terça-feira, março 27, 2007

Escravos "dóceis":(.

São milhões as crianças sujeitas a trabalho duro
arquivo jn
A exploração de crianças é feita em muitas actividades e com a violência de um sistema de escravaturaUm documento da organização humanitária "Save the Children" apelou ontem aos líderes mundiais para que actuem no sentido de acabar com a escravatura infantil. No seu mais recente relatório são descritas as formas de exploração, maus tratos e abuso a que são sujeitas milhões de crianças em todo o mundo. O documento "As Pequenas Mãos da Escravatura" revela que 1,2 milhões de crianças são anualmente vítimas de tráfico e 1,8 milhões são vítimas de abusos como a prostituição, pornografia ou turismo sexual. Também milhões são forçadas a trabalhar em condições terríveis para pagar dívidas, enquanto um milhão arrisca a vida em minas que laboram em mais de 50 países de África, Ásia e América do Sul. Na Índia, por exemplo, a organização estima que haja 15 milhões de menores obrigados a trabalhar para pagar dívidas de outras pessoas. Em alguns casos, a exploração é dirigida contra crianças que nem saíram da primeira infância e às quais são impostas tarefas pesadas.De acordo com a "Save the Children", a agricultura é das actividades que mais recorre a trabalho de jovens com menos de 15 anos em todo o mundo estima-se que o seu número atinja 132 milhões, sem hipótese de fuga e expostos a pesticidas, maquinaria pesada e ferramentas perigosas. Também outros milhões de crianças são utilizadas nos serviços domésticos, trabalhando quase 15 horas por dia. A acrescentar a estas formas de exploração, muitas situações há de casamentos forçados. Estes chegam a ser impostos a meninas de quatro anos. Outro campo de exploração denunciado pela "Save the Children" refere-se à utilização de menores de 15 anos em conflitos armados. Presentemente serão cerca de 300 mil os meninos-soldado. Só na República Democrática do Congo estão detidas onze mil crianças por grupos de combatentes."Os líderes mundiais têm de actuar urgentemente para acabar com a escravatura infantil e aplicar leis e os recursos necessários para erradicar estas práticas terríveis", apelou a directora executiva da organização. Segundo Jasmine Whitebread, "a escravatura infantil é uma dura realidade para milhões de crianças em países ricos e pobres" e os "governos de todos o mundo não fazem o suficiente para responder a este problema".

21 comentários:

Maroska disse...

Perto disto qualquer discussão sobre programas, concursos e afins parece já não ter significado...Só de pensar que essas crianças nunca vão ter a esperança de uma vida diferente sinto as lágrimas nos olhos. Isto sim é tragédia. Isto sim é miséria. Será que as diferenças culturais são a justificação para os pais destas crianças (sim, porque quantas são escrevizadas pelos próprios pais?) não terem o mesmo sentimento que nós temos a respeito da infância, a respeito do amor de Pai? Pergunto-me que mundo é este em que as crianças servem de escudo humano numa guerra, ou fazem de soldadinho de chumbo sem ser a brincar. No nosso cantinho à beira mar plantado não temos muito a noção destas situações e o único vislumbre que temos é nos semáforos, quando vêm crianças pedir uma moedinha...ou à porta de um qualquer estabelecimento, sentadas no chão, com uma caixa de sapatos escrita, à espera da tal moedinha. E são empurradas para esta vida pelos pais...isso é chocante. Não compreendo e até me faz sentir mal cá por dentro.

Fora-de-Lei disse...

Em relação ao Norte, há muita gente que diz que o trabalho infantil é difícil de erradicar por causa de certas barreiras de ordem intrinsecamente cultural. Nunca percebi muito bem esse argumento, mas... tudo bem. Mas como os têxteis já eram e com as fábricas de calçado todos os dias a fechar, onde é que esses pais - essas pobres vítimas da cultura local - vão pôr os seus queridos filhos a vergar a mola ?

Maroska disse...

