quarta-feira, agosto 23, 2006

Ainda Grass.

Os juízes de Günter Grass


Diogo Pires Aurélio
Professor universitário



Uma certa "inteligência" abateu-se, justiceira, sobre Günter Grass, no dia em que este, antecipando a sua autobiografia, confessou a um jornal ter pertencido, na adolescência, às Waffen SS, uma força de elite das tropas hitlerianas. O libelo acusatório tem vindo a crescer. Primeiro, foi o crime de haver integrado tais milícias. Segue-se o ter, durante toda a vida, mantido silêncio a esse respeito, coisa imperdoável em alguém que acusava o povo alemão de não se querer confrontar com o passado recente. Por fim, vem o ter aguardado que lhe dessem o Nobel para fazer a revelação da ignomínia: no entender dos novos cátaros, a obra jamais justificaria o prémio se não fosse esse apêndice, tão caro aos académicos de Estocolmo quanto alheio à literatura, que é o facto de o autor estar ligado a "causas", ainda por cima de esquerda.

O processo já teve eco em toda a Europa, inclusive aqui, e é algo deprimente. À direita, aproveita-se para desancar, por grosso, todo o percurso político de Günter Grass, desde as SS ao pacifismo antiamericano, passando pela militância social-democrata, como se fosse tudo a mesma coisa. À es- querda, condena-se-lhe a falta de transparência, num tempo em que o ter de se "assumir" virou mandamento, sobretudo para quem invocou a moral possível a seguir a uma guerra que fazia crer ser impossível voltar a pensar qualquer valor universal. Pelo meio, há ainda o ressentimento e o mero cretinismo, que não lhe perdoam o sucesso e que reduzem o episódio a uma operação de promoção. Gente que dá erros de ortografia, mas que não se coíbe de cacarejar sentenças sobre o estilo de Grass.

As opiniões políticas do romancista interessam-me pouco. Julgo que teve algum papel na Alemanha dos anos 60 e 70, ao lado de Willy Brandt, mas que, a partir da chamada crise dos mísseis, se colocou sistematicamente do lado errado. A sua adolescência nazi é, obviamente, um pesadelo de que talvez já não consiga libertar-se e uma culpa que só agora foi capaz de confessar. Não sei se terá perdão, sobretudo por parte dos que foram vítimas das SS. Mas sei duas coisas simples. Sei que as ideias que ele sustentou não ficaram piores nem melhores por se saber a dimensão do recalcamento que tinham por lastro. E sei, sobretudo, que não trocaria uma página d'O Tambor pelas obras completas de nenhum dos seus críticos.


P.S. Também eu considero a obra digna do Nobel e ponto final. Para quem acarretava este segredo, acho que apostrofou de mais a recusa de outros à memória, embora o psi compreenda o mecanismo (in)consciente. Já quanto ao timing da revelação..., enfim, sou um céptico.

P.S.2 - A referência aos cátaros, como é óbvio, deliciou-me:).

32 comentários:

A Menina da Lua disse...

"A referência aos cátaros, como é óbvio, deliciou-me:)."

Professor

É de facto um sentimentalão incorrigível:))

Quanto a Günter Grass, tambem me parece que se deve haver objectividade no merecimento e atribuição do Prémio Nobel, independentemente de existirem aspectos críticos a referir.
Se houver abertura para ponderação de aspectos secundários na avaliação do Prémio, pode-se fácilmente cair em arbitrariedades que muito rapidamente correm o risco de se tornarem em censura...

Apesar disso, continuo a considerar que as pessoas tambem devem ser entendidas e avaliadas por aquilo que assumem e fazem na vida; principalmente por questões de autenticidade e coerência...

CêTê disse...

Bom diiiiiiiiiiiiiiiiiia,

Bolas! Eu não sabia que os que recebem o Nobel são canonizáveis e imaculados... ;p

CêTê disse...

Eu, por exemplo excluirira todos os lamechas lampiões na corrida ao Nobel e a outros títulos- é uma mancha em qualquer curriculum vitae. ;p

Julio Machado Vaz disse...

Cêtê,

E assim me quer retirar a justa paga por uma vida de esforço?:). Shame on you!

ASPÁSIA disse...

