Boa tarde Júlio, Claro que não. Não sou crente, mas se quisesse falar com Ele, detestaria ter que recorrer a intermediários. A história das confissões é outra das tais que sempre me custou a compreender.
"Ninguém tem o direito de se intrometer entre uma consciência e Deus"
Quantos, sem o serem, não desempenham essa tarefa de intromissão como se de psicólogos se tratassem ?! Com uma real vantagem competitiva sobre os psicólogos e, ainda por cima, com o beneplácito dos "pacientes"...
..pois eu nunca me intrometo com uma consciência e Deus... e continuamos com a água correndo:))) o manolo q queria pica !!! vai se picar ;))))))))) rsrsrs
Alguns dizem que sim mas sempre precisamos de uma bengala nem que seja para levarmos umas "bengaladas" ;) A anarquia também não é o sistema mais propício para o ser humano embora seja o mais perfeito. Estamos, portanto, "condenados" a ser enquadrados ;)
"Mas como é que são a mesma coisa, a consciência e Deus ?! Alguém me explica ?"
A explicação pode existir... é tudo uma questão de imaginação e criatividade (ou de fé, o que é respeitável). Agora que essa explicação seja plausível, é que é mais difícil... ;-))
Mas que consciência podemos nós encontrar naqueles que, a nosso ver, são inconscientes? E se os supostos inconscientes forem agnósticos? Parece-me também que há muito inconsciente por aí a desculpar-se com "Deus"...de repente lembrei-me dum Bush, mas deve ter sido uma ratoeira do meu cérebro, inundado pelas notícias escabrosas dum país organizado que deixa morrer milhares e ainda está a reflectir se deve aceitar as ajudas dos outros países... desculpem-me, devo ser mesmo eu a inconsciente, afinal...
... mas quem disse q eram a mm coisa?..... quem disse q a consciencia = Deus? quem disse q Deus não existe? ..opssss.... isto prof será uma serie de 190 episodios e mm assim, não chegariamos a um consenso.. opsss vai ser pior q o curso de filosofia ..... isto vai ser pior q o preço do petroleo...q é quase pornográfico ..:))) eu passo já uma procuração ao noiseee :))))))))))))))ahahahaha
O tal de DEUS, de quem fala Yourcenar, não estará em todos os sobressaltos que conduzem aos colapsos e às extinções?
É que, é tanto pela noção de ruído determinista presente na química/física, como pela noção de sistema que ‘aprende’ e muda de natureza (que caracteriza também a natureza humana), que a minha CONSCIÊNCIA se entende com esse DEUS; ou seja, é no DEUS que está envolvido n’ISTO que ELA se concentra;
E, porventura, estará essa CONSCIÊNCIA de DEUS mais presente na nossa ‘vida nua’ do que no nosso ‘poder’? Diria que se encontra em ambos.
Se, como dizia o engenheiro-filósofo 'místico é tão somente o facto do mundo existir', parece-me (ou à minha CONSCIÊNCIA), que místico é tão somente o facto de ELA estar a experimentar esse pensamento ou sensação.
Em relação à dicotomia tão discutida "consciência versus Deus", tenho a seguinte opinião: o que interessa é que tenhamos um sistema de valores pelos quais nos consigamos reger e saber o caminho que seguimos, para conseguirmos ter a sensação de saber o que fazemos e o que queremos (ao menos isso!). Agora se dispomos desse sistema em nós próprios ou o depositamos num ser superior que supostamente nos governa, é uma questão de responsabilidades...e cada um arca com as que pode!
É para mim complicado responder ao teu comentário, porque abordas conceitos que para mim não são muito lineares. Confesso, por isso, que não sei se entendi bem o que dizes.
"O tal de DEUS, de quem fala Yourcenar, não estará em todos os sobressaltos que conduzem aos colapsos e às extinções?" Não sei se está, não sei que sentido dás à palavra Deus. Se para mim, Deus não está envolvido nisso,como pode a minha consciência estar centrada nele? Confesso que não te consigo responder de outra forma.:(
Repitam: nada. O nada. Para sempre. E sempre. Chama-se "morte". É que há ateus que parece que ainda não se aperceberam da existência da morte. Mas, como disse o Zé Gomes Ferreira, quando ela se aproximar, cagam-se todos.
Se a consciência individual fosse Deus, deixariam de poder existir Leis, Ordem e Sociedade. O Homem regressaria ao estado animal. Acontece que o Homem é um ser social, o que significa que, acima da sua consciência estão os outros. Quer queira, quer não. Começa por isto: a consciência exprime-se linguisticamente, e a Língua é uma facto social, e não individual. Filosoficamente, a consciência individual autónoma é uma pura ficção. (Meu Deus!) P.S: Anónimo e Andorinha - realmente, não é uma escolha. Santo Agostinho mostrou que a Fé não depende exclusivamente do Homem. Em absoluto, não depende só do Homem ter ou não ter Fé.
fora-de-lei, Não estão nada a fugir ao tema. Se as pessoas acham que Deus e a consciência são a mesma coisa, aí não pode haver intromissão. É tudo uma questão de perspectiva.
Então quer dizer que muita da gentinha que acredita em Deus, encontrou nisso uma forma de "prolongar" a sua vida. Ou seja - e com o devido respeito - cagaram-se todos antes de tempo... ;-))
Mas isso deve para os dois lados. Porque a mim tanto me incomodam os crentes com fúria conversora, como os ateus com fúria desconversora. Ignoro ambas as falanges.
"Não estão nada a fugir ao tema. Se as pessoas acham que Deus e a consciência são a mesma coisa, aí não pode haver intromissão. É tudo uma questão de perspectiva."
Bem argumentado, sim senhora. Um registo digno de um(a) grande jurista... ;-))
Não querendo insistir demasiado na minha divagação agnóstica, ateia, ou panteísta, voto no pensamento do nosso amigo para quem 'deidade é a minha consciência'.
Quanto à morte/colapso/extinção, se costuma provocar 'borrada', é porque essa reacção física está inscrita no nosso ruído determinista (uma, por vezes, caótica autoregulação biológica) - várias horas depois de ter sofrido um brutal acidente de viação, pode-se ter descargas de adrenalina que, literalmente, ocasionam 'borradas' - será isto religioso?
Mais uma vez, perdoem-me alguma alarvidade que vos possa ter incomodado.
Cagaço da morte, anónimo, posso garantir que não tive das várias vezes que a confrontei em desastres brutais - quer saber? alguma excitação desmedida, talvez.
Escrevinhador (9.23) Pelo que percebi, também fazes distinção entre consciência e Deus, certo? Não percebi duas coisas - "A consciência individual autónoma é pura ficção". Porquê? "A consciência exprime-se linguisticamente..." . O que pretendes significar com isto? Para mim, a consciência exprime-se de muitas outras formas.
OK. Mas não foi isso que perguntei. Perguntei foi se a tua consciência está acima de tudo, incluindo os outros. Porque me parece que as pessoas dizem isso da consciência delas ser uma divindade sem terem bem a noção do que estão a dizer... P.S: Sou o anónimo de há pouco
Se digo que encontro a deidade na minha consciência, pretendo significar que a uniformidade da natureza que me maravilha (onde situo o meu ser) ou a sua precaridade, contra a qual protesto, pertencem a um 'mundo' que foi 'feito' pela minha 'consciência', ou seja, que eu própria construo permanentemente à minha imagem e semelhança.
Mas, afinal, que podemos nós fazer? Acreditar em 'mundos' idealizados por outros? Podemos, claro, respeitá-los, não os ignorar, não 'estar nas tintas' para eles!!
Andorinha: eu não conheço outra forma que não a linguagem para que a consciência humana se manifeste. Porque a recordação de imagens ou a sensações dispersas não se pode dar o nome de "consciência". Não só a consciência se exprime pela linguagem, a consciência é Linguagem. É por isso que há quem defina o Homem como "Ser de Linguagem". Ora, sendo a linguagem um facto social, colectivo, por excelência (não há Línguas faladas só por um Homem, nem pode haver), a pura consciência individual não existe. É formada por elementos colectivos. Quando alguém diz ou pensa "amo-te", não está a dar voz a um pensamento único, individual. No fundo, está a usar uma palavra e um conceito (e também não há conceitos fora da linguagem) formado por outros e tendo sentido só com os outros. Isto está confuso, eu sei! É que isto das relações entre a consciência e a Linguagem, se virmos bem as coisas, é o problema humano fundamental.
Quanto à questão Deus-consciência, eu repito o que já alguém aqui disse: afirmar que não se reconhece nada acima da consciência individual, para além de ser uma ilusão pelas razões expostas, pode ter consequências graves. Só aceitando que a consciência individual deve ser relativizada é possível ao Homem viver em Sociedade.
e.,(9.34) A mim não me incomodaste nada, pelo contrário.:) Queria apenas perceber-te melhor. "Deidade é a minha consciência" - com isto estou de acordo.
Li agora o teu comentário das 9.43 e penso que finalmente consegui entender-te. Só por isso, já valeu a pena este diálogo.
Escrevinhador,é isso (ou deve ser) o que eu quis dizer. Vejamos um caso prático. Um homicida diz: "deidade é a minha consciência". Aceitam isto? Então, se é, o tipo mata dez de uma vez, e não tem de prestar a ninguém, não é?
Portocroft: na base disso tudo está, repito, a linguagem. E nenhum homem isolado chega a adquirir linguagem. Mas é evidente que isto aqui é questão complexa. Acontece é que tenho de ir. Boa noite
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço, acima da consciência individual, a colectiva e, depois, sobre esta, imprimo novamente a individual, etc, etc, num vórtice que nem eu própria sei dominar.
Mas, se você puder ter alguma clemência, gostaria que lesse esta conversa que vou ter aqui com a cara
Andorinha
Disse N. Goodman em ‘Modos de fazer mundos’: ‘Fazemos melhor em concentrar-nos nas versões em vez de nos concentrarmos nos mundos’ (…) ou, diz ainda o autor, por outras palavras, ‘Os factos são pequenas teorias e as grandes teorias são grandes factos. Isto não significa (…) que se possa chegar às versões correctas por causalidade, ou que os mundos sejam construídos a partir do nada. Começamos, em qualquer ocasião, com alguma velha versão ou mundo que tenhamos à mão, com a qual ficamos encravados até termos a determinação e a habilidade para a refazermos numa nova. Alguma da obstinação que sentimos relativamente aos factos vem do poder do hábito: o nosso fundamento firme é na verdade impassível. A feitura do mundo começa com uma versão e termina com outra’.
COncluo, para encerrar o diferendo, que teremos diferentes versões do 'mundo' (que ninguém sabe exactamente o que é)
"Eu não conheço outra forma que não a linguagem para que a consciência humana se manifeste". "...a consciência é linguagem". Não estou totalmente de acordo. A nossa consciência pode-se manifestar através do agir nem tudo tem que ser verbalizado. Claro que o Homem é um ser de linguagem, mas as coisas não se esgotam aí. E o que é a linguagem? Isso poderia ser outra conversa.. "Quando alguém diz ou pensa "amo-te", não está a dar voz a um pensamento único, individual." Penso que está, o "amo-te" terá um sentido diferente conforme a pessoa que o diz. Claro que faz sentido para os outros, senão a comunicação seria impossível. E quando as palavras traem a nossa consciência? Em que ficamos? Eu sei que isto também está confuso, mas não é um tema fácil.:) Mas são os mais aliciantes...
Humm vou parecer beata, mas não faz mal. Sou católica e assumo. Não sou católica beata abomino padres e pregadores de valores corrompidos. Tenho fé, que nas horas piores me dá energia e esperança.Em tempos numa reunião de baptismo (a que fui obrigada a ir) o padre mandou para o ar a seguinte frase para acabar, olhando-me directamente "Nós estamos bem com Deus quando....?" Eu respondi "Quando estamos bem com a nossa consciencia" ele contrapôs "Não! Nós estamos bem com Deus, quando estamos bem com os outros!". Danada respondi-lhe "Vai desculpar-me, mas não pertenço á sua religião. Posso estar bem com os outros e ter-lhes feito algo mau sem que saibam e a minha consciencia acusar-me disso. Com o senhor talvez seja como diz, se não a tiver." Eu não sou habitual na igreja em horários de missa. Sou praticante de outra forma e a meu modo. A minha consciencia me dita o que tenho a fazer. Por isso professor, ouça-a. Parece-me pessoa bem formada, isso basta. Se tiver um ombro amigo como atrás referi(que é mudo) descanse a cabeça e aceite o carinho silencioso como bálsamo para a alma. Força! Na vida só a doença nos pode abater. Mal de amor?... Esse incha, desincha e passa ;-) Se pensar que o amor é como algodão doce, lindo até o meter na boca... Depois... perde o interesse, consegue recompor-se...ihihih Fique bem. MJ
Há meses, falando JMV de Zapatero e da sua 'lei' inovadora, citei aqui este mm texto, para me meter comigo própria, ao admitir as dificuldades em me 'entrosar' no tema - e para depois concluir que 'A feitura do mundo começa com uma versão e termina com outra’.
