sexta-feira, dezembro 12, 2008

O beijo que vinha do frio.

Maria,

A Mãe sobreviveu a outra ida à Urgência. Análises normais, espírito no céu republicano em que o seu amor a espera há anos. É curioso como sempre te escondi o que vos unia. E não falo de traços de personalidade rebuscados ou construídos pelo meu Édipo, ansioso por não deixar vago de realidade o seu lugar. Falo de tiques, ademanes, gestos prosaicos que vos tornam gémeas, como se o papel vegetal da minha adolescência tivesse ressuscitado. O beijo de esquimó, por exemplo. Quando me presenteaste com esse equivalente antropológico - e gelado... - de um honesto, apaixonado e húmido "french kiss" (esta parolice nacional...), fiquei espantado, ela fazia o mesmo! E ria do meu incómodo, nunca lera Freud ou Lacan, e do Vaticano apreciava a Pietà e a fé dos homens. Nunca to disse, mas descia para os teus lábios com um vagar excitado e temeroso, imaginava-te as mãos cravadas no meu peito, o olhar escandalizado e a sua legenda - "como te atreves?". Daí o suspiro de alívio que calava quando a tua boca se abria à maroteira da minha e do seu arauto, esta língua que tantos com menos direito do que tu decretaram afiada e intrometida:). Tu não, limitavas-te (?) a acolhê-la e a despir-lhe a paixão do frenesim. Até me afastares o rosto para melhor o ver. E sorridente me desafiares para o degrau seguinte, "vem".

14 comentários:

CêTê disse...

Eroticamente... terno e belo.

Kikas disse...

Beijo, por definição, deveria ser indefinível, inclassificável e inqualificável. É, sem dúvida, uma manifestação sublime de afectividade (seja amor, paixão, amizade, cumplicidade, empatia ... é a forma mais forte de mostramos que gostamos de alguém.

lobices disse...

...simplesmente, delicioso!...

A Menina da Lua disse...

Oh Professor não sei porquê mas este seu texto fez-me pensar novamente a ideia de que deve estar por aí um novo livro seu a ser escrito! será?:)

A subtileza e o cuidado que põe na descrição dos afectos é muito tocante...

É este lado solar, sentido assim desta maneira... que nos redime e eleva como seres humanos.

andorinha disse...

Subscrevo as palavras da Cêtê e do Lobices.
Simplesmente BELO!

Quando escreve assim, fico sem palavras...'limito-me' a saborear.

Fique bem:)

monica disse...

Intimidade

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

José Saramago

Penso que é disto que se trata...intimidsde. E não ha coisa mais bonita e arrepiante do que embarcar nela!
Um abraço

PILAR disse...

Olá!

Se calhar é também estar inteiro nos detalhes...e deixar-se seduzir por eles.

São momentos assim que adoçam a vida!
É espantoso como têm um efeito duradouro que, feito brisa, nos afagam o pensamento fazendo broatar de nós um sorriso inesperado ...a meio dum prosaico dia!

Vivam os laços, o quentinho dos afectos e a inspiradora "Maria"!

PILAR disse...

Se calhar gostar é....

cabecinhapensadora disse...

Beijinhos de esquimó são natalícios e ternos, cheiram a candura inocente. Parecem-se com prendas no sapatinho.
Pietá é a beleza paradoxal da dor. E sobre ela, como um halo, a infinita delicadeza de ser mulher, um encanto pregueado na pedra, que nos vem do sereno triste na face de olhos baixos, da sobreposição de roupa em círculos amarrotados, a pedra feita colo, dobrada em vincos doces, onde mal cabe a morte e um filho tem sempre lugar.
Na verdade, a perplexidade sobre as mulheres é, ainda hoje, um núcleo duro de interesses misteriosos. Porque há mistérios que não se dissolvem. E mulheres que aparecem simples e súbitas, encantos inconscientes de si. Chamuscam-nos a alma e ondeiam-nos no sangue, são sereias do fogo. Não são bonitas. Não são perfeitas. São a sarça-ardente onde gostaríamos de ouvir a nossa voz, ondas de evidência sincrónica com a terra, praias do pó, desertos desejados.
E boa noite

CêTê disse...

(cabecinhapensadora- gostei!;P)

Ao ler as cartas a Maria sinto-me ,por vezes, uma pecadora espreitando...! ;/
Mas são lindas!
Se tivesses seguido sempre caminho... não poderiam, não é? Não existe essa Maria.

Boa semana para todos

(Que pena os portugueses não terem feito nada de grandioso no dia 15 de Dezembro, bolas! ;)))

PS(NEW ;))) e eu a pensar que o café ia vermelhar depressivamente...;P

cdgabinete disse...

"limitavas-te (?) a acolhê-la e a despir-lhe a paixão do frenesim"
Brilhante Professor!
Expectativas novamente excedidas...

Teófilo M. disse...

O quotidiano em belas cores, que só quem tem cumplicidades pode viver desta maneira.

Parabéns pelo texto... magnífico!

Malica disse...

Caro Colega
Para além de comentar o seu blog, o que farei noutra ocasião, gostaria de lhe propor o seguinte: vai a Cantelães passar o Natal? Eu também.
Sou cardiologista e sua admiradora, no que me acompanha a família. Será que poderíamos tomar um café por aqueles lados?
Deixo-lhe o contacto para nos contactar, caso aceite o convite.
Maria João Carvalho e Mário de Oliveira
telemóvel: 912 649 316 (Mário)
Cumprimentos e até breve.
MJC (mjsc@iol.pt)

~pi disse...

diz me quem é maria, real ou imaginária maria,

fixei-me nela,


até já :)