quarta-feira, janeiro 10, 2007

À custa de malabarismos dos juízes?

Aborto: cartaz do PS é «fraudulento»
2007/01/10 15:37
CDS quer retirada da campanha que «transmite a ideia de que está em causa manter a prisão»

O CDS-PP desafiou esta quarta-feira o PS a retirar um cartaz que considera «fraudulento» no apelo à despenalização do aborto e exigiu ao ministro da Justiça que esclareça se existem em Portugal mulheres presas pela prática de aborto.
O cartaz do PS em causa, que está na rua desde terça-feira, contém apenas uma pergunta: «Abstenção para manter a prisão?».
«O CDS-PP protesta pelos cartazes lançados pelo PS na pré-campanha para o referendo em que se transmite a ideia de que está em causa manter a prisão, o que constitui, como toda a gente sabe, uma completa, redonda e grosseira falsidade», acusam os democratas-cristãos, num comunicado da comissão executiva do p artido.
Para o CDS-PP, o referendo de 11 de Fevereiro «incide sobre a liberalização do aborto a pedido até às 10 semanas e sua legalização, introduzindo o aborto livre no sistema de saúde».
«Não há em Portugal uma só mulher em situação de prisão por crime de aborto. E muito menos se conhece um qualquer caso de prisão por aborto a pedido até às 10 semanas, como está em causa concretamente no próximo referendo», sublinham os democratas-cristãos.
Por outro lado, acrescentam, «o projecto de lei subjacente ao referendo manteria uma penalização e criminalização do aborto a partir da 11ª semana».
«O cartaz do PS constitui, assim, um apelo fraudulento de um "Sim irresponsável"», conclui o CDS-PP, exigindo esclarecimentos sobre esta matéria ao ministro da Justiça, Alberto Costa.
«Face ao desplante do PS e para que não restem quaisquer dúvidas, é obrigação do ministro da Justiça esclarecer de imediato os portugueses sobre quanta s mulheres estarão eventualmente presas em Portugal por crime de aborto, ou não, e especificamente em prisão por aborto praticado até às 10 semanas», desafiam.
O CDS-PP exorta ainda os socialistas a retirarem o cartaz em causa e a «renunciar a técnicas indignas e vergonhosas de publicidade enganosa, declarando publicamente que não repetirão, nem reincidirão no escândalo da técnica da mentira», que os democratas-cristãos consideram ter sido utilizadas pelo PS nas elei ções legislativas de 2005, em matérias como impostos e portagens nas auto-estradas (SCUT).


P.S. Como prometi, neste blog aparecerão depoimentos de ambos os lados da "barricada". Devo dizer que este argumento é um dos que me parecem mais ilustrativos de uma política de avestruz em relação ao problema. Porque não existem mulheres presas? Porque, sejamos claros, em diversas ocasiões a lei foi "torneada" com diversos pretextos. O que não deve acontecer às leis, pois não? Será de a manter e esperar de quem a aplica a violação de dignidade e competência profissionais para evitar o que horroriza ambos os lados por razões diferentes, a saber, a prisão das mulheres? E basta sair do tribunal em liberdade para esquecer tudo o que de sinistro aconteceu durante o processo? Ou deveremos substituir as penas de prisão por "estágios de reeducação moral" para as condenadas? A argumentação baseada na brandura da aplicação da lei cheira a caridadezinha..., à custa, não do bolso, mas do fechar de olhos de outros! Modificada ou não, cumpra-se a lei, sob pena de a ridicularizarmos e à Democracia por arrasto.

45 comentários:

JFR disse...

A propósito do post do dia 5 sob o título "Nós", deixei um comentário que, do meu ponto de vista, se aplica, com algumas pequenas alterações, ao de hoje.

O argumento invocado no cartaz é mísero. Revelador de que hoje os problemas são discutidos "à volta de", evitando-se, dessa forma, ir à essência das coisas. Não é, infelizmente, uma prática, apenas, dos partidários do SIM.

É evidente que, caso o NÃO vença, o Estado terá de mobilizar os meios necessários ao cumprimento da vontade dos portugueses. E, provavelmente, por comodismo e hipocrisia, Governo e Assembleia da República, irão deixar intocável a actual legislação. Se tal acontecer, continuará nas mãos dos juízes a sua aplicação. Mas não é isto o que acontece em toda a aplicação da lei?

Conforme comentei no Murcon, a propósito de um outro post, não encontro vontade nos movimentos do NÃO e do SIM de esclarecerem como entendem ser o quadro legislativo pós-referendo. Caso o NÃO vença, vão deixar a lei tal como está hoje? Caso o SIM vença o que vai mudar? É que, o resultado do referendo, só por si, não altera a lei!

