terça-feira, maio 31, 2005

A propósito de migrações.

Não tem sede de aventura
Nem quis a terra distante.
A vida o fez viajante.
Se busca terras de França
é que a sorte lhe foi dura
e um homem também se cansa.



Ficam mulheres a chorar
por aqueles que se foram.
(Ai lágrimas que se choram
não fazem qualquer mudança).
Já foram donos do mar
vão para terras de França.


Manuel Alegre, Trova do Emigrante.

segunda-feira, maio 30, 2005

Como prometido:)

“Outro factor, já mencionado, é que as taxas de diagnóstico e internamento em psiquiatria podem reflectir preconceitos morais, raciais e políticos e levar à interpretação de reacções e crenças culturais como sinais de “loucura” ou “maldade”. Helman.


Stress e migração – Exemplo: Manchester, doença mental, Carpenter e Brockington – As populações migrantes (Asiáticas, Africanas e das Índias Ocidentais) tinham o dobro da taxa de internamento em hospital psiquiátrico, quando comparadas com a população inglesa. O diagnóstico de esquizofrenia paranóide era muito frequente, sobretudo com delírios de perseguição…

Desde já aviso que existem várias hipóteses explicativas:).

domingo, maio 29, 2005

Uma derrota justa e necessária.

Merecemos perder, claro, isso é assunto encerrado, o jogo foi um longo e penoso bocejo.
Mas a legítima satisfação pela conquista do título no campeonato, mesmo completamente atípico como foi este, poderia turvar a vista a alguns. A derrota na Taça com tal exibição - semelhante a muitas outras... - obrigará todos a encarar os factos - se a equipa não for (bastante) retocada a alegria deste ano será um fogo fátuo.

P.S. De qualquer forma não poderíamos ganhar - eu não fui ao cinema:))))))))!!!!!!

Ontem adormeci:(

Jacob, prémio Nobel da Medicina em 1965: “A Biologia perdeu hoje muitas das suas ilusões. Já não procura a verdade. Constrói a sua. A realidade aparece então como um equilíbrio sempre instável. No estudo dos seres vivos, a História evidencia uma sucessão de oscilações, um movimento de pêndulo entre o contínuo e o descontínuo, entre a estrutura e a função, entre a identidade dos fenómenos e a diversidade dos seres”. (Em Laqueur, La Fabrique du Sexe).
Durante milénios a hierarquia dos sexos pertenceu à Ordem divina: Deus, o homem à Sua imagem e para O honrar; a mulher, homem incompleto de Aristóteles e filha de Eva da Igreja, um degrau abaixo na Criação. Com as Revoluções Francesa e Científica assistimos a um processo fascinante de manutenção da assimetria, agora baseada na Ciência, que iniciou um longo discurso sobre as diferenças “essenciais” entre os sexos. As mulheres já não são homens imperfeitos, mas seres radicalmente diversos, inferiores por respeitáveis razões “científicas”.
Exemplo: “O corpo masculino traduz força positiva, a aguda compreensão do homem e a sua independência, assim o preparando para a vida do Estado, as Artes e as Ciências. O corpo feminino traduz a moleza e o sentimento das mulheres. A pelve espaçosa destina-as à maternidade. Os membros fracos e macios e a pele delicada são testemunhas da esfera mais restrita das actividades das mulheres, da sua ligação ao lar e à calma vida familiar”. (Sachs, 1830, sobre a complementaridade dos corpos masculino e feminino). Foi a Ciência a construir a base onde assenta a extraordinária ideia dos “sexos opostos”. Mas não no mesmo plano…
A vontade do Senhor foi substituída pela normalidade científica, contra a qual também se pode “pecar”. Vejamos como existe hoje em dia um discurso médico que nos torna responsáveis por tudo o que de mau possa acontecer se não seguirmos o “correcto” estilo de vida. Da salvação eterna da alma passámos ao prolongamento da vida do corpo e em verdade vos digo que alguns médicos assistentes estão menos dispostos a perdoar do que muitos confessores, seguros como estão das suas verdades:).
Por agora chega, amanhã regressarei ao tema. Talvez com algumas palavras sobre a relação entre emigração e diagnóstico psiquiátrico.

sexta-feira, maio 27, 2005

A bem dizer...

… sinto-me envergonhado por alguns de vocês terem pensado que eu punha a hipótese de encerrar o blog. Estava a brincar, como os veteranos logo denunciaram:). Esta tertúlia já faz parte do meu quotidiano, vem-me dando um prazer de todo imprevisto. Mas os comentadores não têm obrigação de conhecer o estilo de humor que cultivo, daí… - sorry, maralhal:).

