sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Um homem reservado.

Se o vento leva as palavras, como podem ser o garante do amor?




Sonhou-o para si. Vivera o suficiente para decidir o destino a dar aos afectos, vira-os fazer ricochete em armaduras e destruir colunas vertebrais demasiado frágeis, nem mais uma lágrima ou afago desperdiçados; chega. Cortou laços familiares teóricos, sempre a espantara a mitificação do sangue. O amor verdadeiro resulta de uma escolha e não da pertença a uma árvore genealógica, a seiva não anula a distância entre raízes e copa. A família unida por definição é a cobardia dos que procuram refúgio em certezas biológicas contra as dúvidas que nos tornam humanos, não passam de formigas letradas.
Construiu um nicho afastado de tudo, pagou o anonimato asséptico que a tecnologia proporciona e sentiu-o crescer, os dedos percorrendo o ventre em busca de movimento brusco ou requebro. O parto foi o primeiro e último contacto mundano que lhe permitiu, os sonhos dele poderiam destruir os seus, era preciso impedir-lhes os pretextos e esses…, vêm de fora.
Depois a festa: árvore e ramo, desejo e olhar, água e fonte, ilha e oceano, acima acima gajeiro!, da barca já se avista a fusão das almas, os corpos simulam independência para melhor se entrelaçarem. Tudo em silêncio. Não porque não lhe apetecesse a carícia do som ritmado, as exclamações de júbilo provocante, o sussurro a ouvidos que cambaleiam rumo ao sono, a cabecita refugiada no pescoço materno - pronto, pronto…Sacrifício indispensável em nome do futuro, ao palrar seguem-se as palavras que trazem as perguntas e a atrofia dos sentidos, o delírio da razão invade tudo, vai um passo da tabuada ao cogumelo de Hiroxima. O amor reduzido a complementaridades bioquímicas, mãe e filho com destino tipificado, baboseiras do género “mãe só há uma” e “carne da minha carne” não impediriam a separação. Com sorte vê-lo-ia ao Domingo pela tardinha, a reboque de outra mulher, sempre dona da última palavra, pois os homens antes do sexo prometem tudo e depois dele de tudo podem ser convencidos para garantir a paz. Obsceno! Escolhera inventar um amor perfeito, não o ia pôr em risco permitindo as escolhas do seu menino. Viveriam no silêncio total, sem meandros traiçoeiros.
O sonho tornou-se realidade - miúdo, adolescente e homem foram todos seus. E as feridas sararam, os tabus não chegaram a nascer, ensinou-lhe um amor magnífico que ela própria desconhecia e foi aprendendo sem pressas, as palavras domesticadas e prisioneiras namorando os olhos que com pena as traduziam - “meu querido…”, o eco não tardava, imenso por analfabeto. Quando pressentiu a morte, chegou a encarar partida a dois, afinal o mesmo aconteceu aos amantes dignos desse nome ao longo da história, mas algo lhe faltava. Vivendo com os outros, experimentado-lhes a pequenez, o filho aperceber-se-ia verdadeiramente do paraíso perdido. Não estava preparada para abrir mão da saudade dele, queria sobreviver na memória de um homem só.
Quando ela morreu, pela primeira vez a porta se abriu. Encadeado pelo brilho do sol e a curiosidade de próximos que não amava foi entregue aos médicos. Não lhe arrancaram nada, a não ser vagidos assustados e um “mamã” cambaleante, não lhe ensinara mais. O diagnóstico impunha-se: regressão psicológica maciça em indivíduo sujeito a tremendo choque pela morte da mãe. Prognóstico reservado.
Reservado… Uma palavra que sempre lhe assentara como uma luva.

31 comentários:

LeCognac disse...

Se o vento leva as palavras, como podem ser o garante do amor?

Anónimo disse...

Verdadeiramente doentio ! Não consigo imaginar o que seria deste (ou doutro) desgraçado se tivesse sido criado no seio de um “casal” gay… Para além de não ter melhor saúde (mental e física), de certeza que “reservado” não teria sido nunca o termo que melhor se lhe aplicaria. Uma tristeza !

maloud disse...