Então o que pensam, ambas as correntes, sobre:

a)Quem autorizará uma jovem não adulta a realizar o aborto, nas condições legais? Os pais? E, muitos dos clandestinos não resultam de a jovem pretender esconder essa situação dos próprios pais e, em alguns casos, apenas do pai com a conivência da mãe?

b) Que direitos assistirão ao co-responsável pela gravidez, seja ele marido, companheiro, namorado ou amante? Nenhuns? E a lei vai regular o direito do homem a não querer a criança, nem as responsabilidades associadas, se a futura mãe quiser dar continuidade à gravidez?

c) E a lei vai configurar penas para as mulheres que abortem após as dez semanas, usando os meios clandestinos? E esses meios terão penas mais duras pela utilização de práticas clandestinas, num ambiente legal mais aberto e que procura eliminar, se possível, a prática clandestina?

d) Como vai ser efectuado o controlo dos parâmetros legais de cada aborto, nas clínicas onde seja autorizado o aborto legal?

Para mim, estas são, entre outras, questões sérias para as quais pretendo obter respostas. Mais, sendo a posição oficial do Primeiro-Ministro e do PS favorável ao SIM, justificar-se-ia, a existência de clareza quanto à legislação a criar, quer no caso de vitória do SIM, quer no caso de vitória do NÃO. Seria eticamente indispensável a publicação de ante-projectos de lei. Se houvesse ética política!

CêTê disse...

O melhor que fariam os defensores de uma ou de outra opinião era não politizar/partidarizar o assunto. (Muito embora reconheça a posição individual férrea de muitos deles quer pelo sim quer pelo não).

Nas campanhas faltam: números, estatística (por muito que delas desconfie- mas havendo 2 posições dá para avaliar melhor), estudos comparativos com outros países, depoimentos,... FALTAM "PROJECTOS DE LEIS"- ou esquecemos nós do autismo que tem evidenciado esta maioria e vamos na nossa boa fé votar em consciência- sim, não ou em branco?

CêTê disse...

Não oiço manifestos consistentes bem articulados de equipas multidisciplinares -médicos (incluíndo psis); -assistentes sociais; advogados- por exemplo na defesa do "SIM". PK?
- Não existem?
- Não lhes é dado tempo de antena?
~
Se as há... não tenho visto ou ouvido.

lobices disse...

...os desejos das maiorias e os desejos das minorias
...as vontades, as imposições, etc
...alguém terá sempre de perder para que outro ganhe (só se perde se o outro ganhar, em tudo na vida)
...nem a Filosofia contorna este "problema"
...a vontade do Homem rege-se por um sentimento abstracto a que chamam de "egísmo" (que para mim é a base da felicidade, pois só "a" obtenho se ela for "minha"... num sentido mais concreto, podemos ser felizes com a felicidade dos outros mas, daí, o ganho será a perda da sua própria substância)... esse sentimento leva o Homem a optar pela parte que o torne diferente do outro; a igualdade não é viável (é uma utopia)...
...um exemplo concreto (lembrei-me agora de repente) ouvi (e vi) há dias no concurso da rtp 1 - Um contra todos; falava-se do filme Bruce - O Todo Poderoso; a determinado momento, o Malato perguntou à concorrente: Se um dia tivesse o Poder de Deus, que faria?...a concorrente não entendeu mas depois respondeu: Faria tudo para que a minha filha fosse feliz.
...puro egoismo
...se ela fosse Deus, teria pensado apenas nela e na felicidade da sua filha; os outros não contam
...por outro lado, o Malato disse:
...pois eu, se fosse Deus traria para perto de mim todos os meus familiares que já cá não estão!
...novo egoismo
...não faria regressar os mortos; só os dele
...isto aplica-se a qualquer situação das nossas vidas
...até que ponto os defensores do Não podem julgar os defensores do Sim e vice-versa?
...
...tenho apenas uma certeza: um defensor (hoje) do Não, amanhã se se vir na situação desesperada de ter de optar, é muito natural que passe a ser um defensor do Sim
...
...e isto veio a propósito de quê?

goncalo disse...

Prof,

É verdade o que diz no seu post scritpum, mas também não deixa de ser profundamente demagogo o cartaz do PS, hábil, à espertalhão, em suma à portuguesa. Obviamente, que do lado do CDS também se usam argumentos semelhantes como a referência à liberalização, insinuando que a despenalização esconde uma apologia do aborto.

