Prata, cúmplice de meio-século, e ao ensonado pedido de desculpas o Rui respondeu "fica para a próxima, pá". Não sou apenas o Pai babado de dois tipos encantadores e talentosos; tenho amigos que os podem guiar nas suas áreas profissionais, gostar deles por eles!, mas também por serem filhos de um compincha. Cuidá-los, se, antes do que gostaria, encontrar nalguma esquina a old laughing lady do velho Neil Young. A quem - noblesse oblige... - brindaria com um sorriso amarelo, antes de perguntar - "miúda, quem és tu?":).

domingo, dezembro 12, 2010

Acho injusto, com esta crise o que não faltam é portugueses tesos:(.

Sócrates visto como um "líder teso"
por Dn.ptHoje
A Embaixada dos EUA em Lisboa descreve Sócrates como um político carismático, que é "pragmaticamente eficaz" e um "líder teso", que resiste a tomar medidas que possam parecer uma cedência à pressão da opinião pública.
Os diplomatas americanos, segundo o telegrama com data de Setembro de 2007 e que foi divulgado pelo 'El País', agradecem ao Primeiro-Ministro português ter "permitido aos EUA usar a base das Lajes nos Açores para repatriar detidos de Guantánamo", "uma decisão difícil que nunca foi tornada pública".

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Estamos salvos, uf:).

Senhor,

Poupaste-me às pragas por não considerar a luta ao défice equitativamente distribuída e debicar as revelações da WikiLeaks sobre a transparente Democracia global. Mil obrigados, receava sobretudo moscas e piolhos:(, nhac... Mas Tu foste mais longe, à ausência de punição juntaste uma benesse caída dos Céus, verdadeira dica para o futuro. Entendi-Te - o fim da crise para os portugueses virá pela mão do "metal" angolano!

sexta-feira, dezembro 03, 2010

O frio lá fora (?).

Maria,

Um frio de rachar. Mantê-lo fora não é simples, ronda-me, o patife!, apaixonado pela humidade que sente na casa, pudesse eu e atirava-lha das ameias com uma asma alérgica de brinde. A ladainha da Avó Sorgue: "fechem portas e janelas...". O medo que nunca lhe confessei e me punha holofotes no cérebro, a insónia também envelheceu, agora adormeço bem e acordo de madrugada:(. Deixemos isso para mais logo, shall we, darling? Verifico as persianas em busca de abraço menos entusiasta de algum par de ripas, tudo acima, mergulho abaixo, ou as uno ou encravo a geringonça, será isto viver perigosamente para um pequeno-burguês tripeiro?

A tua voz no corredor - "abre-a". O maroto a esfregar as mãos de antecipada alegria, eu a soprar na janela e a escrever, "a persiana, mafarrico". Tudo acima devagar, não por cuidado, por gozo de Tântalo. A porta do quarto abrindo alas. E esse corpo que jamais deixavas cair na esparrela da nudez apressada, eu agradecia, despir-te era um ritual improvável entre o cambaleio dos meus dedos e a firmeza que os esperava por baixo de saia e blusa. A luz da noite e das girafas metálicas do jardim ignorando-me, e com razão!, o mundo a convergir para o centro do mundo - tu. Por incrível que pareça, quando chegava eu, sacudiras o pó das estrelas e a lama da Terra, nada mais existia, "vem".

Maria, porque está mudo o corredor e enregelado o meu sentir?

segunda-feira, novembro 29, 2010

Já escrevi metáforas piores:).

A distância é piedosamente enganadora - faz-nos crer que amamos as pessoas e não apenas o amor que tecemos à volta delas. Como a pérola, abraçada ao corpo estranho que a encanta e ameaça. Beleza prisioneira de concha própria...

domingo, novembro 28, 2010

Ao espelho.

Maria,

O meu Velho, dizia, quando ainda navegava a todo o pano, que a velhice era um naufrágio. Sempre encarei a frase num registo individual - os anos desgastariam "este barco" a nível mental e físico. Puro engano, o afundar dos outros deixa-me o travo amargo da impotência em boca e espírito - sou um patriarca malgré moi e ineficaz:(.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Anselmo Braamcamp.

Maria,

O João vive agora a duzentos metros da casa em que nasci. Passei por ela ao deixá-lo. Talvez seja bom haver um Machado Vaz nas redondezas que a pode olhar sem os fantasmas acoitados dentro de mim. E cirandar à sua volta, fazê-la sentir-se admirada; rejuvenescida; importante. "O resto é silêncio...".

quarta-feira, novembro 24, 2010

Espírito natalício.

Como já devem ter notado, o Benfica dá prendas a todos os necessitados. Qualquer equipa que esteja em crise, desmoralizada, de rastos, desabrocha contra nós. Por isso, pensamento positivo!:): se jogássemos contra palestinianos tínhamos levado seis...

P.S. Agora a sério: o grave é escutar as declarações de Jesus, que não tenciono crucificar - o homem não percebeu nada do que se passou:(. E quando bons amigos meus dizem que merecíamos ter goleado, sinto um arrepio na espinha, porque com racionalizações destas vem aí outro largo período de jejum...

terça-feira, novembro 23, 2010

O presente.

Maria,

Obrigado pelo disco. Já a "ordem", mesmo risonha, ofende saudade e inteligência - claro que vou dançar com a tua sombra!, porque raio me presentearias com slows?:).

domingo, novembro 21, 2010

Chamavam-lhe Caroline.

Maria,

Um filmezito de Domingo à noite sobre as rádios piratas dos anos sessenta. Um puto a sair de Charing Cross, a voz de Macca, Frère Jacques em pano de fundo, Paperback Writer:)))))). O rock, meu doce, já namorado em Portugal, irrompia na minha vida para não mais a deixar. E agora, sexagenário, estou grato por quase cinquenta anos de companhia fiel, os discos sorriem-me da estante. E mandam-te um beijo saudoso de boa noite.

quarta-feira, novembro 17, 2010

E eu ia lá estragar o dia a pessoa tão gentil?

Tratado com muito carinho em Lisboa. Mas ninguém me aqueceu a alma como o responsável da cantina da Faculdade de Letras. Que não só ouvia o programa!, também se declarou - a súplica minha... - em absoluto ofendido se eu não provasse o arroz doce:).

quinta-feira, novembro 11, 2010

Continuando...

Estou de acordo, há por aí muita "coragem" que não passa de inconsciência. Ou fuga para a frente!, alguns heróis de guerra assim o fizeram e ai de quem se lhes atravessou no caminho... O medo é um mecanismo adaptativo eficaz. Idealmente deveríamos determinar se é justificado ou não e agir em conformidade, mas essa avaliação depende das narrativas de vida individuais e possíveis factores biológicos. É preciso suportá-lo e à girândola de sintomas neuro-vegetativos que por vezes o acompanham. Mais do que vencê-lo, aprender a viver com ele, sem deixar que nos paralise.
Mas falar e escrever é fácil:).

Perplexidade.

Maria,

O medo não passa de uma dolorosa celebração da vida. Porque raio não ajuda e basta sabê-lo?

domingo, novembro 07, 2010

Andebol: Benfica 31 - Porto 30! Futebol???? Que desporto é esse?:).

Agora a sério - um abraço de parabéns aos murcónicos portistas, pela vitória de hoje e pelo campeonato que merecidamente vão ganhar. Aos benfiquistas sugiro que não fiquem hipnotizados pela humilhação desta noite ou se refugiem nas inovações tácticas de Jesus, a fazerem lembrar - pelo menos em termos de resultado:) - as que Jesualdo Ferreira guardava na manga para as visitas a Inglaterra. A dimensão do resultado não pode fazer esquecer que uma derrota no Dragão nunca espanta. Grave é chegar lá à décima jornada com sete pontos de atraso, tendo ganho ao Sporting e ao Braga; grave é em termos de intensidade de jogo esta equipa se assemelhar a uma versão geriátrica da do ano passado; grave é ter a sensação que o treinador desceu à Terra - se o Outro decidisse fazer o mesmo, receio que ficasse desiludido e não me refiro ao futebol... - no seguimento de entrevistas em que anunciou a intenção de ser campeão da Europa, declarou que na Supertaça se veria qual era a melhor equipa e que vitórias na Alemanha e em França seriam resultados normais; grave, por fim, é não perceber se a política de aquisições visa reforçar a equipa agora!, de modo a readquirir o hábito de ganhar com regularidade, ou investir em miúdos prometedores que se valorizem a médio prazo. Porque Gaitán, Jara, Salvio, Kardec e o "britânico" Rodrigo têm tanto direito a amadurecer como Di Maria teve, caramba! Entretanto um dos melhores defesas-esquerdos da Europa não joga no seu lugar e um dos melhores defesas centrais também não, Ruben Amorim faz perninhas como defesa-direito e no meio-campo ninguém chegou para fazer lembrar - muito menos esquecer... - Ramires.
Os erros pagam-se, pior é quando não aprendemos com eles. Resta ao Benfica perceber a importância de ganhar o campeonato pela segunda posição e assim aceder às eliminatórias da Liga dos Campeões. E ir ganhando os jogos que puder nas outras competições. E a nós - nem todos:( - saborear a tristeza, deitá-la para trás das costas e acordar amanhã conscientes do enorme privilégio que é ter um emprego e pessoas que nos amam.

terça-feira, novembro 02, 2010

Úm país lamentavelmente original...

Quem ouça e veja PS e PSD engalfinhados no andar -3 da Política é obrigado a perguntar se o calendário eleitoral não foi alterado. Porque na contagem decrescente para o início as Presidenciais, damos connosco soterrados pelas Legislativas que os oráculos afirmam primaveris. Ou seja: mais uma vez a Cidade e os seus problemas, quando muito...!, servem de pano de fundo a uma rasteira luta pelo Poder.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Os que vivem cá dentro.

Mãe,

A saudade inunda os cemitérios. Também eu visitei um, impotente para evitar as lágrimas sofridas de amiga de mais de quarenta anos, a Mãe dela recebia-me como um filho, "e o Júlio o que quer lanchar?". Mais uma sombra luminosa que vem habitar este mundo interior que amiúde me distrai do outro, tantas vezes desprovido de qualquer interesse, "morto" ambulante e acéfalo:(. Toda esta gente, honrando os que fundaram e teceram as suas tribos, me merece um carinho respeitoso. Mas tínhamos razão, sabes? - é um extraordinário privilégio honrar-te por simplesmente aflorar o prado de Cantelães. Hoje, como todos os dias...

quinta-feira, outubro 28, 2010

Londres.

Maria,

Pousar em Heathrow e correr para tua casa num desses magníficos táxis britânicos. A bonomia - paga... - do condutor perante capricho habitual, "vamos por Abbey Road". A célebre passadeira, a tua peregrinação divertida e o feitiozinho autoritário, "atravessa e eu fotografo, pôes o poster no teu quarto". Lá me esperava ao deitar, via os marotos enquanto me imaginava a sacudir o teu ferrolho, esse rosto menineiro encantado, a private joke, "um momento, vou atirar o outro pela janela". O sofá. Tu instalada no meu colo, "conta". Muitas palavras e outros tantos silêncios cúmplices depois a tua cama de solteira, "se me visitares mais vezes compro uma de casal". Para quê, doce?, metade amanheceria virgem...
Era assim. E agora, essa delicada confiança no meu instinto, "mudei de apartamento". Evidentemente, nunca sujeitarias um novo amor ao peso da minha sombra. Acredita, ele agradece. E eu compreendo. Let it be...

terça-feira, outubro 26, 2010

Circular.

O O Amor é... já está disponível na net. Basta entrar no site da RTP, avançar para os multimédia e desaguar na RTPN, lista dos programas. E antes do fim das conversações PS/PSD:).

segunda-feira, outubro 25, 2010

Boa noite.

Fim-de-semana em Baião, a convite da Sociedade Portuguesa de Psicodrama. Pretexto? A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz. A satisfação de trabalhar com velhos amigos, mas sobretudo o enlevo por receber o abraço de antigos alunos e colaboradores ou de simples companheiros de viagem nas minhas tropelias radiofónicas. Há mais de vinte anos que sou um privilegiado, conto pelos (meus) dedos os casos de agressividade ou ingratidão.