Boa tarde

Bem, o crime que GG confessou, embora tenha decorrido muito tempo, não deixa de o ser pela sua gravidade. No entanto, embora eu não conheça qualquer obra do autor, creio que a sua vida dedicada à Literatura e em prol da Liberdade, não foi uma farsa. Creio que houve um arrependimento sincero, e talvez uma autopunição carregando esse segredo toda a vida. É claro que se calhar digo eu isto porque ele não contribuiu para matar a minha família. Outro galo cantará ou chorará para as famílias das vítimas.
"O Homem é o Homem e a sua circunstância", como se sabe.
Também concordo com a MeninadaLua (jinhos)

Até loguinho...

thorazine disse...

Eu nunca li também nada do Sr. Grass. Mas as traduções para pt são caríssimas: http://www.editpresenca.pt/catalogo_ficha_livro.asp?livro=2887 :(((

fiury disse...

até um analfabeto às vezes detecta mais depressa este tipo de "erros" de caracter, enquanto ilustres batalham no fudamentalismo e nos erros ortográficos.haja paciencia.

prof
bem dito seja o seu "cepticismo".haja lucidez!

andorinha disse...

Boa tarde.

Mais uma vez estou de acordo com a Cêtê, no primeiro comentário, note-se.:)))
Também desconhecia que os laureados com o Nobel tinham que ter todos um passado absolutamente impoluto.
Ando sempre a aprender. Loooool
Como é dito no post, o ressentimento e o cretinismo andam à solta.:(
Quanto ao timing também acho um bocado estranho, mas como não sou psi....

vareira disse...

Estas coisas são mesmo de quem não tem mais nada que fazer...quantos ilustres portugueses,escritores, músicos...e afins não pertenceram ao antigo regime?e agora até se dão ao luxo de dizer que não... ou que não se lembram...bolas para a hipócrisia.

Mariazinha disse...

Realmente faz-me muita confusão estarem agora a julgar o homem por uma episódio da sua vida.
Naquele tempo era mais que normal os jovens alemães juntarem-se à juventude Hitleriana assim com cá na terrinha era mais que normal pertencer à mocidade portuguesa.
Pregunto:
O homem matou alguem?
Quem naquela altura com 17 anos não ficaria "fascinado" com o "mein kamff"?
O sr. Günter Grass teve muita coragem sim senhor, não precisava de o ter dito. Não temos que ter vergonha do nosso passado, mesmos que sejamos um Nobel.
Que dizer de Durão Barroso quando na sua juventude era um Maoísta convicto?
Cá na terrinha por vezes só se caga bitaites politicamente correctos.

Fora-de-Lei disse...

Se o actual Papa - o pastor alemão - é posto em causa devido ao seu passado relacionado com a juventude hitleriana, porque carga d'água Günter Grass não o pode ser ?!

CêTê disse...

Sr. Professor, ;]]]]]]

Ninguém é perfeito! ;P

Mas só pelo facto de conseguir manter a "tasquinha" merecia, no MÍNIMO, a Cruz de Nosso Senhor!

thorazine disse...

Já se sente alguma falta da medalhas do Dr.Sampaio. :)))

Su disse...

prof...estou farta desse grass...afinal ele simplesmente confirmou uma coisa que mtos duvidavam ...opsssss chega de heils:)

confesso eu como os amrecinanos, fui amiga de laden...sim...e agora? processam-me....mordem-me...passo a não prestar...simplesmnete confirmo que sou a marada q deconfiam?:)))


jocas maradas

pssst já tinha saudade suas....quem diria.....mois....je:)

Su disse...

mto erro na tecla...mas não faço errata .....eheheheh

noiseformind disse...

Pois é... acho engraçado quando se critica alguém sem se ter o mínimo conhecimento do que se fala. Como o barco em que a ratazana viveu e que teve tantos usos, tantos donos sob tantas ideologias ; ))))))))))) mas que fazer, é um dos predicados da classe média com uma instrução de mero valor facial que há muito deixou de ser criticável: opinação total com conhecimento de facto quase nulo. Ajuda a preencher os tempos mortos, mas não os tornam genuinamente mais úteis e que faz do valor da crítica o valor de quem a apresenta. E nisso a internet não adianta nada. Até o receio que o conhecimento destrua ideias a que tão comodamente se aderiu são bloqueios importantes em termos de reflexão.