Aquela reportagem acerca dos pastores em Portugal, principalmente acerca da Rosa, uma menina que queria ir para a escola e que a mãe não deixava, fez-me ver aquilo que realmente se passa no Portugal profundo. A pequena queria ir estudar e a mãe, por força, achava que a Rosa não tinha nada que ir para a escola. Isto é um crime, pois se há tantos jovens que não querem estar na escola, que não gostam, porque raio se castra quem o quer fazer. A junta de freguesia até ofereceu transporte e material escolar e a mãe não deixou, que ela tinha era de levar os animais para o pasto e pronto.E a Rosa dizia com ar sonhador que queria muito estudar e conhecer mais do que aquele monte...é matar o desejo de viver á nascença.

A Menina da Lua disse...

Oh Professor

Assim não vale:(
(estou a brincar:)

É um assunto dolorosíssimo e complexo.
As sociedades ao desraizarem-se trouxeram consigo "chagas" de desintegração e desumanização que duma forma massificada se nos apresentam com cenários dantescos como este que o professor aqui comenta: A prostituição infantil, a prática de guerra infantil e a exploração de trabalho infantil em escravatura são de facto aspectos medonhos e profundamente nefastos para a sociedade de hoje mas e principalmente para as sociedades de futuro onde essas realidades existem.

Nas sociedades primitivas as crianças tambem trabalhavam mas numa perspectiva de integração e sobrevivência social onde cada um tinha o seu papel.

Hoje esse trabalho traduz exploração , desumanização e sadismo para com as crianças que ficam impossibilitadas de crescer em "normalidade" e desenvolvimento, despidas de quaisquer valores e por isso impedidas de criar "futuro"...

fiury disse...

a falta de respeito pelos mais novos é uma constante quer no mundo dito de 3º, quer no mundo dito civilizado, sob as mais diversas formas, dando expressão ao poder dos adultos, quer esse poder seja dos pais, educadores em geral, governantes, legisladores, magistrados, assistentes sociais e do poder económico de traficantes e seus polvos...
é a manipulação do mais fraco pelo mais forte pela imposição do medo e da posse. é uma vergonha mundial a que o nosso país não escapa.
aquilo a que assistimos é que nunca se releva o interesse superior da criança, nunca ninguém se coloca no lugar da criança e esta é usada como uma mercadoria ao sabor de leis deficientes, ilógicas, preconceituosas, mal aplicadas e ignoradas.
alvos fáceis para a ganância do poder económico.uma aflição!

thorazine disse...

Não percebo nada de economia, mas imagino que se amanhã todas as crianças não fossem trabalhar existiria um crash..

Penso que o sistema económico Asiático e Africano (se é que existe) baseia-se em produzir muito e barato. Só o trabalho infantil possibilita isto..

Não é só com vontade que se muda um sistema! :(

Stranger disse...

Com 12 anos de idade a minha mãe deixou a aldeia onde nasceu nos arredores de Vila Nova de Cerveira, para vir para Lisboa “servir”. Só não foi para casa estranha porque aquela que veio a ser minha Madrinha, prima mais velha da minha mãe, a trouxe para casa dela aonde a minha mãe acabaria por fazer o mesmo mas em ambiente familiar. Saiu da aldeia com a 2ª classe incompleta porque os meus avós não tiveram condições para mais e porque sendo a mais velha de 6 irmãos cedo teve de começar a ajudar em casa. Já em Lisboa e por insistência dos meus Padrinhos retomou os estudos. Para não incomodar ninguém, estudava na cave, à noite. Certo dia (Lisboa, anos 50) um vizinho que não vou adjectivar porque iria sair asneira, mostrou-se preocupado com o facto da luz da cave ficar acesa até tarde e, rondando a casa e a minha mãe, perguntou se ali se faziam “reuniões”…
Eu nasci no ano em que o botas caiu da cadeira – abençoada (a cadeira)! No dia do meu 7º aniversário, estava eu a cantar a “gaivota”, ainda a minha mãe me dizia para não cantar alto não fosse “alguém” ouvir e não gostar (e não se estava a referir à minha desafinação) … São alguns exemplos dos tempos da outra senhora mas que ainda hoje me marcam.
Ainda há pouco passei na 24 de Julho onde me lembro de ver as pinturas de parede do PREC e onde bem pertinho e recentemente alguém escreveu na parede que “Santa Comba Dão é a terra do cabrão”. Desculpem o termo mas lá que eu gostei de ver, gostei ;-)
Quanto ao programa da RTP, olhem, realmente, já cheira mal. Recomendo que ouçam a canção “I got a job” dos Talking Heads em jeito de dedicatória ao serviço público que aquilo prestou.