Testamento vital na RTP1. As consequências devastadoras de uma Sociedade em geral ter "roubado" a morte à vida - de que é parte integrante... - e de a Medicina a sentir como uma derrota humilhante e ignorar que a prática clínica começa e termina - OBRIGATORIAMENTE! - numa relação médico-doente baseada no escrupuloso respeito por dois Sujeitos.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Estou a precisar de gotinhas:(.

Ontem, ao ouvir Jesus sobre a exibição do Benfica, lembrei-me dos discursos do Engenheiro Sócrates acerca do país. E pensei: eles vêem mundos que eu não vejo, mas são dois! Logo..., vai ao psiquiatra, Júlio.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Não deviam ser necessárias petições...

Exma/os Senhora/es: Ministra da Educação, Dra. Isabel Alçada Ministro de Estado e das Finanças, Dr. Teixeira dos Santos Presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, Dr. António José Seguro

Actualmente existe um consenso generalizado na União Europeia quanto ao impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar, nomeadamente nas seguintes áreas de acção/intervenção: - saúde mental global da comunidade educativa; - efectiva educação para a saúde; - melhoria das aprendizagens; - prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; - gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; - promoção de competências transversais; - processo de tomada de decisão vocacional; - integração de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; - integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; - promoção da igualdade de género; - aproximação dos encarregados de educação à escola; - melhoria da saúde mental dos professores; - formação do pessoal docente e não docente. Estes ganhos traduzem-se em menor abandono e absentismo escolares, menor número de retenções, aumento qualitativo de resultados, menos processos disciplinares, menor absentismo docente, maior comunicação com os serviços de saúde e de apoio social, maior sinergia de recursos (logo, menores gastos), menor indecisão vocacional (logo, menores transferências/ abandono nos cursos de secundário/ profissionais), mais e melhor saúde sexual e reprodutiva, menor consumo de substâncias psicotrópicas, maior participação dos diversos agentes educativos (logo, maior celeridade na resolução dos problemas), melhor preparação e adequação aos modelos de aprendizagem ao longo da vida e, logo, maior produtividade. Em Portugal, os psicólogos a trabalhar no contexto escolar têm, nos últimos anos, constituído vínculo profissional precário e sem possibilidade de carreira. Além disso, a existência de Serviços de Psicologia efectivos nas escolas é ainda (e cada vez mais) uma realidade distante no nosso país, inviabilizando ou constrangendo desde logo a consecução dos ganhos referidos. Deste modo, vimos requerer a Vossas Excelências que, no âmbito das vossas funções, promovam a contratação efectiva e digna de psicólogos para trabalhar no contexto escolar, de modo a que todos os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas do país possam brevemente ter em funcionamento os seus Serviços de Psicologia.

O casaco.

O Pierre tinha um casaco dos marines. E eu, pacifista por convicção e receio, adorava-o. Entretanto o Pierre comia e deixou de caber nele. Herdei-o. O cancro do pulmão roubou-me o amigo e foi a minha vez de engordar. O João herdou o casaco e vi-o partir com ambivalência - satisfeito por o ver no rapaz, triste por deixar de lhe sentir o calor, que me lembrava o da amizade. Em Londres vi um - demasiado grande, eu emagrecera... Quase fiquei com ele, só para o ter no armário, odiei-me por ouvir a razão. Em Amesterdão entrei loja dentro, decidido a comprar até um XL! O Senhor e o Acaso perceberam e entregaram-me um do tamanho certo. O frio chegou. Vesti o casaco. Lá em cima o Pierre sorriu, meneando a cabeça, e murmurou - "aquele eterno pateta...".
... Recorda-o todos os dias.


P.S. Asseguram-me que em breve o O Amor é... da RTPN estará disponível em podcast (?).

sábado, outubro 16, 2010

Definitivamente sexagenário:).

Gente,

Grato pela lembrança de alguns, mas não lamentem a ausência de "festa" no blog. Admito que encaro hoje os aniversários com um franzir de sobrolho, pela contagem decrescente que traduzem, mas nunca os vivi como dias "privilegiados". Por isso vos agradeço o espreitar quotidiano, os diálogos que mantêm, a crítica e o apoio episódicos. Há muito que o Murcon deixou de ser novidade ou moda, mas sobrevive. Como o amor tranquilo que sucede à paixão turbulenta...

terça-feira, outubro 12, 2010

A boa gente que me adoptou.

Em verdade vos digo, a luta dos vieirenses pelo SAP é justa. Não sou dos que vivem mais longe!..., e se me dá um treco em Cantelães chego à Urgência de Braga pronto para vestir um sobretudo de madeira:(.

sábado, outubro 09, 2010

Aniversário.

O velho Lennon faria 70 anos. Imagine o que teria composto:).

terça-feira, outubro 05, 2010

5 de Outubro.

Aniversário de minha Mãe. Quando era puto, meu Pai declarava, solene: "Veja, feriado nacional em honra da Senhora sua Mãe". E o amor feroz e ingénuo que em criança por Ela tinha, fazia da marota brincadeira a verdade mais granítica que o não menos granítico Porto já presenciara. O afecto não diminuiu, apenas os adjectivos que o escoltam - a vida apontou os holofotes sobre "culpado" e "saudoso". E a velhice, que me namora antes do que desejaria, justiça lhe seja feita...: poupa - afaga mesmo! -, a teimosia infantil que cá dentro sobrevive, para implantar a República, os revoltosos escolheram, como prova de carinho e admiração, o Dia de minha Mãe:).

quarta-feira, setembro 29, 2010

O princípio da realidade.

Hoje, Sócrates e Jesus visitaram o planeta Terra. Presumo que antes da meia-noite Woody Allen emita um comunicado em que reconheça ter filmado com Carla Bruni por luxúria e não por ela saber representar:).

sexta-feira, setembro 24, 2010

Ensanduichado.

De um lado a gravitas de Cavaco; do outro a ladainha vitimizada de Sócrates. Passos Coelho vai estrebuchar, mas - passo a passo!:) - acabará por se refugiar na sua lura. A bem do país...

Lua cheia em Cantelães. Fim do Verão, para onde fugiram as gargalhadas juvenis? Quantas me serão ainda concedidas?

quarta-feira, setembro 22, 2010

Circular informativa.

A RTPN informou-me ontem que a versão televisiva de O Amor é... arrancará a 4 de Outubro. Quase literalmente a bem da República:).

domingo, setembro 19, 2010

À moda antiga, carago:).

Maria,

Os rapazes reviveram o passado. Não em Brideshead, na Luz, e eu vou dormir melhor:). Tomei uma das decisões importantes que estavam na sala de espera. É tão estranho fazê-lo sem a asa da tua opinião...

terça-feira, setembro 14, 2010

Boa noite, maralhal.

O Guilherme veio arriscar comigo nova barraca do Benfica. E de repente o temido desgosto adicional empalideceu. Ele pediu o inevitável sushi, eu o surpreendente (?:)) bife grelhado, abrimos uma garrafa de vinho, só faltava o João para me sentir de regresso à adolescência deles, que tiveram a suprema gentileza de a viver à distância de uma carícia paterna. Depois foi vê-lo escolher livros e discos, "posso?". Pergunta retórica, sempre amei através das coisas, na esperança que ao encantarem os outros lhes segredassem as palavras que o freio de razão e timidez mantinham, gulosas, no meu coração. Prestei pouca atenção ao jogo, a estritamente necessária para simpatizar com o árbitro e piscar o olho ao miúdo aterrorizado que nos defende a baliza. De resto, gozei-lhe a companhia. Brindámos à vitória fora de horas do seu irmão adoptivo, Rafael Nadal. Os meus filhos sempre encararam com bonomia tais dislates afectivos do pai. Primeiro foi Pete Sampras, que vi chorar em pleno court, rapazito surpreendido pelo cancro que em breve lhe mataria treinador e amigo. Adoptei-o para a vida, como entendia o receio da perda de uma figura parental:(. Com esta mania de se jogar ténis ao abrigo de outros fusos horários, lembro-me de fazer noitadas para lhe seguir os jogos, eu gritava "sim!" e os rapazes dizam aos amigos "o Sampras ganhou". Seria incapaz de o esquecer ou substituir, mas Nadal foi o herdeiro, o preguiçoso inseguro dentro de mim rende-se, fascinado, à genica escondida por trás daquele sorriso tímido e humilde, o rapaz resistiu ao apelo dos holofotes e permanece fiel às raízes. Eu e o Guilherme recordámos jogadas, o fair play de Djokovic, fizemos planos para o "nosso" futuro. Entretanto o Benfica ganhou - não poderemos jogar o campeonato israelita? - e de um dos livros que me pediu emprestados caiu uma carta destinada a minha santa Mãe, que passava férias... em Maiorca, muito antes de Nadal nascer:))))). Li-me sem surpresa. Ia entrar na Universidade, confessava à matriarca o pânico de a envergonhar e a meu Pai. Passei a vida com medo, no meio da ponte - de um lado os Velhos, do outro os rapazes, a quem não desiludi? O Guilherme foi-se embora, depois de um abraço amigo entre dois homens, por acaso unidos pelo sangue. E eu, sozinho, fitei o corredor sombrio e sorri pelos fantasmas que nele passeiam - fraternos uns, sensuais outros, a solidão nada pode contra mim. Muito menos se dou corda à caixa de música de minha Mãe e me quedo, enternecido, perante o aprumo da bailarina que roda sobre o pano de fundo espelhado. Há gente que jamais permitirá que mergulhe em vale de lençóis a solo, regaços que não me deixam, por sempre alucinados:).

sexta-feira, setembro 10, 2010

Na paz de Cantelães.

O Benfica perdeu hoje o campeonato. Embora não surpreendido, devo aos murcónicos um pedido de desculpas - previ que tal pudesse acontecer à décima jornada, errei por mais de cinquenta por cento! Significa isto que branqueio a arbitragem de Olegário Benquerença y sus muchachos? De modo algum!, bastará dizer que excederam as minhas (piores) expectativas:(. Mas o facto de Jorge Jesus ter repetido que somos os melhores - como antes da final da supertaça... - e as justas queixas de Rui Costa e Luís Filipe Vieira não anulam a triste realidade: o Benfica é uma sombra do que foi o ano passado. Por circunstâncias que nos escaparam, mas também por desleixo na manutenção do nível da equipa e arrogância, tenho a desagradável impressão de que apenas chegaram investimentos para o futuro - Domingo aterra mais um... - e não reforços para o presente:(. Como se explica que Balboa tenha tido uma oportunidade e Urreta não? Ninguém previu a saída de Ramires? A um outro nível - alguém alertou LFV para o assalto ao poder na Liga ou pura e simplesmente ele ignorou os avisos? E, por favor!, não venham com a ladainha dos tiros no pé por fazer perguntas e exprimir perplexidades, hoje espera-me a insónia do costume, os meus meninos perderam. Por culpa própria e de um senhor que brilha nas competições europeias desde que uma das equipas não seja comandada por José Mourinho, mas não só - esta época foi mal planificada e tal não podia acontecer. Porque LFV tem razão - as grandes equipas não se limitam a ganhar um campeonato de vez em quando:(.

quarta-feira, setembro 08, 2010

A sombra.

A sombra que te não seguiu, faz figura de parente pobre. Com razão!, mergulho nela e não tropeço em olhar enevoado, mãos peregrinas, coxas firmes e suplicantes. Mas ficou, adormece e acorda feliz a meu lado, não me pergunta pela sua Peter Pan.
E isso conta, minha querida, isso conta...

segunda-feira, setembro 06, 2010

Para o meu Velho.

Feliz aniversário, querido.

quarta-feira, setembro 01, 2010

O Outono chegou mais cedo.

A primeira semana de Setembro é casa de aniversários. A sombra de minha Mãe partiu, o homem dela nasceu. Por coincidência, nestes dois dias em Lisboa, cada vez que fiz zapping tropecei em gente a perorar sobre o pensamento positivo, incluindo num episódio de Anatomia de Grey! A tristeza tornou-se obscena:(. E para equilibrar a minha, construo uma intuição optimista, politicamente correcta, "socrática" - a sombra de minha Mãe decidiu abrilhantar o aniversário de meu Pai, de quem herdei a absoluta indiferença por tal data, festejo-a pela ternura que a tribo me desperta. Faço as contas e chego a conclusão científica - a viagem até ao paraíso dos amantes demora cinco dias. Chegará para evitar o exílio, numa sociedade que abomina a angústia e a degola à força de pastilhas?

domingo, agosto 29, 2010

A caminho.

