segunda-feira, maio 16, 2011

A sombra.

Sábado fui à Casa Museu Bernardino Machado em Famalicão. Tertúlia agradável, com muitos Machados na assistência:). A fotografia do Bisavô nas minhas costas não as vergou sob o peso da responsabilidade. Mas a sombra de meu Pai, que de certa forma "construiu" grande parte da exposição permanente e dos arquivos, pairou a noite toda. Quando ali o representei, pouco tempo depois da sua morte, senti como a vida pode ser cruel - não viveu o suficiente para assistir ao nascimento da obra que mais ambicionara. Por isso, ao consultá-los sobre o convite que me tinha sido endereçado, as respostas de meus filhos foram imediatas e semelhantes - "vai em nome do Avô Júlio". E eu fui. Orgulhosamente humilde - não lhe chegarei nunca aos calcanhares.

17 comentários:

andorinha disse...

Os seus filhos tiveram razão.

E o que importa é que foi e o espírito com que foi.

Tudo o resto - chegar ou não aos calcanhares - é irrelevante.:)

andorinha disse...

Acrescento: o Júlio é que acha sempre que não lhe chega aos calcanhares, ou que fica aquém das expectativas, mas ninguém é bom julgador em causa própria, portanto...deve haver aí uma deficiência qualquer de análise:)))

andorinha disse...

Está tudo a dormir, mas aqui deixo:

http://www.youtube.com/watch?v=IYzlVDlE72w

Whitney Houston, The greatest love of all


Continuação de bons sonhos:)

Bartolomeu disse...

Yah, comungo da opinião da Ave que nos chega em cada Primavera;chegar aos calcanhares de alguém que em algum, ou alguns aspectos nos serve de modelo, é irrelevante.
Basta que se coloque no lugar dos seus filhos, sem saír do seu, para claramente perceber essa... poderei classifica-la de docitomia?
... possivelmente o termo será inadequado.
Mazolhe, caro Júlio; ser bisneto de um ex-Presidente da República, e ter a possibilidade de continuar a viver numa república em que os presidentes têm a todo o custo contribuido para a corrupção do espírito de liberdade, igualdade e fraternidade que os de então sonharam... é que, no meu ponto de vista, constitui um forte exercício de humildade!
;)

Bartolomeu disse...

(docitomia?)
Já estou como o Pedro, fdp da dislexia...
Acho que quis escrever "dicotomia"... ou algo do género, sei lá. Ás tantas, já estou meio baralhado...
;)))

Manuel disse...

Interessante reflexão sobre a relação de cada geração (de cada um de nós) com a anterior e a seguinte.
Enquanto temos duas gerações à nossa frente, não se nos põem problemas. Quando perdemos o nosso avô achamos «normal» (ou estamos ainda na base da pirâmide ou no seu meio, protegidos, contudo, pelo topo); para além da perda afectiva, o problema do nosso lugar na escala ainda não nos fragiliza muito. Quando perdemos o nosso pai sentimo-nos desprotegidos, projectados para a beira do abismo. Passámos a ser o protector dos que estão atrás de nós (uma ou já duas gerações) precisamente quando acabámos de ficar mais frágeis.
Daí que o Prof. tenha dito «A fotografia do Bisavô nas minhas costas não as vergou sob o peso da responsabilidade. Mas a sombra de meu Pai… pairou a noite toda.»
E aparentemente deveria ser o contrário, dado o contexto simbólico e institucional (e a projecção pública do primeiro) que é, certamente, ainda maior do que a do segundo.

Sobre as relações entre pais e filhos:

«Father & Son»: Cat Stevens
http://youtu.be/4cpX1ZjuaiA

ana b. disse...

Prof:

Faz-me sentido o comentário do Manuel. E espero que, num dia ainda muito longínquo, os seus filhos sintam o mesmo em relação a si:)

Há dias apenas, e a propósito da morte da mãe de uma pessoa amiga, constatei que estou naquela fase em que começam a morrer os pais das pessoas da minha geração. E invadiu-me o temor de me sentir chegar à frente. Terrivel sensação!

Tété disse...

Olá Professor,
Há anos que o ouço, que o sigo, mas que poucas vezes ou nenhumas comento, porque os comentários no seu blogue são de tertúlia e não de lamechices.
Sabe uma coisa, sempre fui lamechas e agora com a idade (sim porque vou fazer 61) acho que piorei. Pesa o facto de ter atravessado uma situação de saúde algo grave que acho que já está resolvida. Esperemos...
E que conversa é essa de não chegar nunca aos calcanhares?
Sabe bem (mas não pratica)o valor que tem e que é reconhecido por todos. No entanto, tem representado o seu papel o melhor que pode e sabe e como no final de cada exibição da peça os aplausos traduzem o contentamento dos espectadores, no seu caso a plateia continua de pé.
Abração
Teresa

Caidê disse...