Jo disse...

Caro/a amigo/a venho lembrar o próximo jantar da Primavera dos bloguistas que se realizará
no dia 14 de Abril no restaurante do clube nacional de ginástica da Parede (antigo rádio clube).
Para se inscreverem acedam a: “momentos de luar” , “klepsidra” ou “recordações de um baú”
onde serão encaminhados para “os convivas do cotume”.
Vamos lá que a mesa está posta a contar contigo e vais ter uma surpresa!...
Abraços, até lá.

maria estrela disse...

A não perder hoje o programa de António Barreto na RTP - este sim um programa sobre grandes portugueses.

Fora-de-Lei disse...

maria estrela 9:30 PM

Numa entrevista na TV, ainda não há muitos anos, António Barreto teve uma afirmação sobre os lisboetas que soltou em mim o seguinte desabafo: "puta que te pariu... vai lá para a tua terra !"

Pode ser que ele venha aqui de vez em quando... ou pode ser que venha cá alguém dele conhecido. Assim ficará a saber que há um lisboeta que não esquece essa ofensa e que pensa que no dia em que ele se for embora de Lisboa, muitas moscas irão atrás dele, deixando a atmosfera da cidade muito mais asseada.

Para que conste, e para que ele ou alguém seu amigo possa saber do que se trata, a afirmação desse (convencido) intelectual girava precisamente em torno da temática que está implícita na parte final do anterior parágrafo...

andorinha disse...

Boa noite.

É terrível o panorama denunciado pela "Save the children."
A cadeia parte sempre pelo elo mais fraco e aqui mais uma vez as crianças são as vítimas.
Tudo o que seja exploração infantil me revolta, mas ver meninos-soldados é algo que me choca imenso.
Sem tempo para serem crianças, aprendem depressa a matar e a morrer.

Como diz a Maroska ( acho piada ao nick):)
"Perto disto qualquer discussão sobre programas, concursos e afins parece já não ter significado..."

Concordo em absoluto. A nossa indignação deve ser canalizada para todos os comportamentos e atitudes que atentem contra a dignidade humana.
Há que ter a noção precisa da importância relativa das coisas, senão indignamo-nos com um simples concurso e passamos ao lado de problemas prementes como este só porque não se passam com tanta acutilância à nossa porta.

andorinha disse...

Fora de lei(3.23)
Dizes isso porque não vives no Norte. Existe ainda essa mentalidade.....embora a situação tenha vindo a melhorar mas muito lentamente.
Aqui à minha volta há uma série de pequenas fabriquetas que funcionam em regime praticamente familiar e que nem sequer estão legalizadas, presumo eu.
Toda a gente sabe disso, mas todos fecham os olhos.
É a sobrevivência de alguns agregados familiares que está em causa, por isso, bico calado:)
Os filhos desses trabalhadores fazem quando muito o 6º ano e aí vão eles seguir as pisadas dos pais.
E muitos nem se queixam; querem é ter algum dinheirito no bolso para começarem a curtir a vida.
Estudar é uma seca e uma pura perda de tempo.
Infelizmente essa mentalidade ainda se vai mantendo por aqui...
E há também casos como os da Rosa que a maroska já mencionou.
Miúdos que até têm outras ambições que os pais não deixam concretizar.
Quantas Rosas ainda há neste país?:(
Portugal não é só Lisboa...

Trebor disse...

(...Silêncio de 1 minuto...)

Mas as crianças, ó pais (país?)
Porque padecem assim?
Educação não lhes dais
Algumas sofrem demais
E outras no lixo têm fim.

É o belo mundo em que vivemos(?)...

Deixai ir à Escola as criancinhas!

Ah e por favor não deitem no lixo... pelo menos embrulhem-nas bem e ponham-nas nun vão de escada. Ou deixem-nas no carrinho do supermercado. Pode ser que alguém as aproveite...

Hoje em dia os tempos não estão para desperdícios.

Muito menos de vidas...

Quem me dera ser cão e viver num mundo homem...

lobices disse...