Na véspera da estrada o nervoso miudinho faz as malas comigo. A preguiça também... São velhos conhecidos. Como o imponente porteiro do hotel, "prazer em tê-lo connosco outra vez". Do serviço de quartos virá pergunta risonha, "o costume?". Sou um tipo previsível , rotineiro e meticuloso, que dispensaria a ansiedade se pudesse trabalhar sem ela. Não posso, a adrenalina põe-me em guarda e capaz de enfrentar o mais impiedoso dos críticos - o que já saliva dentro de mim. Nunca lhe arranquei uma salva de palmas, já a não espero. Basta-me um quase imperceptível aceno aprovador...

segunda-feira, agosto 23, 2010

The remains of the day ( eu sei, título roubado...).

Tu vais-te embora. E da soberba chuva desse cabelo restam apenas gotas do meu suor. Fatigadas; e contudo escrevendo a mesma pergunta em cada centímetro deste corpo agradecido - quando choverá outra vez?

Há vida para além do campeonato:).

Não contem comigo para desancar o puto de 24 anos e olhar aterrorizado que sofre horrores na baliza do Benfica, ao longo dos anos vi aquela expressão, ele já passeia pelo Inferno sem a minha ajuda:(. Por isso lhe desejo que tenha entrado em casa, feito zapping e tropeçado em O Amor Acontece pela enésima vez. Espero que aprenda mais novo do que eu a não sentir vergonha por curtir um happy end enroscado no sofá. Irra!, valham-nos os filmes:).

sexta-feira, agosto 20, 2010

Sextas.

À Sexta, quando chego a Cantelães, vou jantar à Mindinha. Mas se estiver por aqui de férias, à Sexta... vou à Mindinha:). Muito antes de ensinar Antropologia Médica já me apercebera da importância dos rituais - dão-nos uma sensação inigualável de segurança, pertença, calor humano. É, no meu caso, difícil estabelecer a diferença entre o ritual securizante e a rotina do murcon incorrigível? Concedo sem discussão. Mas não arrisco um milímetro para simular uma flexibilidade que não possuo - invariavelmente regresso a locais e pessoas que me fizeram sentir aconchegado. Por egoísmo enternecido:).

terça-feira, agosto 17, 2010

Bloqueio.

Amarfanhou a página e e ofereceu-a à lareira. As palavras interrogaram-no - doridas; silenciosas; por escrever. Murmurou - "não consigo, prefiro o silêncio a ofender-vos". E elas partiram, em busca de quem conseguisse fazê-las dançar. Ficaram as lágrimas, por definição clandestinas em discurso macho, logo, sem nada a perder. E que não precisam da escrita, apenas da solidão, para verem a luz do dia...

domingo, agosto 15, 2010

Na segunda parte massacrámos, trá-lá-lá..., pardais ao ninho:).

É pá, assim vai ser fácil comentar os jogos do meu Benfica, antes de mais uma insónia pintada de asneiras vermelhas. Jesus disse que não haveria desculpas, o que me facilita a tarefa, limito-me a fazer copy/paste do que opinei sobre o jogo contra o FCP - a exibição foi uma vergonha:(. E escreveria o mesmo em caso de empate ou vitória milagrosa de carambola ao minuto 94, os três pontos não apagariam o que (não) vi, por exemplo, em Peixoto, Sidnei, Cardozo ou Aimar. A jogar assim, o Benfica pode estar afastado da luta pelo título à décima jornada... Engolir o que acabo de escrever? Meninos, se for caso disso, fá-lo-ei deliciado:))))))))).

quinta-feira, agosto 12, 2010

50 anos.

Pois, os Beatles..., esses amigos íntimos que não me conheciam:). No Cabedelo, durante a actuação dos Azeitonas, o João e o Miguel solavam deliciados e o Guilherme - não menos deliciado... - berrava-me ao ouvido - "AC/DC". Também eu ondeava, mas à espera da cereja em cima do bolo. Os breves acordes e a minha vez de inundar a orelha do mais velho - "Beatles, Ticket to Ride". Ele sorriu, compreensivo mas alheio ao ritual, a religião que partilhamos é o Benfica. O caçula, saiba-o ou não - e eu acho que sabe... -, quando lhes toca a música, não se limita a curti-la, com um dos sorrisos enlevados que apenas surgem às cavalitas da guitarra. Também redime o adolescente sem talento que assassinou All my Loving, em dueto com paciente amiga sueca, num palco de Folkestone; o quarentão que se deixou cair no sofá para chorar Lennon; e tantos outros Júlios que viveram ao ritmo deles. Por isso, o alinhamento do reportório dos Azeitonas continuou, imperturbável, mas, clandestino na multidão, um sexagenário cantarolava, não menos imperturbável - "she said that living with me, was bringing her down, yeah...".
Hum, será que o meu péssimo feitio influenciou uma letra dos Beatles?:).

terça-feira, agosto 10, 2010

A caixinha mágica.

Maria,

Comecei as gravações para a televisão. Lembras-te da frase que o meu Pai gostava de citar? - "um bom improviso leva muito tempo a preparar". Já não bastam os holofotes, a maquilhagem, as mãos "amarradas" para não entrarem em planos que não são meus, ainda surgem os barulhos inesperados, as falhas do material, o tempo espremido para uns incríveis quatro minutos que parecem implorar simples chavetas:(. Este O Amor é... nunca será o O Amor é... da rádio, falta-lhe o jejum visual que acarreta a celebração da palavra. Resta o óptimo ambiente da equipa e a boa onda que eu e a Inês continuamos a surfar:). Mas falta a tua opinião, lembras-te do Sexualidades? Os meus velhotes ignoravam, risonhos, qualquer réstia de isenção, mas tu vias, ouvias e criticavas. (Construtivamente, como agora se diz...). A verdade é que acertavas sempre, "Júlio, aceito que estivesses cansado e ansioso pela estrada durante a gravação, mas o programa de ontem foi um bocado preguiçoso...". O teu sorriso - "não que me desagrade imaginar-te ansioso pela estrada!". E eu mentia, dizendo que já estava a caminho do hotel e pendurava-me na tua campainha a horas de sair em busca de pão quente, mas na esperança de matar larica e frio no calor dos teus braços.

sábado, agosto 07, 2010

Perder é sempre uma hipótese...

... mas de pois desta exibição aos níveis anímico, técnico, táctico e disciplinar... é uma vergonha!

sexta-feira, agosto 06, 2010

O Credo e o sorriso na boca.

Cantelães dormita, aconchegada no vale. Mas para lá dos montes o fumo espreita, parece divertir-se a mudar de localização e rumo, vejo as crianças na piscina com um sorriso enternecido e cercado... Ontem os castelos de nuvens negras eram impressionantes e teimosos, o vento não pressagiava nada de bom. Telefonema para a D.Irene,´"é perto?". E a surpresa quase ofendida, "se fosse perto já estava aí". É verdade, ela e o marido combateram o fogo a poucos metros da casa há um par de anos, enquanto esperavam os bombeiros. De arbustos em punho chicotearam a besta, mas não esconderam a crueza dos factos - "se o vento soprasse ao contrário...".
Cantelães é um Paraíso ameaçado pelas chamas. E não são as do Inferno...

segunda-feira, agosto 02, 2010

Reconfortante.

Um bom artigo no Público do Juiz Desembargador Narciso Machado sobre o Vaticano e o sacerdócio da mulher. Gostei sobretudo do entrelaçar de uma cultura de igualdade actual e da vertente histórica, que, apoiada nos textos sagrados, indubitavelmente prova o importante papel das mulheres nas primeiras comunidades cristãs. E para além da morte e ressurreição de Jesus, a Sua vida, claro! Com elas privou e falou, escutando-lhes e até aceitando os argumentos, como no episódio da mulher cananeia. Naquele banho cultural era em absoluto revolucionário... Por isso me entristece que tantas passagens da Bíblia sejam hoje apresentadas em função do contexto histórico e no que às mulheres diz respeito ele desapareça e a eterna ladainha dos apóstolos homens assuma o estatuto de Verdade imune a tempo e espaço. Trata-se de uma mistificação urdida por homens que citam S. Paulo, mas reservam o "não há homem nem mulher..." para consumo externo. Santa Teresa de Ávila tinha razão quando sotto voce exprimia ao Senhor o seu desencanto face à gritante desigualdade entre os sexos:(.

sexta-feira, julho 30, 2010

Sem as orelhas a arder!

Maria,

As vantagens de te escrever não escrevendo, o ralhete com que me brindarias...:). Porquê? Ora, o tema "proibido" - a morte. Que abominavas, por deslizar com facilidade para uma em particular; a minha. E tu recusando, teimosa, a evidência, eras uma viúva a prazo, com ou sem papéis assinados, "não gosto que fales disso". Este fim-de-semana outros falam e eu penso. O fim do António Feio na comunicação social. Gostava dele e respeitei a dignidade e o humor com que viveu o último ano e meio. Pai e Avô de amigos do peito aqui no Porto, os olhos marejados de lágrimas, nunca sei o que dizer, espero que tenham "ouvido" bem alto os meus abraços:(. Finalmente em marcha o processo de cremação do Velho, a angústia de o saber longe da sua Menina, como lhe chamava, vem-me roendo:(. Sabes?, à noite, em Cantelães, quando me ofereço uns minutos de recolhimento no corredor, uma sensação estranha aparece, de assustadora de início passou a reconfortante - (já) estou em casa. Um dia destes não fitarei o relvado, na esperança de ver surgir a minha raposita esfaimada, serei parte dele.
E a tribo crescerá, literalmente apoiada em mim:).

segunda-feira, julho 26, 2010

Dia dos Avós.

Maria,

Por mero acaso descobri que é o Dia dos Avós. E apercebi-me do verdadeiro efeito de "rolo compressor" que a morte de minha Mãe teve - ao desbloquear as suas memórias, enviou tantas outras que amo para os bastidores! A Avó Sorgue... E tu mentias:) - "não, nunca me contaste essa história". As tropelias daquela força da Natureza, com um neto sorumbático à arreata, a minha grande aventura resumia-se a não denunciar as dela e invejá-las:(. Não os factos!, o modo como os vivia: inteira; sem hesitação, arrependimento ou retorno. À distância, é evidente que o amor dela por mim tinha de ser claustrofóbico e opressivo, afinal eu substituía um marido morto aos vinte e poucos anos. E no entanto, sempre que chamo ao presente as pessoas de cuja afeição nunca duvidei, ela está na primeira fila. (Tu dirias: "primeira, única e anémica!". E depois: "contam-se pelos dedos das mãos".) Eu sei, querida, mas pensa comigo: nós psis, raciocinamos muito em termos de falha e compensação, de onde brota a dúvida metódica e por vezes assassina? Quem desiludiu, falhou, traiu? A outra face da moeda também exige consideração, quem estabeleceu padrões, termos de comparação inconscientes? Se eu tiver razão, e como dizem os anglo-saxónicos, a minha Avó Sorgue was a (first) tough act to follow!
E eu tornei-me um juiz muito exigente em causa própria...

quarta-feira, julho 21, 2010

Nota de rodapé.

Quando a nudez da impotência se torna demasiado angustiante, as vestes finas da racionalização transformam-na em realismo. E sobrevivemos. O que é manifestamente pouco...

quinta-feira, julho 15, 2010

A formatura.

O João formou-se hoje, passei a ter um filho arquitecto e outro engenheiro/psicólogo:). Ambos talentosos, se me perdoam a mais do que suspeita opinião. De regresso a casa recordei brincadeira favorita do meu Velho - depois do início do Sexualidades, quando saíamos os três e acontecia sermos apresentados a alguém, ele declarava, embevecido: "sou o marido e pai das vedetas". Um sedutor letal... Fosse ele vivo e depois do jantar o telefone soaria. "Sim?" (chegávamos a dizê-lo em coro...). Eu calar-me-ia. E o meu Velho explicaria como "os nossos rapazes" eram encantadores e brilhantes, a exemplo do Avô Presidente. Sem qualquer receio profetizaria o mesmo para os "petizes", depois dele nunca mais ouvi a palavra:(. E por fim, ele, que recuava, tímido, perante um abraço mais apertado, despedir-se-ia com enorme doçura na voz - "vá descansar, meu filho, achei-o fatigado. Um beijo da Senhora sua Mãe". Quando os lembro e vejo os rapazes, percebo a ternura que sempre nutri pelos Jáfumega - fui e sou uma ponte para a outra margem. Em momentos de tristeza e dúvida, receio que a ponte seja uma miragem...
Boa noite, gente.

terça-feira, julho 13, 2010

As pessoas "adquiridas".

