quinta-feira, setembro 06, 2007
6 de Setembro.
Aniversário do meu velho. Se estivesse fisicamente comigo, tentaria pela enésima vez encontrar-lhe um presente menos monocórdico, sem risco de lhe descortinar indiferença por detrás do genuíno "muito obrigado, querido filho". E falharia, como de costume... O olhar guloso para o eterno livro político, as mãos acariciando a capa, num gozo antecipado. O despertar do candeeiro favorito; a perna cruzada com elegância; a calça de vinco implacável; os óculos roubados a curto descanso. O velho imerso na leitura, a Oeste de mim nada de novo. O silêncio entre nós. Iluminado de quando em vez pelo sorriso dele, trazendo a reboque um "ora, ouça-me isto...", nunca desistia de me converter à religião de que o Avô Presidente era o Sumo-sacerdote. Sorrio. Hoje, não resistiria a brincar com coisas tristes. "O Pavarotti morreu". Ele pousaria o livro no regaço, sinceramente penalizado - "Já sei, a Senhora sua Mãe ficou inconsolável. Um homem notável, ao que parece". A deixa - "Ao que parece, Pai?". E o velho, com um encolher de ombros pacificado, deixaria cair o auto-diagnóstico que arrepiava a sua adorada Maria - "Meu querido filho, como alguém disse, a música é o ruído que menos me incomoda". E mergulharia de novo na leitura.
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21 comentários:
...e morremos de saudade...
Teresa
P.S.Encontrei um novo(?) livro seu, em edição de bolso, já vou a meio e só o comprei hoje...delicioso
Professor,
A cumplicidade dos silêncios eloquentes... A memória dos afectos incondicionais permite eternizar o diálogo com os que amamos.
Neste dia de memórias, conte estórias aos seus pequenos mafarricos. Ponha um disco na vitrola e faça-os escutar belas melodias da Maria, tão amada. O Senhor seu Pai seria talvez "duro de ouvido", mas soube escutar todos os sons essenciais.
Um abraço,
Luísa
Os velhotes fazem uma falta do cara�as...ali�s, ainda bem que a fazem!
Teresa,
Não é novo, a D.Quixote é que decidiu reeditar em formato de bolso o Olhos nos Olhos:). Ainda bem que se está a divertir, eu diverti-me a escrevê-lo.
Ainda que não estejam entre nós, as pessoas que amámos nunca deixam de estar connosco. Donde, parabéns.
:)
(estive quase para dizer: "parabéns ao 'cota'". Porém, safei-me a tempo de cometer, mais uma vez, uma incongruência destas...safa! :S)
Com a frivolidade apenas permitida a uma loura, ocorre-me que o Senhor Seu Pai, Júlio, sabe muito sobre a serenidade necessária para usufruir da vida.
Que a música continue...
"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Miguel de Sousa Tavares
Boa noite.
Só não está fisicamente...as memórias e o amor são eternos.
:)
È justo que possamos reunir dentro de nós os que não estão presentes.
Eu adorava adormecer debaixo da mesa de jantar com o vozear familiar a diluir-se. Tal inocente hábito permite-me ainda recordar a voz de todos com uma nitidez fantástica. (looool- isto não me abonará muito!;PPPP) Mas não oiço vozes ok? lol
Mas é uma justa compensação para a perda que muitos sentimos imaginá.los no nosso tempo! Nem que depois de tudo fique um largo sorriso...
;)
Os netos devem acertar em cheio com as "prendinhas" não? ;P
Bem, na minha primeira visita ao seu blog , o resultado é ...risos, sorrisos,risos,sorrisos... e por aí fora! Apesar da seriedade relativa deste texto .
O que quer dizer que voltarei concerteza para ler mais ruminações que , com ou sem diabo, partilha connosco . Até breve
"A morte não acaba com uma relação" adoro esta frase!
Há sempre algo que se fortalece depois dessa perda.
Mas aqui nas palavras e nas memórias continua bem presente. Assim são os ausentes físicos quando nos tocaram/tocam... permanecem de alguma forma bem presentes!
Um grande abraço...
Quantas vezes terá ele ficado desatento ao livro e a observar o filho mas sem demonstrar...
Blasted Mechanism - Battle of Tribes.
O que é nacional também é bom! :)))))
Boas nôtes.
Já vi, Thorazine, apesar do teu link não dar para aceder directamente.
É muito bom, sim sr!
Manda mais!
:)
Uma terna homenagem a seu Pai!
Pavarotti, um dom, um timbre!
Os silêncios daqueles que se vão... permitem-nos depois 'doces solilóquios' que se vão acumulando na nossa memória poética!
Bom f-s!
... :-) ...
Que giro! Também era o dia de anos de meu pai...
a presença......sempre...mesmo na ausencia............
jocas maradas de tempo....todo
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