Vamos ver se nos entendemos:

Um referendo é uma consulta directa aos cidadãos de um país, não é uma guerra partidária. O primeiro grande equívoco quando falamos na despenalização do aborto é entende-lo como uma questão de direita e de esquerda ou, de outro modo, entre católicos e progressistas. É um absurdo pensar assim. Temo bem que a campanha para o referendo seja um triste exemplo do que é hoje a actividade politica em Portugal, contaminada por sound bytes e sem qualquer espírito crítico e com uma tendência inconsciente para o acessório. Mais, desconfio que o poder mediático ou merdiático, como costuma dizer o Carlos Magno, dará uma "ajuda", à sua maneira, claro está, sem saber hierarquizar os temas, as declarações, tratando tudo pelo mesmo critério - o das audiências.

Mas, então o que é que está em causa no próximo referendo?
É muito simples: saber se a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas de gravidez deve ou não ser considerada um crime. Sair disto é impedir que as pessoas pensem sobre o assunto para depois votarem. Um dia talvez aqui escreva sobre o assunto, perdoem-me a deformação profissional, mas é de uma questão jurídico-penal que se trata em primeiro lugar. Não se está a perguntar às pessoas se acham que é correcto abortar.

Caro Prof,
Sei que está especialmente empenhado neste referendo e que votará Sim - tal como eu. Agora, peço-lhe que o seu combate seja pelo esclarecimento do que está realmente em causa e acredite que já fará um grande favor ao país se conseguir que as pessoas pensem.

AQUILES disse...

JMV
Em relação ao seu Post Scriptum sou tentado a repetir-me. Sobre o se passar ao lado da questão real. Despenalizar? Só? Tira-se a pena mantêm-se o crime? É sustentável haver crimes sem penalização?
Eu julgo que se deveria tratar era de descriminalizar. E depois, imediatamente socializar o problema, ou a questão, como queiram.

andorinha disse...

Boa noite.

Concordo com o que diz a Cêtê, mas infelizmente já se sabia que esta questão iria ser fortemente partidarizada.
Não penso que votar "sim" ou "não" seja apenas uma questão de se ser de esquerda ou de direita, mas esse condicionamento vai impedir muitas pessoas de pensarem pela própria cabeça e decidirem em consciência.
Li agora com mais atenção o post do Gonçalo e no fundo estou a dizer a mesma coisa:)
E o que está em causa no referendo como ele bem frisou é "apenas" saber se a IVG até às 10 semanas deve ou não ser considerada crime.


Aquiles,
Se calhar vou dizer um tremendo disparate em termos jurídicos, mas arrisco:)
Se não houver pena é porque automaticamente também deixa de haver crime; em princípio o código penal atribui penas a todos os crimes, portanto...

thorazine disse...

Ohh andorinha, podias aproveitar e responder à minha questão jurídica deixada no último post..;))

andorinha disse...

Thora,
Tás no gozo outra vez????
Já te disse que não te fica nada bem não respeitares os mais velhos:)))))))

AQUILES disse...

Andorinha

Julgo que sim. E vê que o que toda a gente pede é que as mulheres não sejam sujeitas a penas. Tão só isso. É pouco para tão grande problema. Ninguém vai às questões de fundo

AQUILES disse...

Não havendo penas deixa de haver problemas e as consciências descansam em paz. Depois é olhos que não vêem, coração que não sente.

Julio Machado Vaz disse...

Gonçalo,
Não fui claro:(. Exactamente, enquanto for crime passa-se a batata quente para o Tribunal, do qual se espera que faça vista grossa. Não sei se o vou escandalizar: se eu fosse juiz aplicaria a lei, embora me batesse contra ela enquanto cidadão. Talvez certas consciências precisem que lhes metam umas condenações pelos olhos dentro:(.

JFR disse...

Prof.:

Não creio que os juízes não apliquem a lei, quer em relação ao aborto, quer em relação a qualquer outro caso que sentenciem.

Usarão é a sua interpretação da lei e das circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que decorre o facto em julgamento.

Por isso, casos que a lei situa como crime, mas em que poderá ser entendida a sua prática como estado de necessidade (roubar para comer, matar em legítima defesa, etc.) são avaliados pelos juízes e decididos de forma diferente por aqueles, sendo essa uma razão para a existência dos recursos.

goncalo disse...

Prof,

Julgo tê-lo entendido bem. Acrescentei apenas que o cartaz do PS também não me merece respeito intelectual, porque é desonesto. Na verdade, as mulheres acabam por não ser presas, ainda que isso resulte da violação do dever essencial de um magistrado judicial que é o de aplicar a lei. Seria mais honesto se lá viesse escrito: Abstenção para continuar a tratar as mulheres como criminosas e condená-las ao sofrimento e à humilhação de um julgamento em tribunal?

goncalo disse...

JFR,

Isso é verdade, mas muito difícil de aplicar à prática do crime de aborto.