É sempre um prazer ler-te, embora o teu primeiro comentário hoje tenha sido, para mim, um pouco hermético, como já referi. Admito também uma certa dificuldade em me "entrosar" no tema, até porque é um assunto complexo. Complexo, mas aliciante. O que tem estado a acontecer até aqui, é na minha opinião, a tertúlia a funcionar no seu melhor. Debaterem-se temas interessantes sem se dizerem baboseiras ou sem se fazerem comentários totalmente descabidos e fora do contexto.
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço que ninguém é intrometido. e. - Murcon - Domingo, Setembro 04, 2005 - 10:15 PM
Nem mais! Claro como a àgua que corre. Dispenso os intermediários. A consciência é minha e não a partilho e as minhas conversas com Ele, não podem ser ouvidas por mais ninguém. São aqueles momentos de egoismo saudável ;-) Tita
Não é por isso que deixa de ser uma inconsciência.
A consciência, quanto a mim, obtém-se através da compreensão do mundo, do que nos rodeia, de nós e dos outros. E da sua aceitação, ao menos, como ponto de partida. ;)
Há mais de 2000 anos, os "intrometidos" - a mando de quem já muito sabia sobre o comportamento do Homem - apareceram à luz do dia para impedir a multiplicação de consciências livres, intrometendo-se entre o indivíduo e Deus.
Mais tarde, apareceram outros (que hoje até se dizem laicos) que resolveram tratar Deus por "Grande Arquitecto do Universo" para rivalizar num mesmo objectivo: levar a Humanidade para onde os sapientes querem.
Professor Esta é mesmo de quebra cabeça! Dificil! Consciência! cada um contrói a sua, apartir do mundo que vai conhecendo e principalmente do conhecimento que tem sobre si próprio; do seu corpo, dos seus afectos, das suas ideias e tambem da sua espiritualidade, que o pode levar à consciência de Deus.... Viver a vida no sentido da Alma pode ser algo que nos "obrigue" a estar em permanência com essa consciência, onde ninguem tem espaço a não ser ele próprio... Será professor?
Desculpe não o ter saudado por esta ruminação com q nos desafiou -tão poucos caracteres que se revelaram tão provocantes ... veja-se do que a 'gente' é capaz ...
O ser humano tem a capacidade de usar e se mistificar em tantas linguagens que penso que só no silêncio absoluto verdadeiramente se encontra."
PortoCroft tem a permissão toda :) Concordo consigo em alguns casos, porque até nisso somos complexos. Não me parece haver "como padrão" o silêncio, o isolamento ou outro qualquer meio... Cada caso, é um caso e mesmo esse não tem padrão definido para cada situação... É estranho e incontrolável... Podemos repartir experiências que se coadunem ás situações(de vivencias parecidas). Mas como os medicamentos, podem não ter o efeito desejado... Agora quem pede desculpas sou eu :o)
Escrevinhador, Gostei muito da tua tese, que para mim é a mais adequada. Aliás a frase da Yourcenar, surge algo descontextualizada. O que promove excursos sobre fé e o Deus convencional da vivilização judaico-cristã. Talvez linguagem seja algo de "levezinho" que as pessoas subalternizam. Mas se lhe falarmos no "sistema Língua", que permite por pura convenção de uma comunidade -com as evoluções milenares todas- fale e escreva e actualize conceitos que são verdadeiros paralimpsestos e que alguns chamam de Consciência Colectiva e outros ligam a uma ideia mística de energia superior. O que você diz lembra-me Wittgenstein, ainda que pouco ainda conheça dele.Gostava muito que voltasse ao assunto, se bem que o ex. do "amo-te" fosse bem elucidativo.
Agora q comecei o dia, leio-o e vejo q refere a linguagem, que tanto prezava aquele engenheiro que também dizia 'místico é tão somente o facto do mundo existir';
St Agostinho dizia que Deus é-nos mais íntimo que nós próprios. Isso significa que está sempre connosco sejamos crentes ou não.
A propósito de intermediários: parece-me difícil fazer caminho, qq que ele seja, sem companhia. Também na fé é importante caminhar acompanhado. Agora ninguém pode substituir a relação pessoal que cada tem com Deus. Haverá sempre padres e religiosos que nos causam má impressão e nós próprios iremos causar má impressão a alguém. Somos todos frágeis. Cada um de nós deve construir uma relação de maturidade com Deus e não depender de um qualquer líder religioso, por mais carismático que seja. Esse é também um cuidado que devemos ter quando iniciamos alguém na fé: que não fique dependente de nós.
Intrometer….eis algo de que o ser humano não resiste em fazer, é superior a ele!!!! Quanto a consciência…quanto a Deus…eu não vou botar discurso porque me estaria de certeza a intrometer. Ter opinião é um direito que me assiste agora expressá-la…será um direito ou é uma intromissão? Pessoalmente, creio que é um direito mas, invariavelmente, a maioria das pessoas não é capaz de o exercer sem resistir à tentação de o tentar impor, portanto deito mão ao velho ditado: O silêncio é de ouro. Deixemos então Deus lidar com as consciências em paz e sossego. Ora aqui deixo um BOM DIA para todos
Bom dia, bom dia maralhal l'enfant terrible, já te respondi no post, salvo erro, do Porty. Se te quiseres dar ao trabalho, ´são só uns cliques de rato.
Pois os chefes andam desconfiados por estas minhas incursões por estas paragens da blogosfera. Ou continuo e sou despedida, ou despeço-me para continuar ou encontra-se um meio termo. Vou entrar em negociações e que Deus me ajude!
A nau dos loucos Murcon lançou a âncora á procura de terra firme, para estancar a deriva. O mar é muito fundo nestas paragens... ainda estamos à deriva... Espero que a âncora não seja de cortiça!
DM - Um dos dogmas de alguma da filosofia do século XX tem sido a ideia de que sem linguagem não há pensamento. Esta ideia parece também decisivamente refutada por alguns resultados experimentais apresentados no seu livro.
AD - Exactamente. E, sobretudo, a ideia de que a consciência é uma consequência da linguagem parece-me estar completamente errada e há neste momento, entre os dados experimentais e a reflexão sobre esses dados, razões para a esquecer rapidamente. O que não há dúvida é que os níveis mais elevados de consciência, aquilo a que chamo "consciência alargada", necessitam de linguagem. Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.
É compreensível que as pessoas tenham pensado que a linguagem é necessária para a consciência. Apesar de a linguagem ser um dos processos mais complexos a nível biológico é evidentemente um grande fenómeno de comunicação, o que nos faz sentir que quase tudo tenha de passar pela linguagem porque nós usamos a linguagem para chegar aos pontos mais altos do nosso raciocínio e da nossa criatividade. Veja aliás como é irónico que a neurociência tenha começado exactamente pela linguagem. A neurociência começou pelo estudo da relação entre o cérebro e a linguagem. Isto é espantoso. A neurociência não começou por estudar fenómenos simples, não começou pelos neurónios; quase que se pode dizer que começou pelo ponto mais alto, que são os fenómenos da linguagem. Isso deu a ideia falsa de que tudo provinha da linguagem.
Outro exemplo desta curiosa distorção, de que também falo no livro é a seguinte: quando se pensa na marcha do conhecimento é óbvio que sabemos muito mais sobre a consciência moral, do ponto de vista biológico, filosófico e das ciências sociais, do que sobre a consciência cognitiva. Curiosamente, o nosso conhecimento marcha muitas vezes no sentido menos previsível. Começamos por compreender coisas muito, muito complexas e depois, a pouco e pouco, vamos chegando às coisas mais escondidas, que são também complexas, mas que são ao mesmo tempo mais simples.
Entrevista a António Damásio conduzida por Desidério Murcho Texto publicado no suplemento Livros do jornal O Independente (Junho de 2000) sobre o livro "O Sentimento de Si: O corpo, a emoção e a neurobiologia da consciência"
Portocroft: muchas gracias pelo excerto com que nos brindou. Não o conhecia. Mas devo dizer-lhe que sempre me apreceu que os Filósofos e os Cientistas não falam das mesmas coisas. De qualquer forma, assumo sem complexo esse dogmatismo dos meus pares: para mim, sem linguagem não há consciência. Ás vezes, um tipo não resiste ao dogmatismo :)
insone: obrigado pela simpatia, e pela contribuição clarificadora. Wittgnestein é, de facto, um dos tais "Filósofos da Linguagem". Ocorre-me que, até para contestar esta tese é preciso a Linguagem, e , sem ela,nem a tese podia ser elaborada, nem compreendida, nem refutada. Mas um desenvolvimento exige mais tempo. A ver.
E ocore-me isto: Damásio, para além de não clarificar o que entende por "consciência", dá como sustentação da sua tese experiências cirntíficas. Com isso, assemelha-se um pouco à euforia cientificista, bem típica do Século XIX: a ideia de que a Ciência não só deve como pode dar as explicações mais aceitáveis e indiscutíveis para todos os fenómenos. Acontece é que já não estamos no Século XIX, e esse cientificismo, hoje,merece reservas. Mas eu não conheço a totalidade da entrevista e da obra do senhor, e posso estar a ser injusto.
«[Para Wittgenstein] O pensamento é linguístico. A linguagem é um produto social e, por isso, a consciência não pode ser "privada". Isto significa que qualquer busca fenomenológica de "certeza" na "primeira pessoa" é um equívoco. (...) Falar ou escrever sobre experiências mentais significa utilizar uma linguagem pública com regras socialmente acordadas que criam tanto os significados como as referências»
Laurel Brunner
P.S: há por aqui negritos, mas eu não os sei põr. Falta cá o lobices:)
Porto K, parabéns, A âncora é de aço, e bateu no fundo com o seu comentário!
A linguagem é, portanto, a principal responsável pela cultura, pois é através da linguagem que nasce o "conceito" (no sentido de a "ideia), que é um meme (o meme está para a cultura de um indivíduo como o gene está para a sua constituição biológica).
Será Deus um meme? Terá a ideia de Deus caminhado ao longo das gerações de homens por ser uma "boa ideia", como os outros memes?
Se sim, e se a consciência do indivíduo é a percepção que ele tem do seu Eu cultural, então não é possível interferir entre a consciência do indivíduo e Deus. O que é possível é criar indivíduos manipulados meméticamente (!) como a ovelha Doli.
Talvez seja isso que se está a fazer nas madraças do Paquitão!
Segundo Damásio, nessa entrevista, 'Curiosamente, o nosso conhecimento marcha muitas vezes no sentido menos previsível.'
Efectivamente, parece ser assim em todos os debates e até neste - na nota 4 ao cap 4, 'A alusão meio aludida', do livro que você refere de AD, o autor diz:
"A consciência é selectiva porque não abrange todos os objectos na mente. De forma mais simles podemos dizer que alguns objectos podem tornar-se mais conscientes que outros. Existe uma enorme quantidade de objectos que podem tornar-se conscientes, mas nem todos se tornam. A verdade é que nem todos os objectos são iguais porque alguns são mais valiosos que outros para um organismo preocupado com a manutenção da vida. A consciência é uma propriedade contínua da mente porque, nas mentes normais e em vigília, há sempre coisas a serem representadas. (...)"
Mas, gostando de 'tentar entrar' no pensamento de AD, gosto também de o fazer no rigor das aporias do tal 'engenheiro da linguagem'.
Estava você a deduzir tão simpaticamente sobre se a consciência do indivíduo é a percepção que ele tem do seu Eu cultural e ... desvia-se para a criação de indivíduos manipulados memeticamente (!) como a ovelha Doli.
Perdi-me. Pode-me ajudar? Isto sem me querer intrometer demasiado - se quiser responder, agradeço.:)
Escrevinhador, Continuo em desacordo contigo. "Para mim, sem linguagem não há consciência." Como não? Não partilho a ideia de que a consciência seja uma consequência da linguagem ( como já disse ontem) :)
"Não há dúvida que a nossa mente e que a consciência são fenómenos privados e internos". António Damásio
Esses fenómenos são "traduzíveis" para os outros através da linguagem, claro, mas eles estão lá, independentemente de os verbalizarmos ou não.
Escrevinhador, vou por aí: 'qualquer busca fenomenológica de "certeza" na "primeira pessoa" é um equívoco.'
Mas, e se for qualquer busca, em permanente dúvida, ajudado por certezas pressupostas - será possível?
[Para o engº Wittgenstein] na aporia 337 do livro citado *, "Uma pessoa não pode fazer experiências se não houver coisas de que duvide. Mas isso não significa que confie em certos pressupostos. Quando escrevo uma carta e a ponho no correio, parto do princípio de que chegará ao destino - espero-o. Se faço uma experiência, não duvido da existência do aparelho que está diante dos meus olhos. Tenho muitas dúvidas - mas não 'essa'. Se faço um cálculo, creio, sem qualquer dúvida, que os números no papel não mudam espontaneamente e também confio na minha memória durante toda a operação, confio sem reservas. A minha certeza aqui é semelhante à de nunca ter estado na Lua"
Este é um debate como há muito eu não via no Murcon. Posições distintas que são defendidas com argumentos válidos de ambos os lados. Um tema interessante e complexo que promove a "exercitação" dos neurónios. Quando ontem li o post pela promeira vez, nunca pensei que viesse a proporcionar esta troca de pontos de vista; parecia uma afirmação tão óbvia.:) Nós é que complicámos o que parecia simples e ainda bem!
Este tema da consciência e da linguagem é muito interessante. É curioso que estou a ler o "Sentimento de Si, depois de já ter lido "O erro de Descartes".