Maria,

Hoje apetecia-me tão pouco andar a pé que levei andarilho, leia-se música. E no momento de escolher lembrei-me da clínica e do que tu dizias, sabes? "Tomamos as pessoas por dados adquiridos...". Há quanto tempo não ouvia o álbum branco dos Beatles? Foi como suspirar de alívio por confirmar uma paixão:). A batida de Back in the USSR, que poderia ter tido os Beach Boys a fazer os coros; Rocky Raccoon e os westerns da minha juventude; Julia e a neurose de abandono de Lennon que desaguaria em Mother; Blackbird e a consciência social que na altura eu não adivinhava em Macca; Piggies e a ironia corrosiva de Harrison; Happiness is a warm gun e o seu flirt com a heroína, consciente ou inconsciente; e While my Guitar Gently Weeps, a tua preferida. O choro de que só Clapton tinha o segredo:). Lembro-me de chegar a Londres aos dezasseis anos e ver escrito no metropolitano "Clapton is God". Apesar da estúpida morte do filho, não creio que o Senhor se tenha ofendido e ajustado contas. Porque uma guitarra tão plangente é "religiosa", tinhas razão. E contudo, agora, sabendo-te longe por decisão e quilómetros, é "I will" que oiço ao longo do rio, enquanto me interrogo - qual de nós dá o outro como adquirido e arrisca não lhe viver o colo se decidir ressuscitar o que tivemos?
Dorme bem.

domingo, julho 11, 2010

E viva España!

Um dos Machado Vaz festeja em Madrid. (Seria melhor em Barcelona, mas é mais longe...). E este sorri, encantado. A Espanha em geral e a Galiza em particular são simplesmente "a outra margem do rio" para mim. Agora que penso nisso, não cruzo a ponte há demasiado tempo, a estrada chama. E a paella também:).

quinta-feira, julho 08, 2010

Como é habitual, uma mulher, neste caso Avó, segura as pontas...

Alegadamente, Cristiano Ronaldo terá confidenciado a um amigo que o dia em que pagou uma gravidez e a guarda exclusiva da respectiva criança foi o mais caro da sua vida. Foi e será, tanto quanto sei a maturidade ainda não se compra...

terça-feira, julho 06, 2010

Boa noite.

Maria,

O estrépito do fogo de artifício recorta o silêncio do fogo preso que nos gela:(. Dorme bem.

terça-feira, junho 29, 2010

Dúvida.

Regou as plantas como a Mãe fazia. E, de súbito, a dúvida. Se o Pai fosse vivo... Assim, hesitou entre psiquiatra e padre. Decidiu-se por homem de Igreja, além de resposta ambicionava ombro e coração abertos, livres de preconceitos. Capela na sombra, voz acolhedora,
- Posso ajudar?
E ele,
- Se o choro lava a alma, porque não a vejo no estendal do jardim?
O padre em murmúrio cúmplice,
- A Deus agradam as almas lavadas, meu filho, mas horrorizam as que secam.
Regressou em paz à varanda solitária.

domingo, junho 27, 2010

Também fiz urgências, é uma irresponsabilidade total:(.

O conselho de administração do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, em Portimão, deu ordens para que, a partir do próximo mês, as urgências funcionem apenas com um especialista de medicina interna, cirurgia e ortopedia. A escala de médicos passa a ser composta por apenas um clínico das 8h00 às 16h00. E a decisão, comunicada num ofício enviado aos directores de serviço a que o i teve acesso, é justificada como uma "forma de dar resposta ao plano de contenção para redução de despesas em horas extraordinárias".A ordem, que não é motivada pela falta de médicos, mas pela vontade de cortar nas despesas, está a criar um verdadeiro terremoto. O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Ordem dos Médicos já manifestaram o seu "veemente protesto" junto da ministra da Saúde, Ana Jorge. E usam palavras como "irresponsabilidade", "gravidade", "desrespeito" e "violação das recomendações" de qualidade e segurança no atendimento aos doentes para descrever esta decisão.Numa altura em que o Algarve vê a sua população multiplicar-se devido às férias de Verão, a medida torna as urgência daquele hospital "tecnicamente inoperacionais". É que, em cirurgia, ortopedia e medicina geral, um médico a trabalhar sozinho nem sequer pode operar um doente urgente que lhe chegue às mãos. A urgência do Hospital de Portimão tem a categoria medico-cirurgica - um nível avançado de diferenciação, a seguir às urgências básicas. E ter apenas um médico de serviço viola os requisitos mínimos definidos para estes serviços.De acordo com a ordem assinada pelo presidente do conselho de administração da unidade de saúde, "em caso de necessidade de intervenção cirúrgica urgente" deve estar outro elemento designado para fazer equipa, que será chamado ao serviço. O médico especialista que estiver na urgência "acumula ainda com a reanimação numa parte significativa dos dias do mês, ficando a urgência sem especialista", critica o SIM. Tendo em conta que "está em risco a assistência condigna aos doentes", o SIM deu instruções aos clínicos do hospital para que se "abstenham de actos específicos sem que as equipas cumpram o determinado técnica e legalmente". E, por isso, os médicos são aconselhados a transferir todos os doentes que cheguem ao hospital a partir de 1 de Julho.Também a Ordem dos Médicos do Algarve aconselha os doentes a não irem àquele hospital devido "às deficientes e inaceitáveis condições em que passará a funcionar o serviço". "Assumidamente não estão reunidas as condições mínimas para a prestação de cuidados", conclui um comunicado assinado pelo presidente do conselho distrital, Martins dos Santos.O corte nas horas extraordinárias é uma das medidas decididas pelo governo para conter despesas na saúde. E as urgências são os serviços responsáveis pela maior fatia dos gastos com trabalho suplementar.

Fonte - Jornal i.

sexta-feira, junho 25, 2010

Os sacrifícios equitativamente distribuídos...

No final de 2009 havia 11 mil portugueses com fortunas superiores a um milhão de dólares, mais 5,5% do que em 2008
A crise em que mergulhou o País durante o ano passado não impediu que a lista de portugueses com uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares (815 mil euros) ganhasse 600 novos nomes. De acordo com o estudo World Wealth Report 2009, elaborado em conjunto pela Capgemini e Merrill Lynch, no final de 2009 havia em Portugal um total de 11 mil milionários, um número que representa um crescimento de 5,5% face aos 10 400 milionários registados no relatório de 2008.
Segundo o relatório da Capgemini e Merrill Lynch - que exclui da contabilização do património as casas e restantes bens consumíveis -, a subida do número de milionários em Portugal foi alimentada pelo aumento dos preços do imobiliário (em 0,2%) e pela forte descida das taxas de juro. Outro factor apontado no World Wealth Report para o crescimento de mais de 5% no número de milionários portugueses foi a valorização da Bolsa portuguesa, que cresceu 33,5% em relação a 2008. A valorização de muitos títulos - principalmente no terceiro trimestre do ano, quando o PSI-20 valorizou 19,2% - terá contribuído fortemente para o crescimento de fortunas no País, salienta o estudo.
Os 600 novos milionários portugueses juntam-se assim a uma lista que é encabeçada pelos empresários Américo Amorim (fortuna avaliada em 2,83 mil milhões de euros), Belmiro de Azevedo (1,09 mil milhões de euros) e Joe Berardo (618,2 milhões de euros). Juntos, estes três milionários têm uma fortuna avaliada em mais de 4,5 mil milhões de euros, equivalentes a 2,8% do PIB.
Para o crescimento das fortunas milionárias em Portugal pouco ou nada contaram os números da recessão da economia portuguesa, adianta o World Wealth Report. Recorde-se que em 2009 registou--se uma contracção de 2,7% do PIB, o recuo de 21,8% nas exportações e o decréscimo da produção industrial em 8,1%. Ao longo do ano passado, destacam ainda a Capgemini e a Merrill Lynch, há ainda a assinalar a queda do consumo interno em 10%.
Não foi só em Portugal que o número de milionários aumentou. O relatório ontem divulgado aponta para um crescimento de 17,1% em 2009, atingindo um total de 10 milhões de pessoas que possuem uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares. A Capgemini e a Merryl Lynch destacam ainda que, além do número de milionários ter aumentado, as suas fortunas também engordaram durante o ano passado. No final de 2009, a totalidade destas fortunas ascendia a 39 mil milhões de dólares (cerca de 31,8 mil milhões de euros).
Na apreciação que fizeram dos resultados deste estudo, os responsáveis pelo relatório referem que "os últimos anos têm sido relevantes para os investidores ricos". Segundo Sallie Krawcheck, do Global Wealth & Investment Management, "enquanto em 2008 a riqueza global dos milionários sofreu um declínio sem precedentes, um ano depois existem claros sinais de recuperação e em algumas áreas verifica-se mesmo o regresso aos níveis de riqueza e crescimento registados em 2007".

segunda-feira, junho 21, 2010

Das agruras do desejo.

Há no desejo uma violência ingénua que nos remete para infância e terra. Claro que o podemos negar, carpir, sublimar, conter, mas a céu aberto ou nas profundezas dos neurónios exilados a que chamamos coração, ele resiste. E de tão espontâneo e fiel a si mesmo, em vida que a cultura não cessa de impregnar, merece respeito e cuidado. Ao contrário do prazer, que agradece a tantalização, por a adivinhar falsa e degrau para girândola final, ao desejo acontece mirar quem o atrai com gula já derrotada de criança e nariz pregados à montra de confeitaria proibida. E vai-se embora triste, é demasiado primitivo para se satisfazer com o window shopping:).

segunda-feira, junho 14, 2010

Na loira Albion.

A ternura de minha nora fez o milagre - os três Machado Vaz maiores de idade reuniram-se num típico pub londrino para verem o Mundial. Azarado, levei com uma inglesa no mínimo longilínea à minha frente. Pior!, devia ter andado tanto como eu durante o dia porque passava o peso de um pé para o outro, com o inevitável movimento pendular. Dela e meu, em sentido inverso, para ver qualquer coisinha... Mas o ambiente fez-me recuar a 66, quando adolescente segui a cavalgada de Eusébio e companhia. Tenho uma paixão sem remédio por estes pubs, a cerveja que não aprecio, o rugir da espremida multidão quando a bola namora os postes, os cânticos, o "excuse me" que brota das faces mais patibulares:). Não idealizo Inglaterra; mas sempre me senti cá bem, expliquei-a com sucesso aos meus filhos, a eles de o repetirem aos netos, "não há euros e os carros andam fora de mão porque os ingleses são europeus mas não continentais". E depois do jogo saímos os três em amena cavaqueira, há vinte e cinco anos mostrei-lhes Wimbledon depois de mendigar o favor a um guarda de coração mole e o Guilherme, extasiado, murmurou: "parece uma igreja". Nunca joguei ténis, quem sabe? Mas dessa altura até agora, os três Machado Vaz praticaram sem falhas a religião da cumplicidade solidária, venha o Julgamento Final ou o Nada e será o meu cartão de visita - it was worth it:).

sexta-feira, junho 11, 2010

À espreita do raio verde.

Maria,

A Igreja a fustigar as mulheres com o rótulo de tagarelas durante séculos e nós dois a torpedearmos o estereotipo. Eu a escrever pelos cotovelos e tu ascética na resposta - "ontem adormeci a ouvir música no teu ombro...". O assumir do que foi, a promessa do que virá, para mim sobra a inveja agradecida. O ombro espera-te. O sono também. Mas depois do teu!, há crepúsculos que nos enchem de sol o coração:).

terça-feira, junho 08, 2010

Boa noite.