Sabe porquê? Por ser muito complicado, salvo nos casos expressamente previstos na lei, provar que o interesse sacrificado - a vida intra-uterina - é inferior ao interesse da grávida a salvaguardar.

andorinha disse...

Concordo com Jfr, penso que os juízes não estão a trair a sua dignidade e competência profissionais ao absolverem mulheres do crime da prática de aborto, até porque penso que eles terão que fundamentar a sua decisão e alguns argumentos terão, circunstâncias atenuantes, etc.
Os juízes são humanos e se muitas vezes são "justamente" acusados de seguirem a lei às cegas e não terem em conta aquela pessoa específica que se senta no banco dos réus e as circunstâncias específicas que a levaram lá, vão agora ser acusados do contrário?

Gonçalo,
Isto é muito complexo para mim em termos jurídicos, mas os magistrados não cumprem a lei?
Deve haver algo na lei que permita uma interpretação que os leve a absolver as mulheres. Com certeza que não podem dizer que como não concordam com a lei, as absolvem.
Sendo eu totalmente leiga na matéria, isto pode ser tudo muito simplista, mas será o raciocínio do cidadão comum.

andorinha disse...

Aquiles,
"E vê que o que toda a gente pede é que as mulheres não sejam sujeitas a penas. Tão só isso. É pouco para tão grande problema. Ninguém vai às questões de fundo"

Porque é disso que se trata neste referendo. Num referendo não se poderiam abordar várias questões.
Espero que depois haja o bom senso de se ir às questões de fundo.

andorinha disse...

Gonçalo,
Já que esta é a tua área, corrige-me se eu estiver aqui a dizer uma série de disparates.
Gostava de ter mais informação sobre os aspectos jurídicos no que diz respeito ao aborto.

goncalo disse...

Andorinha,

Não é a minha área!!!...)))

Compreendo as tuas dúvidas.

Os magistrados não deixam nunca de aplicar a lei, podem é aplicá-la com habilidade.

Do pouco que sei, as mulheres acusadas do crime de aborto têm sido absolvidas por falta de provas. Consta até que alguns magistrados ordenaram a destruição de algumas delas, o que naturalmente é gravíssimo, se for verdade.

Outro expediente pode ser condenarem apenas a parteira.

andorinha disse...

Gonçalo,
Desculpa, tinha ficado com a ideia de conversas anteriores que estavas ligado à área jurídica.
E como disseste em cima "Um dia talvez escreva sobre o assunto, perdoem-me a deformação profissional...", mais convencida fiquei:)

Mas obrigada por me responderes na mesma.
Aplicar a lei com habilidade, sim, já tinha percebido que tinha que ser assim; agora que destruissem provas nunca me tinha passado pela cabeça.
Os fins justificam os meios?

goncalo disse...

Andorinha,

A tua ideia tá certa. Sou jurista, mas o direito penal e o crime do aborto não são as minhas áreas)).

andorinha disse...

Gonçalo,
Esclarecida:)

Pamina disse...

Boa noite.

Subscrevo o PS do post que coincide com a minha visão, aliás já aqui expressa anteriormente. A lei e a sua aplicação têm que ser claras e também não posso concordar com essa solução de meias tintas de "fechar os olhos".

Talvez este artigo do Público de Julho do ano passado possa ajudar a recordar alguns factos. Penso que dá para perceber uma grande falta de transparência.
Aqui houve condenações (e muito bem, se os factos ficaram provados através dos tais exames ginecológicos não aceites anteriormente), mas com pena suspensa, para não causar muito alarido, evidentemente. No tribunal da Maia, a única que foi condenada foi a que confessou, o que nos faz pensar imediatamente: "então pois se ela confessou não havia volta a dar-lhe". Para todos os efeitos, aplicaram-lhe "apenas" uma multa. No tribunal de Lisboa, a juíza e até o Ministério Público consideraram que a jovem sabia lá para que era o remédio. Provavelmente estava com dores de cabeça e pensava que tinha pegado numa embalagem de Benuron. Quanto à parteira, depois veio o Sampaio e deu um indulto.
Vários exemplos da tal "caridadezinha" de que o post fala.

"Apenas os profissionais de saúde eram punidos
Aborto: condenação de mulheres em Aveiro põe fim a tradição nos tribunais
04.07.2006 - 17h53 Lusa

A condenação de três mulheres pelo crime de aborto, decretada hoje no tribunal de Aveiro, inverte a tendência dos últimos julgamentos sobre a interrupção voluntária da gravidez clandestina, que terminaram com a absolvição das clientes e a penalização dos profissionais de saúde.

Um julgamento na Maia, em 2002, com um total de 43 arguidos, foi o primeiro a atrair a atenção do grande público após o referendo de 1998.

