Comissão: Peritos nomeados pelo Governo recomendam
Troca de seringas nas prisões
Carlos Barroso
A Comissão de peritos nomeada por despacho conjunto dos ministros da Justiça e da Saúde em Janeiro deste ano para o combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional vai recomendar a adopção de programas de troca de seringas, efectuada por técnicos de saúde em todas as prisões portuguesas, apurou o CM.
Paralelamente, a mesma comissão proporá ainda três ou quatro programas-piloto de troca de seringas por máquinas (põe-se uma seringa usada, sai uma nova) estando ainda por definir quais os estabelecimentos prisionais em que será proposta esta segunda fórmula.
As prisões em que será sugerida a troca por máquinas deverão ser definidas na próxima quinta-feira, 20 de Julho, última reunião de trabalho da Comissão antes de entregar as recomendações aos dois ministros.
Publicado em ‘Diário da República’ no passado dia 24 de Janeiro, o despacho ministerial conjunto que constituiu o grupo de trabalho deu aos respectivos membros um “prazo de 180 dias” para “apresentar as propostas”, cujas linhas gerais o CM hoje antecipa.
Depois de ouvidos representantes dos vários sectores ligados ao meio prisional, incluindo o Sindicato do Corpo de Guardas Prisionais, o grupo de trabalho vai propor que sejam disponibilizados “programas de troca de seringas nos postos clínicos de todos os estabelecimentos prisionais do País”.
A troca passa pela disponibilização ao recluso toxicodependente, portador de uma seringa usada, de um ‘kit’ de consumo asséptico, a exemplo do que sucede nas farmácias normais.
Serão ainda recomendados três ou quatro programas-pilotos, a reavaliar no prazo de um ano, de troca de seringas efectuada em máquina. Semelhante às máquinas de venda de cigarros, bebidas e produtos alimentares, estes equipamentos não funcionam com moedas, mas por troca directa de seringas: põe-se uma velha, sai uma nova.
A coordenadora da Comissão, Graça Poças, explica que “o objectivo é não discriminar os reclusos face ao meio externo”, acrescentando que é essencial a “integração dos presidiários no Serviço Nacional de Saúde”. Mais, defende que, “se há um Plano Nacional para a Tuberculose, não se percebe porque não são os reclusos abrangidos por ele”.
As recomendações não são vinculativas, mas os peritos foram escolhidos pelos ministros da Justiça e da Saúde. Dois membros do grupo de trabalho (João Goulão e Nuno Miguel) fizeram parte da Comissão para a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga em 1999, que, nomeada pelo então ministro Adjunto e actual primeiro-ministro, José Sócrates, deu origem à descriminalização do consumo de drogas.
DA ABERTURA LEGAL À REALIDADE ACTUAL
A possibilidade de programas de troca de seringas em meio prisional foi aberta com a Lei n.º 170/99, que descriminalizou o consumo de drogas. À data responsável por esta tutela, o então secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Vitalino Canas, liderou, em 2001, uma delegação portuguesa para tomar conhecimento de experiências em curso nas prisões de Espanha e da Suíça (Berna). Apesar de algumas posições favoráveis, como João Goulão e Elza Pais, e reservas de outros, como Celso Manata (ex-director- -geral dos Serviços Prisionais), o processo não conheceu qualquer evolução legal. Das eleições seguintes resultou uma maioria PSD/CDS-PP, sendo a ministra da Justiça, Celeste Cardona, frontalmente contra aquela possibilidade. Agora, face à elevada percentagem de presos toxicodependentes e infectados por uma ou mais doenças infecto-contagiosas (34,9% sofre de hepatite), os ministros da Justiça e da Saúde nomearam uma comissão para elaborar um plano de acção com vista ao combate às doenças infecto-contagiosas em meio prisional.
AS OUTRAS PROPOSTAS
Além da possibilidade da troca de seringas pelo pessoal de saúde em todos os estabelecimentos prisionais e da criação de três ou quatro programas-piloto de troca por máquina, a Comissão propõe um conjunto alargado de intervenções em meio prisional. Incluem-se o alargamento dos programas terapêuticos livres de drogas, dos programas de substituição por metadona e a integração dos reclusos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Passa a caber às Administrações Regionais de Saúde, em conjunto com o Instituto das Drogas e Toxicodependência, integrar os presos nos respectivos serviços, incluindo o Programa Nacional de Luta contra a Tuberculose.
REALIDADE EM NÚMEROS
12 728: Era o total de reclusos existentes nas cadeias portuguesas a 31 de Dezembro de 2005.
1152: É o total de presos positivos para o VIH/sida, dos quais 658 fazem terapia anti-retroviral.
9,03%: Percentagem de reclusos infectados pelo VIH/sida. No total, 1093 são homens e 56 mulheres.
34,9%: Percentagem de reclusos com hepatites. Destes, 2500 têm hepatite C, 433 têm hepatite B e 240 têm ambas.
250: Euros por semana, por recluso, é quanto custa o tratamento, com ‘interferão’, para a hepatite C.