...crianças
...seres indefesos
...adultos olhando para o lado
...não sei se não devemos ir ao reino animal buscar as lições de lida, de "humanidade" que o Homem não sabe, não tem ou não quer ter
...
...convido-vos a ver este video:
...vejam, por favor:
...
http://www.youtube.com/watch?v=k7yWx_-7RRo
...
(Como legenda: o babuíno bebé morreu de fome passados três dias e a jovem leopardo-fêmea morreu passado uma semana, também de fome, porque nunca abandonou o seu corpo...)

Maroska disse...

Boa tarde

Lobices,
já estava a achar a sua falta...
o seu post faz-me lembrar um livro que li há muito tempo..."Kurika", Romance dos Bichos do Mato...sendo nós apenas isso, bichos do mato, alguns de nós com menos instinto para cuidar das crias. Os animais inserem as crias na comunidade como meio de sobrevivência, não dos progenitores, mas das próprias crias, e embora elas, eventualmente tenham de prover o seu próprio sustento, são protegidas pela comunidade. Engraçado, e chamamos nós animais aos animais...

Andorinha (10:33 PM) um dia eu conto o pk deste nick que considero tão meu como o nome que meus pais me deram...

ASPÁSIA disse...

28 DE MARÇO DE 1851.

NASCE BERNARDINO MACHADO, BISAVÔ DE JÚLIO MACHADO VAZ.