Há quatro anos, o tribunal da Maia condenou uma enfermeira parteira a oito anos e meio de prisão e absolveu 16 das 17 mulheres acusadas da prática do crime de aborto. A única mulher condenada confessou os factos e foi sentenciada a quatro meses de prisão, substituíveis por 120 dias de multa.

Um ano depois, a enfermeira-parteira condenada na Maia foi indultada pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, por ocasião da quadra natalícia, tendo-lhe sido reduzida a pena para metade.

No final de 2004, uma jovem de 21 anos acusada da prática de aborto foi absolvida no Tribunal Criminal de Lisboa pela juíza Conceição Oliveira, que alegou que o crime não ficou provado. A decisão da juíza foi anunciada menos de uma hora depois de ter começado o julgamento.

Conceição Oliveira considerou que não ficou provada a ingestão de comprimidos com o objectivo de interromper voluntariamente a gravidez nem que a jovem tivesse conhecimento dos efeitos abortivos do Misoprostol.

Também o procurador-adjunto do Ministério Público, Pinto dos Santos, defendeu na altura que a arguida deveria ser absolvida por não ter sido provada a prática de crime de aborto.

A jovem era acusada de interromper uma gravidez em Janeiro de 2000 e foi denunciada à PSP por um enfermeiro de serviço do hospital Amadora-Sintra.

No ano passado, em Julho, a cidade de Setúbal foi palco de um novo julgamento sobre a interrupção voluntária da gravidez ilegal. As duas mulheres julgadas foram absolvidas por não terem sido provados os factos de que eram acusadas.

As duas mulheres começaram a ser julgadas a 15 de Julho de 2004, juntamente com uma enfermeira-parteira a que terão recorrido para a prática do crime de aborto. O processo da enfermeira-parteira foi separado em Junho.

Também neste caso o Ministério Público pediu a absolvição das arguidas nas alegações finais.

Tribunais condenam profissionais de saúde

Relativamente aos profissionais de saúde penalizados pela prática de aborto clandestino, a excepção às condenações aconteceu em 2004, quando o tribunal da Guarda absolveu uma parteira de homicídio por negligência na sequência da prática de um aborto que provocou a morte de uma mulher de Vilar Formoso sete anos antes.

O tribunal deu como provado que a parteira realizou práticas abortivas e que a vítima procurou a parteira para a realização de um aborto, tendo falecido em casa da arguida em consequência desse acto.

Porém, embora o tribunal tenha dado como provado que a vítima sofreu hemorragias e perfuração do útero em resultado do aborto, não deu como provado que essas práticas abortivas tenham sido a causa da morte, pelo que absolveu a arguida.

Arguidos condenados hoje tinham sido absolvidos em 2004

Hoje, o tribunal de Aveiro voltou a absolver 12 dos 17 arguidos pelo crime de aborto, na sua maioria mulheres e alguns companheiros, mas condenou três das clientes a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos.

Igualmente condenados foram um médico (em cúmulo jurídico a quatro anos e oito meses de prisão, com perdão de um ano) e uma empregada (sentenciada a um ano e quatro meses de prisão, com pena suspensa por três anos).

Em Fevereiro de 2004, o primeiro acórdão deste julgamento absolveu os 17 arguidos do processo de aborto clandestino por falta de provas, considerando que não foram provados os sete crimes de aborto de que estavam acusadas sete das arguidas do processo.

O primeiro acórdão foi declarado nulo pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu pela legalidade dos exames médicos feitos às arguidas, pelo que foi hoje proferida nova sentença."

thorazine disse...

"Não sei se o vou escandalizar: se eu fosse juiz aplicaria a lei, embora me batesse contra ela enquanto cidadão."

Professor,
mas nem sempre é fácil essa distância. Se o terror vivido pela vítima (quiça num aborto) for ou tenha sido partilhado pelo juiz a emoção não "larga" a razão! E foi um português que disse isto! :))))

lobices disse...

...o maior erro da Justiça é a sua "representação" por uma dama vestida com uma toga armada com uma espada e uma balança (pendida para um dos lados, por sinal...) e de olhos vendados
...nunca, mas nunca a Justiça poderá ser aplicada assim!...
...tem de haver apenas a balança para pesar todos os dados e depois, para além da razão do juiz tem de existir a emoção
...sem as duas em conjunto nunca haverá justiça
...se ela continuar "cega" a lei nunca será justa porque não consegue "ver"
...(eu voto sim)

AQUILES disse...

ANDORINHA

"Espero que depois haja o bom senso de se ir às questões de fundo."

Neste país espera mesmo isso?

andorinha disse...

Bom dia.

