FIM-DE-SEMANA
António deixou-se cair no sofá. Ela disse,
- Nem penses!
O pobre atarantado, o dia a trabalhar em segredo para a concorrência, a publicidade é um mundo cão e precisava de uns cobres além do salário. Já não a podia ouvir a queixar-se dos sinais de riqueza dos vizinhos, mais três anos de Sábados sem descanso e teriam um segundo carro e o faqueiro anunciado no Chá das Tias da TVI. Seguramente entendera mal, oito da noite, arriscou pedido de esclarecimento,
- Como?
- Era o comias! Passei a tarde metida em casa...(Chegara do cabeleireiro há meia hora)
... e tu a brincar com o maldito computador. Sou uma escrava, (Linguagem de telenovela)
... a verdadeira mulher objecto.
(Lera isso na tradução brasileira de um texto feminista por baixo de um anúncio a panelas de pressão numa revista da sala de espera do médico)
... Durante o namoro só falinhas mansas, juntos para sempre, minha fofa... Bem me enganaste, mas hoje não. Faz essa barba imunda. Vamos jantar fora.
( Durante o namoro a barba rala excitava-a, por um não sei quê de revolucionário)
- Jantar fora?
A pergunta saiu lamentosa, sonhava um dia pô-la no seu lugar. Ah, um dia!... Não foi aquele.
O restaurante carote e o bife duro, António dissecava-o laboriosamente quando ela voltou à carga.
- Conversa comigo.
- De quê?
Grossa asneira, seguiu-se um discurso inflamado sobre o diálogo como forma de preservar o casamento e mais um remoque ao seu romantismo passado. Ele quase perguntou por que não lhe era permitido falar durante a telenovela, mas absteve-se por razões de segurança pessoal.
Conversaram. Ela falou, ele concordando em silêncio. Foi acusado de distracção e hipocrisia. Pressuroso, discordou uma vez em tom baixo e respeitador. Foi acusado de ser implicativo.
Saíram rumo ao carro.
- Vamos dançar.
- Como?
- Pareces um disco rachado. Dançar, António. Já te esqueceste? Aposto que não. E não estou a falar de nós, bons tempos!, era preciso vigiar essas mãozinhas marotas e pôr cachecol no dia seguinte para os meus pais não notarem o estado em que me deixavas o pescoço. Agora estás sempre cansado e o barulho incomoda-te, mas às reuniões de actualização que a empresa paga ao fim-de-semana em hotéis da província não faltas tu. Abri os olhos, filho, quando os homens se juntam sem as mulheres a primeira coisa que fazem é arranjar outras, de preferência pouco vestidas.
(As reuniões eram chatérrimas e à noite jogava-se a bisca a feijões)
Foi dançar. Primeiro adormeceu, ninguém o avisara de que as discotecas só começam a animar depois da uma da manhã. Ela sabia, qualquer revista o diz.
(Ele não tinha tempo para ler revistas)
António pulou obedientemente durante algumas horas, estranhando a excitação e a sede dos jovens que o rodeavam. Ecstasy, sentenciou a mulher. Perfume?, perguntou ele. Droga fina, respondeu ela, metem-se nisso porque têm pais afectivamente ausentes.
(Nunca perdia o " A minha vida dava um filme " e as explicações da psicóloga)
Deitaram-se às cinco e António adormeceu como uma pedra. Para ser acordado três minutos depois com acusações de desinteresse sexual, provavelmente devido à influência de alguma lambisgóia do escritório. Num assomo de coragem referiu as enxaquecas, períodos longos e mil e uma justificações para os "hoje não" de outras noites. Foi mimoseado com um diagnóstico de má-fé e total ignorância acerca do ambiente de carinho necessário à expressão sexual das mulheres.
(A vizinha do lado gabara-se por o marido sempre lhe ir dar um beijo à cozinha quando chegava e pelo menos uma vez por semana trazer bombons)
António ouviu a reprimenda e tentou aproveitar a inesperada oportunidade, mas ela acusou-o de não ser espontâneo e foi dormir para a sala.
Por onde ele passou como um foguete sem se dignar responder ao seu "onde vais?", imperioso e estremunhado. Às oito estava à porta do estádio das Antas. Passou pelas brasas ao sol da manhã, comeu uma bifana e foi o primeiro a entrar. Olhou em volta com satisfação, a bancada ia-se enchendo. Só homens.
(E algumas mulheres partilhando o mesmo amor)
Quando o Minguinhos marcou o primeiro golo dos dragões António ergueu os braços ao céu e gritou,
- Gooloo! Até a..., perdão, os comemos, carago.
E sentiu-se em fim-de-semana.
19 comentários:
O relacionamento entre dois amantes (não no sentido actual da palavra,que a associa a "facadinhas")é de facto umas das mais extraordinárias experiências que a vida nos pode oferecer. É tudo muito bonito até o seu maior inimigo aparecer...a monotonia, a rotina, o viver um dia a seguir ao outro sem introduzir nada de novo, sempre c as mesmas memória de um passado que já passou e não volta. O casamento é uma das grandes vítimas desse inimigo silencioso mas fatal...(peço perdão pela"ignorância"que a minha idade acusa neste tema mas sou demasiada atenta ao que se passa à minha volta).
Não deixa de ser curioso encontrar este blog depois de livros lidos e autografados pelo autor, depois de assistir a programas de rádio e tv, depois de referir tantas vezes este nome e até de me "inspirar" nas suas ideias para fundamentar as minhas ainda verdes e inseguras ideias de estudante do último ano de psicologia...
Parabéns pelo seu trabalho.
Boa noite.
:)
Delicioso!
