de profundis amamus
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
Mário Cesariny
20 comentários:
...hoje, segue para a sua última morada terrena
...porque a sua estadia está na Arte que vive sempre e fica...
lindo... e eterno...
Linda homenagem!
*.*
Porque há coisas que se pensam, dizem e escrevem que ultrapassam todas as dimensões... a morte não silencia.
bjnh
Boa noite.
A esta hora tardia, digo apenas que subscrevo o que dizem os cinco comentaristas anteriores.
A morte não silencia quem é imortal.
NÃO LI CESARINY.
SEI ALGO DA SUA OBRA POR ALGUNS DOCUMENTÁRIOS E GOSTAVA DE O OUVIR FALAR.
GOSTEI BASTANTE DO POEMA QUE O PROF. ESCOLHEU.
MAS NÃO DUVIDO QUE É UMA PERDA ENORME PARA A INTELECTUALIDADE DESTE PAÍS.
DESCANSE EM PAZ.
Boa noite.
O S.E. da Cultura lá apareceu no enterro. Esta noite, depois dos Prós e Contras, a RTP1 vai transmitir um programa sobre o poeta (à 1 da manhã, como convém). Depois, provavelmente, o silêncio do costume. Será que se lembrarão daqui a um ano? E porque não se lembraram antes, quando era vivo?
Também gostei da escolha do poema.
A Cesariny o que é de Cesariny ... a imortalidade que todos lhe devemos porque só morrerá quando morrer o último de nós que dele se lembrar!
Obrigado, Doutor, pelo poema
Pamina
E porque não se lembraram antes, quando era vivo?
PORQUE ESTE É UM PAÍS DE PEQUENOS VIVOS-MORTOS QUE UM DIA HÃO-DE PASSAR A GRANDES MORTOS-VIVOS...
:(
Eu cá não digo nada para não parecer o nosso P.R. quando foi instado a pronunciar-se sobre o desaparecimento de Mário Cesariny...
Pamina 10:28 PM
Só que as pessoas que "vergam o aço" a essa hora já têm que estar a dormir...
Estou com demasiado sono para comentar.
Passei, para deixar cumprimentos a todos
MJ
Cesariny... Eugénio... Sophia... Prefiro pensar que de certa forma não morreram - eu é que não vou poder ler nada mais de novo deles...Nunca mais.
Enquanto alguém se lembrar e partilhar poemas tão lindos quanto este; enquanto nós nos lembrarmos, eles não morrem.
... E mais uma vez a palavra NUNCA afinal existe...
Beijito e fiquem bem
Obrigado, meu caro «discípulo do Reich»! (o Willem, nada de confusões políticas!) :)
P. S. O Presidente da Câmara de Lisboa já disse que vai dar o nome do Cesariny a um «equipamento municipal importante»... Não me digam que vão mudar o nome ao Parque Eduardo VII!!
Muito obrigado.
Boa tarde!
Mutio curioso e principalmente "diferente" este poema em estilo de prosa ou esta prosa em estilo de poema:)
"nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso"
Agora infelizmente nem o presente lhe assiste...mas fica o seu pretério para poder continuar a existir no futuro...
Arrisco a partilhar um extracto da entrevista:
Miguel Gonçalves Mendes: o mário tem medo da morte?
Mário Cesariny: Sou capaz de ter, um bocadinho. Não sei o que é. (ri) Mas gostava de ter daquelas mortes boas... a gente deita-se para dormir e nunca mais acorda, isso é que é bom. Mas tenho medo sobretudo da degradação física, isso sim! Porque eu já sofro um bocadinho, vá lá, isso é que é muito chato, isso já é a morte a trabalhar, a trabalhar. A morte propriamente não existe. Se morreu, morreu... é o momento! Tens medo da morte tu?
Mário Cesariny foi um exemplo de coragem interior, de vanguardismo e até, de saber viver!
Sempre fez tudo o que a sua mente achava estar bem, não por ser politicamente correcto ou por ser inteligível, mas porque o fazia sentir bem, estar bem, com ele e com o seu mundo. E isso para mim, é saber viver.
Se há quem não entenda, paciência. Mas de certo, há sempre quem goste... :)
A quem não conhece, aconselho que leia o poema "faz-me o favor"- para mim um dos melhores (mas isto é para mim...).
Fiquem bem!
Ontem deu um documentário sobre Cesariny. Acehi engraçado a maioria dos amigos e inclusivé o Cesariny aparecer nas conversas sempre de cigarro na mão (já aceso ou prestes a acender). É engraçado que até a moda ( que é diferende da média :P) do cigarro pegou nos visionários. E eu nem sou do tempo em que as notícias da noite eram dadas com auxílio de sinais de fumo! heheh :)
Mas, não conhecendo a obra, gostei da postura do senhor perante a vida..fez-me lembrar Agostinho da silva: simplesmente questionar aquilo que temos como um dado adquirido! ;)
"a única real tradição viva - antologia da poesia surrealista portuguesa" uma das minhas descobertas favoritas, uma bíblia!
(...)de Arcaifaz (sismo): o ar (que) cai, faz (produz) sismo. Faz-sismo: o ar cai. Caído o ar, fica o caifascismo, o que dá cai, dá sismo, e retira o ar que caiu. Por isso se diz que não há ar onde há alguém que faz sismo, podendo no entanto sufiximar-se o prefixo, o que dá CAIFAZCIMAÇÃO, sublimação da cisma de Caifaz.
Boss,
Foi com alívio que constatei que neste canto escolheste um poema diferente do que ouvi na TSF, Antena 3, Antena 2 e quejandos. O que mostra que devem ter ido todos À mesma página online buscar o poema de exéquias (poema declamado publicamente aquando da morte de um poeta, para os mais distraídos/analfabetos). Só por isso acho que o Mário já te deve agradecer. Das suas facetas sempre preferi o Cesariny escultor. Mas a última obra dele que me entrou em casa foi o seu fabuloso "Timothy McVeigh - o condenado à morte", quase póstumo esforço de pintura e poesia. Pq McVeigh tb era poeta, lembrado que fica como bombista. Se calhar a revolução que Cesariny esperou ver, a força cega e maligna presente em todas as verdadeiras mudanças...
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