Aquiles,
"Espero" aqui tem o sentido de "é desejável", "é conveniente", "é imprescindível", etc, como bem sabes:)
Neste país....
Mas ainda consegues ser mais pessimista do que eu!:)))

Fora-de-Lei disse...

Se toda a gente sabe onde se pratica o aborto clandestino por que carga d'água os apologistas do "NÃO" não entregam no Ministério Público uma listagem das clínicas / pardieiros onde tal é realizado ?

E mais: porque não entregam no MP uma listagem com os nomes das tias que os vão fazer a Badajoz, a Londres, etc ?

Nada disto seria muito difícil, até porque acredito que de entre os defensores do "NÃO" haverá alguma gentinha com velhos hábitos de delacção. Para além disso, esta seria uma forma de mostrarem que não pactuam com uma situação que do ponto de vista jurídico - nomeadamente na lógica crime versus pena - mais faz lembrar as touradas de Barrancos.

noiseformind disse...

:.................)

"O CDS-PP exorta ainda os socialistas a retirarem o cartaz em causa e a «renunciar a técnicas indignas e vergonhosas de publicidade enganosa, declarando publicamente que não repetirão, nem reincidirão no escândalo da técnica da mentira»"

Digam lá se já não tinham saudades destes comunicados à la Paulinho das Feiras & Submarinos?

Em relação à demagogia, é como diz o Aquiles: ninguém vai às questões de fundo. Os juízes não condenam por isso os interrogatórios à família, as idas à esquadra, a devassa da privacidade a que se sujeitam as mulheres por via do inquérito, a espada de Dámocles que pesa sobre as mulheres no momento da condenação, tudo isso, não conta. A Laudum Paternitats no seu máximo e no seu auje. Um verdadeiro extremar de posições machistas, ora pois. Deixar aos sábios juízes margem para serem magnânimos e salomónicos. "Pecou e prevaricou mas a exposição do seu pecado e esse laçarote de vergonha que tem à volta do pescoço e que irá perdurar enquanto viver onde vive basta, vá em paz". Mas mesmo assim acham indigna (o que é que não os indigna, será a questão) a não-permanência do homem na referêndica pergunta. Estranho, não os ouço nos tribunais, nem os leio na pena da lei. Por exemplo, o homem que permite tamanho atentado com a conivência do seu silêncio, não merece punição? E o homem que, sem intenção de procriar, não utiliza metódo contraceptivo? Não merece pelo menos metade da vergonha? Tsc, tsc, tsc... pois é, pois é. Eles não entram nos hospitais com as sequelas, eles não carregam o embaraço (o uso da palavra não é inocente para quem saiba dois dedos de castelhano) de serem os assassinos. Eles até podem dar o dinheiro, mas aí coitados, estão só a ser manipulados pelas terríveis filhas de Eva. A quem a serpente foi tentar, por ser mais permeável à luxúria. Estranhamente, as mulheres portuguesas fazem em média menos 30% sexo por ano que os portugueses. Mas imagino que isto é por o estudo comtabilizar sexo oral como acto sexual e toda a gente sabe que por aí ninguém engravida, a menos que haja um encore ; )))))))))))

Meus caros,
Ainda vai vir aí muito pior. Mas já será banal. Corpos de crianças cheios de sangue, manifestações com os habituais cartazes de assassinas para as não-mães. No fundo no fundo, o referendo em si é uma boçalidade falsamente democrática pq depois lá virá o padrinho Sócrates dizer que não há verba e que quem tiver o dinheirinho que faça favor de se mexer antes das 10 semanas... com a manifesta irritação da Ordem dos Médicos, que verá muitas clínicas perderem lucros consideráveis. Um pouco como a liberalização das farmácias, mas desta vez com úteros ; ))))))

noiseformind disse...

Obviamente, o sexo oral referido por mim e que contribui para a assimetria da praxis labutante sexual tem a ver com sexo oral feito por estrangeiras cheias de luxúria a portugueses. É que os portugueses lá fora Upa Upa, ninguém os larga, é uma loucura... ; )))))))) elas fazem quantos-mil km forem precisos para os virem mamar aqui...

CêTê disse...

A minha expectativa sobre qualquer referendo está a sair defraudada: esperava tempos de antena das várias faccções, debates, testemunhos...
nicles.

Talvez, realmente, haja todo o interesse que fique tudo na mesma... assim fica o Referendo como a tal operação de charme com todos os charmosos a "abrir garrafas de champanhe" no dia do escurtínio. ;) A ver vamos.
(vou ler os comentários...)

AQUILES disse...

ANDORINHA

Pessimismo, em relação ao país, o 1º lugar do podium é meu.

CêTê disse...