Maria,

O corredor fica mais longo e escuro sem o teu passo ondeado, o olhar risonho de través, num desafio sem dúvidas quanto à resposta, para onde fugia o meu cansaço? Miúdo, assobiava em desespero na casa da Rua do Bolhão, resistindo à tentação do interruptor; num exorcismo desafinado que calava os fantasmas e amiúde trazia minha Mãe, sempre atenta como por acaso, nunca precisei de luz quando lhe sentia os dedos em viagem pelo meu cabelo. Mas agora? O medo - pelo menos o infantil... - desapareceu e a tristeza não se fez rogada - ocupou-lhe o vazio. Não penses que teria vergonha de assobiar! Mas para quê? Eu digo-te - para sentir a falta dela também:(. E assim vestir o corredor (?) de luto mais pesado...

sábado, junho 05, 2010

As amarras.

O medo e a auto-piedade são criminosos refinados. Espalham o nevoeiro sobre as águas e nós ficamos na segurança do porto. Claro que a espera envelhece. Mas é a viagem por fazer que acaba por matar.

quinta-feira, junho 03, 2010

A última fronteira.

Este amor interesseiro que sinto por alguns amigos mais velhos. (Alguns, não todos, o facto merece reflexão aturada.) Protegem-me, são cercas de ternura farpada entre mim e a morte. Eu sei: os acidentes de viação às cavalitas do álcool ou dos telemóveis; os cancros - perdão!, doenças prolongadas... - tão previsíveis como as campainhas das slot machines; os quinze minutos de fama nos telejornais, porque alguém entrou num local que nem sequer frequentávamos e descarregou arma e raiva, etc... Não falo disso, mas do ciclo "natural" da vida. Oiço-lhes o riso e a vida parece eterna. Frustrante, mas eterna, pois não os vejo atacar tripas à moda do Porto e sangria, alheios ao mero pensamento de uma insónia enfartada? E contudo o amor sem adjectivos resiste ao oportunismo hipocondríaco. Deixo-os em casa e sorriso e aceno deles acompanham-me Boavista abaixo, não sei quem partirá primeiro, mas os que ficarem selarão um quarto nos seus corações.

quinta-feira, maio 27, 2010

A whiter shade of pale.

Para lá da morte do ruído e antes do silêncio da morte há um bar. O empregado é mudo, evidentemente. A máquina de discos está avariada e a banda rock não apareceu porque a carrinha teve um furo. (Os copos não tilintam por mera delicadeza...). Como vês, trata-se do lugar perfeito. Bebe um trago, esgota a exaustão e pensa. Depois decide se recuas ou vais em frente, mas não percas demasiado tempo - a diferença não é assim tão grande, acredita. Lança a moeda ao ar, se preferes acreditar em sorte ou acaso. Mas não a deixes cair!, perdoo tudo menos o mais raquítico dos barulhos. Shhh..., incluindo o das palavras, sacana mentiroso e inútil, faltam-lhe demasiadas cores na paleta para aflorar o sentimento.

quarta-feira, maio 19, 2010

Diálogo nocturno.

- Nem penses, já estou em vale de lençóis.
- Bom, conheces o ditado: se o vale não vem a Maomé...
- A montanha, burro.
- Que se lixe, vou eu aí!
Ela notou, sem surpresa, que a humidade no vale aumentara...

sexta-feira, maio 14, 2010

Na auto-estrada.

Em viagem ouvi os comentários à visita papal dos Professores Anselmo Borges e Teresa Toldy. Fizeram-me, por vezes, regressar aos padres do meu querido colégio João de Deus. Não lhes poderia render melhor homenagem.

quarta-feira, maio 12, 2010

O Jorge.

O Carlos Magno é um amigo com privilégios firmes, o meu Velho gostava muito dele e isso chega e sobra. Mais um convite amável, os quatro dedos de conversa habituais e a surpresa dolorosa - o Jorge morreu. Ele, que com a sua Luísa foi meu aluno em Biomédicas e depois me acompanhou na magnífica loucura da Consulta de Sexologia do Magalhães Lemos. Um dia, mais tarde, bateu-me ao ferrolho e desabafou longamente. Recordo ter-lhe dito que ou diminuía o stress em que vivia ou estava em risco de passar da angústia à doença física. Não sei se o não pôde fazer ou se não fui convincente, o resultado está aí. Como a velha fotografia no jardim à frente do Instituto, os três sorridentes, eles à porta da vida profissional, eu grato pela ternura do pedido - "quer ser o nosso padrinho?". Ao longo de 36 anos tive muitos alunos, mas poucos discípulos. É compreensível, a esmagadora maioria da malta considerava o que eu expunha absolutamente inútil para o exercício de uma Medicina ingénua e arrogante, baseada nas super-especialidades. Alguns concordaram comigo - pensar a Medicina e os seus "pecados" não é traí-la. Gente como o Jorge e a Luísa, que me convidavam para jantar em sua casa e me faziam sentir um amigo e não o chefe. É um privilégio raro, que guardo no coração. Ensinei durante trinta e três anos numa instituição. Quando saí, excepção feita à minha Directora de Departamento, apenas recebi um abraço e o desejo de felicidades de um órgão - a Associação de Estudantes. E quando isso aconteceu, a gratidão expulsou a amargura. Porque foi com eles e para eles que fiz o melhor possível. Alguns ainda me contam alegrias e desventuras, numa demonstração tocante de fidelidade ao velho prof. Ver partir os mais jovens é anti-natural, como escreveu Bautista acerca da morte dos filhos, sinto um remorso hipócrita. Espero que a Luísa e os cachopos aguentem o melhor possível. E saibam que porta e braços estão abertos, mesmo sem o sorriso da fotografia:(.

domingo, maio 09, 2010

Para que conste.

Amanhã vou a Lisboa. Vocês conhecem-me, sou um preguiçoso militante, preferia ficar no sofá. Mas este ano foi especial, os marotos proporcionaram-me tantos momentos de prazer!:). Durante a semana houve quem se escandalizasse com a minha severidade acerca do descalabro emocional do Dragão. Lamento muito, sou um fanático livre. E se as coisas derem para o torto e eu não achar que foi apenas má sorte, rosnarei. Com a autoridade de quem vai trabalhar, depois guiar rumo a Lisboa mais depressa do que desejaria, roer as unhas e gritar de alegria ou aguentar insónia muuuuito triste. Mas - sobretudo! - de quem deixará Lisboa tão desesperadamente apaixonado pelo Benfica como chegou:).
Per omnia...

quarta-feira, maio 05, 2010

Prova provada.

- Como saberei que gosto de uma a sério, gostar mesmo, caramba!, perguntou o rapaz.
O velho senhor respondeu sem hesitação,
- Quando desejares dormir com ela depois de dormir com ela.
- Então é simples, congratulou-se o puto.
Nos olhos cansados espreitou um brilho divertido.
- Com efeito. Excepto se te apetecer fugir ao acordar.
E voltaram à contemplação das ondas, enlouquecidas pela nortada.

domingo, maio 02, 2010

O seu a seu dono.

Sinceros parabéns ao F. C. Porto pela atitude, o arreganho, o espírito de sacrifício. O Benfica? Uma enorme desilusão.

terça-feira, abril 27, 2010

O jantar.

Fitou a amiga, pensativa. Pediu ajuda a copo e garfo para resposta meditada. Repetir a pergunta comprou-lhe mais uns segundos.
- Se é o princípio do fim?
A biografia de Winston Churchill no escritório do Pai, leitor compulsivo e amante da frase elegante e certeira. (Como o Paulo...). Um título através das brumas da memória, e se apenas a Nação fosse imortal?:(.
- Não digo tanto...
O silêncio dele quando o deixara - resignado, quase pacífico; invadindo já o futuro.
- ... Mas talvez seja o fim do princípio.
Calou o arrepio da alma com um golo terapêutico, não saboreado. A amiga escondeu a surpresa condoída num entusiasmo falso pelo caril de gambas.
O resto do jantar foi normal.

quarta-feira, abril 21, 2010

Serão.

Simon and Garfunkel em fundo - "Preserve your memories, they're all that's left you". O sorriso abrindo a porta ao murmúrio - "easier said than done". As fotografias arvoradas em muletas. Os sons do silêncio. Que é ambicioso!, tenciona invadir-lhe o espírito.
Quem for vivo e lúcido verá...

quinta-feira, abril 08, 2010

A heresia:(.

1 - Que os rapazes perdessem, era uma hipótese.

2 - Que as perninhas cedessem também. E provável!

3 - Depois de Marselha, ver o pobre do Júlio César petrificado não foi uma surpresa.

4 - Que à tristeza se misture o alívio é lógico, a megalomania podia - e ainda pode... - levar-nos a perder o campeonato.

5 - Mas discordar de algumas das opções de Jesus faz-me recear pela salvação da minha alma benfiquista:(.

quarta-feira, abril 07, 2010

Qui se taquine...

Peguilhar contigo, tão sério como os políticos quando prometem. Ver-te sorrir, negociar, dar-me desconto, compreender o dia que (não) tive, lançar as agruras do teu para trás das costas em prol de um jantar descontraído e namoradeiro. Subir a parada. A ligeira crispação dos teus lábios que contagia os olhos e põe os lábios em movimento – “não estou a gostar desta pseudo-conversa”. O toque final, artístico e na corda bamba – “nem eu”. Os dois centímetros que ganhas empertigada inocentes, é do alto de uma absoluta inocência e autoridade moral que disparas em tiro raso para me colocar de joelhos e ao ciúme fingido mas verdadeiro – “estás a ser ridículo e ofensivo, sugiro…”. Provavelmente que utilize os neurónios para variar, eu prefiro escancarar o riso e abrir os braços, tu abanas os teus, desalentada, furiosa por já não sentires fúria, desconfio que aliviada por ainda guardar dentro de mim uma réstia de adolescência – “caio sempre…”. Ah, esse doce pragmatismo!, que te faz reabilitar a queda e invadir-me o colo faminto:).

terça-feira, abril 06, 2010

O horror, escreveu Conrad. A cada um o seu...

Os geniais Monty diziam-nos, do alto das cruzes em A Vida de Brian, que era preciso olhar sempre para o lado brilhante da vida. Aos sessenta, e com dois Pais demenciados, não é difícil fazê-lo perante esta notícia:), os meus filhos já não tremerão a cada esquecimento ou repetição. Como eu e alguns de vocês...

Alzheimer terá tratamento eficaz em até 10 anos, diz cientista inglês
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da Efe, em Barcelona
O médico inglês David Wilkinson, um dos maiores especialistas no mal de Alzheimer, afirmou que em um prazo de dez anos estará disponível um tratamento combinado de remédios que controlará o avanço da doença.
Como acontece atualmente com o tratamento contra a Aids, Wilkinson que a combinação de diversos remédios e, sobretudo, a prevenção também serão decisivas para a cura do Alzheimer.
"Não acho que nunca teremos um tratamento único contra o Alzheimer, mas quatro ou cinco diferentes. Talvez combinaremos uma vacina com inibidor de colinesterase com uma droga de memantina e antioxidantes ou antiinflamatórios, o que permitirá uma administração correta da doença", afirmou.
Wilkinson, diretor do Centro de Pesquisa e Avaliação da Memória do Hospital Moorgreen, em Southampton, no Reino Unido, afirma que dentro de "uns cinco ou dez anos" estará disponível o primeiro tratamento combinado que cure ou pelo menos detenha o progresso da doença, que afeta entre 6% e 10% da população dos países desenvolvidos.
Disgnóstico
Atualmente não existe nenhum remédio que detenha o mal de Alzheimer, mas há vários que conseguem desacelerar a evolução.
Para o cientista, tão importante quanto achar uma cura é que a doença seja detectada a tempo. A experiência demonstra que "quanto mais rápido se diagnostica e se trata, melhores são os resultados obtidos a longo prazo".
O problema, segundo Wilkinson, é que na Europa como um todo se demora em média mais de um ano desde os primeiros sintomas da doença até os pacientes recorrerem ao médico para conhecer as causas provocadas pela perda grave de memória, pela desorientação e pelos constantes descuidos.
O especialista considera que é positivo comunicar o diagnóstico da doença ao paciente, por sua vez destaca a importância de que pessoas famosas que sofrem da doença assumam em público.

sábado, abril 03, 2010

Boa Páscoa, gente.