*********************

B. MACHADO, UM PEQUENO GRANDE PORTUGUÊS

*********************

Bernardino Machado - Professor e político, de seu nome completo Bernardino Luís Machado Guimarães, nasceu no Rio de Janeiro em 28 de Março de 1851 e faleceu no Porto em 29 de Abril de 1944. Filho do 1º Barão de Joane, António Luís Machado Guimarães e de sua segunda esposa, D.ª Praxedes de Sousa Guimarães, veio para Lisboa em criança, estudou preparatórios no Porto e matriculou-se em Outubro de 1866 (com 15 anos), na Universidade de Coimbra, onde completou a formatura em Filosofia, com vários prémios nas diferentes cadeiras, depois de ter cursado três anos Matemática.
Colaborou nos Estudos Cosmológicos, jornal que se publicava em Coimbra em 1871 e, também, no Instituto, onde, além de outros trabalhos, inseriu em 1875 (tomos 21-22 e 23) a dissertação para o Acto de Licenciatura, com o título: Teoria Mecânica na Reflexão e na Refracção da Luz. Doutorando-se em 9 de Junho de 1876 (com 25 anos) defendeu as teses de Filosofia Natural: Dedução das Leis dos Pequenos Movimentos Periódicos da Força Elástica. Concorreu então a duas vagas da Universidade, apresentando como dissertação de concurso: Teoria Matemática das Interferências, mas só em 17 de Abril de 1879 foi despachado Lente Catedrático de Filosofia.
Durante alguns anos, consagrou-se apenas aos seus estudos e à regência da sua cadeira, cultivando por dedicação a literatura e o jornalismo, mas afastado por completo da vida política. E, da maneira como se devotava ao professorado, diz Ramalho Ortigão, em 1883: "...este jovem professor da Universidade tem uma reputação estabelecida de grande talento e vasta erudição. É citado como um dos tipos mais perfeitos do erudito moderno, prófugo do metafisismo universitário, retórico e caturra, versado em toda a história de experimentalismo das novas escolas na Ciência, na Filosofia e na Literatura".
Filiou-se depois no Partido Regenerador e, em 1882, foi eleito deputado pelo círculo de Lamego, fazendo a sua estreia parlamentar (1883) na discussão da resposta ao discurso da Coroa, ocupando-se, especialmente, da Instrução Pública. Na legislatura de 1886 foi novamente eleito deputado, desta vez por Coimbra. Em 1890, o corpo catedrático da Universidade elegeu-o Par do Reino como representante daquele estabelecimento científico, sendo, em 1894, novamente eleito pelo sufrágio dos seus colegas. Dedicando-se afincadamente ao ensino, os principais assuntos que tratou no Parlamento foram a reforma da instrução secundária; a liberdade no ensino; a organização do Conselho Superior de Instrução Pública, que veio a ser criado por dec. de 23 de Maio de 1884; e a instituição do Ministério da Instrução Pública, que se criou em Abril de 1890 e foi de curta duração. Em 1892, foi nomeado vogal do Conselho Superior de Instrução Pública, sendo grande a sua actividade como propagandista do ensino e prestando auxílio às instituições particulares de instrução, entre as quais a Academia de Estudos Livres, que, durante muitos anos, teve foros de universidade popular.
A Maçonaria escolheu-o para seu Grão-Mestre, cargo que exerceu durante alguns anos. Desempenhou, sucessivamente, algumas comissões importantes, tais como a de Director do Instituto Industrial e Comercial e a de representante de Portugal em Madrid no Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano, por ocasião dos festejos do centenário de Cristóvão Colombo. Foi eleito vice-presidente desse Congresso, para o qual organizou uma colecção de memórias e fotografias dos nossos principais estabelecimentos de instrução. Em 1893, foi escolhido para sobraçar a pasta das Obras Públicas no Ministério presidido por Hintze Ribeiro e a ele se deve o decreto que autorizou a organização da Exposição Industrial Portuguesa que se realizou no edifício dos Jerónimos (28.6.1893).
Durante o seu ministério, criou algumas escolas industriais, desenvolveu a sericultura em Mirandela, Guarda, Coimbra, etc., publicou três decretos de protecção ao operariado, regulando o trabalho das mulheres e dos menores nas fábricas industriais, regulando as bolsas de trabalho e criando o Tribunal dos Árbitros Avindores, que foi o primeiro tribunal do trabalho que houve em Portugal.
Voltou depois à Universidade, continuando na regência da cadeira de Antropologia, criada por sua iniciativa. Eleito Presidente do Instituto de Coimbra, consagrou-se desveladamente ao seu desenvolvimento, fazendo realçar o seu Boletim e criando-lhe um magnífico museu. Em 1897 foi o presidente do Conselho Pedagógico, organizado pelo professorado primário e realizado em Lisboa (12.4.1897).
Os ideais democráticos, que sempre alimentara, arreigavam-se cada vez mais, até que se declarou abertamente republicano, tornando-se num dos membros mais influentes do seu novo partido. Apresentou-se em comícios e conferências de propaganda e, em 1902, foi elevado a Presidente do Directório do Partido Republicano. Em 1907 tomou parte muito activa na greve académica que se generalizou por todo o País, protegendo e animando os estudantes rebeldes, tendo, por isso, de resignar o seu lugar de Lente da Universidade de Coimbra.
Com o advento da República, o Dr. Bernardino Machado entrou numa nova fase de intensa actividade, que pode ser assim resumida: ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório, desde 5.10.1910 a 3.10.1911; à sua acção se deveu o rápido reconhecimento do novo regime pelos governos estrangeiros. Foi deputado às Constituintes em 1911, pelo círculo oriental de Lisboa e membro do primeiro Senado da República; Presidente do Ministério e Ministro do Interior, desde 23.6 a 11.12 de 1914. Durante o Governo Provisório, exerceu interinamente as funções de Ministro do Interior e da Justiça. Por dec. de 20.1.1912 foi nomeado Ministro de Portugal no Rio de Janeiro e, mais tarde, Embaixador. Chamado a Portugal, a fim de organizar governo, foi, em 6.8.1915, eleito Presidente da República e deposto pela revolução de 8.12.1917, chefiada por Sidónio Pais. Quando o Presidente Teixeira Gomes renunciou ao seu cargo (11.12.1925), voltou Bernardino Machado à Presidência, de que foi definitivamente apeado pela revolução de 28.5.1926, seguindo para o exílio. Quando da invasão e queda da França (Junho de 1940) entrou em Portugal, sendo-lhe fixada residência para além do Douro.
Da sua vasta bibliografia destacam-se: Afirmações Políticas, 1888-1893; O Ministério das Obras Públicas, 1893; Notas de um Pai, 1897; O Ensino, 1898; A Indústria, 1898; O Ensino Primário e Secundário, 1899; A Agricultura, 1900; Os Meios de Comunicação e o Comércio, 1903; Conferências Políticas, 1904; A Universidade de Coimbra, 1905; A Academia de Coimbra, 1906; O Ensino Profissional, 1906; Pela República, 1908; Teorias Químicas; No Exílio, 1920; Maria, 1920; A Irresponsabilidade Governativa e as Duas Reacções Monárquica e Republicana, 1924. Ao seu livro Notas de um Pai que, seis anos depois, fora reimpresso com o título As Crianças, devia seguir-se um outro intitulado Os Adultos, formado por numerosas notas que deixou dispersas em O Instituto e nunca chegaram a ser coligidas.
Foi sua esposa D.ª Elzira Dantas Machado Guimarães, filha do conselheiro Miguel Dantas Gonçalves Pereira, também político emérito e incansável artífice de grandes melhoramentos - estradas, escolas, mercados, Paços do Concelho - em Paredes de Coura, sua terra natal e noutras povoações do Alto Minho.
Bernardino Machado foi pai de dezoito filhos, tendo-se distinguido, entre outros, António Luís e Miguel Luís. De suas filhas, Jerónima Rosa casou com Aquilino Ribeiro e Maria Manuela com Ângelo Vaz.