Pergunto eu: havendo tantos dados sobre abortos clandestinos porque não se determinam as motivações que a ele conduzem? Que razões prevalecem? Porque haverá de tudo. Haverá seguramente motivações, contextos e razões diversas.
A Lei pode estar descontextualizada. E uma lei que se contorna sistematicamente com os argumentos evocados não serve. Mas também não me parece que fechar os olhos até às dez semanas de forma indiscriminada a faça melhor. Ainda para mais prevendo-se a sua inaplicabilidade no actual sistema de Saúde- ou temos dúvidas que mudando a lei se muda o contexto social e económico das mulheres? E os profissionais de saúde poderam recusar-se a fazê-lo? Há tantas questões...
Não gosto de leis. Não gosto de as contornar. Mas gosto da ordem que elas permitem e só me parece possivel esta qualidade quando são flexxiveis: não contornáveis.

AQUILES disse...

E continuo a dizer que, seja qual for o resultado do referendo, o melhor é ir sempre abortar em Espanha. Será sempre, lá, melhor e mais barato.
Porque Portugal já é terceiro mundo em muitos sectores, incluindo o do serviço público de saúde.

thorazine disse...

lobices,
concordas então que a balança deve tender consante as emoções, relativas ao caso, do juiz? ;(

DarkViolet disse...

Qual é o intuito de fazer leis?

blogico disse...

uma lei que é passível de interpretação não serve de nada.

as leis devem ser claras como água. e iguais para todos, sem excepção. se houver excepção a uma lei, toda a população vai querer fazer parte dessa excepção. é nesse sentido que a justiça deve ser completamente cega.

ASPÁSIA disse...

DARKVIOLET

Qual é o intuito de fazer leis?


BOA PERGUNTA... COMO SE SABE, NESTE PAÍS FAZEM-SE LEIS "PARA O POVO" MAS DEPOIS SÓ SE CUMPREM SE DEREM "JEITO" = "MONEY" A QUEM AS FEZ...

:(

CêTê disse...

blogico-"uma lei que é passível de interpretação não serve de nada."

Eu também não me estava a referir a leis ambíguas. Estava eu a falar de leis que prevêem várias situações.
Desconheço a lei actual mas lembro-me quando foi alargada a possibilidade de abortar no caso particular de malformações graves do embrião/feto o período legal para o poder fazer ser incompatível com alguns exames médicos que a grávida necessitaria de efectuar.
Relativamente a todas as outras razões a lei deveria prevê-las.
Uma boa lei julgo eu ser aquela que além de outras características está feita para atender a uma grande diversidade de situações.
(concordo contudo- obviamente- que justificar em "praça pública" o acto deve ser dramático.- outro a acrescer ao primeiro).

andorinha disse...

Boa noite.

FDL (11.47)
Saíste-me cá um lírico:)))

Blogico,
Concordo e discordo:)
As leis devem ser claras, sem dúvida, mas a justiça, quanto a mim, não deve ser cega, sob pena de não haver justiça.
Aliás constatamos isso todos os dias. Diferentes juízes e diferentes instâncias têm apreciações diferentes em relação a um mesmo caso.
Porquê? Porque as interpretações variam.
E há também o lado perverso da questão: o ter-se ou não bons advogados, o conhecer-se as pessoas "certas", enfim...tudo o que nós sabemos que se passa com a justiça no nosso país.

blogico disse...

cêtê - não me estava a referir ao seu comentário. estava a dar uma opinião geral.

a meu ver, a partir do momento em que uma lei exceptua um caso já não faz sentido. mais vale permitir tudo.
penso que, em princípio, uma lei deve ser o "mínimo denominador comum" (para os professores de matemática) :) de todos os casos possíveis.
tem que ser algo muito simples e claro e os juízes só devem julgar se o arguido cometeu o acto ou não, e não debruçar-se sobre o porquê do acto em si. na minha opinião só assim poderá haver verdadeira justiça

blogico disse...

espero ter feito sentido. :)

e não me estou a referir ao caso do aborto, estou apenas a dar a minha opinião sobre a filosofia das leis. :))

andorinha disse...

Blogico,
Agora é que estou mesmo em desacordo.

"...os juízes só devem julgar se o arguido cometeu o acto ou não, e não debruçar-se sobre o porquê do acto em si. na minha opinião só assim poderá haver verdadeira justiça."

Penso precisamente o contrário.
Se os juízes agissem assim, não haveria justiça.
Eu penso que eles devem ( e de certeza que o fazem) ter em atenção as diferentes circunstâncias que podem ter conduzido a determinado acto.
Se assim não fosse, seria muito fácil julgar.
Qualquer um seria capaz de o fazer; bastava ler o código penal e aplicar a pena correspondente a determinado crime.