António Damásio diz que a consciência é a capacidade de contar uma história sem palavras, em resposta a uma pergunta que não foi feita. A consciência pode ser assim a noção de que somos nós que sentimos um determinado sentimento, como alegria, medo ou tristeza, ou apenas a consciência de que somos o "proprietário" do nosso organismo. Damásio fala em consciência nuclear, para designar a noção do eu, integrado no tempo e no espaço. Embora seja um assunto de uma enorme complexidade - especialmente para alguém como eu que não tem formação científica -, parece que nesta categoria da consciência, a mais básica, mas também a mais importante, não será necessária a linguagem.
Remeto-me ao existencialismo que de mim concebo, em que procuro protecção a partir do momento em que deparo com a morte e do facto de a vida se reger por leis que estão para além do nosso controlo.
Como "coisa" sentida antes de lhe associar um conceito estruturado linguisticamente, onde o medo e "vontade" de viver predomimnam no "animal" de nós.
E este Deus protector que me rodeia foi então conceptualizado, num pensamento linguístico e estruturado com os "outros".
Até onde eu iria sem os outros, sem essa "intromissão" na minha consciência?
Pois, assim como ninguém tem o direito de se intrometer na vida íntima familiar, mesmo quando os pais alcoólicos vioentam mães e filhos! Deve fazer parte dos desígnios divinos...
"Embora seja um assunto de uma enorme complexidade - especialmente para alguém como eu que não tem qualquer formação científica-, parece que nesta categoria da consciência, a mais básica, mas também a mais importante, não será necessária a linguagem."
Subscrevo na íntegra, aliás na sequência do que tenho vindo a dizer em todos os meus comentários anteriores.
Há um pequeno excerto da entrevista que gostaria que comentassem, para me ajudarem a entender melhor:
Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.
Será que esta afirmação, por si só, não rebate as afirmações do escrevinhador? ;)
Andorinha "Este é um debate como há muito eu não via no Murcon." Sem duvida e não quero estragar o ambiente, mas cada vez que ouço falar de Deus vem-me sempre à mente o magnifico milagre em que Jesus disse: Levanta-te Lázaro e anda! E Lázaro levantou-se e andou... ... andou parvo umas semanas, mas depois passou-lhe.
e. não obstante a ironia do seu comentário, aí vai: A manipulação genética consiste na alteração de um ou mais genes da cadeia genética (criada pela selecção natural), para atingir determinado comportamento do indivíduo biológico. Por exemplo, altero o gene XPTO do milho para que ele não reconheça o pesticida XXO como uma ameaça. Por analogia eu considerei uma manitulação memética o recrutamento de individuos muito novos, com pouca experiência obtida no convivio da sua sociedade, metê-los numa espaço cultural controlado (a madraça) e promover nelas uma ideia de Deus à medida de que possam vir a oferecer-se como homens-bomba.
e. A manipulação memética existe há tanto tempo como a genética.O apuramento de raças de animais domésticos é manupulação genética, os seminários, memética. Pois tende a fazer transmitir no tempo certas ideias, forçando a forma que elas teriam se nascessem de uma forma natural (convivência social pura)
"... o recrutamento de indivíduos muito novos, com pouca experiência obtida no convívio da sua sociedade, metê-los numa espaço cultural controlado (a madraça) e promover nelas uma ideia de Deus à medida de que possam vir a oferecer-se como homens-bomba."
Será que esses marmanjos aprenderam alguma coisa com o estilo de vida conventual e com o regime dos Seminários ? Se calhar até aprenderam.
PS: não sei por que carga d'água, mas agora lembrei-me do "Nome da Rosa"...
António Damásio distingue dois tipos de consciência, a nuclear e a alargada. A primeira "fornece ao organsimo um sentido do si num momento - agora e num lugar - aqui. Não ilumina o futuro, e o único passado que nos permite vagamente vislumbrar é o que ocorreu no instante exactamente anterior." Esta espécie de consciência não é exclusivamente humana.
"A consciência alargada, da qual existem vários níveis e vários graus, fornece ao organismo um elaborado sentido de si - uma identidade e uma pessoa...e coloca essa pessoa num determinado ponto da sua história individual, amplamente informada acerca do passado que já viveu e do futuro que antecipa, e agudamente alerta para o mundo que a rodeia."
António Damásio admite também que a consciência alargada exista em seres não humanos, mas só atinge o seu auge nos humanos, desde logo porque dispõem da razão e da linguagem.
Gostei mt de vos ler. Da conclusão de Gonçalo sobre as de AD vou nessa de ‘SERMOS’ ‘apenas a consciência de que somos o "proprietário" do nosso organismo’; Todavia, Andorinha, sobre a sua recusa da linguagem ser a essência do pensamento … o engº LW não disse exactamente a ‘coisa’ dessa forma; e sobre o fenómeno da linguagem e dos seus diversos jogos disse até isto, referindo-se a quem usa outros ‘sinais’, não usando a comum linguagem verbal: ‘Chamarias sinais ao encolher de ombros, ao abanar de cabeça, aos acenos, sobretudo porque estão implantados no uso da nossa linguagem verbal’ **, e acrescentou isto que poderá adiantar algo para compreender as nossas limitações em nos entendermos no espaço virtual: ‘ O que dizemos adquire o seu significado a partir do resto dos nossos procedimentos’ * * ‘Fichas’- 651. , ed 70 ** ‘Fichas’- 229. , ed 70
Não nos conhecemos o que o faz supor que há ironia na … simpatia – não era essa a minha intenção. Compreendi, finalmente, aquilo a q se queria referir. Para colmatar a suposta falta de empatia entre nós, talvez fosse mesmo necessária a convivência social pura, como diz. A propósito, dizia o engº LW o que referi acima a ‘andorinha’: ‘ O que dizemos adquire o seu significado a partir do resto dos nossos procedimentos’ *
ovelinha negra Y-12:58,
guardei a imagem, tão matreira e ternurenta das 4 ovelhinhas a ‘reinar’ no pasto …
1ª - Disse AD: “Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.”
2ª - Referiu o ‘Escrevinhador’ de LW: “(…) Falar ou escrever sobre experiências mentais significa utilizar uma linguagem pública com regras socialmente acordadas que criam tanto os significados como as referências”
Você pensa que a 1ª afirmação parece contrariar a 2ª. Mas LW estudou os humanos e sobre eles disse: "Uma pessoa não pode fazer experiências se não houver coisas de que duvide. Mas isso não significa que confie em certos pressupostos.” (ou seja ele admite que vivemos confiando em certos pressupostos).
Sobre as outras mentes teremos que nos ligar, entre outros, aos estudos de Daniel Dennett, por exemplo a ‘Tipos de Mentes’ onde mostra como, ‘passo a passo, a vida animal passou da simples capacidade de responder às questões ambientais à aptidão excepcional de superar as adversidades, usando experiências passadas para prever situações nunca antes enfrentadas’; estudos onde se pergunta se os robots dotados de sistemas sensoriais exibirão, alguma vez, as características da mente humana.
Fico-me com dúvidas e perguntas para o resto da tarde.
e. Vai aqui, talvez lá a exista a mesma mas com melhor qualidade.Não faço ideia, sou pouco entendida nisto. http://www.metaforas.com.br/infantis/ovelhanegra.jpg ;-)
Ninguém tem esse direito, pois não. Mas quando são os fusos horários a fazerem esse papel as coisas complicam-se. Quando Deus dorme e nós estamos acordados e vice-versa a injustiça é enorme. Por causa disso eu tirei-lhe os pregos das mãos e deixei ficar os dos pés. Até ele acertar fusos comigo não falo mais desse senhor.
Gonçalo, A irmã Lúcia é um mau exemplo para o fenómeno de manipulação memética, porque só foi utilizada como testemunha de um meme (a aparição). Não foi divulgadora. Assim como os genes se propagam no tempo pela reprodução dos indivíduos e só permanecem no dicionário da genética os que são bons para a adaptação ao Planeta Terra dos indivíduos que os detêm, os memes (átomos de cultura, como alguém lhes chamou) propagam-se no tempo pela comunicação entre indivíduos (tendo como suporte a linguagem) e só permanecem no dicionário da memética de uma cultura se são bons para a manutenção dos laços de cooperação entre os indivíduos imersos nessa cultura. Os esquimós tem 30 maneiras diferentes de dizer "gelo" (quebradiço, cortante, etc.), são outros tantos memes unicamente úteis na cultura dos esquimós, não servem para nada na cultura de um povo que viva numa região tropical. Repare que nesta analogia a Cultura corresponde à Natureza. Culturas há muitas, Natureza há só uma!
Regresso por momentos, e vejo que a discussão continua. Portocroft: António Damásio distingue dois tipos de consciência. Eu acho que ao primeiro desses tipos não se deve dar o nome de "consciência". Por isso, repito que, para mim, sem Linguagem não há consciência. De resto, sempre que se subdivide uma categoria, corre-se o risco de se achar que a divisão é tão profunda, que se deve deixar de dar o mesmo nome a coisas diferentes. No fundo, a divergência é esta: Damásio chama "consciência" a algo que eu acho que merece outro nome.
E reparemos neste pormenor, Damásio diz: "estou convencido". Não diz "provei". É que isto aqui é terreno alheio a "provas" e exclusivo de "argumentos".
Li "Como a água que corre" no princípio dos anos 80 e confesso que já há muito tempo não pensava neste livro. Como porventura saberão, trata-se de um volume com 3 histórias: Anna Soror, Um homem obscuro e Uma bela manhã. Não sei exactamente donde foi retirada a frase citada no post, contudo, no contexto da obra (Reforma/Contra-reforma), parece-me que se referirá a questões de liberdade religiosa.
Durante a vossa discussão tem sido abordada outra problemática, nomeadamente, consciência/linguagem. Achei assim interessante transcrever o que a própria M. Yourcenar diz sobre uma das suas personagens, Natanael de "Um homem obscuro". Diz a autora:
"A principal dificuldade de "Um homem obscuro" estava em mostrar um indivíduo mais ou menos inculto a tentar formular em silêncio o que pensa acerca do mundo que o rodeia, e por vezes, raramente, com lacunas e hesitações que correspondem à balbúcie de um gago, a esforçar-se por comunicar a outrem uma parcela, ao menos, de tudo isso. Natanael é daqueles que pensam quase sem a mediação das palavras. Quer isto dizer que é mais ou menos desprovido desse vocabulário a um tempo usual e usado, gasto como as moedas que demais serviram, por meio do qual nós trocamos o que supomos serem ideias, o que pensamos acreditar e o que acreditamos pensar. Mas para escrever tal relato era preciso, ainda, que essa meditação de tão vagos contornos fosse transcrita. Não ignoro que fiz batota ao dotar Natanael de uma pequena cultura recebida de um mestre-escola de aldeia, e proporcionando-lhe com isso não só a possibilidade de preencher, em casa de seu tio, Elias Adriansen, um lugar mal remunerado, mas também de estabelecer a ligação entre certas noções e certos conceitos... Continua, porém, tão independente quanto possível de qualquer opinião inculcada, um quase autodidacta, nada simples, mas também nada sobrecarregado, desconfiando instintivamente do que os livros que folheia, as músicas que por acaso ouve, as pinturas onde os seus olhos por vezes poisam, vêm acrescentar à nudez das coisas, indiferente aos grandes acontecimentos das gazetas, sem preconceitos em tudo quanto toca à vida dos sentidos, mas também sem a excitação ou as obsessões fictícias que são o efeito da coacção ou de um erotismo adquirido, tomando a ciência e a filosofia pelo que elas são e sobretudo pelo que são os sábios e os filósofos com que depara, e erguendo para o mundo um olhar tão mais límpido quão incapaz é já de orgulho. Nada mais há a dizer de Natanael."
Peço desculpa pela extensão do texto, especialmente num dia com tantos comentários como hoje. O Murcon deve ter estoirado o sistema, pois à hora do almoço não consegui entrar. Apesar da inconveniência, pensei que a nota da M. Yourcenar merecia a pena ser lida.
"...sobre a sua recusa da linguagem ser a essência do pensamento...". Não foi isto que eu disse. Não questiono a importância da linguagem,(como poderia eu fazê-lo?), apenas considero que o pensamento não se esgota nela.
Quanto ao resto, totalmente de acordo.
Também eu fico com dúvidas e perguntas para o resto da tarde e se calhar, para os próximos dias.:)
Andorinha: «considero que o pensamento não se esgota nela». É isto que eu não compreendo. Como é possível pensar sem Linguagem? Quando eu me lembro de uma imagem, não estou a pensar, estou a "recordar". Quando sinto medo, "sinto" medo. Agora, quando penso, uso a Linguagem. Para estabelecer relações entre elementos (definição mais elementar de "pensamento"), uso a linguagem. Coisas como "por causa de", "depois de ", "antes de", etc, formas tão comuns de organizar o pensamento, são, em si, formas linguísticas. Mas tenho de ir outra vez. Salvé a todos!
"E, sobretudo, a ideia de que a consciência é uma consequência da linguagem parece-me estar completamente errada e há neste momento, entre os dados experimentais e a reflexão sobre esses dados, razões para a esquecer rapidamente."
Estava a partir desta afirmação para a comparar com a sua própia, de que "Não só a consciência se exprime pela linguagem, a consciência é Linguagem."
