Stress ( I )
Domingo o JN falava dele. À noite, na SIC-Notícias, reportagem sobre trabalhadores do Leste em Portugal. O professor de Antropologia Médica espreguiçou-se cá dentro, abordo os dois temas nos diálogos com os alunos. Quando eu estudava, o stress tinha um estatuto modesto, quase mecânico. O organismo reagia aos estímulos e nós à espreita. Mas sobretudo atentos a variáveis fisiológicas, como se aguentavam as hormonas e o aparelho cardio-respiratório? Aos poucos, o combate foi-se deslocando corpo acima, fechou atrás de si as portas do pescoço e invadiu os neurónios. A questão passava a ser como lidávamos psicologicamente com as dificuldades: se resistíamos, deprimíamos ou lançávamos mão de drogas para nos mantermos à tona. E até os discursos acerca do stress iam mudando - especialistas e leigos passaram a empregar a palavra com uma pitada de suspeita e receio na voz, como se ele pairasse sobre a cidade e nos caísse em cima à menor distracção. Uma vez feridos, o substantivo dava lugar a verbo cheio de um desalento passivo, “ando stressado”. A besta roendo-nos as entranhas, como cancro imune a qualquer cirurgia.
Muitas das sugestões terapêuticas referidas na reportagem (massagens, yoga, programas em unidades hoteleiras) denunciam a habitual importância dos cifrões, estão fora do alcance da maioria das bolsas. Já os medicamentos são receitados assaz democraticamente. Também porque os mais desfavorecidos transformam o stress em queixas de sólida aparência física ou nervoso miudinho, em qualquer dos casos a pastilha assume o estatuto de candeia ao fundo do túnel. Para aguentar a corrida sem diminuir a passada, pois toda uma sociedade aceita o frenesim como inevitável. Se repararem, a maior parte das intervenções preconizadas sugere que podemos aprender a suportar melhor os efeitos do stress, não a diminuí-lo. Como se nos resignássemos a combater efeitos e não causas.
A ter eu alguma razão, desse “pecado” estavam inocentes os imigrantes dos países de Leste, se algo os unia era a impotência perante as agressões do meio, da sorte e das mafias que enriquecem à custa do desespero. Portugal sabe o que isso é. Por trás das famosas histórias sobre o talento dos lusitanos para o desenrascanço no estrangeiro, apoiado em reconhecida arte para fintar as armadilhas linguísticas, escondem-se lágrimas e saudades; trabalho duro. Recordo chegada a Paris vindo de Inglaterra, o Sud-Express ainda adormecido, havia tempo para um último capricho. Era manhazinha e as ruas acolhiam, gratas, os jactos de água que as alindavam para os turistas. Fiel à tradição de regressar teso a casa, enchi o peito e disse ao taxista para seguirmos devagar, saboreando a fresca. Ele proporcionou-me curta visita guiada, passei por alguns dos ex-libris parisienses com a distracção criminosa dos personagens de um filme de Tati. De súbito: “regardez, les portugais”. Os que não tinham dinheiro para táxis! Lá estavam, “les portugais”… Em bicha enorme e cinzenta dobrando a esquina, à espera de um milagre em forma de papéis e carimbos oficiais.
Os portugueses sabem o que é partir para calar a fome na boca das crianças ou por se recusarem à mordaça. E por isso conhecem o isolamento, a insegurança face ao desconhecido, a eventual rejeição por parte de quem exige mão de obra, mas franze o sobrolho às pessoas. Das consequências físicas e psíquicas de tais situações falarei para a semana, o apelo para que demonstremos solidariedade a quem nos procura em busca de uma hipótese de sobrevivência deixo-o hoje.
12 comentários:
Pena ser assim...
aquele "regardez, les portugais" é desolador.
Boa noite (sem stress):)
"Para aguentar a corrida sem diminuirem a passada, pois toda uma sociedade aceita o frenesim como inevitável".
E não é?:(((
Quem reduz a passada fica para trás neste nosso mundo tão competitivo. Para que isso não aconteça, lá vai muita gente atrás da pastilhinha...
O stress, não é? Esse polvo.
Dizem-me que há um certo "bom stress"... Nunca hei-de destrinçá-los, devo ser vítima dos dois...
Só a música, a água onde imergir e fundir-me e um daquels abraços malucos dos meus rebentos me fazem ter consciência de o espantar sem retorno (imediato).
Até temos um Instituto do Stress, não é? Com convénios no Caramulo, naquele hotel bem ao pé da Fundação. Em suma: isto está oficializado!
.....
Uma short story:
- Prédio daqueles dos anos 60, grande Lisboa, com rendas dessa época, estáticas e estatizadas... Ao todo dariam mensalmente o quê? Nem para 2 diárias num hotel.
O costume...
A certa altura, morre um dos inquilinos. Deus nos perdoe, festa da grossa!
Procura-se novo arrendatário, não muito exigente
(o prédio não está famoso...não havia como manter aquilo para além do aceitável)
e pronto a pagar um justo valor de renda, aí umas 10 vezes mais do que o falecido pagava...
Entra em cena um imigrado de leste. -Há problema? Não, for Christ's sake! Porquê? Se o contrato seguir as vias habituais, porque teria de haver?