Consideras que haveria justiça assim?
Também não me estou a referir ao caso do aborto em particular, mas sim a qualquer caso.

mp disse...

realmente isto é tudo um falsdo problema se fossem os homens a abortar , o aborto era livre há séculos , enfim... o problema é de saúde e não de liberdade , ou seja o problema é a saúde de todos n´s pois todos nós provimos de um ovo fecundado e por muito que os homens se torçam a maternidade é das mulheres e o corpo é delas e elas devem ser autonomas em relação ao seu corpo, parece que ainda estamos no regime feudal em que as mulheres eram propriedade dos homens , cds?-pp?" digusting"

josnumar disse...

Meus senhores:
Conhecem o Projecto de Resolução nº54-A/2006,da Assembleia da República???
É um projecto de Resolução com data de 20 de Setembro de 2006, invocando "o compromisso de suscitar um novo referendo sobre a despenalização da IVG.
Nessa altura foram apresentados três Projectos de lei relativos a matéria de despenalização voluntária da gravidez.
Em Reunião Plenária de 19 de Outubro de 2006, a Assembleia da República aprovou, após debate, o Projecto de Resolução nº148/X.
Leiam parte da Declaração de Voto do Dr.Mário José de Araújo Torres, juiz Conselheiro do TC relativamente ao Acordão do referendo:
"A medida legislativa que os proponentes visam aprovar, na hipótese de resposta afirmativa vinculativa, não consiste numa mera despenalização(sem descriminalização). Trata-se de deixar de considerar como crime, relativamente a todos os participantes nessas intervenções(e não apenas à mulher grávida), o aborto praticado, nas primeiras dez semanas de gravidez, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. E não se trata apenas de afastar a ilicitude criminal, mas toda e qualquer ilicitude.E ainda mais: trata-se de assegurar, pelo próprio Estado, através do SNS, a prática desses actos. Isto é: pretende-se passar de uma situação de "crime punível", não a uma situação de "crime não punível", mas a uma situação de "não crime", de "não ilícito" e de "direito a prestação do Estado".
Nem se diga, como foi aduzido no debate parlamentar, que não se trata de "discriminalização" por o crime de aborto continuar a ser punível quando praticado para além das 10 semanas. A questão, porém, é que um conjunto de situações(prática de aborto, por opção da mulher, até às 10 semanas de gravidez, sem que se verefiquem as "indicações" do artigo 142º), que eram consideradas crime e como tal punidas, deixam de ser consideradas como crime relativamente a todos os intervenientes nessas práticas."
No Projecto de Resolução foi expressamente referido: "ao legalizar a IVG sob determinadas condições, não se está, como é evidente, a liberalizar o aborto, está-se apenas a alargar, de forma razoável e equilibrada, o elenco das excepções, já hoje admitidas na lei, à regra geral de criminalização que permanece em vigor.(...)Por isso, propomos a realização desta consulta popular, onde a única questão a decidir é saber se "sim" ou "não" à licitude da IVG, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento autorizado"-DR.I,nº14, de 20/10/2006,p.8

O Dr.Mário José continua a sua declaração de voto:
"a pergunta a formular, para ser objectiva, teria no mínimo, de referir a intenção de "deixar de constituir crime" tal conduta.
...
"A isto acresce que, quer na discussão pública em curso sobre este tema, quer, mais relevantemente, na apresentação parlamentar da iniciativa referendária, se tem simplesmente insistido na associação desta iniciativa ao propósito de pôr termo à perseguição criminal, julgamento, condenação e prisão das mulheres grávidas que pratiquem aborto. E o uso da expressão "despenalização", na pergunta, pode propiciar o entendimento de que é esse propósito que se visa alcançar, o que não corresponde à realidade. Na verdade, face ao apontado desiderato, a aprovação da medida legislativa que resultará de eventual resposta positiva vinculativa ao referendo surge como inadequada, por defeiro e por excesso: por defeito, porque não evitará a perseguição criminal das mulheres que pratiquem aborto para além das 10 semanas fora das indicações do artigo 142º do Código Penal e ainda das que pratiquem aborto dentro das 10 semanas, mas fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado; por excesso, porque exclui da incriminação, não apenas as mulheres grávidas, mas todos os intervenientes no acto em causa.
E pelas razões expostas, concluo que, para além da falta de clareza da expressão "estabelecimento de saúdelegalmente autorizado", a expressão "despenalização da interrupção voluntária da gravidez" não respeita o requisito da objectividade, pois se mostra susceptível de "induzir os eleitores em erro, influenciando o sentido da resposta".
Agradeço ao DrºMario José de Araújo Torres a sua lucidez.