'SISTEMA PRISIONAL SEM CONDIÇÕES' (Fernando Negrão, Deputado eleito pelo PSD)
“Instalações inadequadas, excesso de reclusos, falta de guardas e sistema de saúde indefinido marcam o nosso meio prisional. Enquanto assim for, creio não haver condições. Se, por hipótese, todos os outros problemas estivessem resolvidos, o modelo que eu preferiria era o que assegurasse a confidencialidade para evitar retaliações.”
'É UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA' (Carlos Poiares, Professor de Psicologia Criminal)
“Enquanto houver consumo nas cadeias, é uma questão de saúde pública. Sai mais barato uma seringa do que uma doença infecto-contagiosa. Os consumidores condenados a uma pena não são condenados a uma doença. Acho que os reclusos devem sentir-se mais à vontade frente a uma máquina do que frente ao profissional de saúde.”
Rui Arala Chaves
P.S. Já referi que concordo com a medida, mas um dos comentários à notícia fez-me sorrir. Perguntava um dos leitores - "Mas de onde vem a droga?". Pois. Se ela não entrasse:))))). Ora aí está um tema que é um vespeiro...
13 comentários:
Já em 98?
Mas isso comprova o país. Comissão atrás de comissão, estudo sobre estudo, mas o que é preciso é que nada mude. Ninguém gosta de mudanças por este país. Por isso é que todas as soluções já estão encontradas após os diagnósticos dos problemas. Mas as mudanças chocam sempre com interesses instalados, por mais banais e singelos que sejam. E as mudanças são sempre um "tema vespeiro".
Eu, como pessimista militante, não creio que algo vá mudar neste país. E vamos ver se estes resultados desta comissão não vão ficar imóveis. Trocar seringas? Isso era admitir que há droga nas prisões com tráfico "legitimado".
Quem se apresentasse para a seringa era porque tinha droga e podia dizer como a tinha adquirido.
Tudo na mesma que a reformazinha é certa.
Boa noite.
De boas recomendações está o inferno cheio.:)))
Como o Aquiles referiu, sucedem-se os estudos, as reflexões, as recomendações e permanece tudo na mesma.
Desta vez palpita-me que vai acontecer o mesmo.:(
Neste sentido, já somos dois pessimistas militantes.
"presos por ter cão e presos por não ter"
seria bom que acreditássemos mais nas medidas positivas dos governantes e que depois as fiscalizássemos, seria bom que confiássemos mais nas boas intenções das pessoas e nas pessoas, seria bom que nos distanciássemos mais das paixões politico-ideológicas familiares que nos cegam, seria bom que não quisessemos tratar 2 problemas ao mesmo tempo quando 1 é mais urgente.
Atão e o pessoal que anda na Diabetes, também já tem seringa gratuita?
Daria vontade de rir...
... eu se alguma dia me meter na Diabetes dobro um Jornalito vou arrumar carros para ao pá da Farmácia para me aviar da dita seringa para não ser discriminada, "MAI NADA"
bejocas
Onde pára a correctora "Horto-gráfica", caraças?
As ciganas (sem ofensa para a variedade que eu por acaso sempre tive uma fantasia de ser uma ;]]]]) levam-na nas tranças.
Cêtê,
Looooooooooooooooooool
Deve estar de férias.....e ainda bem:)
Cête,
pensando como tu nem os preservativos deveria ser oferecidos. Qual é? Toda a cuidadosa Dona de Casa paga à grama a sua luva de latex! ;]]]]
Boa tarde.
Fiquei impressionada com alguns números, 34,9% de hepatite!:(
Espero que não fique tudo em águas de bacalhau.
Vou destacar o seguinte, a primeira frase pela negativa e as outras porque concordo com o que foi dito:
"... o processo não conheceu qualquer evolução legal...sendo a ministra da Justiça, Celeste Cardona, frontalmente contra aquela possibilidade."
"...o modelo que eu preferiria era o que assegurasse a confidencialidade para evitar retaliações." (F. Negrão)
"Os consumidores condenados a uma pena não são condenados a uma doença." (C. Poiares)
A droga existe nas prisões porque a sua passagem através dos visitantes não é detectada pelo pessoal ou porque ele próprio a fornece: logique de la batate. Claro que ao reconhecer oficialmente qualquer das possibilidades, um governo (M. Justiça) estará a admitir que grande parte dos funcionários prisionais são ou incompetentes ou corruptos.
Pamina
Não é ou.
É incompetentes e corruptos.
trorazine,
Pois dizes bem: também quero preservativos de graça. Não me lembrei deles porque usufruo dos de boa qualidade e não sou eu que os compro. LOOOOL
Mas agora que lembras... qual é?
É preciso "meter na veia" para os ter de graça? É que nem promoções há...Bem há as embalagens com mais unidades que (LOOOL) ironicamente se apelidam de "familiares"
cête, basta ires ao centro de saúde que tens direito à pilula e a preservativos! :)
Para mim é básico. Questão de saúde pública! Quem pensa que os "drogados" não deve usufruir de tratamento médico, prevejo que também condene tratamento facilitado para quem se fere na prática de desportos radicais. É o lema: "Chamaste-a? Agora atura-a! :))
É pensar no umbigo. Quem tiver familiares toxicodependentes obviamente não pensa assim. Só nos preocupa o que nos toca ou o que é "socialmente correcto"! :((
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