Simone Weil disse um dia que não acreditava em Deus, mas sim nos que acreditavam Nele. É uma frase belíssima, veio-me ao espírito quando lia o Papa -"Liberta nossa inteligência da pretensão equivocada e um pouco ridícula de poder dominar o mistério que nos circunda ". Tudo porque "recusamos a necessidade de Deus". Aos sessenta anos, admito que este tipo de arrogância ainda me entristece, os padres que ajudaram meus Pais a educar-me jamais a apoiariam. Mesmo antes de a psiquiatria ter reforçado a minha consciência desse mistério, nunca o pretendi dominar, muito menos confiei na Ciência para o fazer, aceito-o fora e dentro de mim. Como aceito que milhões lhe encontrem explicação no conceito de Deus como causa última. Muitos, suponho, nem chegaram a Ele por "necessidade", mas porque a sua busca de transcendência desembocou na Fé ou, grata, a acolheu.
Compreendo que o Vaticano se sente acossado, reina, aliás, alguma confusão - a vozes que pedem abertura total e expressam arrependimento por práticas "corporativas" que desdenharam o sofrimento, contrapôem outras uma visão paranóide que chega ao cúmulo de comparar o que se passa ao anti-semitismo! Respeitando as palavras, os padres que me educaram diziam que o cristianismo era uma prática. Ao alcance de todos... S. Paulo, contra quem tantas vezes "rosno" por causa da visão deprimente - e bem pouco cristã... - sobre a sexualidade, não espalhou pelo mundo greco-romano que as diferenças baseadas em credo e sexo terminavam sob a égide de Jesus? Sem comunhão ou baptismo no currículo, os meus amigos explicaram-me que isso não era álibi para ignorar a mensagem do Nazareno. Cumpri-a de forma satisfatória? Claro que não. Aceito-a como ideal utópico a perseguir? Sim, não encontro razão válida para negar pedido tão "megalómano" - amar o próximo como a si mesmo.
Para mim, Jesus foi um sonhador e um homem bom (perdoarão que não discuta a última teoria sumarenta, segundo a qual seria gay, nem me atarde sobre a angustiante (?) questão do seu aspecto físico). Viveu e morreu de acordo com aquilo em que acreditava, ou seja, em absoluta e sofrida paz consigo próprio. Incitou-nos a fazer o mesmo, não apenas como indivíduos, mas de um modo fraternal, solidário. E por isso, este agnóstico pensa nele com um enorme orgulho e deseja que amanhã ressuscite de novo simbolicamente para alegria de tantos, mas viva o ano inteiro nas práticas quotidianas e escolhas éticas de muitos mais. Para o bem de todos...

domingo, março 28, 2010

Porque foi publicado no Expresso de ontem, já o posso "guardar" aqui.

A férrea doçura de minha Mãe transformou os Machado Vaz em satélites agradecidos. Marido, filho e netos habituaram-se à opinião firme e não cortante, a apoio certo mas jamais incondicional, ao colo acolhedor e contudo sempre temporário, ela não permitia que a sua força atrasasse o futuro de ninguém. Quando o primeiro bisneto nasceu, embalou-o com o enlevo que reservava a todas as crianças, mas já não o reconheceu como herdeiro e fiel depositário da lenda familiar.
O meu Pai sofreu o primeiro enfarte e a Mãe disse, com envergonhada firmeza: “se morrer, apenas fico por tua causa e dos meninos, a vida sem ele não faz sentido. Desculpa”. Abracei-a em silêncio, nada havia a desculpar - eu fora testemunha, fruto e voyeur invejoso de um árduo amor perfeito durante cinquenta anos. Quando a velha dama risonha cantada por Neil Young tentou de novo seduzir meu Pai, a vida dela rendeu-se ao horror permanente de o perder: vigiava-lhe passos, queixas, esgares e mesmo a sesta, inventava pretextos para o acordar porque lhe parecera demasiado quieto e a cabeça, derrotada, pendia sobre o peito. Como a fina inteligência!, após o segundo enfarte ele baloiçava entre a venerada lucidez e um estado confusional embrutecido, que o deixava frente à televisão em permanente e cego zapping. Enquanto o jornal amado permanecia virgem ao alcance da mão, de súbito analfabeta….
Eu abria a porta e perguntava como se sentia ela, que de imediato me chamava à (sua) realidade com um “como achas o Pai?” sem réplica possível. Entretanto, e sem eu saber, começara a perder-se na rua e a gerir o quotidiano à custa de papelinhos e aflitos regressos a super-mercados, oficialmente decretados meros esquecimentos. E o filho psiquiatra, obediente, observava-o a ele… Até que um dia reparei no seu cabelo e percebi que minha Mãe mudara, a palavra desleixo não constava no seu vocabulário. Ofereci-me para a levar ao cabeleireiro – “ele fica sozinho”…, “estou cá eu, um dos rapazes leva-te”…”não, deixa-me”. Aos gritos de raiva, face escondida nas mãos, choro convulsivo, como pudera ser tão néscio?
E à terceira foi de vez, o seu homem partiu; num sofrimento que envergonhou a Medicina, ela aconchegava-lhe os lençóis, “o Pai ainda se constipa…”. Quando lhe dei a notícia, uma calma estranha invadiu o quarto e expulsou o delírio em que vivia, disfarçou a ordem de pedido, “levas-me?”. Perante o meu olhar atónito beijou-lhe a testa e velou-o com a minha entre as suas mãos, afiançando-me que ambos trataríamos de tudo “para proteger os meninos”.
Todos fomos sendo esquecidos, talvez pelo esforço titânico para o manter a ele algures. E um dia as costas endireitaram-se, nos olhos faiscou de novo aquele verde que me assustava e enternecia, “por favor, ajuda-me a acabar com isto”. Pedia auxílio e consentimento, era incapaz de trair, “fico por tua causa e dos meninos…”. Não consegui e ela regressou às catacumbas do cérebro. O corpo resistiu doze anos, o espírito há muito que se juntara a meu Pai. Agora, espera-me em Cantelães. Onde lhe reencontrarei o colo. E bálsamo para a culpa não culpada que ainda sinto. Só ela o pode fazer, “vem, menino”. Abrindo sorriso e braços, lá onde repousa - no meio das (outras) flores.

sexta-feira, março 19, 2010

Dia do Pai.

Releio A Cidade e as Serras e em em cada esquina das palavras sussurra a voz de meu Pai: o diagnóstico do velho Grilo - "Sua Excelência sofre de fartura"; Sua Alteza de partida, incitando o anfitrião do 202 - "O peixe, Jacinto, desencalha o peixe!"; Efraim e o capitalismo selvagem explicado numa frase - "esmeraldas! Está claro que há esmeraldas!... Há sempre esmeraldas desde que haja accionistas!"; Jacinto em desesperada busca do natural - "Vamos ao Jardim das Plantas, ver a girafa!".

Meu Pai amava Eça, de quem dizia, num contentamento educativo - "está lá tudo". E as suas citações favoritas arvoram-se em banda sonora da saudade que não esmaece. Se tivesse de escolher uma para legenda de memória nossa, iria buscá-la a este livro. Porque quase até ao fim da vida, raras foram as vezes em que meu Pai tropeçou no filho embrenhado no desafio do Verbo e não murmurou, enquanto aflorava com dedos tímidos a minha nuca - "faz bem, lembre-se do Jacinto - há que ler, há que ler...".

Mas "Quase até ao fim" traduz aceitação reflexa - logo não meditada, o que sobremaneira o escandalizaria! - de um conceito de vida que a vida me foi fazendo recusar com redobrado vigor: a sua identificação a funções vitais necessárias mas não suficientes. "Até ao fim", deveria ter escrito. Porque o meu Velho só deixou de assim me exortar à leitura quando já não desdobrava o jornal que minha Mãe religiosamente colocava a seu lado todas as manhãs.

E a partir desse momento, testemunha que sou do brilho e eterna curiosidade da sua inteligência, seria de lamentável mau gosto dizê-lo vivo. A ninguém ocorre chamar ainda navio aos destroços que salpicam as águas depois do naufrágio:(.

quinta-feira, março 11, 2010

Quase...

Rabugento, quase adormecer-te no colo. As crianças resistem, negam, fazem birra, nós sorrimos e comentamos - "está perdido de sono". Talvez, mas dormir parece-lhes um crime desleixado, antes mesmo de o saberem já consideram obsceno passar um terço da vida fora dela, sonhar?, não é a mesma coisa!, quem precisa de alucinar outros com brinquedos de carne e osso no quarto ao lado?
Por isso resisto a essa mão pelos meus cabelos, aos olhos enevoados e à promessa de ouro de lei - "depois...". Não, querida, agora, o cansaço vem de dentro e longe, não se renderá a duas ou três horas de sono inquieto. Agora. E depois... Depois... Depois pedimos meças aos contorcionistas do circo da minha infância, entalados entre palhaços deprimentes e leões deprimidos, e adormecemos no colo um do outro:).

segunda-feira, março 08, 2010

TVC1

O processo de Eichmann. A ladainha clássica - "obedeci a ordens"... "Hitler"... Quando visitei Dachau recordei as experiências feitas com universitários americanos, que administravam (teóricos) choques eléctricos a actores implorando misericórdia. Porque tinham recebido ordens para o fazer... O Mal como visão ontológica é um mito que nos protege de um espelho perturbador - os maiores crimes podem ser cometidos por gente banal. Adjectivá-la de monstruosa não a transforma em extra-terrestre. Por muito que nos custe, o horror de que falava Conrad é, pelo contrário, simplesmente humano:(.

domingo, fevereiro 28, 2010

Domingo à noite.

Gostei de Whatever works, do velho Woody. Estou de acordo com a maioria dos críticos: o maroto foi buscar um "capanga" capaz de ser mais credível no azedume e agressividade, sem perder a ternura. A mensagem parece traduzir a prioridade que resiste - ou surge... - após um trajecto de vida: estamos sozinhos "cá em baixo" e o caos é a ordem reinante, logo, cada réstia de céu azul relacional deve ser aproveitada enquanto dura... Nada de novo em Allen, o fim de Annie Hall ia na mesma direcção. Claro que as combinações apresentadas no filme porão os cabelos em pé a muitos, que as decretarão sinais de um intolerável relativismo ético. Para gáudio dele, desconfio:).
Este fim-de-semana revisitei Shadowlands com Hopkins e Debra Winger. Continuo a ter aquela sensação estranha de que certos actores - lembro-me de Olivier, Gielgud e Burton, por exemplo... - nos fizeram um enorme favor não se limitando ao teatro. Claro que não foi assim, não resistiram a Hollywood. Mas ver Hopkins para lá do enorme sucesso de O Silêncio dos Inocentes é um privilégio raro, Despojos do Dia parece-me outro espectáculo fabuloso de representação "ferozmente ascética". E não deixa de ser curioso que a mensagem é muito semelhante: viver o aqui e agora, aceitando que o sofrimento futuro faz parte da felicidade actual.

P.S. Tive uma epifania - sou sportinguista desde pequenino:).

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Vão espreitar!

Peter Sellers no TVC2, Bem-vindo Mr. Chance. Uma alegoria genial à sociedade de aparências que já então se desenhava. E o epílogo ideal para o meu dia:).

domingo, fevereiro 21, 2010

Projecto de vida.

Subir ainda uma vez a Quéribus e esperar. Porque é estúpido procurar respostas neste frenesim acéfalo. Subir a Quéribus e esperar. Não por Deus, romano ou cátaro; por mim.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

O filho da Mãe.

Por vezes, ao longo dos anos, houve momentos ou breves minutos durante aulas em que senti uma paz "cósmica", que me fazia bordejar a transcendência, se a expressão me é permitida. Ouvia-me dizer exactamente o que desejava da forma que desejava e a dúvida gania - "não vai durar". Com efeito, o encanto era de vida breve:(. Ficava a esperança... Como se mulher muito querida me afagasse o cabelo garantisse, quase coquette - "eu volto". Sorrio perante a comparação. Ela traduz uma profunda idealização da figura feminina e minha Mãe está-lhe na origem, como é óbvio. Acredito que neste deserto cinzento, são as mulheres a saber por trás de que dunas se escondem os oásis.
Mas só guiam quem lhes dá na real gana, as marotas:).

terça-feira, fevereiro 02, 2010

A violação.