***

Algumas Notas Curiosas Sobre Bernardino Machado
e Alguns Seus Contemporâneos

No Porto, B.M. frequentou, como aluno interno, um colégio dirigido pelo Padre José Henriques Oliveira Martins, grande latinista e fervoroso partidário do absolutismo.(...)
Certo dia, preparando-se o velho miguelista para castigar um dos alunos com a clássica palmatória, fitou por acaso B.M. que, no seu lugar, seguia o drama com os olhos rasos de água. O bom Padre enterneceu-se, pousou a palmatória e nunca mais recorreu à Pedagogia contundente.

Júlio de Vilhena, ainda estudante, não deixava por mãos alheias o próprio mérito e tinha-o de facto. Num grupo de académicos, entre os quais B.M. e o Padre Mendes Belo, anunciou:
- Quando eu for ministro...
Ao que B.M. atalhou:
- Hás-de fazer Bispo aqui o Mendes Belo.
Passaram anos. Júlio de Vilhena sobraçava a pasta da Justiça quando lhe vieram anunciar a visita de B.M.
- Venho lembrar-te a promessa ao Mendes Belo.
Sorrindo à evocação saudosa do passado, respondeu-lhe o Ministro:
- O decreto já foi para a Imprensa...

Um dos mais temíveis arguentes da Universidade era o catedrático de Química. Até pelo nome: Doutor Leão.
Quando B.M. prestou provas de Acto Grande, interveio também o Dr. Leão. Em dada altura, como o candidato se referisse ao "sal amoníaco", o arguente invectivou-o com fúria trovejante:
- "Sal amoníaco"? Está falando a algum farmacêutico?
Esboçando uma respeitosa vénia, B.M. ripostou serenamente:
- V. Ex.ª é quem o diz...
Mas até o Dr. Leão lhe deu o seu voto, findas as provas a que presidiu o Dr. Viegas. Este não deixou mesmo de acentuar, voltando-se para o candidato, a propósito da teoria vibratória da luz:
- Se aí estivesse sentado o próprio Fresnel, não exporia nem defenderia melhor a sua doutrina.

Na estação de Coimbra, de partida para férias, os condiscípulos de B.M. interrogavam-no acerca da classe a escolher para a viagem.
- Se vocês querem dormir - respondia o benjamim da companhia - compramos 1ª; se vos interessa ouvir o que vem nos jornais, optamos pela 2ª; mas para aprendermos coisas novas então vamos na 3ª, pois só o Povo é Mestre.

A vida dos Morgados. Um deles explicava a B.M.:
- Quando o tempo está bom, vou para o monte, à caça. Se não posso sair, meto-me na estrebaria a ver os cavalos comer...

Numa casa arrendada por B. M. no Porto, quando em serviço de exames liceais, hospedavam-se dois dos seus amigos, Mota Prego, agrónomo distinto, e Alberto Braga, o brilhante contista. No prédio em frente morava uma dama rica e formosa, de apelido Preguiça.
Quando, passado o meio-dia, B.M. regressava a casa, encontrava os amigos ainda deitados, fumando e palestrando. Apostrofando-os, entre risonho e indignado, B.M. bradava:
- Levantem-se mandriões! Vocês nem sequer honram a Preguiça!