As mamãs castradoras de filhos e filhas. As mamãs que ninguém escolheu e que saíram na rifa. As mamãs que, com um olhar, lembram os sacrifícios, as renúncias, as noites mal dormidas, o desvelo na doença. As mamãs sofredoras e cobradoras. Como elas são cobradoras e que ego imenso elas têm!

Julio Machado Vaz disse...

Fora-de-lei,
Iso não diz respeito a casais, hetero ou homo. É uma caricatura brutal de certas relações fusionais e das suas consequências. Mas uma caricatura, não me consta que haja por aí muita gente a quem Pai ou Mãe negou até a aquisição da linguagem, sobretudo em nome do "amor". Porque certos desgraçados que um dia são encontrados em sótãos ou currais não andam longe:(.

maloud disse...

Chame-lhe caricatura brutal.
A caricatura brutal anda aí à solta, e os certos desgraçados não precisam de ser encontrados em sotãos ou currais. O{A}s desgraçados{as} que aprenderam e interiorizaram que "mãe há só uma" e nunca se questionaram que tipo de mãe tinham. Aqueles{as} que se deixam chantagear por essas megeras a quem tudo é devido porque tiveram as dores do parto. E acredite que essas "queridas e amorosas" velhinhas tiraram todas o curso e ainda fizeram mestrado e doutoramento em Chantagem Psicológica.
Eu conheço-as e não são uma excepção.

Anónimo disse...

Ena ena! Apareceu na TV1- EU VI-O nananananan.
^

Tenho móveis iguaus aos seus. ihihihih Tá muito bem nas fotos


Não tem piada nenhuma é essa sua paixão pelo Malfica.

Anónimo disse...

Caricatura será. Brutal, manso adjectivo para definir essa subtil mas implacável interferência que em nome do amor, muitas de nós, mães, imprimem no destino dos seus filhos...
Gostaria de me saber diferente e bem me esforço para não cair nessa armadilha do olhar triste, que em silêncio lança cobrança de factura inexistente.
Quero livres os meus filhos. Quero-os a fazer os seu próprios voos, a amarem o que lhe apetecer, a empenharem-se nas lutas e projectos em que acreditarem. Quero-os pensantes, interventivos, críticos até de mim e se si próprios.
Costumo avisar, quando, do alto da minha "estatura", os vejo em rota de colisão. Aviso assim, sem levantar os olhos do livro, ou sem deixar de dobrar o lençól ou sem deixar de mexer a farinha Maizena de que algum me disse ter saudades. Ás vezes, o aviso fá-los pensar melhor no assunto, noutras, vejo-os encolher os ombros e seguir em frente. Sinto o embate por antecipação e preparo-me para reparar penas amachucadas.
Gosto de pensar que se gostam de mim, é só porque acham que mereço.
Tenham um dia feliz!

Anónimo disse...

Acabei de o ver no jornal da tarde da RTP1...
Bom... espero que o que fizerem os jogadores do Benfica na noite do jogo, seja para festejar e não para confortar ;)
Saudações benfiquistas!

Anónimo disse...

Julio Machado Vaz 12:29 PM

"Fora-de-lei, isto não diz respeito a casais, hetero ou homo. É uma caricatura brutal de certas relações fusionais e das suas consequências."

Concerteza. No entanto, eu - nas minhas já usuais provocações de índole homofóbica - extrapolei para um caso onde, em vez de lhe negarem até a aquisição da liunguagem, lhe negariam a aprendizagem do amor "normal" por força da ausência de um referencial masculino. Referencial esse que, também aqui neste caso, esteve sempre ausente.


"Porque certos desgraçados que um dia são encontrados em sótãos ou currais não andam longe."

É verdade. Infelizmente, ainda é capaz de haver por aí mais "homens-elefantes" do que a gente imagina...

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Fora do contexto, mas - infelizmente - muito actual.

Depois de Lisboa, será que a moda também já chegou ao Porto ?

Happy slapping is the term used to describe a recent fad whereby a person, or group of persons, slap an unsuspecting victim (usually women or lone men) while an accomplice films the assault using any form of video recording device, most commonly as camera phone or a smart phone. It is thought to have first become popular in South London, but it has now spread across Europe and North America.