Pois, diz isso. Mas depois explica. E, ao explicar, vai distinguir dois tipos de consciência, assunto sobre o qual já me explanei. Mas repito, para acabar, que nem sempre os Cientistas e os Filósofos (como Wittgenstein) falam das mesmas coisas.
Continuo a não te conseguir entender. "...sem Linguagem não há consciência". Mas porquê? Gostava de entender o teu ponto de vista, mas confesso que ainda não consegui. Penso exactamente o contrário - sem consciência não há linguagem. São duas posições irredutíveis e haverá certamente argumentos válidos que sustentem uma e outra.
No comentário da Pamina aparece a frase "Natanael é daqueles que pensam quase sem a mediação das palavras." Penso que isto vem de acordo ao que tenho vindo a afirmar.
Andorinha: consegues clarificar melhor o que é um pensamento sem linguagem? É que eu isso é que não percebo. E, retomando a entrevista, se isto é um dogma de alguma Filosofia do Século XX, paciência. Como disse, às vezes é difícil um tipo deixar os dogmas :)
Boa tarde, murcons Que pena que eu tive de não poder participar activamente na grande discussão que grassa por aqui desde ontem...
Agora, tendo tanto para confrontar alguns de vós, acho que já não é altura, pois muitos posts são de ontem, ou de hoje cedo, mas já tiveram o seu tempo... Então não vou dar mais nenhuma acha para a fogueira,
Apenas dizer que: 1- fartei-me de discordar; 2 - fartei-me de concordar; 3 - fartei-me de sorrir, a maior parte das vezes, com bonomia; 4 - fartei-me de pesquisar obras visadas por aqui; 5 - epero não me fartar de reflectir sobre o que eu acho sobre o assunto/assuntos (a questão da linguagem e sua relação com a consciência é gulosa...:)), sobre o que me ensinaram por aqui_; 6- ESPERO PODER PARTICIPAR ATEMPADAMENTE PARA A PRÓXIMA PROF: ESTES POSTS TÊM QUE SER COLOCADOS À SEMANA!!!
escrevinhador, Penso que se calhar estamos a dar um sentido diferente à palavra Linguagem. Não consigo clarificar melhor, mas penso que há pessoas que apesar de não terem um arsenal linguístico muito vasto conseguem, mesmo assim, "pensar" mais do que à partida os seus recursos linguísticos permitiriam. Não sei se me faço entender...daqui a pouco nem eu mesma me entendo.:)
Pensar é uma forma de sentir (nós pensamos com o corpo), é invocar objectos arquivados na memória e manipulá-los com a Razão. Esses objectos correspondem a mapas de sensações (um mapa por objecto) uns (objectos) criados a partir de percepções (da forma como as sentimos), outros criados e arquivados na nossa mente a partir de manipulações dos primeiros, com a razão. A linguagem é o processo químico-biológico que conduz essa manipulação. É tanto mais fácil pensar quanto mais conceitos existerem na linguagem, e os conceitos (concentrados de ideias) têm existência para além da linguagem. Quando não há a aprendizagem que faz correspondes o conceito à palavra que o representa, é difícil exprimir o pensamento, mas não é impossívél. Veja-se o Carteiro de Pablo Neruda.
Manolo, sentir é uma das formas do corpo pensar? Ora aí está, os animales pensam. Até aqueles que andaram a disparar furtivamente contra os hospitais, lá prás bandas do Missisipi.
Mas daí às intromissões entre a consciência e Deus ... Bolas, mas a que filosófica conceptualização da consciência se refere a defunta moça autora? Aquela que nos diz "isto é o bem e aquilo o mal"? Ou aquela em que, orgulhosamente, depositamos o nosso ego existencialista? Vou assar umas mioleiras de besta sem a doença das cornudas loucas, a ver se me recomponho.
"Rios amargos, sem baixa-mar. Como os olhos - quem lhes roubou desertos? só a ternura, infatigável, constroí diques e enxota memórias transbordantes" ; )))))))
300 euros para quem me disser o Autor e o livro de onde sairam estas engendrações;)
Meus caros, era esta a resposta ao enigma da barragem estilhaçante ; ))))))))))))) mas dava-vos pouca pica, e foi nisto que deu ; )
Caríssimo Noise, ia-lhe desejar as boas-vindas mas parece que só passou por cá de raspão. O Autor é o Professor, pronto, já dá para ganhar metade do prémio?
Vocês são excelentes a "inquietar" as ideias feitas. Se não fossem vocês e outras honrosas excepções, já estávamos quase, "cientificam,ente" a ir a Fátima a pé. Continuo a pensar que há confusão nos "terapeutas" sobretudo com o termo "linguagem". Efectivamente há muitos tipos de linguagem: a gestual, a do velhinho código Morse, aquela das bandeiras dos navios, a dos surdos-mudos e por aí fora. Até podemos chegar ao behaviourismo e pensar na linguagem dos animais e especular sobre a sua possível "consciência", pois eles exprimem dor, sofrimento, alegria, hostilidade, etc; não creio, porém, que tenham conceptualizado alguma divindade, uma vez que não ascenderam à criação de uma LÍNGUA (sistema de signos ou uma outra definição congénere,)LÍNGUA que é com certeza a maior criação humana, basilar a tudo que humano é. Parabéns pelo debate, digno do Murcon.
Regressei de férias e ainda não tive tempo de ler os posts que “perdi” durante a minha ausência.
Este mote do Prof. é de facto difícil … "Ninguém tem o direito de se intrometer entre uma consciência e Deus".
Ocorre-me antes de mais, que uma intromissão eventual entre uma (determinada) consciência e Deus, não teria outro propósito se não a manipulação dessa mesma consciência, partindo do pressuposto que o dono dessa consciência seria crente. Nesse caso, indubitavelmente, ninguém tem esse direito. A menos que fosse por exemplo, para dissuadir os bombistas de não matarem “em nome de Deus”. Já bastam os condicionamentos a que estamos sujeitos, inconscientemente. Não sei se estou a interpretar mal, não domino o tema.
Muito interessante a derivação do tema para o pensamento e a linguagem. Efectivamente, a maioria de nós, pensa por palavras. O âmbito da linguagem é enorme. Questiono-me como pensarão os surdos-mudos, que não tiveram acesso à palavra. De facto, não sei. De que forma terão consciência, considerando que esta é o sentimento de si mesmo por definição e a intuição que temos dos fenómenos psíquicos?
Oportuna a introdução pelo Portocroft das explicações de Damásio sobre o tema.
Não me alongo mais, pois pouco sei sobre este assunto. Deixo os comentários para quem melhor sabe, na esperança de aprender alguma coisa.
So the human heart can go the length of God Dark and cold we may be But this is no winter now The frozen misery of centuries Clocks, breaks, begins to move The thunder is the thunder of the flows, The fill, the flat, the upstart spring. Thank God our time is now When one comes up to meet us everywhere Never to leave us 'til we take the greatest stride Of souls folk ever took Affairs are now soul size The enterprise is exploration into God But where are you making for It takes so many thousand years to wake But will you wake, for pitys sake
The human heart can go the lengths of God. Dark and cold we may be, but this Is no winter now. The frozen misery Of centuries breaks, cracks, begins to move; The thunder is the thunder of the floes, The thaw, the flood, the upstart Spring. Thank God our time is now when wrong Comes up to face us till we take The longest stride of soul men ever took. Affairs are now soul size. The enterprise Is exploration into God. Where are you making for? It takes So many thousand years to wake, But will you wake for pity's sake!
a fé e a salvação é individual e se o humano moderno quer desafios que tentem acreditar naquilo que não vêm. dificil não é? mas é maravilhoso para quem consegue é tambem uma vitoria única. http://amcosta.blogs.sapo.pt
164 comentários:
Só mesmo um ombro... não é?...
Eu também acho. É uma grande falta de consciência! ;o)
Isabel
Boa tarde Júlio,
Claro que não. Não sou crente, mas se quisesse falar com Ele, detestaria ter que recorrer a intermediários.
A história das confissões é outra das tais que sempre me custou a compreender.
A propósito de citações, Professor, atendeu ao meu pedido para deixar de dobrar as folhas dos livros? :o)
Isabel
"Ninguém tem o direito de se intrometer entre uma consciência e Deus"
Quantos, sem o serem, não desempenham essa tarefa de intromissão como se de psicólogos se tratassem ?! Com uma real vantagem competitiva sobre os psicólogos e, ainda por cima, com o beneplácito dos "pacientes"...
Amen !
Fly_Away 7:17 PM
"Se Deus é consciência e a consciência é Deus, como é que poderia haver lugar para intromissão ?"
Há, pelo menos, mais uma versão: se Deus não existe, como é que poderia haver lugar para intromissão ?
Isabel,
Não:(((((((((. Estou para lá de qualquer tentativa de recuperação.
..pois eu nunca me intrometo com uma consciência e Deus... e continuamos com a água correndo:)))
o manolo q queria pica !!! vai se picar ;)))))))))
rsrsrs
Terá sido sempre o confessionário uma espécie de divã da actualidade ?
Terão sido sempre respeitadas as "regras deontológicas" por parte de quem se intrometia entre a consciência dos seus "pacientes" e Deus ?
Quantas mudanças (profundas) não terão acontecido por via da quebra dessas "regras deontológicas"...
Bolas, Professor...que mudança radical ;)
Alguns dizem que sim mas sempre precisamos de uma bengala nem que seja para levarmos umas "bengaladas" ;)
A anarquia também não é o sistema mais propício para o ser humano embora seja o mais perfeito. Estamos, portanto, "condenados" a ser enquadrados ;)
Resto de bom domingo Professor e Maralhal
Mas se são a mesma coisa como se poderá alguém intrometer?
Mas como é que são a mesma coisa, a consciência e Deus?!
Alguém me explica?
andorinha 8:10 PM
"Mas como é que são a mesma coisa, a consciência e Deus ?! Alguém me explica ?"
A explicação pode existir... é tudo uma questão de imaginação e criatividade (ou de fé, o que é respeitável). Agora que essa explicação seja plausível, é que é mais difícil... ;-))
fora-de-lei,
Com a tua explicação fiquei na mesma.:)))
Se levarmos isso a um extremo - as pessoas que não acreditam em Deus não têm consciência?
andorinha 8:25 PM
"... as pessoas que não acreditam em Deus não têm consciência ?"
Claro que têm ! Aliás, se Deus existisse mesmo, Ele saberia isso melhor que ninguém... ;-))
Mas que consciência podemos nós encontrar naqueles que, a nosso ver, são inconscientes?
E se os supostos inconscientes forem agnósticos?
Parece-me também que há muito inconsciente por aí a desculpar-se com "Deus"...de repente lembrei-me dum Bush, mas deve ter sido uma ratoeira do meu cérebro, inundado pelas notícias escabrosas dum país organizado que deixa morrer milhares e ainda está a reflectir se deve aceitar as ajudas dos outros países...
desculpem-me, devo ser mesmo eu a inconsciente, afinal...
... mas quem disse q eram a mm coisa?.....
quem disse q a consciencia = Deus? quem disse q Deus não existe?
..opssss....
isto prof será uma serie de 190 episodios e mm assim, não chegariamos a um consenso..
opsss vai ser pior q o curso de filosofia .....
isto vai ser pior q o preço do petroleo...q é quase pornográfico ..:)))
eu passo já uma procuração ao noiseee :))))))))))))))ahahahaha
andorinha curiosa;)
O tal de DEUS, de quem fala Yourcenar, não estará em todos os sobressaltos que conduzem aos colapsos e às extinções?
É que, é tanto pela noção de ruído determinista presente na química/física, como pela noção de sistema que ‘aprende’ e muda de natureza (que caracteriza também a natureza humana), que a minha CONSCIÊNCIA se entende com esse DEUS; ou seja, é no DEUS que está envolvido n’ISTO que ELA se concentra;
E, porventura, estará essa CONSCIÊNCIA de DEUS mais presente na nossa ‘vida nua’ do que no nosso ‘poder’? Diria que se encontra em ambos.
Se, como dizia o engenheiro-filósofo 'místico é tão somente o facto do mundo existir',
parece-me (ou à minha CONSCIÊNCIA), que místico é tão somente o facto de ELA estar a experimentar esse pensamento ou sensação.
Em relação à dicotomia tão discutida "consciência versus Deus", tenho a seguinte opinião:
o que interessa é que tenhamos um sistema de valores pelos quais nos consigamos reger e saber o caminho que seguimos, para conseguirmos ter a sensação de saber o que fazemos e o que queremos (ao menos isso!).
Agora se dispomos desse sistema em nós próprios ou o depositamos num ser superior que supostamente nos governa, é uma questão de responsabilidades...e cada um arca com as que pode!
E quanto aos agnósticos,
acho que não existem porque mesmo sem magicarem nisso, são possuídos por esse RUÍDO DETERMINISTA, a sua CONSCIÊNCIA - DEUS?
Deve ser por isso que uma querida amiga me diz que tem uma "linha directa com Deus". Abaixo os intermediários!
ops o agnóstico admite a existencia de Deus !! não admite é o conhecimento desse absoltuto...
e.,
É para mim complicado responder ao teu comentário, porque abordas conceitos que para mim não são muito lineares. Confesso, por isso, que não sei se entendi bem o que dizes.