Eça de Queirós estava seriamente preocupado com a falta dum cargo consular em que pudesse ser provido. Passeando com B.M. em Carreiros, Foz do Douro, estacou olhando melancolicamente o mar e desabafou:
- Tanta vaga, Bernardino, e nenhuma para mim!

- Imagine Você, - queixava-se Eça de Queirós a B.M. - que íamos os dois empoleirados nos camelos pelo deserto egípcio quando eu cuspi, e logo meu cunhado me advertiu:
- Oh, Zé Maria!! Quantas vezes já lhe tenho dito que se não cospe para o chão?!

Silva Ramos, mais tarde lente de Teologia, dedicou uma das suas teses a "Sua Mãe, Maria Santíssima".
O arguente, o chamado Padre Albino de Viseu, depois de o ter estendido rasamente, levantou-se da cátedra e disse-lhe, em tom de ironia e comiseração:
- Valha-lhe, Sua Mãe, Maria Santíssima, sr. Silva Ramos!

De Coimbra escreveu B.M. a Sousa Martins, para que este lhe tratasse em Lisboa de certo assunto. Na resposta, estranhava o célebre clínico:
- Mas como se lembrou Você de mim, que sou a pessoa mais atarefada deste País?
- Precisamente por isso. Os que não têm ocupações nada são capazes de fazer.

B.M. e o Padre Sena Freitas foram sempre amigos pessoais. Após a proclamação da República, o sacerdote, figura de grande prestígio, resolveu afastar-se para o Rio de Janeiro, devido ao papel destacado que tomara no combate à propaganda do novo regime. Continuaram, no entanto, as boas relações entre B.M. e o Padre. Quando B.M. foi para o Rio de Janeiro, como embaixador da República, Sena de Freitas havia escrito uma obra contradizendo o livro do italiano Bossi "Cristo nunca existiu" e foi pedir a B.M. que a prefaciasse. Este escusou-se, alegando falta de competência na matéria.
- Mas na sua opinião, insistiu o Padre, Cristo existiu ou não?
- Olhe, Sena Freitas, se não existiu, é pena, respondeu-lhe B.M.
O Padre prefaciou o livro glosando brilhantemente a frase do seu amigo.


Em 1902, seu genro Ângelo Vaz dedicou-lhe a sua tese inaugural "Neo-Malthusianismo" (sobre o controle demográfico), apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Anos mais tarde, B.M. comentava com o seu neto Júlio:
- E então o teu pai dedicou-me a tese a mim... logo a mim, que tive dezoito filhos!...

No exemplar do "Campo de Flores" que ofertou a B. M., escreveu João de Deus: - "A Bernardino Machado, alma de luz e coração de ouro".

***

Alguns Pensamentos e Frases de Bernardino Machado

Tudo no Universo caminha ansiosamente para a liberdade.

Fazer política é fazer com que a razão dite a lei na sociedade.

O despotismo, tão deseducador da juventude, é-o também dos adultos.(...) A ditadura é deseducativa da nação inteira, e, quanto mais dura, mais a retrograda.

O homem tem de educar-se para a sociabilidade, para a cooperação, para a virtude, não para a luta.

Ai! Eu sei dolorosamente, por crua experiência, o pernicioso influxo que o mau governo tem no ensino, e como é difícil e árido proclamar princípios na aula, quando, fora dela, reina o arbítrio.

A inteligência não desabrocha à custa do coração, empedernindo-o. Repercutam simpaticamente na nossa alma todos os soluços, todos os gritos de dor. Levemos com a nossa palavra a todos os que sofrem, o conforto, a esperança. Que não haja entre nós grosseiros, devassos, mas dêmos sempre o exemplo, a lição, da cortesia, da delicadeza de sentimentos, da bondade. Amemos ternamente os pequenos, os necessitados.