Sobre a frase de Sabato, não duvido que as pessoas se sintam hoje peças de uma engrenagem. À qual, ainda por cima, não reconhecem qualquer ambição de atingir a fímbria de transcendência a que temos direito. A máquina destina-se apenas a assegurar a própria subsistência, com as assimetrias sociais que acarreta. Mas, em duas das minhas áreas de trabalho, a Sexologia e a Psiquiatria, o conceito de “pecado” desaguou direitinho no de “anormal”. A Medicina - e poderemos falar disso com mais vagar… - substituiu a Igreja ao nível da condenação (disfarçada de diagnóstico, em teoria neutro e científico) e da tentativa de controlo (leia-se tratamento e/ou exílio em determinadas instituições).

quinta-feira, maio 26, 2005

Só mentiroso?

Já sei, já sei, não cumpro a promessa de acabar com o blog:(. Serei um simples mentiroso ou um grave dependente dessa sinistra droga chamada "maralhal"?:)



"Hoje o homem não se sente um pecador, crê que é uma engrenagem, o que é tragicamente pior".

Ernesto Sabato.

Uma engrenagem inteira? Não será optimismo?:)

quarta-feira, maio 25, 2005

O convite

Maria,
Pensa, pensa bem - afinal o que é uma "ponte"? Não ajavardes, por favor!, ainda por cima à custa de uma das minhas canções favoritas... Eu sei, eu sei, vimos navegando em "troubled waters". Por isso mesmo, carago! (Desculpa, sou tripeiro.) Mas responde! Uns abençoados dias de descanso, sobretudo se eu não estiver por perto... Agressivo simplismo, querida. Uma "ponte" é um momento único, sabes? Dois dias de ócio triunfam, pelo cerco, sobre um de trabalho que se rende. Estás a ver o simbolismo? Dois somos nós também. Cerquemos o conflito que nos mantém apertadamente separados e talvez ele deponha as armas como sexta-feira próxima. Vem daí discutir, em quatro dias haverá tempo para uma ou duas reconciliações. Pequenos passos, ouviste o Sócrates - os déficites não se resolvem do pé (descalço) para a mão (cheia) ou vice-versa. Assumamos o compromisso de acabar com o nosso de comunicação até Domingo. Se não conseguirmos, aceito que convoques eleições para o lugar de teu namorado e juro que não concorro, nem me mantenho por perto como líder da oposição.
Aceitas? Óptimo, carago! (Ups...). Já agora - importas-te de levar os jeans, a blusa branca e o casaco curto cintado? Tá, não abusar da sorte. Mas a saia de hippy com sandalinhas a condizer, não, está bem? Vês como já se notam progressos? É claro que farei a barba!

(Espero que o tenha exigido a pensar na sua pele macia e não por simples embirração estética...).

O ignorante

Eu sei que a pergunta é risível para os especialistas. Mas como se explica que num país em crise e com a classe média a deslizar para baixa, os bancos apresentem lucros tão..., tão..., confortáveis? Estarão em "crise de crescimento"?

terça-feira, maio 24, 2005

Desesperadamente em busca de nós:)

Se ainda continuam a comover-nos as desventuras e proezas daquele cavaleiro andrajoso de La Mancha é porque algo tão risível como a sua luta contra os moinhos de vento revela uma desesperada verdade da condição humana.

Ernesto Sabato, Resistir.

segunda-feira, maio 23, 2005

Amor perfeito

Vendo-o percorrer a sala como fera enjaulada à espera da execução; sentindo aquela gana de aproveitar o pretexto mais miserável para lhe cair em cima, qual ave de rapina com discussão no bico; esperando que o relógio trouxesse o alívio – ou a hecatombe… - quando o ponteiro das horas desse volta e meia, mais intervalo e descontos (ao que julgava saber…) – odiou-se, risonha.
Porque considerava o futebol um desporto estúpido e violento, mas, se o apreciasse!, não deixaria de apoiar a equipa da granítica cidade amada que ele – incoerente… - adorava. E no entanto, perante a sua angústia, tão infantil que as costas se lhe dobravam, envelhecidas, deu consigo a murmurar prece inacreditável, por alheia às misérias reais deste mundo,
- Meu Deus, faz com que o Benfica ganhe.
E o Senhor escutou-a, porque os amores felizes se vão tornando raros, para Sua enorme preocupação desgostosa. Mas preferiu manter-se clandestino e oficialmente respeitar a liberdade humana. Sabe Ele que mesmo assim todos Lhe pedem milagres, imaginem o que aconteceria se os distribuísse a eito! Fez o desafio terminar como tinha começado, ungido mas sem espalhafato.
Empatando, o Benfica ganhou.
Ele abraçou-a, com as rugas do medo alisadas por amor liberto, “gosto muito de ti, querida, vamos jantar fora?”. Ela pressentiu a mentira monogâmica. Amava-a; mas também a onze jogadores, mais os suplentes, a equipa técnica, a directiva e catorze milhões de cúmplices por esse mundo fora.
E que importava, se era a ela que sorria?
“Olá se vamos, e toma nota – o campeonato vai-te sair caro!”.
A noite foi tão boa que acariciou a hipótese de se tornar sócia do Benfica. Os regulamentos do clube contemplariam o estatuto de crente não praticante?