Quanto ao P.S., Günter Grass colocou-se ainda em vida ao julgamente público e a forma como os alemães reagiram é a mais importante, felizmente eles são bastante mais conscientes e menos judeus que os portugueses. Como leitor mínimo de Grass que sou, incluindo da sua obra na área da gravura, posso afirmar que Grass sempre assumiu uma postura de memória pública, não vejo que mal viesse ao mundo por ele ter defendido essa postura. Da mesma forma não vejo que mal tenha vindo ao mundo por ele se ter associado sempre a pessoas que procuraram manter viva a memória das atrocidades nazis. Acho muito mais corajoso alguém como ele tomar uma atitude destas do que o padeiro que na Postplatz decide assumir-se. Ainda há dias ouvi aqui malta dizer alegremente "mintam em relação a fumar" e agora vêm para cá com chorrilhos moralistas como se soubessem discernir entre as Luftware e as SS?????????????? Alguém aqui estendeu um pouco que fosse a discussão além do dedo apontadinho?

CêTê disse...

Noise, nem todos, eu por exemplo não. Mas eu também dou erros e não estou na corrida para o Nobel (apesar de ser simpatizante do Porto e isso jogasse a meu favor). Contudo essa história do Nobel sempre me pareceu muito política e a sê-lo então que se premiassem políticos, ou figuras na área política.
Tanto quanto sei (e é muito pouco) o galardoado não agradeceu a Hitler nem fez erguer uma cruz suástica - o sentimento de vergonha e o facto de ter ocultado o seu passado não são indicadores claros? Se ele o tivesse feito... é preso por ter cão...
Mas isto é uma abóbara (elegante;)))) a botar faladura.

Fiquem bem


Ainda bem que ser de esquerda e gostar do Fidel não levanta celeuma se não... ai ai Nobelzito in Lanzarote.;ppppp

andorinha disse...

Noise,

Nem toda a gente aqui apontou o dedo, miúdo. Tu lês o que as outras pessoas escrevem???!
Não escrevem normalmente é tanto como tu.:)

thorazine disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
thorazine disse...
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thorazine disse...

"Até o receio que o conhecimento destrua ideias a que tão comodamente se aderiu são bloqueios importantes em termos de reflexão."

Meu "amigo", como eu concordo contigo..LOL

Mas aliás, não acho que é sabendo distinguir entre as Luftwaffe e as SS (porque o Sr até pertenceu a uma "extenção" das SS) que se pode inferir sobre a pessoa que é o Sr. Grass. Só se conseguiria através dos factos, saber (talvez através da sua escrita) que ideiais navegavam na sua cabecinha (salvo seja) na Alemanha pós Nazi, a pessoa que ele mostrava ser (pode muito bem não ser o que parece, mas o importante é que tipo de influência foi). Ou mesmo dois dedos de conversa com o Sr... (será que ele têm mail?) :)))

É a mesma coisa que inferir sobre a pessoa que vou ser (se chegar lá, [que deus nosso senhor me proteja :]) daqui a uns anos só por andar nestes "antros"!! Sou um "cátaro" do tempo moderno! :))))))))))))))))))))))

Acho que é inevitável fazer julgamentos, seja o assunto que for. E como é impossível saber sobre TUDO, por isso vai-se especulando. Agora acho que o que é importante é não assumir a especulação como verdade absoluta. Penso eu...

10:38 PM

noiseformind disse...

Andorinha e Cetê,
Não se preocupem que as carapuças são como os preservativos... ; )

andorinha disse...

Thora,

Acho que é a primeira vez que falo contigo desde que deixaste de ser teenager....
Concordo contigo, muitas pessoas não gostam de reflectir, mas sim de papaguear. Reflectir dá muito trabalho.:)

Como diz o post, o que tem que ser avaliado é o valor da obra e mais nada.
A comparação pode parecer um bocado disparatada, mas tem de certa forma, os mesmos contornos.
Muita gente discordou do facto de o Zidane ter sido considerado o melhor jogador do Mundial por ter dado a cabeçada no italiano ( não me lembro do nome). Para mim, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ter dado uma cabeçada e ter sido expulso faz com que ele tenha deixado de ser o melhor jogador???
É preciso não confundir as coisas.

andorinha disse...

Noise,
Felizmente.:))))

thorazine disse...

Andorinha,
é verdade. Emigraste para sul, pelo que ouvi dizer.
Mas sabes, acho que o exemplo que deste é diferente. Ser bom jogador, engloba todas as atitudes que se tem em campo incluindo o "fair-play". Os problemas pessoais são para ser resolvidos fora do campo, lá dentro é importante é a bola entrar na baliza contrária. Desculpa, mas considero positivo que sejam condenadas atitudes dessas em campo. Que exemplo é para o público? Era uma incoerência da parte da FIFA condenar atitudes violentas dos espectadores e dar títulos a quem não cumpriu as regras do jogo.