"O tal de DEUS, de quem fala Yourcenar, não estará em todos os sobressaltos que conduzem aos colapsos e às extinções?"
Não sei se está, não sei que sentido dás à palavra Deus.
Se para mim, Deus não está envolvido nisso,como pode a minha consciência estar centrada nele?
Confesso que não te consigo responder de outra forma.:(
Deus e a consciência... Leiam Proudhon e convençam-se do seguinte: se Deus não existe, a morte é o fim. Escolham.
Repitam: nada. O nada. Para sempre. E sempre. Chama-se "morte". É que há ateus que parece que ainda não se aperceberam da existência da morte. Mas, como disse o Zé Gomes Ferreira, quando ela se aproximar, cagam-se todos.
Escolham????
Essa é boa...
Como se isto fosse uma questão de escolha!
Caro Prof. m8,
Frase curiosa da Marguerite.;)
Porque deidade é a minha consciência, ninguém se intromete entre mim e eu. ;)
Ponto de ordem à mesa: vocês estão a fugir do tema... falam da Consciência e de Deus, mas o teor do post gira em torno do "intrometido".
Se a consciência individual fosse Deus, deixariam de poder existir Leis, Ordem e Sociedade. O Homem regressaria ao estado animal. Acontece que o Homem é um ser social, o que significa que, acima da sua consciência estão os outros. Quer queira, quer não. Começa por isto: a consciência exprime-se linguisticamente, e a Língua é uma facto social, e não individual. Filosoficamente, a consciência individual autónoma é uma pura ficção. (Meu Deus!)
P.S: Anónimo e Andorinha - realmente, não é uma escolha. Santo Agostinho mostrou que a Fé não depende exclusivamente do Homem. Em absoluto, não depende só do Homem ter ou não ter Fé.
fora-de-lei,
Não estão nada a fugir ao tema. Se as pessoas acham que Deus e a consciência são a mesma coisa, aí não pode haver intromissão.
É tudo uma questão de perspectiva.
Anonymous 9:12 PM
"... se Deus não existe, a morte é o fim."
Anonymous 9:13 PM
"... quando ela se aproximar, cagam-se todos."
Então quer dizer que muita da gentinha que acredita em Deus, encontrou nisso uma forma de "prolongar" a sua vida. Ou seja - e com o devido respeito - cagaram-se todos antes de tempo... ;-))
Mas isso deve para os dois lados. Porque a mim tanto me incomodam os crentes com fúria conversora, como os ateus com fúria desconversora. Ignoro ambas as falanges.
andorinha 9:24 PM
"Não estão nada a fugir ao tema. Se as pessoas acham que Deus e a consciência são a mesma coisa, aí não pode haver intromissão. É tudo uma questão de perspectiva."
Bem argumentado, sim senhora. Um registo digno de um(a) grande jurista... ;-))
Eu não disse se tinha ou não Fé. Mas todos conhecem conversões à última hora, e todos sabem que todos têm cagaço da morte. Hipocrisias não, por favor.
Mas, para ter consciência social será inprescindível acreditar na existência de um Deus? ;)
Andorinha
Não querendo insistir demasiado na minha divagação agnóstica, ateia, ou panteísta, voto no pensamento do nosso amigo para quem 'deidade é a minha consciência'.
Quanto à morte/colapso/extinção, se costuma provocar 'borrada', é porque essa reacção física está inscrita no nosso ruído determinista (uma, por vezes, caótica autoregulação biológica) - várias horas depois de ter sofrido um brutal acidente de viação, pode-se ter descargas de adrenalina que, literalmente, ocasionam 'borradas' - será isto religioso?
Mais uma vez, perdoem-me alguma alarvidade que vos possa ter incomodado.
e.: isso da deidade ser a tua consciência significa que estás nas tintas para os outros?
Cagaço da morte, anónimo, posso garantir que não tive das várias vezes que a confrontei em desastres brutais - quer saber? alguma excitação desmedida, talvez.
Escrevinhador (9.23)
Pelo que percebi, também fazes distinção entre consciência e Deus, certo?
Não percebi duas coisas - "A consciência individual autónoma é pura ficção". Porquê?
"A consciência exprime-se linguisticamente..." . O que pretendes significar com isto?
Para mim, a consciência exprime-se de muitas outras formas.
OK. Mas não foi isso que perguntei. Perguntei foi se a tua consciência está acima de tudo, incluindo os outros. Porque me parece que as pessoas dizem isso da consciência delas ser uma divindade sem terem bem a noção do que estão a dizer...
P.S: Sou o anónimo de há pouco
Rodrigues,
Isso significa que o que for bom para mim, ser humano, é bom para o meu semelhante.
Quer maior consciência social que isto? ;)
anónimo 9:36
Não vejo a relação q encontraste.
Se digo que encontro a deidade na minha consciência, pretendo significar que a uniformidade da natureza que me maravilha (onde situo o meu ser) ou a sua precaridade, contra a qual protesto, pertencem a um 'mundo' que foi 'feito' pela minha 'consciência', ou seja, que eu própria construo permanentemente à minha imagem e semelhança.
Mas, afinal, que podemos nós fazer? Acreditar em 'mundos' idealizados por outros? Podemos, claro, respeitá-los, não os ignorar, não 'estar nas tintas' para eles!!
É isso que faço.
Andorinha: eu não conheço outra forma que não a linguagem para que a consciência humana se manifeste. Porque a recordação de imagens ou a sensações dispersas não se pode dar o nome de "consciência". Não só a consciência se exprime pela linguagem, a consciência é Linguagem. É por isso que há quem defina o Homem como "Ser de Linguagem". Ora, sendo a linguagem um facto social, colectivo, por excelência (não há Línguas faladas só por um Homem, nem pode haver), a pura consciência individual não existe. É formada por elementos colectivos. Quando alguém diz ou pensa "amo-te", não está a dar voz a um pensamento único, individual. No fundo, está a usar uma palavra e um conceito (e também não há conceitos fora da linguagem) formado por outros e tendo sentido só com os outros. Isto está confuso, eu sei! É que isto das relações entre a consciência e a Linguagem, se virmos bem as coisas, é o problema humano fundamental.
Professor, não considera sequer a possibilidade? Talvez se uma desconhecida, de repente lhe oferecer...um marcador. :))))))
Isabel
[Gosto muito do John Denver]
Quanto à questão Deus-consciência, eu repito o que já alguém aqui disse: afirmar que não se reconhece nada acima da consciência individual, para além de ser uma ilusão pelas razões expostas, pode ter consequências graves. Só aceitando que a consciência individual deve ser relativizada é possível ao Homem viver em Sociedade.
e.,(9.34)
A mim não me incomodaste nada, pelo contrário.:)
Queria apenas perceber-te melhor.
"Deidade é a minha consciência" - com isto estou de acordo.
Li agora o teu comentário das 9.43 e penso que finalmente consegui entender-te. Só por isso, já valeu a pena este diálogo.
E eu convencido que era o conjunto das consciências individuais que geravam as consciências colectivas. Dear me!... ;))))
Escrevinhador,é isso (ou deve ser) o que eu quis dizer. Vejamos um caso prático. Um homicida diz: "deidade é a minha consciência". Aceitam isto? Então, se é, o tipo mata dez de uma vez, e não tem de prestar a ninguém, não é?
Eu acho é que vocês usam as palavras sem perceberem bem o alcance daquilo que estão a dizer.
Rodrigues
Portocroft: na base disso tudo está, repito, a linguagem. E nenhum homem isolado chega a adquirir linguagem. Mas é evidente que isto aqui é questão complexa. Acontece é que tenho de ir. Boa noite
Escrevinhador
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço, acima da consciência individual, a colectiva e, depois, sobre esta, imprimo novamente a individual, etc, etc, num vórtice que nem eu própria sei dominar.
Mas, se você puder ter alguma clemência, gostaria que lesse esta conversa que vou ter aqui com a cara
Andorinha
Disse N. Goodman em ‘Modos de fazer mundos’: ‘Fazemos melhor em concentrar-nos nas versões em vez de nos concentrarmos nos mundos’ (…) ou, diz ainda o autor, por outras palavras, ‘Os factos são pequenas teorias e as grandes teorias são grandes factos. Isto não significa (…) que se possa chegar às versões correctas por causalidade, ou que os mundos sejam construídos a partir do nada. Começamos, em qualquer ocasião, com alguma velha versão ou mundo que tenhamos à mão, com a qual ficamos encravados até termos a determinação e a habilidade para a refazermos numa nova. Alguma da obstinação que sentimos relativamente aos factos vem do poder do hábito: o nosso fundamento firme é na verdade impassível. A feitura do mundo começa com uma versão e termina com outra’.
COncluo, para encerrar o diferendo, que teremos diferentes versões do 'mundo' (que ninguém sabe exactamente o que é)
E voltamos assim ao post que aqui nos trouxe:
"Ninguém tem o direito de se intrometer entre uma consciência e Deus".
Fico-me com uma velha provocação já não sei de que pensador:
ainda não encontrei a consciência na ponta do bisturi.
Porque será que procuramos tanto confiar naquele que o manuseia? ;)
Porque será que procuramos tanto confiar naquele que o manuseia? ;)
E o "intrometido" ??? Falem do "intrometido", bolas...
escrevinhador(9.45)
"Eu não conheço outra forma que não a linguagem para que a consciência humana se manifeste".
"...a consciência é linguagem".
Não estou totalmente de acordo.
A nossa consciência pode-se manifestar através do agir nem tudo tem que ser verbalizado.
Claro que o Homem é um ser de linguagem, mas as coisas não se esgotam aí.
E o que é a linguagem? Isso poderia ser outra conversa..
"Quando alguém diz ou pensa "amo-te", não está a dar voz a um pensamento único, individual."
Penso que está, o "amo-te" terá um sentido diferente conforme a pessoa que o diz. Claro que faz sentido para os outros, senão a comunicação seria impossível.
E quando as palavras traem a nossa consciência? Em que ficamos?
Eu sei que isto também está confuso, mas não é um tema fácil.:)
Mas são os mais aliciantes...
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço que ninguém é intrometido.
... entendendo por intrometido o "artista" gerador de entropias entre a consciência e Deus.
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço que ninguém é intrometido.
e. - Murcon - Domingo, Setembro 04, 2005 - 10:15 PM
Subscrevo, usando a linguagem escrita, após já o ter feito com um sorriso. ;)
Humm vou parecer beata, mas não faz mal. Sou católica e assumo. Não sou católica beata abomino padres e pregadores de valores corrompidos. Tenho fé, que nas horas piores me dá energia e esperança.Em tempos numa reunião de baptismo (a que fui obrigada a ir) o padre mandou para o ar a seguinte frase para acabar, olhando-me directamente "Nós estamos bem com Deus quando....?" Eu respondi "Quando estamos bem com a nossa consciencia" ele contrapôs "Não! Nós estamos bem com Deus, quando estamos bem com os outros!". Danada respondi-lhe "Vai desculpar-me, mas não pertenço á sua religião. Posso estar bem com os outros e ter-lhes feito algo mau sem que saibam e a minha consciencia acusar-me disso. Com o senhor talvez seja como diz, se não a tiver."
Eu não sou habitual na igreja em horários de missa. Sou praticante de outra forma e a meu modo. A minha consciencia me dita o que tenho a fazer.
Por isso professor, ouça-a. Parece-me pessoa bem formada, isso basta. Se tiver um ombro amigo como atrás referi(que é mudo) descanse a cabeça e aceite o carinho silencioso como bálsamo para a alma.
Força!
Na vida só a doença nos pode abater.
Mal de amor?... Esse incha, desincha e passa ;-)
Se pensar que o amor é como algodão doce, lindo até o meter na boca... Depois... perde o interesse, consegue recompor-se...ihihih
Fique bem.
MJ
portocroft
É desta ;))))...))))
lusco_fusco
Boas palavras as suas - aceitar o carinho silencioso como ...
... 'como a água que corre'
e.(10.00)
Obrigada pela conversa e por partilhares connosco esse texto de N. Goodman.
Fez para mim todo o sentido.
e.,
Desculpre a intromissão, sim? ;)
Lusco_Fusco
O ser humano tem a capacidade de usar e se mistificar em tantas linguagens que penso que só no silêncio absoluto verdadeiramente se encontra.
andorinha
De nada
Há meses, falando JMV de Zapatero e da sua 'lei' inovadora, citei aqui este mm texto, para me meter comigo própria, ao admitir as dificuldades em me 'entrosar' no tema - e para depois concluir que 'A feitura do mundo começa com uma versão e termina com outra’.
portocroft
E o tal de 'silêncio absoluto' não é enormemente difícil? ou impossível?
Há quem o treine, assim como a meditação que deve estar a montante, mas ... que tarefa abissal.
Bem, pelo número de comentários e profundidade de textos, este foi um assunto que deu pano para mangas...e calças, como diz o outro ;)
Quando vem o próximo professor?
e,
Concordo. Há quem diga que consegue.;)
Contudo, julgo que todos temos capacidade de recolhimento, de introspecção e é, nesses momentos, que fortalecemos a nossa consciência.
e.(10.37)
É sempre um prazer ler-te, embora o teu primeiro comentário hoje tenha sido, para mim, um pouco hermético, como já referi.