Happy slapping can often become more violent than a mere slap and may include a strike or even a physical attack. Sometimes the assault is performed with other crimes, such as mugging and rape. Other much more vicious variations of the "happy slap" have also been reported, at least one of which has resulted in the death of the victim.

maloud disse...

A bestialidade é uma moda? E não me venham com a lenga-lenga dos coitadinhos, institucianolizados, com famílias desfeitas. É que já perdi a pachorra.

Anónimo disse...

é necessário agora colocar pass?
esqueci-me da minha

atolle

Anónimo disse...

experiência

Anónimo disse...

que se passa com este blogue?
cada vez entendo menos!

Anónimo disse...

A configuração mudou? Não consigo enviar comentários com o meu nick.
attole

Anónimo disse...

Bem, bom carnaval a todos.
attole

Anónimo disse...

"Se o vento leva as palavras, como podem ser o garante do amor?" As palavras vão-permanecem-e-ficam consoante a brisa ou ventania emocional de cada um. As que me foram ditas, ficaram todos nos respetivos compartimentos temporais ora mais a norte ora mais a sul, quiçá mais a oeste ou mesmo a este...o certo é que ficaram, por mais malas de cartão emocional que tenha.
Um beijinho racional.

joaninha disse...

Nem sempre é um homem reservado. Apenas é uma sequência e provavelmente uma consequência de tudo o que é referido nos seus dizeres. Procura encontrar o que dentro de si, possivelmente, não se encontra ou está por definir? Heterossexual, bissexual, homossexual. Tudo num só, como a parte carnuda de um bivalve. Por isso, de que é feito esse amor, Amor pelo qual deveria ter passado em todas as fases do seu desenvolvimento, e, que por diversas circunstâncias apenas passaram ao lado? Por isso, como pode ultrapassar as barreiras que o libertariam dessa sua reserva? Possivelmente também a este caso se impõe uma regressão psicológica maciça. Não pela causa de luto materno, mas o de um outro familiar próximo. Seria possível? E o prognóstico também seria reservado?!
Obrigada pelo texto!

joaninha disse...

Nem sempre é um homem reservado. Apenas é uma sequência e provavelmente uma consequência de tudo o que é referido nos seus dizeres. Procura encontrar o que dentro de si, possivelmente, não se encontra ou está por definir? Heterossexual, bissexual, homossexual. Tudo num só, como a parte carnuda de um bivalve. Por isso, de que é feito esse amor, Amor pelo qual deveria ter passado em todas as fases do seu desenvolvimento, e, que por diversas circunstâncias apenas passaram ao lado? Por isso, como pode ultrapassar as barreiras que o libertariam dessa sua reserva? Possivelmente também a este caso se impõe uma regressão psicológica maciça. Não pela causa de luto materno, mas o de um outro familiar próximo. Seria possível? E o prognóstico também seria reservado?!
Obrigada pelo texto!

joaninha disse...

Muito complicado postar um comment!

Nem sempre é um homem reservado. Apenas é uma sequência e provavelmente uma consequência de tudo o que é referido nos seus dizeres. Procura encontrar o que dentro de si, possivelmente, não se encontra ou está por definir? Heterossexual, bissexual, homossexual. Tudo num só, como a parte carnuda de um bivalve. Por isso, de que é feito esse amor, Amor pelo qual deveria ter passado em todas as fases do seu desenvolvimento, e, que por diversas circunstâncias apenas passaram ao lado? Por isso, como pode ultrapassar as barreiras que o libertariam dessa sua reserva? Possivelmente também a este caso se impõe uma regressão psicológica maciça. Não pela causa de luto materno, mas o de um outro familiar próximo. Seria possível? E o prognóstico também seria reservado?!
Obrigada pelo texto!

Moon disse...

"Belo" argumento para um filme de terror.
Um horror ou o cúmulo do egoísmo. Internem essa mulher!:(

Descreveu o exagero, é certo. Mas na realidade existem mães tão "extremosas" que (consciente ou inconscientemente) garantem que filho algum consiga ser feliz com mulher nenhuma.

LR disse...

