segunda-feira, novembro 27, 2006

O Klatuu lembrou muito acertadamente.

de profundis amamus

Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso

Mário Cesariny

20 comentários:

lobices disse...

...hoje, segue para a sua última morada terrena
...porque a sua estadia está na Arte que vive sempre e fica...

Lili disse...

lindo... e eterno...

blue disse...

Linda homenagem!
*.*

CêTê disse...

Porque há coisas que se pensam, dizem e escrevem que ultrapassam todas as dimensões... a morte não silencia.
bjnh

andorinha disse...

Boa noite.

A esta hora tardia, digo apenas que subscrevo o que dizem os cinco comentaristas anteriores.

A morte não silencia quem é imortal.

ASPÁSIA disse...

NÃO LI CESARINY.
SEI ALGO DA SUA OBRA POR ALGUNS DOCUMENTÁRIOS E GOSTAVA DE O OUVIR FALAR.
GOSTEI BASTANTE DO POEMA QUE O PROF. ESCOLHEU.

MAS NÃO DUVIDO QUE É UMA PERDA ENORME PARA A INTELECTUALIDADE DESTE PAÍS.

DESCANSE EM PAZ.

Pamina disse...

Boa noite.

O S.E. da Cultura lá apareceu no enterro. Esta noite, depois dos Prós e Contras, a RTP1 vai transmitir um programa sobre o poeta (à 1 da manhã, como convém). Depois, provavelmente, o silêncio do costume. Será que se lembrarão daqui a um ano? E porque não se lembraram antes, quando era vivo?
Também gostei da escolha do poema.

alquimista disse...

A Cesariny o que é de Cesariny ... a imortalidade que todos lhe devemos porque só morrerá quando morrer o último de nós que dele se lembrar!

Obrigado, Doutor, pelo poema

ASPÁSIA disse...

Pamina

E porque não se lembraram antes, quando era vivo?

PORQUE ESTE É UM PAÍS DE PEQUENOS VIVOS-MORTOS QUE UM DIA HÃO-DE PASSAR A GRANDES MORTOS-VIVOS...

:(

Fora-de-Lei disse...

Eu cá não digo nada para não parecer o nosso P.R. quando foi instado a pronunciar-se sobre o desaparecimento de Mário Cesariny...

Fora-de-Lei disse...

Pamina 10:28 PM

Só que as pessoas que "vergam o aço" a essa hora já têm que estar a dormir...

Vera_Effigies disse...

Estou com demasiado sono para comentar.
Passei, para deixar cumprimentos a todos
MJ

pitanga madura disse...

Cesariny... Eugénio... Sophia... Prefiro pensar que de certa forma não morreram - eu é que não vou poder ler nada mais de novo deles...Nunca mais.
Enquanto alguém se lembrar e partilhar poemas tão lindos quanto este; enquanto nós nos lembrarmos, eles não morrem.

... E mais uma vez a palavra NUNCA afinal existe...

Beijito e fiquem bem

Klatuu o embuçado disse...

Obrigado, meu caro «discípulo do Reich»! (o Willem, nada de confusões políticas!) :)

P. S. O Presidente da Câmara de Lisboa já disse que vai dar o nome do Cesariny a um «equipamento municipal importante»... Não me digam que vão mudar o nome ao Parque Eduardo VII!!

Muito obrigado.

A Menina da Lua disse...

Boa tarde!


Mutio curioso e principalmente "diferente" este poema em estilo de prosa ou esta prosa em estilo de poema:)



"nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso"

Agora infelizmente nem o presente lhe assiste...mas fica o seu pretério para poder continuar a existir no futuro...

Terra&fogo disse...

Arrisco a partilhar um extracto da entrevista:

Miguel Gonçalves Mendes: o mário tem medo da morte?

Mário Cesariny: Sou capaz de ter, um bocadinho. Não sei o que é. (ri) Mas gostava de ter daquelas mortes boas... a gente deita-se para dormir e nunca mais acorda, isso é que é bom. Mas tenho medo sobretudo da degradação física, isso sim! Porque eu já sofro um bocadinho, vá lá, isso é que é muito chato, isso já é a morte a trabalhar, a trabalhar. A morte propriamente não existe. Se morreu, morreu... é o momento! Tens medo da morte tu?

iu disse...

Mário Cesariny foi um exemplo de coragem interior, de vanguardismo e até, de saber viver!

Sempre fez tudo o que a sua mente achava estar bem, não por ser politicamente correcto ou por ser inteligível, mas porque o fazia sentir bem, estar bem, com ele e com o seu mundo. E isso para mim, é saber viver.
Se há quem não entenda, paciência. Mas de certo, há sempre quem goste... :)

A quem não conhece, aconselho que leia o poema "faz-me o favor"- para mim um dos melhores (mas isto é para mim...).

Fiquem bem!

thorazine disse...

Ontem deu um documentário sobre Cesariny. Acehi engraçado a maioria dos amigos e inclusivé o Cesariny aparecer nas conversas sempre de cigarro na mão (já aceso ou prestes a acender). É engraçado que até a moda ( que é diferende da média :P) do cigarro pegou nos visionários. E eu nem sou do tempo em que as notícias da noite eram dadas com auxílio de sinais de fumo! heheh :)

Mas, não conhecendo a obra, gostei da postura do senhor perante a vida..fez-me lembrar Agostinho da silva: simplesmente questionar aquilo que temos como um dado adquirido! ;)

Tomé Duarte disse...

"a única real tradição viva - antologia da poesia surrealista portuguesa" uma das minhas descobertas favoritas, uma bíblia!

(...)de Arcaifaz (sismo): o ar (que) cai, faz (produz) sismo. Faz-sismo: o ar cai. Caído o ar, fica o caifascismo, o que dá cai, dá sismo, e retira o ar que caiu. Por isso se diz que não há ar onde há alguém que faz sismo, podendo no entanto sufiximar-se o prefixo, o que dá CAIFAZCIMAÇÃO, sublimação da cisma de Caifaz.

noiseformind disse...

Boss,
Foi com alívio que constatei que neste canto escolheste um poema diferente do que ouvi na TSF, Antena 3, Antena 2 e quejandos. O que mostra que devem ter ido todos À mesma página online buscar o poema de exéquias (poema declamado publicamente aquando da morte de um poeta, para os mais distraídos/analfabetos). Só por isso acho que o Mário já te deve agradecer. Das suas facetas sempre preferi o Cesariny escultor. Mas a última obra dele que me entrou em casa foi o seu fabuloso "Timothy McVeigh - o condenado à morte", quase póstumo esforço de pintura e poesia. Pq McVeigh tb era poeta, lembrado que fica como bombista. Se calhar a revolução que Cesariny esperou ver, a força cega e maligna presente em todas as verdadeiras mudanças...