A loira criatura tomou posse das chaves.
Com a família atrás. Só ele e os filhos falam português.
No dia 1 de cada mês, religiosamente, cai a renda.
-A porta do prédio, que já não fechava? Consertou-a. - A caixa do correio, que já não tinha chave? - Manufacturou uma. - Passou a varrer o hall de entrada diariamente, consertou uma gelosia perra de muitos anos, e plantou flores nas floreiras convertidas em caixotes do lixo pelos restantes habitantes, todos nacionais.
A varanda do 1º até "alegretes" viu aplicados,e o andar topa-se à distância.
Morais da história:
-O cliente ficou feliz, felicissimo!
-O conselheiro, feliz por assim ter aconselhado.
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Que lição de integração e civismo...
Dele para NÓS...claro!!!!
Boa noite.
Quanto à 1ª parte do texto, infelizmente, também acho que não há volta a dar a estes Modern Times e que se manterá (ou aumentará) a tendência para se "combater efeitos e não causas".
Relativamente aos imigrantes de Leste, na zona onde vivo há muitos, no geral, bem "aceites". Sei que é um tema muito complexo e não pretendo discutir aqui quotas de autorização de residência, etc. O post faz apelo a uma atitude de humanidade para com quem estava ainda pior do que nós e aqui procura mudar de vida (lembram-se do filme do Paulo Rocha?). Só o posso secundar.
Boss, em relação aos estranjas... venham elas, as russinhs todas, as ucranianas mais giras, as brasileiras mais carnavalescas e as colombianas mais calientes ; )))))))
Garanto-te que com estas aquisições para a nossa selecção o stress passava logo ; ))))))))
Quanto ao ritmo que nos é imposto, penso que é mais profundo do que apenas tempos e horários. A malta trabalha para pertencer a classes, e portanto não tem noção de que pode perfeitamente ser mais feliz com menos coisas e menos dinheiro. Mas dizer isto assi é muito geral e estou demasiado cansado para explicitar melhor. : )))))) vou-me aos lençois ; ))))))))
noiseformind 12:40 AM
"A malta trabalha para pertencer a classes e, portanto, não tem noção de que pode perfeitamente ser mais feliz com menos coisas e menos dinheiro."
E alguns até riem para não ter que chorar...
Balões de oxigenio, precisam-se!!
...às vezes pergunto-me quando é que nesta sociedade de consumo(e que stress o ter que ter para poder consumir!!!!), nos lembraremos de lutar por mais tempo para consumirmos com nós proprios, os filhos, os livros, sei lá, as pessoas e as coisas que nos dão realmente prazer e que são o unico anti stress natural que conheço!
Processo que adivinho lento, cada vez o sucesso e a gloria profissionais estão mais interiorizados...os topos de carreira e os brilhos inerentes, parecem ser o novo ópio...a adrenalina que os faz moverem-se...quase automatos, mas bem vestidos e de postura confiante...daí à necessidade de um Instituto do Stress vai um passinho!!!!
Ou nao, Professor?
Não vou referir nomes, mas li uma vez um texto de um tipo que depois de 15 minutos a contemplar o sol numa esplanada de Cascais já estava de recaída sonhando apressar textos para o Jornal de Notícias. Uma verdadeira reincidência whorkhaolica ; )))))
Isto é uma coisa que me preocupa: volta e meia não consigo afinar a minha experiência pela dos meus companheiros comentaristas. Muito bem. Eu sou um tipo stressado, de Fevereiro a Março fui-me mesmo abaixo, mas pílulas nunca... quer dizer, pastilhas nunca. :)))
A chatice é que não obedeço ao perfil do clássico stressado, pois não é que tenho objectivos e princípios de vida extremamente modestos? Não desejo quaisquer cargos ou promoções, não quero nem preciso de ganhar mais dinheiro (porque consumo pouquíssimo comigo e cada vez menos), também não pretendo notoriedade, ...
... O PROBLEMA É QUE NÃO ME DEIXAM EM PAZ A FAZER O MEU TRABALHO!!! Estão sempre a solicitar-me: a minha directora, a minha chefe de departamento, os meus colegas, os meus alunos e o meu patrão magno, o Ministério (este é o pior de todos, porque faz tudo o que pode para que eu não ensine ou que ensine mal).
Ah, penso que também ajuda o facto de, ao vir cá para fora, só ouvir falar mal da minha classe.
O meu médico diz-me que eu devia fugir para o estrangeiro. O que me levaria à tal fila dos portugas? E a outros stresses?
Rui,
Compreendo-te perfeitamente, basta ser colega de profissão.:)
Temos uma das profissões mais estressantes, que podemos nós fazer?
O meu problema é o mesmo que o teu: muitas vezes não me deixam em paz a fazer o meu trabalho.
Quanto à Excelentíssima Senhora Ministra, nem me fales...
Quanto à péssima reputação que temos junto da opinião pública também não me fales...
Deixa lá, piores dias virão:)))))))
Obrigado pela solidariedade, Andorinha! Por acaso também costumo dizer-me a mim mesmo que há-de vir pior pelo que, antes que isso aconteça, devo é aproveitar bem o presente!
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