“Meu querido,
Não te digo metade (a metade graaaande:) ) do que penso, quando penso em ti . E é muito!, porque moras em todos os meus pensamentos. Pelo menos os bons… Gostava de te guardar no bolso e partir à (nossa) descoberta here, there and everywhere, de Porto Covo a Berlim. Quando alucino uma casinha – eu sei, tresanda a XutosJ -, ela tem um sofá inundado pelo sol onde te enroscas e ao qual eu me encosto, livros espalhados pelo chão e os cabelos pelos teus dedos. Assustadora a fantasia, de tão “conjugal”? Estás enganado, acontece que te levo sempre comigo, das caminhadas na Ericeira aos jantares com amigos no Bairro Alto, os sítios e as pessoas ficam mais bonitos porque vistos por olhos que te procuram e recordam. Se estivesses a meu lado falaríamos de tudo – eu, pelo menos, falaria de tudo! -, não escapavas a poema, notícia ou até coscuvilhice – credo… - escutada, lida ou pressentida. E com razão me decretarias chata, mas com um requebro doce na voz.
Não sei o que o futuro nos reserva; gosto de ti; tenho medo(s)... Principalmente o medo de não saber o que poderia fazer melhor por e para nósL. Gostava de estar nos teus braços e explorar mais de perto esse cheiro por trás do perfume que prefiro acreditar escolhido por amiga de peito...; de ter a certeza que me escutas e não apenas ouves; de te acolher os segredos, os beijos cegos e as mãos em abençoada vagabundagem, talvez um riso infantil e grato em face das prendas ridículas – agora cheira a Pessoa… - com que me imagino a inundar-te.
A verdade é que não te digo metade da metade da metade…, ah!, basta dizer(-te) que adormeço a pensar em nós e tal abraço não é opcional. Boa noite, um beijo grande. Amanhã dir-te-ei bom dia num qualquer corredor e o beijo que trocaremos, acredita!, não passará de uma versão a preto e branco e burocrática deste, mesmo a solo.”
Fechou o diário, à culpa juntava-se um remorso pungente, sem fim à vista. De volta à sala e ao marido, cujos receios exibiam agora a moldura da impaciência.
- Então?
E ela admitiu para si mesma que fora cúmplice da devassa. A rapariga sozinha em Lisboa, as notas a baixarem, as olheiras húmidas, as fugas para o quarto em fins-de-semana, “vão vocês”. O medo deles como álibi, mas sem justificar absolvição. Em voz surda,
- Não são drogas, é doença de amor.
O alívio optimista e amnésico dele,
- Óptimo, isso desaparece com a idade.
A teoria do aquecimento global em definitivo descartada, jorrou de coração e lábios gelo suficiente para uma vida inteira.
- A doença ou o amor?
Ele já regressara ao telejornal.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Flashback.

Os saltos (mais) altos e a mini que corrias a abraçar entre o dia de trabalho e o meu olhar, tão ávido como enternecido. O "gira lá para dentro", dito por mim, exigido em silêncio por ti. O amor, que não se faz, mas sente. A tua cabeça no meu ombro, a minha recente paz no teu colo. O caminho inesperado entre desejo e gratidão. As saudades, que entravam antes de saíres. E me davam certeza agridoce - se um dia não voltasses, aceitava; mas nem Deus, nem amo, como diria o velho Ferré, me obrigariam a concordar.

domingo, janeiro 17, 2010

Faz-me tanta pena:(.

Dezasseis anos depois de ter sido criada, a Fundação Eugénio de Andrade está em vias de extinção.
Confrontado com uma situação financeira insustentável, o Conselho Directivo da fundação enviou ao Governo, em meados de Dezembro, um pedido de extinção. A questão estará a ser analisada pela Presidência do Conselho de Ministros. De acordo com o jornal Público, a Fundação começou a receber, em 1997, um subsídio do Ministério da Cultura (era ministro Manuel Maria Carrilho) através do Instituto Português do Livro e da Biblioteca, que terá oscilado entre os 12 mil e 19 mil euros anuais. No entanto, em 2005, quando a ministra Isabel Pires de Lima tomou posse, percebeu que não havia qualquer protocolo assinado e que o subsídio seria, então, ilegal. O cancelamento deste apoio veio contribuir para estrangular ainda mais a situação financeira da fundação que já se encontrava debilitada pela falência sucessiva dos distribuidores e do co-editor das obras do escritor falecido em 2005. A verdade é que a instituição tinha apenas direito a uma pequena percentagem dos direitos de autor e, uma vez que não tem qualquer outra fonte de rendimento para além do apoio da Câmara do Porto, a instituição encontra-se na falência.
Tags: Artes DN.

terça-feira, janeiro 12, 2010

O capitalismo é pragmático:). Por isso alguns escreveram que a (r)evolução sexual dos anos 60 era inevitável.

"Uma lufada de ar fresco." É isso que a aprovação da união entre pessoas do mesmo sexo pode significar para a "indústria dos casamentos", admite o director da Exponoivos, António Brito. Por isso, as empresas presentes na feira deste ano, que começa hoje em Lisboa, "estão já preparadas para surpreender os casais homossexuais", com opções para este "nicho de mercado", acrescenta.
António Brito prefere não "levantar o véu" sobre as novidades para estes casais, mas diz que as empresas estão a tentar antecipar tendências para chegar a este nicho de mercado, que pode ser criado hoje se o Parlamento aprovar o acesso dos homossexuais ao casamento civil (mais informação nas páginas 1 e 2).
Aliás, esse é um dos motivos que levam as empresas do sector a ter "expectativas muito positivas para 2010". Até porque se trata de "pessoas que estão há muito tempo à espera por esta hipótese e geralmente têm poder de compra", conclui.
O responsável não duvida de que "os casamentos entre pessoas do mesmo sexo vão ser uma mais--valia para o sector", tal como aconteceu em Espanha, sobretudo depois de dois anos complicados.
É que em 2008, e sobretudo em 2009, a crise acabou por afectar também as bodas. Por um lado, as pessoas casam-se cada vez menos. O número de novos matrimónios tem descido de forma constante - enquanto em 2002 houve 56 457; em 2008, apenas 43 228. Por outro, as empresas sentiram que quem se casou teve mais contenção nos gastos. "Há uns anos era mais comum um casamento ter 200, 300 convidados. Agora, os noivos convidam 120, 130", explica António Brito. Isso afecta sobretudo as empresas que alugam salões para banquetes e as quintas que organizam os copos-d'água, mas também as floristas, cabeleireiros e muitos dos negócios que giram à volta de um casamento.
Há cerca de 200 empresas na Exponoivos deste ano, mas o director da feira estima que existam De 2000 a 3000 empresas directamente ligadas a este negócio. Na maioria, microempresas, que criam De 20 a 30 mil postos de trabalho. "Há mais de 45 subprodutos que estão associados à festa", acrescenta. Do vestido de noiva à lua-de-mel, passando pelas prendas, música, decoração, cabeleireiro, entre outros, que quem nunca casou dificilmente se lembrará sozinho.
E há também instituições de crédito para quem precisar de ajuda para pagar a festa. Afinal, em média, cada casal gasta cerca de 20 mil euros - para um casamento com cem convidados -, diz o director da Exponoivos. Sem pensar em extravagâncias, como as que começam a ser importadas de outras partes do mundo. "No México a moda é criar e libertar borboletas, como símbolo de felicidade e de fertilidade. Começam a aparecer pedidos deste tipo", conta. E empresas para os satisfazer. Até domingo, algumas vão estar no Centro de Congressos de Lisboa.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Mais um passo.

O debate não foi particularmente estimulante, convenhamos. Dei comigo a recuar 18 anos - credo... - e a recordar um determinado programa do Sexualidades. Dois homossexuais seropositivos de costas para a câmara e eu a pronunciar em on e off palavras proibidas: casal, família... O Diabo feito vaca, dizia-se no meu tempo! - ameaças de morte, insultos, um par de cumprimentos não retribuídos em restaurantes da Invicta. Nada de importante a médio prazo. Que eles não chegaram a viver:(. Hoje lembrei-me dessa tarde. Porque é tão lenta e acidentada a viagem entre a oblíqua tolerância e a fraternal aceitação?

terça-feira, janeiro 05, 2010

Ser homem e hetero compensa:). Ainda por cima, "cientificamente" falando...

A infidelidade masculina é boa para o casamento e deve ser praticada, garante uma das mais famosas psicólogas francesas, citada pela «BBC Brasil».
No livro «Les hommes, lamour, la fidélité («Os homens, o amor, a fidelidade»), que lançou recentemente, Maryse Vaillant refere que a maioria dos homens precisa do «seu próprio espaço» e que para eles «a infidelidade é quase inevitável».
De acordo com a autora, as mulheres podem viver uma experiência «libertadora» ao aceitarem que «os pactos de fidelidade não são naturais, mas culturais» e que a infidelidade é «essencial para o funcionamento psíquico» de muitos homens que não deixam por isso de amar as suas mulheres.
As declarações polémicas de Vaillant, divorciada há 20 anos, visam, segundo a própria, «resgatar a infidelidade», já que, assegura, «39 por cento dos homens franceses já foram infiéis às suas mulheres em algum momento da vida».
«A maioria dos homens não faz isso por não amar a sua mulher, eles simplesmente precisam de um espaço próprio», defende.
«Para estes homens, que são na verdade profundamente monogâmicos, a infidelidade é quase inevitável», sentencia.
A psicóloga vai mais longe ao afirmar que os homens que não têm casos extra-conjugais podem sofrer de «uma fraqueza de carácter».
«Eles são normalmente homens cujo pai era fisicamente ou moralmente ausente. Estes homens têm uma visão completamente idealizada da figura do pai e da função paternal. Não têm flexibilidade e são prisioneiros de uma imagem idealizada das funções do homem», conclui.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Aí está o Parecer, venha a tertúlia:).

PARECER DO COLÉGIO DE ESPECIALIDADE DE PSIQUIATRIA DA ORDEM
DOS MÉDICOS RELATIVO AO PEDIDO DO SR. BASTONÁRIO EM CARTA DE
14/05/2009
Concordando globalmente com o parecer do Bastonário da Ordem dos Médicos, em
carta datada de 14 de Maio de 2009, e em resposta ao pedido que nela se expressa, o
Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos esclarece o seguinte:

1. É generalizado o consenso entre os médicos psiquiatras de que não existe qualquer
tratamento para a homossexualidade, pois esta designação não se refere a uma doença,
mas sim a uma variante do comportamento sexual. Considerar a possibilidade de um
“tratamento” da homossexualidade implicaria, nos tempos actuais, a violação de normas
constitucionais e de direitos humanos. Seria, aliás, o mesmo que falar de um
“tratamento da heterossexualidade”.


2. Este facto não pode omitir que o comportamento sexual é um dos mais complexos
e menos conhecidos do ser humano, embora seja dos que mais leva a conflitos intrapessoais,
inter-pessoais ou mesmo a comportamentos legalmente sancionáveis. Estes
factos não podem ser desprezados pelos médicos e têm levado a diversas terapêuticas
sexuais, alguma das quais pretendem ou pretenderam interferir na orientação sexual.

3. A maioria destas últimas terapêuticas, descritas na literatura científica e recorrendo
geralmente ao condicionamento aversivo, decorreram nas décadas de 60 e 70. Muitos
dos artigos que as descrevem são estudos de caso, outros têm uma metodologia
científica pouco rigorosa. Para além disso realizaram-se em condições pouco límpidas,
por exemplo, com alguns pacientes a serem enviados pelos tribunais. Os resultados,
mesmo assim, não eram brilhantes, com cerca de metade dos pacientes a reduzirem o
desejo ou comportamento sexuais para com o mesmo sexo, mas uma percentagem
muito mais baixa a envolverem-se sexualmente ou aumentarem o desejo pelo sexo
oposto. Também eram referidos efeitos perturbadores, tais como redução global do
desejo, depressão, ansiedade e comportamento auto-destrutivo.

4. Com a despatologização da homossexualidade, primeiro pela Associação
Americana de Psiquiatria (APA), em 1973, depois pela Organização Mundial de Saúde,
estes estudos foram desaparecendo. Entretanto, os tratamentos sexológicos evoluíram,
nomeadamente na tentativa de resolução das perturbações do desejo sexual (parafilias),
melhorando os seus protocolos e também o conhecimento dos factores implicados que,
em geral, resultam de aprendizagem. No entanto, tem-se apercebido de que existem
muitos aspectos diferentes, nem sempre coerentes entre si, ligados ao comportamento
sexual – e também ao homossexual – como as fantasias, o desejo, o comportamento
sexual (e masturbatório), os relacionamentos íntimos e a identidade.