"Orgulhosamente humilde(s)", eis como nos sentimos perante a memória dos nossos grandes referentes.
E se eles se encontram no seio mesmo do nosso clã, a biologia quadruplica o sentido da responsabilidade sobre a memória.
Imaginamos que se eleva à n potência quando, no clã, a memória nos reporta à memória colectica, no sentido de socialmente partilhada
Já não bastava uma simples genealogia levantada sobre laços de sangue (e de consequentes afectos), celebrada dentro de um clã. Já não bastava um ritual sagrado, mas do foro de domus. Ainda assim, uma religiosidade, pois…
Eis que é de uma tribo a memória colectiva.
Perdida a memória de consanguinidades (porque nem sempre presentes), é de construção de identidades e de identificações que falamos.
No clã há família. Na tribo há um prolongamento da consanguinidade, uma transposição do sentido de pertença, por laços de construção identitária com o grupo alargado para lá até da família alargada.
Há partilha de valores, há imersão na cultura identitária.
No caso, há um projeto social que se vem solidificando e vem amadurecendo (cheio de erros pueris e vícios de juventude) no tempo histórico: a República, um modelo socio-político de governação, cidadãos participativos, sobretudo e finalmente, uma utopia a quotidianizar - a democracia!
E falei de utopia porque a democracia que conhecemos não impregna ainda no modelo de democracia português o quotidiano de todos os cidadãos, teoricamente iguais perante a lei, com liberdades de expressão individual e de ação associativa, sublevando-se em um espírito de fraternidade.

Caidê disse...

Fiz a 1ª audição de “O Amor é …(Fim de semana)” (15 de Maio).
Uniões e Separações nas relações estáveis com coabitação – bom tema!
Só vacilo perante uma experiência clínica que se reporta a relações desta natureza num âmbito pequeno-burguês ou burguês. É preciso cuidado! Há relações não representadas nesse universo de experiência clínica.
Há também muitas formas de representar o amor, já que é segundo esse critério que as pessoas devem referir ter embarcado na tal relação estável com coabitação. Que tipo de subjetividade existe em cada representação individual do que é o amor? Uma vez transposta essa subjetividade para o interior de uma relação concreta como é que cada um idealizava antes, idealiza no momento da entrevista a sua relação? Como cada um fala e sente as razões para valer a pena continuar ou romper?

Foi uma audição superficial, reafirmo.

Houve um momento em que fiquei numa situação de pasmo. Foi quando o professor disse que Yoko assumiu uma posição de poder na relação com Lennon, ao afirmar que ele não poderia voltar, caso continuasse a consumir cocaína. Avaliaria mais como uma posição em que Yoko se respeita e não pode passar a desrespeitar-se aceitando partilhar o seu quotidiano com um dependente de droga. Seria aceitar trazer complicação para dentro da sua própria vida, uma vez que a partilhava com um dependente. Se ela se desrespeitasse, a relação ficaria pouco saudável. Para uma relação saudável são necessárias 2 pessoas mentalmente saudáveis ou que projetam, pelo menos, fazer por isso. Para Yoko ver Lennon destruir-se seria doloroso, imagino. Quereria ela viver essa dor dia a dia? Longe da vista, longe do coração – afastar-se por não aguentar, nem querer aguentar, sofrer numa dose que considerava excessiva para si acho equilibrado. Fico-me na opinião de que ela não se deixou anular por dependência afetiva. Não manipulou ninguém. Não exerceu nenhum ato contra a vontade genuína do outro. Foi senhora da sua vida, ponto final.

Caidê disse...

E hoje o estado de espírito parece estar lamecha:

http://www.youtube.com/watch?v=4yqNxN0v7I8&feature=related

AQUILES disse...

Somos filhos, ou pais. Mas seguramente todos somos distintos uns dos outros. Cada um com o seu destino. O grande amor que nutrimos pelos nossos é que nos levam a ser objectivos connosco.

Moon disse...

Bullshit!:)

Anfitrite disse...