Admito também uma certa dificuldade em me "entrosar" no tema, até porque é um assunto complexo. Complexo, mas aliciante.
O que tem estado a acontecer até aqui, é na minha opinião, a tertúlia a funcionar no seu melhor.
Debaterem-se temas interessantes sem se dizerem baboseiras ou sem se fazerem comentários totalmente descabidos e fora do contexto.
PortoCroft 10:50 PM
"... julgo que todos temos capacidade de recolhimento, de introspecção e é, nesses momentos, que fortalecemos a nossa consciência."
Embora muitos dos "intrometidos" tudo façam para esses sejam momentos de auto-flagelação...
fora-da-lei,
Eu (pobre gente a quem até custa reconhecer que sabe reconhecer algo) reconheço que ninguém é intrometido.
e. - Murcon - Domingo, Setembro 04, 2005 - 10:15 PM
Auto-flagelação é uma inconsciência.;)
Alguém tem o direito de se intrometer entre: uma consciência e Deus ??!!
su
PortoCroft 11:01 PM
"Auto-flagelação é uma inconsciência."
Mas numa lógica (religiosa) mais fundamentalista, a auto-flagelação pode resultar num reforço da consciência...
Nem mais! Claro como a àgua que corre.
Dispenso os intermediários.
A consciência é minha e não a partilho e as minhas conversas com Ele, não podem ser ouvidas por mais ninguém.
São aqueles momentos de egoismo saudável ;-)
Tita
fora-da-lei,
Não é por isso que deixa de ser uma inconsciência.
A consciência, quanto a mim, obtém-se através da compreensão do mundo, do que nos rodeia, de nós e dos outros. E da sua aceitação, ao menos, como ponto de partida. ;)
Há mais de 2000 anos, os "intrometidos" - a mando de quem já muito sabia sobre o comportamento do Homem - apareceram à luz do dia para impedir a multiplicação de consciências livres, intrometendo-se entre o indivíduo e Deus.
Mais tarde, apareceram outros (que hoje até se dizem laicos) que resolveram tratar Deus por "Grande Arquitecto do Universo" para rivalizar num mesmo objectivo: levar a Humanidade para onde os sapientes querem.
Depois veio o Bilderberg, blá, blá, blá... ;-))
Professor
Esta é mesmo de quebra cabeça!
Dificil!
Consciência! cada um contrói a sua, apartir do mundo que vai conhecendo e principalmente do conhecimento que tem sobre si próprio; do seu corpo, dos seus afectos, das suas ideias e tambem da sua espiritualidade, que o pode levar à consciência de Deus....
Viver a vida no sentido da Alma pode ser algo que nos "obrigue" a estar em permanência com essa consciência, onde ninguem tem espaço a não ser ele próprio...
Será professor?
já agora... alguém se lembrou de perguntar à consciência qual é a sua ideia sobre o assunto?
JMV
Desculpe não o ter saudado por esta ruminação com q nos desafiou -tão poucos caracteres que se revelaram tão provocantes ... veja-se do que a 'gente' é capaz ...
Mas com isto tudo ...Deus tem ou nao consciencia?
PortoCroft
"Lusco_Fusco
O ser humano tem a capacidade de usar e se mistificar em tantas linguagens que penso que só no silêncio absoluto verdadeiramente se encontra."
PortoCroft tem a permissão toda :)
Concordo consigo em alguns casos, porque até nisso somos complexos. Não me parece haver "como padrão" o silêncio, o isolamento ou outro qualquer meio... Cada caso, é um caso e mesmo esse não tem padrão definido para cada situação... É estranho e incontrolável...
Podemos repartir experiências que se coadunem ás situações(de vivencias parecidas). Mas como os medicamentos, podem não ter o efeito desejado...
Agora quem pede desculpas sou eu :o)
Escrevinhador,
Gostei muito da tua tese, que para mim é a mais adequada. Aliás a frase da Yourcenar, surge algo descontextualizada. O que promove excursos sobre fé e o Deus convencional da vivilização judaico-cristã. Talvez linguagem seja algo de "levezinho" que as pessoas subalternizam. Mas se lhe falarmos no "sistema Língua", que permite por pura convenção de uma comunidade -com as evoluções milenares todas- fale e escreva e actualize conceitos que são verdadeiros paralimpsestos e que alguns chamam de Consciência Colectiva e outros ligam a uma ideia mística de energia superior.
O que você diz lembra-me Wittgenstein, ainda que pouco ainda conheça dele.Gostava muito que voltasse ao assunto, se bem que o ex. do "amo-te" fosse bem elucidativo.
gralhas insones:civilização e outras.
insone
Agora q comecei o dia, leio-o e vejo q refere a linguagem, que tanto prezava aquele engenheiro que também dizia 'místico é tão somente o facto do mundo existir';
E cá vamos, neste 'místico' mundo da linguagem.
Um bom dia
St Agostinho dizia que Deus é-nos mais íntimo que nós próprios. Isso significa que está sempre connosco sejamos crentes ou não.
A propósito de intermediários: parece-me difícil fazer caminho, qq que ele seja, sem companhia. Também na fé é importante caminhar acompanhado. Agora ninguém pode substituir a relação pessoal que cada tem com Deus. Haverá sempre padres e religiosos que nos causam má impressão e nós próprios iremos causar má impressão a alguém. Somos todos frágeis. Cada um de nós deve construir uma relação de maturidade com Deus e não depender de um qualquer líder religioso, por mais carismático que seja. Esse é também um cuidado que devemos ter quando iniciamos alguém na fé: que não fique dependente de nós.
Intrometer….eis algo de que o ser humano não resiste em fazer, é superior a ele!!!!
Quanto a consciência…quanto a Deus…eu não vou botar discurso porque me estaria de certeza a intrometer. Ter opinião é um direito que me assiste agora expressá-la…será um direito ou é uma intromissão? Pessoalmente, creio que é um direito mas, invariavelmente, a maioria das pessoas não é capaz de o exercer sem resistir à tentação de o tentar impor, portanto deito mão ao velho ditado: O silêncio é de ouro. Deixemos então Deus lidar com as consciências em paz e sossego.
Ora aqui deixo um BOM DIA para todos
Bom dia, bom dia maralhal
l'enfant terrible, já te respondi no post, salvo erro, do Porty. Se te quiseres dar ao trabalho, ´são só uns cliques de rato.
Pois os chefes andam desconfiados por estas minhas incursões por estas paragens da blogosfera.
Ou continuo e sou despedida, ou despeço-me para continuar ou encontra-se um meio termo.
Vou entrar em negociações e que Deus me ajude!
A nau dos loucos Murcon lançou a âncora á procura de terra firme, para estancar a deriva. O mar é muito fundo nestas paragens... ainda estamos à deriva... Espero que a âncora não seja de cortiça!
E para apimentar mais a coisa: ;)))))
DM - Um dos dogmas de alguma da filosofia do século XX tem sido a ideia de que sem linguagem não há pensamento. Esta ideia parece também decisivamente refutada por alguns resultados experimentais apresentados no seu livro.
AD - Exactamente. E, sobretudo, a ideia de que a consciência é uma consequência da linguagem parece-me estar completamente errada e há neste momento, entre os dados experimentais e a reflexão sobre esses dados, razões para a esquecer rapidamente. O que não há dúvida é que os níveis mais elevados de consciência, aquilo a que chamo "consciência alargada", necessitam de linguagem. Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.
É compreensível que as pessoas tenham pensado que a linguagem é necessária para a consciência. Apesar de a linguagem ser um dos processos mais complexos a nível biológico é evidentemente um grande fenómeno de comunicação, o que nos faz sentir que quase tudo tenha de passar pela linguagem porque nós usamos a linguagem para chegar aos pontos mais altos do nosso raciocínio e da nossa criatividade. Veja aliás como é irónico que a neurociência tenha começado exactamente pela linguagem. A neurociência começou pelo estudo da relação entre o cérebro e a linguagem. Isto é espantoso. A neurociência não começou por estudar fenómenos simples, não começou pelos neurónios; quase que se pode dizer que começou pelo ponto mais alto, que são os fenómenos da linguagem. Isso deu a ideia falsa de que tudo provinha da linguagem.
Outro exemplo desta curiosa distorção, de que também falo no livro é a seguinte: quando se pensa na marcha do conhecimento é óbvio que sabemos muito mais sobre a consciência moral, do ponto de vista biológico, filosófico e das ciências sociais, do que sobre a consciência cognitiva. Curiosamente, o nosso conhecimento marcha muitas vezes no sentido menos previsível. Começamos por compreender coisas muito, muito complexas e depois, a pouco e pouco, vamos chegando às coisas mais escondidas, que são também complexas, mas que são ao mesmo tempo mais simples.
Entrevista a António Damásio conduzida por Desidério Murcho
Texto publicado no suplemento Livros do jornal O Independente (Junho de 2000)
sobre o livro "O Sentimento de Si: O corpo, a emoção e a neurobiologia da consciência"
Se não se tivessem intrometido na nossa consciência, poucos seriam os que, conscientemente, dariam pela sua presença.
PortoCroft 10:25 AM
"O que não há dúvida é que os níveis mais elevados de consciência, aquilo a que chamo consciência alargada, necessitam de linguagem. (AD)"
Então assim já se compreende que possam ter que haver intermediários / tradutores na comunicação com Deus... ;-))
Porto K,
O que é espantoso é que Espinosa tenha lá chegado só pela intuição!
Portocroft: muchas gracias pelo excerto com que nos brindou. Não o conhecia. Mas devo dizer-lhe que sempre me apreceu que os Filósofos e os Cientistas não falam das mesmas coisas. De qualquer forma, assumo sem complexo esse dogmatismo dos meus pares: para mim, sem linguagem não há consciência. Ás vezes, um tipo não resiste ao dogmatismo :)
insone: obrigado pela simpatia, e pela contribuição clarificadora. Wittgnestein é, de facto, um dos tais "Filósofos da Linguagem". Ocorre-me que, até para contestar esta tese é preciso a Linguagem, e , sem ela,nem a tese podia ser elaborada, nem compreendida, nem refutada. Mas um desenvolvimento exige mais tempo. A ver.
E ocore-me isto: Damásio, para além de não clarificar o que entende por "consciência", dá como sustentação da sua tese experiências cirntíficas. Com isso, assemelha-se um pouco à euforia cientificista, bem típica do Século XIX: a ideia de que a Ciência não só deve como pode dar as explicações mais aceitáveis e indiscutíveis para todos os fenómenos. Acontece é que já não estamos no Século XIX, e esse cientificismo, hoje,merece reservas. Mas eu não conheço a totalidade da entrevista e da obra do senhor, e posso estar a ser injusto.
Escrevinhador,
Porque não quero que seja injusto. ;)
Um excerto clarificador:
«[Para Wittgenstein] O pensamento é linguístico. A linguagem é um produto social e, por isso, a consciência não pode ser "privada". Isto significa que qualquer busca fenomenológica de "certeza" na "primeira pessoa" é um equívoco. (...) Falar ou escrever sobre experiências mentais significa utilizar uma linguagem pública com regras socialmente acordadas que criam tanto os significados como as referências»
Laurel Brunner
P.S: há por aqui negritos, mas eu não os sei põr. Falta cá o lobices:)
Porto K, parabéns,
A âncora é de aço, e bateu no fundo com o seu comentário!
A linguagem é, portanto, a principal responsável pela cultura, pois é através da linguagem que nasce o "conceito" (no sentido de a "ideia), que é um meme (o meme está para a cultura de um indivíduo como o gene está para a sua constituição biológica).
Será Deus um meme? Terá a ideia de Deus caminhado ao longo das gerações de homens por ser uma "boa ideia", como os outros memes?
Se sim, e se a consciência do indivíduo é a percepção que ele tem do seu Eu cultural, então não é possível interferir entre a consciência do indivíduo e Deus. O que é possível é criar indivíduos manipulados meméticamente (!) como a ovelha Doli.
Talvez seja isso que se está a fazer nas madraças do Paquitão!
Portocroft:
merci!
Portocroft, boa ajuda a sua!
Segundo Damásio, nessa entrevista, 'Curiosamente, o nosso conhecimento marcha muitas vezes no sentido menos previsível.'
Efectivamente, parece ser assim em todos os debates e até neste - na nota 4 ao cap 4, 'A alusão meio aludida', do livro que você refere de AD, o autor diz:
"A consciência é selectiva porque não abrange todos os objectos na mente. De forma mais simles podemos dizer que alguns objectos podem tornar-se mais conscientes que outros. Existe uma enorme quantidade de objectos que podem tornar-se conscientes, mas nem todos se tornam. A verdade é que nem todos os objectos são iguais porque alguns são mais valiosos que outros para um organismo preocupado com a manutenção da vida. A consciência é uma propriedade contínua da mente porque, nas mentes normais e em vigília, há sempre coisas a serem representadas. (...)"
Mas, gostando de 'tentar entrar' no pensamento de AD, gosto também de o fazer no rigor das aporias do tal 'engenheiro da linguagem'.
Terá clemência para isto?
e.,
Pobre de mim. Sei nada. Quero aprender tudo. ;)
manolo
Estava você a deduzir tão simpaticamente sobre se a consciência do indivíduo é a percepção que ele tem do seu Eu cultural e ... desvia-se para a criação de indivíduos manipulados memeticamente (!) como a ovelha Doli.