5. Em 1998 e em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria publicou Declarações
de Princípios (Position Statement) sobre as tentativas para mudar a orientação sexual
(também chamadas terapias reparadoras ou de conversão). Nestas declarações, condena-se
a sua execução “baseada na suposição de que homossexualidade por si é uma
desordem mental ou baseada na suposição apriorística de que um paciente deveria
mudar sua orientação”. Apesar disso, reconhece-se que “no curso de um tratamento
psiquiátrico corrente podem existir indicações clínicas apropriadas para tentar mudar
comportamentos sexuais”. Acrescentam que “Os debates políticos e morais que
envolvem este assunto obscureceram os dados científicos, pondo em questão os motivos
e mesmo o carácter dos protagonistas de ambos os lados”. Finalmente reconhece a
pobreza científica dos estudos sobre benefícios e prejuízos, para “encorajar e apoiar a
comunidade acadéica a pesquisar a „erapia reparadora‟no sentido de determinar os
riscos contra os benefícios”.

6. A terapia “reparadora” ou “conversiva” (o próprio nome tem causado controvérsia
pelas conotações que pode ter) era usada como tentativa de resolver a
“homossexualidade egodistónica” que a Associação de Psiquiatria Americana, sob
influência dos activistas LBG (Lésbicas, Gays, Bissexuais), fizera desaparecer da
DSM3-R, em 1987, mas que se manteve na Classificação Internacional das Doenças da
Organização Mundial de Saúde. Do ponto de vista do movimento LBG que, entretanto,
recorria aos seus próprios terapeutas, o sofrimento causado pela homossexualidade
egodistónica resolver-se-ia com uma terapêutica de afirmação LBG, incluindo activismo
social e político com vista à aceitação social das minorias sexuais.

7. Na sequência das declarações da APA foram publicados, já neste século, artigos
sobre a mudança de orientação sexual e suas terapias. Em geral, os seus autores
limitam-se a indagar pacientes que passaram ou estão a passar por esta terapia. Embora
os resultados não sejam muito diferentes na sua substância, é fácil descortinar o
posicionamento dos seus autores, procurando uns acentuar os efeitos positivos, outros
os problemas decorrentes e falta de ética. Um dos estudos mais conhecidos é o de
Robert Spitzer – um credibilizado membro dos comités responsáveis pelo
desaparecimento da homossexualidade como doença –, publicado em 2003 nos Archives
of Sexual Behavior que, depois de anunciar resultados claramente positivos numa
amostra, provavelmente enviesada, de 146 ex-gays e 47 ex-lésbicas suscitou, na mesma
revista, 26 respostas de 42 especialistas. Mais do que o artigo, a discussão que ele
provocou foi deveras interessante, revelando posicionamentos diversos e suscitando
novas questões, como a possibilidade da mutação espontânea da orientação sexual. Na
verdade, Spitzer foi criticado por não ter amostra de controlo, pelo que alguns dos seus
elementos poderiam ter mudado independentemente da terapia. Alguns destes casos
eram, entretanto, descritos.

7. Os ecos do artigo de Spitzer permaneceram nos anos seguintes, levando ao
interesse pela investigação destes pacientes. Os dados levantados procuravam as
motivações para tal “terapia” (muitas vezes ligadas ao conflito com as convicções
religiosas), mas revelavam também a complexidade da questão da homossexualidade
que, longe de ser preto no branco, apresentava graus variados e componentes que iam
desde a orientação, atracção, desejo e fantasias sexuais, até ao comportamento sexual e
a identidade baseada na orientação sexual. Para alem disso, o procedimento
“terapêutico”, frequentemente ministrado dentro de comunidades religiosas, incluía
várias técnicas comportamentais não aversivas mas, sobretudo, terapia e suporte de
grupo, aconselhamento, psicoterapia e intensa participação em novas comunidades

8. No pólo oposto a Robert Spitzer, um dos seus críticos é Lee Becksted, um exmissionário
Mórmon com um doutoramento em Psicologia do Aconselhamento. Ele
próprio envolvido nos dilemas da fé religiosa, fez uma investigação semelhante à de
Spitzer onde, porém, não aparecem resultados sobre a eficácia. Com o pressuposto de
que a homossexualidade é imutável, apresenta apenas resultados qualitativos que
mostram as vantagens de trabalhar antes com a identidade, numa perspectiva rogeriana
de auto-aceitação. Mostra assim que é possível trabalhar, caso a caso, o tema das
identidades, com diversas evoluções satisfatórias, em alternativa às terapêuticas de
afirmação e activismo gay, ou ainda às “terapias reparadoras” tomadas a cargo de
associações religiosas, como Exodus International, que perseguem radicalmente a
homossexualidade e a tentam mudar a todo o custo.

9. As ideias de Lee Becksted tiveram uma influência decisiva num relatório elaborado
por uma task force, à qual ele pertenceu, sobre “As respostas terapêuticas adequadas à
orientação sexual”. Desse relatório resultou uma resolução que acaba de ser aprovada
pela Associação dos Psicólogos Americanos. O relatório admite que apesar de evidência
insuficiente para suportar o uso de intervenções psicológicas para mudar a orientação
sexual, “alguns indivíuos modificam a sua identidade relativa à orientação sexual,
comportamento e valores, fazendo-o de diversas formas e com diversas e imprevisíveis
evoluções, algumas delas temporárias” (p. 120). Neste sentido, oferece uma alternativa
terapêutica ligada à exploração e desenvolvimento da identidade (“affirmative
multiculturally competent treatment”) para aquelas pessoas que procuram mudar a sua
orientação sexual (p. 121).

10. Apesar de tudo, alguns clínicos continuam a tentar mudar a orientação sexual dos
pacientes que assim o desejam. Num estudo datado deste ano, Annie Bartlett, Glenn
Smith e Michael King indagaram 1300 clínicos ingleses certificados. Embora apenas
4% declarassem que tentariam mudar a orientação sexual se o seu paciente lhe pedisse,
17% deles descreveram 413 pessoas onde esse procedimento fora executado. Entre os
289 psiquiatras do estudo, 9 deles estariam dispostos a ajudar a mudar a orientação
sexual, e 45 referenciariam os pacientes a um colega que o pudesse fazer. A maioria,
porém, ajudaria tal paciente a aceitar a sua sexualidade, a controlá-la melhor, ou enviálo-
ia a um colega com experiência no assunto. Entre psicólogos, conselheiros e
psicoterapeutas as respostas percentuais não eram muito diferentes senão na menor
tendência a referenciá-los a outros colegas.

11. O mais interessante deste estudo são as razões invocadas para tal terapia. Mais de
metade das respostas referiam a confusão sobre a identidade social, sendo menos
frequentes as que referiam pressão familiar, crenças religiosas e problemas mentais
secundários. Também eram referidas a confusão de género, relações heterossexuais
difíceis, pressões legais e vitimização por relações abusivas. Quer isto dizer que, na
vida real, quando um doente pede ao clínico para intervir na sua orientação sexual, as
razões são bem mais complexas do que a suposta ficção de um homossexual que um dia
resolveu tornar-se heterossexual (ou vice-versa, porque não?).

7. De facto, o comportamento e desejo sexuais, e não só o homossexual, são
frequentemente fonte de conflitos e sofrimento, razão pela qual os pacientes podem
recorrer ao seu médico, psiquiatra ou psicoterapeuta. Estas situações devem ser
consideradas caso a caso, de acordo com a legis artis, sem ferir as convicções e crenças
dos pacientes e ajudando-os, sempre que possível, na sua autodeterminação, depois de
esclarecimento completo e no âmbito do consentimento informado. Desse
esclarecimento constará, por parte do médico, indagar sobre a autenticidade das
decisões do paciente. Este, por sua vez, deverá ser informado de que não existe
evidência científica que suporte uma intervenção que resulte na completa mudança da
orientação sexual.

8. Aliás, a Classificação Internacional das Doenças (ICD10) tipifica a patologia
ligada à sexualidade nos seus items F52 (Disfunção sexual), F64 (Transtornos de
identidade sexual), F65 (Transtornos de preferência sexual) e F66 (transtornos
psicológicos e de comportamento associados ao desenvolvimento e orientação sexuais).
Embora os problemas também possam passar pelos outros items, é sobretudo o grupo
F66 que interessa no âmbito desta discussão.

9. Assim, em F66.1 (Perturbação do amadurecimento sexual) esclarece-se que “O
indivíduo sofre de incerteza sobre a sua identidade de género ou orientação sexual, o
que causa ansiedade ou depressão. Mais frequentemente, esta situação ocorre em
adolescentes que não estão seguros se têm uma orientação homossexual, heterossexual
ou bissexual, mas também em indivíduos que, depois de um período de orientação
sexual aparentemente estável, muitas vezes com um relacionamento de longa duração,
descobrem que a sua orientação sexual está a mudar.”

10. Em F66.2 (Orientação sexual egodistónica) define-se: “Não existe dúvida sobre a
identidade de género ou preferência sexual, mas o indivíduo gostaria que ela fosse
diferente, por causa das perturbações psicológicas e comportamentais associadas, e
pode procurar tratamento para a mudar.”

11. Finalmente, em F66.2 (Perturbação do relacionamento sexual) indica-se que as
“Anomalias da identidade de género ou preferência sexual são responsáveis por
dificuldades em estabelecer ou manter um relacionamento com um parceiro sexual.”

12. Para cada uma destas tipificações, bem como para F66.2 (Outros transtornos do
desenvolvimento psico-sexual) e F66.9 (transtorno não especificado de
desenvolvimento psico-sexual) um quinto dígito deve especificar: 0 – Heterossexual; 1
– Homossexual; 2 – Bissexual. Esta última codificação retira, à partida, qualquer
discriminação, admitindo que, tanto uma homossexualidade, como bissexualidade ou
heterossexualidade podem ser, por exemplo, egodistónicas (embora esta última
circunstância seja, de facto, rara).

13. Se qualquer destas situações pode levar ao pedido de conselho e ajuda médica, é no
problema da egodistonia que se podem colocar as maiores dúvidas. Assim, um médico
pode, por exemplo, fazer com que a homossexualidade (ou heterossexualidade) se torne
egossintónica, com plena aceitação e afirmação das suas tendências e, portanto, com
mudança na sua personalidade, mas também pode preservar aspectos mais decisivos da
personalidade e, se for possível, ajudar o doente a resolver os comportamentos, desejos
ou fantasias contraditórias com a sua identidade. Aliás, pode ser difícil avaliar todos os
aspectos em jogo, incluindo a autenticidade da sua orientação sexual. Em qualquer caso,
deve respeitar-se a vontade do doente, embora ele deva decidir na posse da informação
disponível.

14. A informação, porém, escasseia. Um dos aspectos em que não existe consenso é
sobre a definição de homossexualidade e da sua possível variabilidade. De tudo quanto
se sabe da clínica, a homossexualidade não é uniforme nem unidimensional. Entre a
homo e a heterossexualidade também existe a bissexualidade, pelo que tudo leva a crer
que as pessoas se podem dispor num contínuo entre os dois pólos. Assim, podem existir
orientações sexuais imutáveis, enquanto que outras não o serão. Perante qualquer caso
que se lhe apresente, o clínico terá de fazer um juízo sobre a situação presente e as
possibilidades de evolução, tendo em conta a história individual do paciente, os
condicionamentos actuais e o seu projecto de vida. Cada caso, então, será um caso único.
O médico não trabalha com grupos sociológicos, mas trabalha com pacientes
individuais.

15. Seria importante que o clínico se orientasse de acordo com bases científicas
consensuais. No entanto, como se viu, a investigação neste tema tem sido difícil, entre
outras razões, porque acaba por sucumbir pelo ruído mediático e pelas violentas paixões
que o cercam. Assim, mesmo que neste campo ainda dominem alguns dogmas assentes
em posições religiosas, ideológicas e politicas, cabe ao clínico estar sempre atento ao
pedido do seu doente singular e preocupar-se em estabelecer um diagnóstico da situação,
quer de natureza médica quer de natureza psicológica, antes de propor qualquer tipo de
intervenção ou abster-se dela.