Em tudo eu identifico, no meu pensamento e no meu coração, a imagem da Escola com a imagem da Pátria, em tudo, nas minhas tristezas pelos seus reveses e decadência, como na minha inextinguível confiança no seu ressurgimento. E a ambas, confundidas no mesmo amor, dirijo deste lugar as mais votivas saudações, muito especialmente a esta minha muito querida Universidade, aos seus professores, aos seus alunos, e às suas alunas, que lhe vieram trazer, com o encanto educativo das suas graças, o delicado realce e os talentos e virtudes do seu sexo, e a esta saudosíssima Coimbra, nossa sempre sorridente hospedeira, que, ao reabrir das nossas aulas, nos acolhe tão festivamente, espargindo sobre nossas cabeças as folhas de oiro dos seus lendários choupos.

***

Após a leitura deste ramalhete de flores colhidas na obra de seu genro Ângelo Vaz - Bernardino Machado - Sentimentos, Ideias e Factos do seu Tempo -,
creio bastamente podermos concluir não apenas do elevado quilate do Professor, do Político e do Homem Público, como também da delicadeza da Alma ímpar que o animava, vibrando qual puríssimo cristal no Amor pelos seus semelhantes - nomeadamente os mais necessitados -, da vivacidade excepcional da sua mente a par de um belo sentido de humor, qualidades que fizeram este Pequeno Grande Homem querido e admirado de todos os que, directa ou indirectamente, tiveram o privilégio de o conhecer e que tenham compreendido o sentido da sua Vida e dos Ideais pelos quais se pautava. Um espírito também imbuído (e de que outro modo poderia ser?...) da paixão pelas Artes, pelas Letras, pela Beleza de pessoas e coisas, enfim, sensível ao lado romântico e poético da Vida.
Bernardino Machado disse que "no Universo, tudo caminha ansiosamente para a liberdade". Esperando sinceramente que a tenha, por fim, alcançado, e onde quer que neste Universo se encontre, receba o meu Muito Obrigado por ter existido!


(Leonor Nascimento, 1994)

maria estrela disse...

fora-da-lei
Quando referi"esses sim os grandes portugueses" referia-me, é claro, ao povo. O povo português e as mudanças que se foram operando nestes anos é a temática do programa.
Não qualifiquei o sociólogo embora possa agora referir que aprecio os seus estudos, em particular sobre o Estado Novo.

A Menina da Lua disse...

Aspásia

Mas que incansável e completo trabalho sobre Bernardim Machado!...

Muitos parabens para ti e claro tambem ao professor por ter um bisavô tão distinto e merecedor de orgulho...

ASPÁSIA disse...

MENINA DA LUA

IN ILLO TEMPORE FIZ UMA "BREVE HISTÓRIA DA FAMÍLIA MACHADO VAZ".

TIVE A HONRA E PRAZER DE SER RECEBIDA EM CASA DOS PAIS DO PROFESSOR NO PORTO, E DE A TER OFERECIDO EM MÃO AO DR. JÓLIO VAZ, PAI DO NOSSO PROF.

ENTRETANTO DESACTUALIZOU-SE MUIOT QTO A BIOGRAFIA DO PROPRIO PROF. E SEUS DESCENDENTES.
MAS QTO AOS SEUUS ANTECESSORES PODE CONSIDERAR-SE ACTUALIZADA

UM DIA Q TENHA TEMPO TENCIONAVA FAZER UM PDF E PÔR NA NET, SALIENTANDO QUE ESSE TRABALHO FOI FEITO EM 1994.

AGORA É MAIS PRIORITARRIO DEDICAR ME A OBRA DO MEU PAI.

BEIJINHOS E TUDO DE BOM P TI.

M@nza disse...

___
Muito perto de nós, O EXPRESSO noticiou este fim de semana mais um julgamento em curso por abuso sexual de crianças.
Monitor de crianças acusado de 18 crimes sexuais

"As vítimas são onze meninas, entre os sete e os dez anos. Abusos sexuais e maus tratos foram cometidos em ATL ilegal
Altino Martins era um homem insuspeito. Tem 60 anos, estava desempregado e cuidava das crianças do Bairro das Sapateiras que saíam da escola e não tinham para onde ir. Fundou o ATL Pirilampo, levava as crianças ao circo, organizava excursões e jogos de futebol. Tinha o apoio informal da Câmara Municipal de Loures que chegou a condecorá-lo por serviços à comunidade..........................................................." »


Todos os dias elas são vítimas do silêncio de todos nós.

M@nza disse...

Ah! No Cleopatramoon.
E tem uma referência a este seu artigo.