Perdi-me. Pode-me ajudar? Isto sem me querer intrometer demasiado - se quiser responder, agradeço.:)
Bom dia!
Escrevinhador,
Continuo em desacordo contigo.
"Para mim, sem linguagem não há consciência."
Como não?
Não partilho a ideia de que a consciência seja uma consequência da linguagem ( como já disse ontem) :)
"Não há dúvida que a nossa mente e que a consciência são fenómenos privados e internos".
António Damásio
Esses fenómenos são "traduzíveis" para os outros através da linguagem, claro, mas eles estão lá, independentemente de os verbalizarmos ou não.
Escrevinhador, vou por aí: 'qualquer busca fenomenológica de "certeza" na "primeira pessoa" é um equívoco.'
Mas, e se for qualquer busca, em permanente dúvida, ajudado por certezas pressupostas - será possível?
[Para o engº Wittgenstein] na aporia 337 do livro citado *, "Uma pessoa não pode fazer experiências se não houver coisas de que duvide. Mas isso não significa que confie em certos pressupostos. Quando escrevo uma carta e a ponho no correio, parto do princípio de que chegará ao destino - espero-o. Se faço uma experiência, não duvido da existência do aparelho que está diante dos meus olhos. Tenho muitas dúvidas - mas não 'essa'. Se faço um cálculo, creio, sem qualquer dúvida, que os números no papel não mudam espontaneamente e também confio na minha memória durante toda a operação, confio sem reservas. A minha certeza aqui é semelhante à de nunca ter estado na Lua"
* 'Da Certeza', ed 70
"...sem linguagem não há pensamento"????
Sem pensamento é que não há linguagem.
Este é um debate como há muito eu não via no Murcon.
Posições distintas que são defendidas com argumentos válidos de ambos os lados.
Um tema interessante e complexo que promove a "exercitação" dos neurónios.
Quando ontem li o post pela promeira vez, nunca pensei que viesse a proporcionar esta troca de pontos de vista; parecia uma afirmação tão óbvia.:)
Nós é que complicámos o que parecia simples e ainda bem!
Este tema da consciência e da linguagem é muito interessante. É curioso que estou a ler o "Sentimento de Si, depois de já ter lido "O erro de Descartes".
António Damásio diz que a consciência é a capacidade de contar uma história sem palavras, em resposta a uma pergunta que não foi feita. A consciência pode ser assim a noção de que somos nós que sentimos um determinado sentimento, como alegria, medo ou tristeza, ou apenas a consciência de que somos o "proprietário" do nosso organismo. Damásio fala em consciência nuclear, para designar a noção do eu, integrado no tempo e no espaço. Embora seja um assunto de uma enorme complexidade - especialmente para alguém como eu que não tem formação científica -, parece que nesta categoria da consciência, a mais básica, mas também a mais importante, não será necessária a linguagem.
Remeto-me ao existencialismo que de mim concebo, em que procuro protecção a partir do momento em que deparo com a morte e do facto de a vida se reger por leis que estão para além do nosso controlo.
Como "coisa" sentida antes de lhe associar um conceito estruturado linguisticamente, onde o medo e "vontade" de viver predomimnam no "animal" de nós.
E este Deus protector que me rodeia foi então conceptualizado, num pensamento linguístico e estruturado com os "outros".
Até onde eu iria sem os outros, sem essa "intromissão" na minha consciência?
Pois, assim como ninguém tem o direito de se intrometer na vida íntima familiar, mesmo quando os pais alcoólicos vioentam mães e filhos!
Deve fazer parte dos desígnios divinos...
Gonçalo (12.31)
"Embora seja um assunto de uma enorme complexidade - especialmente para alguém como eu que não tem qualquer formação científica-, parece que nesta categoria da consciência, a mais básica, mas também a mais importante, não será necessária a linguagem."
Subscrevo na íntegra, aliás na sequência do que tenho vindo a dizer em todos os meus comentários anteriores.
Há um pequeno excerto da entrevista que gostaria que comentassem, para me ajudarem a entender melhor:
Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.
Será que esta afirmação, por si só, não rebate as afirmações do escrevinhador? ;)
Andorinha
"Este é um debate como há muito eu não via no Murcon."
Sem duvida e não quero estragar o ambiente, mas cada vez que ouço falar de Deus vem-me sempre à mente o magnifico milagre em que Jesus disse:
Levanta-te Lázaro e anda!
E Lázaro levantou-se e andou...
... andou parvo umas semanas, mas depois passou-lhe.
e.
não obstante a ironia do seu comentário, aí vai:
A manipulação genética consiste na alteração de um ou mais genes da cadeia genética (criada pela selecção natural), para atingir determinado comportamento do indivíduo biológico. Por exemplo, altero o gene XPTO do milho para que ele não reconheça o pesticida XXO como uma ameaça.
Por analogia eu considerei uma manitulação memética o recrutamento de individuos muito novos, com pouca experiência obtida no convivio da sua sociedade, metê-los numa espaço cultural controlado (a madraça) e promover nelas uma ideia de Deus à medida de que possam vir a oferecer-se como homens-bomba.
Manolo,
Julgo que o exemplo da Irmã Lúcia se pode adaptar à sua tese:))))))))
Yulunga,
Só tu para desestabilizares o ambiente.:))))))))
Agora que isto estava a ir tão bem...
e.
A manipulação memética existe há tanto tempo como a genética.O apuramento de raças de animais domésticos é manupulação genética, os seminários, memética. Pois tende a fazer transmitir no tempo certas ideias, forçando a forma que elas teriam se nascessem de uma forma natural (convivência social pura)
Manolo Heredia 12:58 PM
"... o recrutamento de indivíduos muito novos, com pouca experiência obtida no convívio da sua sociedade, metê-los numa espaço cultural controlado (a madraça) e promover nelas uma ideia de Deus à medida de que possam vir a oferecer-se como homens-bomba."
Será que esses marmanjos aprenderam alguma coisa com o estilo de vida conventual e com o regime dos Seminários ? Se calhar até aprenderam.
PS: não sei por que carga d'água, mas agora lembrei-me do "Nome da Rosa"...
Portocroft, (12.56PM)
Cá vai o meu contributo:)...
António Damásio distingue dois tipos de consciência, a nuclear e a alargada. A primeira "fornece ao organsimo um sentido do si num momento - agora e num lugar - aqui. Não ilumina o futuro, e o único passado que nos permite vagamente vislumbrar é o que ocorreu no instante exactamente anterior." Esta espécie de consciência não é exclusivamente humana.
"A consciência alargada, da qual existem vários níveis e vários graus, fornece ao organismo um elaborado sentido de si - uma identidade e uma pessoa...e coloca essa pessoa num determinado ponto da sua história individual, amplamente informada acerca do passado que já viveu e do futuro que antecipa, e agudamente alerta para o mundo que a rodeia."
António Damásio admite também que a consciência alargada exista em seres não humanos, mas só atinge o seu auge nos humanos, desde logo porque dispõem da razão e da linguagem.
Com a diferença que no "Nome da Rosa" havia um frade a incomodar, coisa que duvido que haja nas madraças.
Mário Santos 3:00 PM
"Com a diferença que no "Nome da Rosa" havia um frade a incomodar, coisa que duvido que haja nas madraças."
Embora com alguns séculos de atraso, os gajos que incomodavam já foram alvo de um "generoso" pedido de desculpas por parte da instituição...
SOCORRO...ALGUÉM VIU POR AQUI A MINHA AVÓ?
infomaniaca
Vou já ....
Andorinha e Gonçalo
Gostei mt de vos ler. Da conclusão de Gonçalo sobre as de AD vou nessa de ‘SERMOS’ ‘apenas a consciência de que somos o "proprietário" do nosso organismo’;
Todavia, Andorinha, sobre a sua recusa da linguagem ser a essência do pensamento … o engº LW não disse exactamente a ‘coisa’ dessa forma; e sobre o fenómeno da linguagem e dos seus diversos jogos disse até isto, referindo-se a quem usa outros ‘sinais’, não usando a comum linguagem verbal:
‘Chamarias sinais ao encolher de ombros, ao abanar de cabeça, aos acenos, sobretudo porque estão implantados no uso da nossa linguagem verbal’ **,
e acrescentou isto que poderá adiantar algo para compreender as nossas limitações em nos entendermos no espaço virtual:
‘ O que dizemos adquire o seu significado a partir do resto dos nossos procedimentos’ *
* ‘Fichas’- 651. , ed 70
** ‘Fichas’- 229. , ed 70
Manolo 12:58
Não nos conhecemos o que o faz supor que há ironia na … simpatia – não era essa a minha intenção. Compreendi, finalmente, aquilo a q se queria referir. Para colmatar a suposta falta de empatia entre nós, talvez fosse mesmo necessária a convivência social pura, como diz. A propósito, dizia o engº LW o que referi acima a ‘andorinha’: ‘ O que dizemos adquire o seu significado a partir do resto dos nossos procedimentos’ *
ovelinha negra Y-12:58,
guardei a imagem, tão matreira e ternurenta das 4 ovelhinhas a ‘reinar’ no pasto …
Portocroft
1ª - Disse AD: “Mas mesmo assim estou convencido de que há seres não humanos com consciência alargada que não têm qualquer linguagem e que organizam a consciência de uma forma não verbal.”
2ª - Referiu o ‘Escrevinhador’ de LW: “(…) Falar ou escrever sobre experiências mentais significa utilizar uma linguagem pública com regras socialmente acordadas que criam tanto os significados como as referências”
Você pensa que a 1ª afirmação parece contrariar a 2ª. Mas LW estudou os humanos e sobre eles disse: "Uma pessoa não pode fazer experiências se não houver coisas de que duvide. Mas isso não significa que confie em certos pressupostos.” (ou seja ele admite que vivemos confiando em certos pressupostos).
Sobre as outras mentes teremos que nos ligar, entre outros, aos estudos de Daniel Dennett, por exemplo a ‘Tipos de Mentes’ onde mostra como, ‘passo a passo, a vida animal passou da simples capacidade de responder às questões ambientais à aptidão excepcional de superar as adversidades, usando experiências passadas para prever situações nunca antes enfrentadas’; estudos onde se pergunta se os robots dotados de sistemas sensoriais exibirão, alguma vez, as características da mente humana.
Fico-me com dúvidas e perguntas para o resto da tarde.
infomaniaca
É agora .. VOU JÁ !!!!
Gonçalo,
Obrigado pelo contributo, bastante esclarecedor. ;)
e.,
O ponto 2, seria mais isto: "Não só a consciência se exprime pela linguagem, a consciência é Linguagem."
e.
Vai aqui, talvez lá a exista a mesma mas com melhor qualidade.Não faço ideia, sou pouco entendida nisto.
http://www.metaforas.com.br/infantis/ovelhanegra.jpg
;-)
Ninguém tem esse direito, pois não.
Mas quando são os fusos horários a fazerem esse papel as coisas complicam-se.
Quando Deus dorme e nós estamos acordados e vice-versa a injustiça é enorme.
Por causa disso eu tirei-lhe os pregos das mãos e deixei ficar os dos pés.
Até ele acertar fusos comigo não falo mais desse senhor.
Isabel,
Esqueça.
Porque diabo o homem não há-de dobrar as folhas se isso não o incomoda?
Gonçalo,
A irmã Lúcia é um mau exemplo para o fenómeno de manipulação memética, porque só foi utilizada como testemunha de um meme (a aparição). Não foi divulgadora.
Assim como os genes se propagam no tempo pela reprodução dos indivíduos e só permanecem no dicionário da genética os que são bons para a adaptação ao Planeta Terra dos indivíduos que os detêm, os memes (átomos de cultura, como alguém lhes chamou) propagam-se no tempo pela comunicação entre indivíduos (tendo como suporte a linguagem) e só permanecem no dicionário da memética de uma cultura se são bons para a manutenção dos laços de cooperação entre os indivíduos imersos nessa cultura.
Os esquimós tem 30 maneiras diferentes de dizer "gelo" (quebradiço, cortante, etc.), são outros tantos memes unicamente úteis na cultura dos esquimós, não servem para nada na cultura de um povo que viva numa região tropical.
Repare que nesta analogia a Cultura corresponde à Natureza. Culturas há muitas, Natureza há só uma!
Regresso por momentos, e vejo que a discussão continua. Portocroft: António Damásio distingue dois tipos de consciência. Eu acho que ao primeiro desses tipos não se deve dar o nome de "consciência". Por isso, repito que, para mim, sem Linguagem não há consciência. De resto, sempre que se subdivide uma categoria, corre-se o risco de se achar que a divisão é tão profunda, que se deve deixar de dar o mesmo nome a coisas diferentes. No fundo, a divergência é esta: Damásio chama "consciência" a algo que eu acho que merece outro nome.
E reparemos neste pormenor, Damásio diz: "estou convencido". Não diz "provei". É que isto aqui é terreno alheio a "provas" e exclusivo de "argumentos".
Boa tarde JMV e Maralhal,
Li "Como a água que corre" no princípio dos anos 80 e confesso que já há muito tempo não pensava neste livro. Como porventura saberão, trata-se de um volume com 3 histórias: Anna Soror, Um homem obscuro e Uma bela manhã. Não sei exactamente donde foi retirada a frase citada no post, contudo, no contexto da obra (Reforma/Contra-reforma), parece-me que se referirá a questões de liberdade religiosa.