Só tenho pena do António, coitado:) e de outros como ele que tanto sofrem às mãos destas megeras:)))
O que os salva é o futebol. Os golos têm o mesmo efeito de um orgasmo e aí está um fim-de-semana em beleza...
Pobrezitos; contentam-se com pouco, carago:)
Diana,
Obrigado pela gentileza.
Só uma coisinha que me esqueci: este post é um alerta para nós, mulheres.:)
Nunca devemos dar o nó se não queremos estragar o clima de romantismo que vivemos até aí.
Pensem nisso:))))
"Quando me pagavam para peguilhar com as mulheres:)."
Que mauzinhos esse senhores que gostam de ver as mulheres pegar fogo...ihihihihi
Uma boa noite!
Como sempre gostei do que li. Dá para sorrir... Não sabe, quem paga para as ver bravas, que elas até se deleitam a ler esta e outras ficções.
Um abraço
MJ
Brandos costumes...no casamento e não só! É a vida(como dizia o outro) A referência ao FCP pode ser modificada no texto por outro qualquer, assim como o António tem mil nomes, e a Arminda (ou lá como a senhora se chama) tem milhares de clones em Portugal. E viva Portugal!
Muito bom! Comodismo e conformismo, mas as coisas que mais me chateiam em relações (algumas) é nunca questionar, tomar a pessoa como certa, quando nunca é. e aquela mania de uma das pessoas estar chateada e achar que a outra tem de adivinhar porquê...ultrapassa-me.
Acho que a maior parte das relações são de um egoísmo atroz.
aqui está um tema ainda mais dificil de referendar:)))há quem entenda que o casamento no âmbito da relação amorosa é como a democracia ( não a do nosso país!, presentemente): o regime menos mau. depois os que entendem que se fosse bom não precisava de testemunhas:)))devia ter prazo...
enfim. se houvesse algum formato digno de registo que fizesse durar a relação, amplamente considerado, quem fizesse a patente da marca ficava rico.
será a 2 que se encontrará o formato mais adequado ao 1 + 1 (na minha modesta e muito pouco cientifica) opinião.
... para mim o casamento é daqueles produtos 1+1+1+1+1+.....)))))) mas que os há felizes há.
Deliciosa escrita, Prof. Não deixando de ser curioso, entretanto, o carácter standard de serem sempre as mulheres a queixarem-se da eventual "falta de chama" no casamento. Por uma vez, não se arranja um António a queixar-se de uma Maria, eventualmente mais empolgada com o ambiente do call center lá do banco?
(Permite-me que o lembre que o Minguinhos, recentemente, o atraiçoou?)
Só agora entrei no seu blogue, ainda admirada por não o ter descoberto há mais tempo.
Deparo-me logo com o retrato de uma megera...
espero que para a frente ou para trás existam alguns melhores e que haja também de bruxos no seu pior.
A minha reverente admiração.
marx,
Não acho que tenhas razão, também a situação inversa se verifica muitas vezes...o que é triste, significa que para alguns ( e algumas) o que é importante é caçar; depois de caçado o "animal" tudo muda de figura.
É triste esta mentalidade que ainda vai grassando por aí...
P.S. O Minguinhos atraiçoou quem???
Atraiçoou os do FCP e fez ele muito bem:))))))
Então não sabes que o nosso anfitrião é um benfiquista dos quatro costados?:)
É certo que, depois de ler o texto, nos fica a imagem da megera (como alguém disse) e do desgraçadinho tão mal compreendido; mas não será verdade que, tantas vezes, tantas mulheres sentiram da parte do seu par um certo alheamento e uma certa incompreensão para as suas necessidades de carinho, mimos, sexo, e que, por incapacidade, transformam isso em "cenas" pouco razoáveis?
;]
E as mulheres vão ao estádio...pk? (para além do consolo que pode ser para a vista?)
Andorinha,
Mil agradecimentos pela dica. Após vistoria dos últimos trinta posts, concluí que me equivoquei.
Prof.,
Mil e um perdões pela basfémia. Redobrada, porque pública. Chamar portista a um benfiquista... Meus Deus! Duas vezes excomungado, em menos de uma semana...
Marx,
Concluo que não acreditaste em mim, tiveste que ir vistoriar os posts:((( :)))))
"Duas vezes excomungado, em menos de uma semana...":) Loooooooooool
cêtê
falo por mim: a única vez que fui a um estádio, para consolo dos meus filhos benfiquistas, foi ao do bessa, quando o benfica foi campeão.confesso que não vi nada, tal era a dor de cabeça do sol e do barulho. passei o jogo sem perceber o que passava, aterrorizada com a fúria da multidão, sem perceber de quem era o golo marcado ou o golo sofrido, se do porto(que jogava ao mesmo tempo) se do benfica:))))nem me lembro de ver a bola quanto mais as pernas dos jogadores!)))). o que não se faz pelos filhos)))
fiury,
aHHHHHHH mas a fiury foi em missão de mãe. ;))))Certamente até levou uns sumos para os meninos e chapéus e assim...
Eu esta a pensar nas mulheres que vão em bando praguejar e insultar o pai do árbitro!;)
cêtê
de facto só me esqueci do meu chapéu:))
quanto ao resto, essas senhoras terão os 100 gm a mais no cérebro ?)))e menos semetria entre os dois hemisférios?)))nada contra....mas fico mais deleitada com o desalinho dos homens nessas situações:))))pese embora o pai do árbitro não ter culpa nenhuma:)))
Gosto do seu post Professor.
Há tantos Antónios por aí.
Tão mal amados.
É verdade.
E que nem sabem ser amados também
E que qdo amam.... assustam-se.
B Fim De s.
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