Manuel,

Desculpe mas gostava de lhe perguntar se leu, e se não, permita que lhe recomende a leitura de um livro da premiada investigadora e historiadora Isabel Pestana Marques intitulado “Das Trincheiras, Com Saudade”. E assim verá que toda a moeda tem duas faces. Enquanto uns rejubilam, outros nem puderam fazer o luto, porque não havia corpo, apenas resta o nome gravado no portal do edifício da Câmara Municipal, dum familiar, que sem saber me deu origem. Acho que nós também deveríamos ter direito a ter um museu dos condenados, sem crime.
Junto apenas uma página para lhe despertar o apetite.


44 DAS TRINCHEIRAS, COM SAUDADE

PORTUGUESES


"Vae consumar-se a grande tragedia! O maior de todos crimes que a historia de Portugal poderá registar vae ter o seu epílogo !

Vencem os partidarios da nossa participação na guerra: Bernardino Machado esse estrangeiro a quem a perfidia de Guerra Junqueiro fez eleger Presidente da Republica; Afonso Costa, Norton de Matos, Leote do Rego, Antonio Maria da Silva, General Correia Barreto, Vasconcelos Dias e toda a canalha que em volta dêstes gira, a formiga, Antonio José d'Almeida, Coronel Coelho, Mesquita de Carvalho, Pedro Martins, Eduardo de Sousa, etc, conseguem contra a vontade da nossa a1ia¬da, mandar soldados para a morte! Para defender o solo patrio? Alguma ofensa á Republica? A pedido da Inglaterra ? Não, não e não.


Vão morrer de fome, de frio e de vergonha os nossos irmãos porque isso convêm aos empresarios da guerra que esperam, assim, com o sacrifício de milhares de compatriotas, com a dôr que alcanceará os velhos, as mulheres e as crianças que escaparem á hecatombe, fazer esquecer e deixar na impunidade todos os roubos, todas as traficancias, todos os crimes que cometeram para se encherem de dinheiro, para depois, como cinicos e devassos gosadores, viverem onde não sejam conhecidos, a vida dos bordeis, das casas de jogo, dos antros do vicio e do deboche.

Vão partir soldados portugueses. Vão mostrar ao mundo inteiro que são valentes, que são dos mais destemidos. Vão sem fatos, sem botas, sem armas e sem munições! Vão só com as suas grandes almas de heroes provar ao mundo inteiro que não ha cobardes no exercito português. Mas antes de partir para o campo da honra, antes de deixar o sólo patrio, antes de dar o ultimo beijo aos entes queridos, aqueles que nos venderam como carneiros, aqueles que por vaidade senil e parva, aqueles que por criminosos interesses tão de rastos solicitaram a nossa carnificina, terão que pagar com a vida, com a retaliação das suas carnes e a de todos os seus, o maior crime que a historía de Portugal poderá jámais registar.


Um grupo dos que partem

Folha volante distribuída em 1917 pela propaganda antiguerrista. (A.H.M

Julio Machado Vaz disse...

Caidê,

Desculpe se não fui claro. Exercer o poder numa relação para nos mantermos fiéis a nós próprios é perfeitamente legítimo! Ao dizer "não voltas" um poder sobre o outro é exercido; ao dizer "não perdoo", também. E às vezes estamos a exercer o poder sobre partes de nós, não acha? Que gostariam de ceder. E quem nos pode julgar por isso?:).

Manuel disse...

Anfi:

Antes de mais, seja bem-vinda ao nosso convívio depois de tão prolongada ausência.

Obrigado pela sua sugestão. Não, não li o livro, quando puder irei mirá-lo, tirar-lhe as coordenadas antes de me decidir comprá-lo e lê-lo, como sempre faço.

Para ser sincero, não compreendo a sua interpelação (limitação minha, admito sem dificuldade). Como consegue dar um salto tão grande do registo psicológico do meu comentário para um registo político anti/pró participação portuguesa na Grande Guerra?

Aqui vos deixo uma música de um artista de que gosto muito:

«Angel caído»: Luís Pastor & Orquestra de Extremadura
http://www.youtube.com/watch?v=pnV_31UH9wQ

Caidê disse...

Professor
Creio que há fidelidades que nos devemos, sim. Exercemos o domínio de partes de nós quantas vezes. Já me aconteceram episódios vários em que senti e/ou disse "gosto, mas não quero" e/ou "gosto, mas não é o momento". Questões de princípios em que deixamos reinar a ética. Questões de prioridades re-avaliadas em circunstância.

“Relações de poder numa relação” – para ser escorreito o entendimento os interlocutores prosseguem definindo-o para si. A sua descrição ajudou a entender ao que se referia.

Também creio que ninguém nos pode julgar pela fidelidade a partes de nós digamos “sim” ou “não”. A menos que atentemos contra outro desrespeitosamente.