Sim, senhor: esta linda manta em patchwork em que nos enreda (e tal como no patchwork, feita de "velharias" e tecidos novos)está cada vez mais bonita a cada visita que fazemos ao atelier do artista...
Um excelente contraponto para o post anterior. Ou. por outras palavras, atenção aos perigos do amor maternal (o tal que se interpunha entre a parelha).
Mas sabe? Acho que isto é patologia pura, não chega a ser perigo real. Ou seja: estamos tão expostos a ela quanto na saúde estamos vulneráveis à doença.
O amor de mãe é normalmente saudável. Como não? É mesmo o único na vida que é dado sem contrapartidas absolutamente nehumas.
Quem dá vida, dá liberdade! Não pode prender.
Nem os fragilíssímos (e no fundo impotentes...) laços da ternura inesgotável o conseguem!
Por isso, mesmo as peias com que mimamos os filhos são 1 espécie de subsídio a fundo perdido...Em nome da melhor causa do mundo.
Um ser que geramos é livre e dono de si mesmo a partir do 1º dia (da concepção...)
Acredito 100% nisto.
E mais não digo!

Anónimo disse...

Vivo num sotão vigiado pela minha mãe que reside entre as telhas marselhas. À noite, ela vem e conta um conto para eu dormir. Para marcar as páginas ela usa o nosso cordão umbilical à muito ressequido.

CêTê disse...

Que perda seria privar-nos das suas ruminações! Não sei se percebi bem... Contudo, ocorre-me partilhar o seguinte: a minha perspectiva de progenitora mudou quando o fui pela segunda vez. A constatação diária da diferença entre ambas as crias é uma prova viva da sua individualidade- diferente do somatório de quem se amou. Perde-se definitivamente a cegueira narcísica de quem se quer rever num filho. Mas é um facto que, por muito lúcidos que sejamos acabamos, por vezes, por copiar exactamente o que queremos contornar. ;] Bom café para todos

b' disse...

boa tarde

ainda bem que conseguiu por a janela com o figurino anterior, gosto mais assim :))

depois de uma penitência para nos aquecer o coração, lança-nos esta ventania gelada...

que me levou todas as palavras

Pamina disse...

Boa noite.

Ao ler, ia pensando: que história arrepiante! A apropriação total de um ser humano por outro. Depois, no fim da parábola, veio-me à ideia esta palavra: Autonomia.

Que outra coisa melhor poderemos fazer pelos nossos filhos do que, sem lhes negarmos carinho e atenção, encorajar a(s) sua(s) autonomia(s)?

Bom fds para todos.

Anónimo disse...

Ó dr. o sr. devia era ir trabalhar para a RTP1 (qual RTPN qual quê!). Isso sim! Será que nenhum director está convencido pelo êxito que continuaria a ser em tv só pelo nº de visitantes do seu blog? Há gente míope...Quem diz RTP1 diz SIC ou até porque não?, a TVi! (o sr até tem boca grandita e tudo) Até Teresa Guilhermina faria de si um oráculo!

andorinha disse...

Boa noite.
Caricatura de um egoísmo atroz, que arrepia!
A acontecer algo do género estaríamos verdadeiramente no domínio do patológico.
Concordo com a Angie, o amor de mãe é normalmente saudável, é o único que não exige nada em troca.

Vera_Effigies disse...

Mahatma
Este post tem uma estória terrível, mas "Ki Las ay, ay!" . Ainda bem que são casos raros.
Boa noite.
MJ

Maria disse...

EfémeraÁsTrêsPancadas said...
"Se o vento leva as palavras, como podem ser o garante do amor?"

Calafetando as frechas, com carinhos, e carícias.

Anónimo disse...

exageros … de outros casos ;)

“Marionetes” de Geir Campos

“Muitas coisas pendem de meus dedos:
consegui saber-lhes os segredos
e os seus gestos hoje morrem, vãos,
quando os não dirigem minhas mãos,
pelo acaso como um palco aberto.
Minha vida é um teatro deserto.
Mas fatigam tanto esses brinquêdos,
cenas sempre iguais e iguais enredos
- oh! como são tristes os meus dedos!”

Anónimo disse...

ah como é tentador tentarmos tentar reparar os nossos erros e espectativas goradas nos nossos pequeninos ,mas não, o amor é bem mais forte e ajuda-nos a deixá-los em liberdade