Em relação ao Sr Grass não é o prémino Nobel da Paz. O tema é literatura..que nada têm a ver com a atitude da pessoa a não ser a escrita. Jogar futebol inclui jogar sem agressões. :)

andorinha disse...

Thora,
De vez em quando emigro, faz-me falta:)
Claro que o exemplo é diferente.
E o Zidane teve a correspondente sanção disciplinar, como não poderia deixar de ser, isso é óbvio. Mas isso é a esfera disciplinar e ele foi punido.
Outra coisa, para mim diferente, foi ajuizar se ele foi ou não o melhor jogador. E ele até é um jogador com fair-play e isso também deve ter sido levado em conta. Reagiu impulsivamente porque foi provocado. E isso é simplesmente humano.
É a minha opinião.
Não precisas de rebater:))), cada um fica na sua.:)

PAH, nã sei! disse...

cada vez mais gosto de aqui passar... :))))
oh caro Professor, isto parece o "jogo da carica", cada desgraçado de comentário é atirado com o objectivo de acertar noutro :)) vivam as férias e a descoordenação de pensamentos!!
E viva o tempo livre, para se poder parar, reflectir e... responder a tudo menos ao que nos perguntam :)
(não tome isto como uma crítica, estou "sinceramente" a ser sincera!!)

lobices disse...

...era aos Sábados de manhã; já saímos de casa fardados a rigor; camisa e calções de cor esverdeada com boné e o que eu gostava daquele cinto que me segurava o calção... tinha um S na fivela... um S que eu nunca soube, na altura, o que significava...
...fazíamos não me lembro se 2 ou 3 fileiras; acho que se cantava o hino e o porta bandeira à frente ordenava que lhe estendessemos o braço direito numa saudação que depois vim a saber, anos mais tarde, ser a saudação fascista, a saudação hitleriana
...teria os meus 8 ou 9 anos, não me recordo mas durante aquele espaço de tempo a rua não tinha movimento, tinha apenas as nossas actuações de cerrar fileiras e marchar, marchar, marchar
...anos 50
...tenho saudades de ser menino e de brincar aos cowboys e aos polícias e ladrões
...tenho saudades da inocência
...inocência que queriam moldar à vontade dos senhores que eu nunca conheci
...depois, em 1961, veio a guerra e em 1967 fui para a tropa; tive medo da guerra e fiz todos os possíveis para ficar nos primeiros lugares tanto na recruta como na especialidade (os melhores não íam; começavam a ir primeiro os de baixas classificações, ou seja, íam para a guerra os "piores"...)
...fiquei cá, sentado a uma secretária amanuense; fiz a guerra com a caneta e a máquina de escrever
...não fui obrigado a matar e ainda bem pois não sei se teria tido a coragem para o fazer!...

vareira disse...

Lobices:
meu pai, de família humilde, não conseguiu dar o salto!Foi para angola e lá esteve 3 anos.Minas e armadilhas.Viu morte em muitos companheiros.Só há muito pouco tempo contou algumas coisas.
Foi obrigado como muitos, mas sempre foi um homem da liberdade como ainda hoje o é.
É um homem justo,fraterno,de grandes ideais...como posso pôr em causa tudo isto só porque ele esteve lá e teve de matar!

ASPÁSIA disse...

Lobices e Vareira

Ficquei comovida com os vossos testemunhos.

Meu pai felizmente não foi à tropa (além do mais em 1932 não havia guerra...) por ser muitíssimo magro, e, com 1,83m parecia um palito. Era mesmo conhecido em Setúbal pelo "Amigo Palito". Donde se vê que ser magro livra de muitas complicações...

Beijinhos :)

vareira disse...

Aspásia
Hoje comentava com meu pai(vem uma entrevista na visão do Glass)a ida dele para a tropa e fiquei ainda mais orgulhosa:ele não deu o salto não só por falta de dinheiro, mas porque o seu pai,comunista ferrenho,activo e meio perseguido(lá se foi safando), estava bastante doente dos pulmões e ele achou que nunca mais o iria ver se fosse para França.O amor move montanhas, ideais e vontades...

Lord of Erewhon disse...

Não percebo a que título aparece a referência aos cátaros... eram fundamentalistas? autodenominavam-se «os puros»? etc? Parece-me uma referência sem sentido.
E os católicos??? A primeira das cruzadas não foi na Palestina... foi exactamente o genocídio dos cátaros!

Quanto ao resto... enfim: é triste!!
O homem não é nazi, e é tudo.

P. S. E o Nobel... é democrático? Adoro a «lógica» por detrás da atribuição do Nobel da Paz... Hilariante!