Durante a vossa discussão tem sido abordada outra problemática, nomeadamente, consciência/linguagem.
Achei assim interessante transcrever o que a própria M. Yourcenar diz sobre uma das suas personagens, Natanael de "Um homem obscuro". Diz a autora:
"A principal dificuldade de "Um homem obscuro" estava em mostrar um indivíduo mais ou menos inculto a tentar formular em silêncio o que pensa acerca do mundo que o rodeia, e por vezes, raramente, com lacunas e hesitações que correspondem à balbúcie de um gago, a esforçar-se por comunicar a outrem uma parcela, ao menos, de tudo isso. Natanael é daqueles que pensam quase sem a mediação das palavras. Quer isto dizer que é mais ou menos desprovido desse vocabulário a um tempo usual e usado, gasto como as moedas que demais serviram, por meio do qual nós trocamos o que supomos serem ideias, o que pensamos acreditar e o que acreditamos pensar. Mas para escrever tal relato era preciso, ainda, que essa meditação de tão vagos contornos fosse transcrita. Não ignoro que fiz batota ao dotar Natanael de uma pequena cultura recebida de um mestre-escola de aldeia, e proporcionando-lhe com isso não só a possibilidade de preencher, em casa de seu tio, Elias Adriansen, um lugar mal remunerado, mas também de estabelecer a ligação entre certas noções e certos conceitos... Continua, porém, tão independente quanto possível de qualquer opinião inculcada, um quase autodidacta, nada simples, mas também nada sobrecarregado, desconfiando instintivamente do que os livros que folheia, as músicas que por acaso ouve, as pinturas onde os seus olhos por vezes poisam, vêm acrescentar à nudez das coisas, indiferente aos grandes acontecimentos das gazetas, sem preconceitos em tudo quanto toca à vida dos sentidos, mas também sem a excitação ou as obsessões fictícias que são o efeito da coacção ou de um erotismo adquirido, tomando a ciência e a filosofia pelo que elas são e sobretudo pelo que são os sábios e os filósofos com que depara, e erguendo para o mundo um olhar tão mais límpido quão incapaz é já de orgulho. Nada mais há a dizer de Natanael."
Peço desculpa pela extensão do texto, especialmente num dia com tantos comentários como hoje. O Murcon deve ter estoirado o sistema, pois à hora do almoço não consegui entrar. Apesar da inconveniência, pensei que a nota da M. Yourcenar merecia a pena ser lida.
e (3.34)
"...sobre a sua recusa da linguagem ser a essência do pensamento...".
Não foi isto que eu disse. Não questiono a importância da linguagem,(como poderia eu fazê-lo?), apenas considero que o pensamento não se esgota nela.
Quanto ao resto, totalmente de acordo.
Também eu fico com dúvidas e perguntas para o resto da tarde e se calhar, para os próximos dias.:)
Andorinha: «considero que o pensamento não se esgota nela». É isto que eu não compreendo. Como é possível pensar sem Linguagem? Quando eu me lembro de uma imagem, não estou a pensar, estou a "recordar". Quando sinto medo, "sinto" medo. Agora, quando penso, uso a Linguagem. Para estabelecer relações entre elementos (definição mais elementar de "pensamento"), uso a linguagem. Coisas como "por causa de", "depois de ", "antes de", etc, formas tão comuns de organizar o pensamento, são, em si, formas linguísticas. Mas tenho de ir outra vez. Salvé a todos!
Escrevinhador,
O que Damásio afirma é que:
"E, sobretudo, a ideia de que a consciência é uma consequência da linguagem parece-me estar completamente errada e há neste momento, entre os dados experimentais e a reflexão sobre esses dados, razões para a esquecer rapidamente."
Estava a partir desta afirmação para a comparar com a sua própia, de que "Não só a consciência se exprime pela linguagem, a consciência é Linguagem."
Pois, diz isso. Mas depois explica. E, ao explicar, vai distinguir dois tipos de consciência, assunto sobre o qual já me explanei. Mas repito, para acabar, que nem sempre os Cientistas e os Filósofos (como Wittgenstein) falam das mesmas coisas.
escrevinhador (5.02)
Continuo a não te conseguir entender.
"...sem Linguagem não há consciência". Mas porquê?
Gostava de entender o teu ponto de vista, mas confesso que ainda não consegui.
Penso exactamente o contrário - sem consciência não há linguagem.
São duas posições irredutíveis e haverá certamente argumentos válidos que sustentem uma e outra.
No comentário da Pamina aparece a frase "Natanael é daqueles que pensam quase sem a mediação das palavras." Penso que isto vem de acordo ao que tenho vindo a afirmar.
Saiu mais um livro de Daniel Dennet, homem injustamente ausente nestes comentários!
Andorinha: consegues clarificar melhor o que é um pensamento sem linguagem? É que eu isso é que não percebo. E, retomando a entrevista, se isto é um dogma de alguma Filosofia do Século XX, paciência. Como disse, às vezes é difícil um tipo deixar os dogmas :)
Boa tarde, murcons
Que pena que eu tive de não poder participar activamente na grande discussão que grassa por aqui desde ontem...
Agora, tendo tanto para confrontar alguns de vós, acho que já não é altura, pois muitos posts são de ontem, ou de hoje cedo, mas já tiveram o seu tempo...
Então não vou dar mais nenhuma acha para a fogueira,
Apenas dizer que:
1- fartei-me de discordar;
2 - fartei-me de concordar;
3 - fartei-me de sorrir, a maior parte das vezes, com bonomia;
4 - fartei-me de pesquisar obras visadas por aqui;
5 - epero não me fartar de reflectir sobre o que eu acho sobre o assunto/assuntos (a questão da linguagem e sua relação com a consciência é gulosa...:)), sobre o que me ensinaram por aqui_;
6- ESPERO PODER PARTICIPAR ATEMPADAMENTE PARA A PRÓXIMA
PROF: ESTES POSTS TÊM QUE SER COLOCADOS À SEMANA!!!
Grande festa, pá!
escrevinhador,
Entendo que ao pensarmos estamos a utilizar instrumentos linguísticos, isso não questiono.
Um pensamento sem linguagem será algo de semelhante ao Natanael no comentário da Pamina - alguém que pensa quase sem a mediação das palavras.
manolo
Terá visto a refª a DD às 3:37PM?
E que nos conta do seu novo livro?
o que é Deus senão a nossa consciência?
rebeca, olá
Voltámos ao lugar por onde andei às 8:02AM.
escrevinhador,
Penso que se calhar estamos a dar um sentido diferente à palavra Linguagem.
Não consigo clarificar melhor, mas penso que há pessoas que apesar de não terem um arsenal linguístico muito vasto conseguem, mesmo assim, "pensar" mais do que à partida os seus recursos linguísticos permitiriam.
Não sei se me faço entender...daqui a pouco nem eu mesma me entendo.:)
rebeca
afinal foi às 8:02 PM de ontem -
quase 24 h passaram.
Pensar é uma forma de sentir (nós pensamos com o corpo), é invocar objectos arquivados na memória e manipulá-los com a Razão. Esses objectos correspondem a mapas de sensações (um mapa por objecto) uns (objectos) criados a partir de percepções (da forma como as sentimos), outros criados e arquivados na nossa mente a partir de manipulações dos primeiros, com a razão. A linguagem é o processo químico-biológico que conduz essa manipulação.
É tanto mais fácil pensar quanto mais conceitos existerem na linguagem, e os conceitos (concentrados de ideias) têm existência para além da linguagem. Quando não há a aprendizagem que faz correspondes o conceito à palavra que o representa, é difícil exprimir o pensamento, mas não é impossívél. Veja-se o Carteiro de Pablo Neruda.
Até amanhã maralhal.
Continuação de boas blogadas.
manolo (6.38)
É isso, foi o que eu tentei dizer ao escrevinhador no meu comentário anterior.
Obrigada pela ajuda.
Se não foi deliberada, agradeço-te na mesma.:)
Ora cá estamos.
Manolo, sentir é uma das formas do corpo pensar? Ora aí está, os animales pensam. Até aqueles que andaram a disparar furtivamente contra os hospitais, lá prás bandas do Missisipi.
Mas daí às intromissões entre a consciência e Deus ... Bolas, mas a que filosófica conceptualização da consciência se refere a defunta moça autora? Aquela que nos diz "isto é o bem e aquilo o mal"? Ou aquela em que, orgulhosamente, depositamos o nosso ego existencialista?
Vou assar umas mioleiras de besta sem a doença das cornudas loucas, a ver se me recomponho.
Bem... fico-me pela escrita, de outrém;)
"Rios amargos, sem baixa-mar. Como os olhos - quem lhes roubou desertos? só a ternura, infatigável, constroí diques e enxota memórias transbordantes" ; )))))))
300 euros para quem me disser o Autor e o livro de onde sairam estas engendrações;)
Meus caros, era esta a resposta ao enigma da barragem estilhaçante ; ))))))))))))) mas dava-vos pouca pica, e foi nisto que deu ; )
Caríssimo Noise, ia-lhe desejar as boas-vindas mas parece que só passou por cá de raspão. O Autor é o Professor, pronto, já dá para ganhar metade do prémio?
NOISE:
JMV Domingos, Sábados e Outros Dias, Ed. relógio d'àgua 1993(edição cá de casa)
Malta: acabo de ganhar 300 euritos:))))
Vou cobrar, noise, vou cobrar::)))
Alguém viu por aí a Guilhermina Miranda ?
Escrevinhador e Pamina,
Vocês são excelentes a "inquietar" as ideias feitas. Se não fossem vocês e outras honrosas excepções, já estávamos quase, "cientificam,ente" a ir a Fátima a pé.
Continuo a pensar que há confusão nos "terapeutas" sobretudo com o termo "linguagem". Efectivamente há muitos tipos de linguagem: a gestual, a do velhinho código Morse, aquela das bandeiras dos navios, a dos surdos-mudos e por aí fora. Até podemos chegar ao behaviourismo e pensar na linguagem dos animais e especular sobre a sua possível "consciência", pois eles exprimem dor, sofrimento, alegria, hostilidade, etc; não creio, porém, que tenham conceptualizado alguma divindade, uma vez que não ascenderam à criação de uma LÍNGUA (sistema de signos ou uma outra definição congénere,)LÍNGUA que é com certeza a maior criação humana, basilar a tudo que humano é.
Parabéns pelo debate, digno do Murcon.
Olá a todos!
Regressei de férias e ainda não tive tempo de ler os posts que “perdi” durante a minha ausência.
Este mote do Prof. é de facto difícil …
"Ninguém tem o direito de se intrometer entre uma consciência e Deus".
Ocorre-me antes de mais, que uma intromissão eventual entre uma (determinada) consciência e Deus, não teria outro propósito se não a manipulação dessa mesma consciência, partindo do pressuposto que o dono dessa consciência seria crente.
Nesse caso, indubitavelmente, ninguém tem esse direito. A menos que fosse por exemplo, para dissuadir os bombistas de não matarem “em nome de Deus”.
Já bastam os condicionamentos a que estamos sujeitos, inconscientemente.
Não sei se estou a interpretar mal, não domino o tema.
Muito interessante a derivação do tema para o pensamento e a linguagem. Efectivamente, a maioria de nós, pensa por palavras. O âmbito da linguagem é enorme. Questiono-me como pensarão os surdos-mudos, que não tiveram acesso à palavra. De facto, não sei. De que forma terão consciência, considerando que esta é o sentimento de si mesmo por definição e a intuição que temos dos fenómenos psíquicos?
Oportuna a introdução pelo Portocroft das explicações de Damásio sobre o tema.
Não me alongo mais, pois pouco sei sobre este assunto. Deixo os comentários para quem melhor sabe, na esperança de aprender alguma coisa.
Saudações,
Débora
A Sleep of Prisoners
So the human heart can go the length of God
Dark and cold we may be
But this is no winter now
The frozen misery of centuries
Clocks, breaks, begins to move
The thunder is the thunder of the flows,
The fill, the flat, the upstart spring.
Thank God our time is now
When one comes up to meet us everywhere
Never to leave us 'til we take the greatest stride
Of souls folk ever took
Affairs are now soul size
The enterprise is exploration into God
But where are you making for
It takes so many thousand years to wake
But will you wake, for pitys sake
C. Fry
Sweet dreams
Sorry, here is the correct version:
"A sleep of prisoners"
The human heart can go the lengths of God.
Dark and cold we may be, but this
Is no winter now. The frozen misery
Of centuries breaks, cracks, begins to move;
The thunder is the thunder of the floes,
The thaw, the flood, the upstart Spring.
Thank God our time is now when wrong
Comes up to face us till we take
The longest stride of soul men ever took.
Affairs are now soul size.
The enterprise
Is exploration into God.
Where are you making for? It takes
So many thousand years to wake,
But will you wake for pity's sake!
by Christopher Fry
SD ;))
senhor não prepotente harryhaller
bem achado. vou nessa
harryhaller e e.
Também vou nessa.
a fé e a salvação é individual e se o humano moderno quer desafios que tentem acreditar naquilo que não vêm. dificil não é? mas é maravilhoso para quem consegue é tambem uma vitoria única.
http://amcosta.blogs.sapo.pt
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