domingo, maio 22, 2005

Sem título

1) A jogar mal.
2) Com o pior plantel.
3) Mas...
4) Que bom!!!!!!!!!!!!!!!!!!:)))))))))))))))))))))))))))))))))))))))). Obrigado.

sábado, maio 21, 2005

21 anos depois.

Li com interesse o Expresso de hoje. O Professor Duarte Vilar decidiu escrever um artigo intitulado "A quem serve o medo?" em resposta à reportagem da semana passada e o Ministério da Educação publica um comentário à mesma. O Expresso complementa-os com um esclarecimento jornalístico, um editorial e um texto na rubrica "Máquina da Verdade".
O primeiro não passa de um "recuo em boa ordem".
O segundo brinda-nos com uma versão empobrecida dos argumentos de Santo Agostinho para condenar o sexo e termina com esta pérola: "Quanto às crianças, deixemo-las viver tranquilamente a idade da inocência. Na certeza de que não é daí que vêm os riscos: os comportamentos de risco têm causas sociais profundas e não decorrem da falta de informação". Dois coelhos de uma cajadada: a completa recusa de uma educação que não castre a dimensão sexual para ser completa - e não com objectivos "meramente" preventivos! - e a insinuação de que a informação não serve para nada, a pretexto das "causas sociais profundas". Ambas as afirmações denotam a mais absoluta ignorância acerca do desenvolvimento psicossexual e dos objectivos de uma educação global das crianças.
O terceiro, intitulado "Um ataque às crianças", é, digamos assim, o mais "emotivo". Insistindo em algumas das falsidades denunciadas nos artigos do Professor Duarte Vilar e do Ministério da Educação, junta-lhes a deselegância a céu aberto: "...esta gente que destrói completamente a ideia de amor (ou de qualquer relacionamento emocional) nas relações sexuais, o que é um atentado a todas as pessoas saudáveis".
"Esta gente"... A acusação é falsa, obviamente! Mas o estilo diz tudo sobre o respeito pelos outros, crianças ou adultos. Por que não gentalha? Perversos? Criminosos? O autor prefere outra expressão: "Parecem burocratas saídos do 1984 de George Orwell". E eu sorrio com tristeza. 1984... A Lei de Educação Sexual foi aprovada nessa altura.
Estamos em 2005...

Presságio para o meu Benfica:(?

Cantelães, o sol faltou à chamada. Acabo um conto da Inês Pedrosa, de quem tenho saudades.

"Talvez para morrer eu precise do amor e da família. Mas para acabar de viver, só´preciso de ti, desta febre azul a que os outros chamam só sexo".

Bonito, rapariga:). E verdadeiro, decretamos com demasiada facilidade "só sexo" momentos abençoados que regressam em noites solitárias ou autocarros à pinha.

E o sol que teima em não despontar...

sexta-feira, maio 20, 2005

Alguém pediu Éluard?

É forçoso acreditar nisso


Os jogos dessas estranhas crianças que são as nossas
Brincadeiras simples que lhes transformam os olhos em maravilhas
Repletos de uma febre que os aproxima e os afasta
Do mundo em que sonhamos deixar aos outros o nosso lugar


As brincadeiras de azul e de nuvens
De coisas delicadas e correrias à dimensão de um coração futuro
Que jamais será culpado
Os olhos dessas crianças que são os nossos olhos antigos


Tivemos um encanto como as fadas jamais tiveram.

quinta-feira, maio 19, 2005

Esclarecimento

No Sábado passado, o meu nome era citado no Expresso a propósito de uma reportagem sobre Educação Sexual. Desconheço se o Professor Doutor Duarte Vilar e a Dra Susana Cardoso tiveram - ou vão ter… - alguma reacção à pequena parte do texto que nos dizia respeito. Eu não posso evitar fazê-lo, pois fui abordado por um Jornal on line e por uma rádio. Assim:
1) Em 1994 ou 1995 a Universidade Aberta pediu-me que coordenasse um livro sobre Educação Sexual. Tendo aceite, convidei para colaborarem comigo o então Dr. Duarte Vilar e a Dra. Susana Cardoso, pela reconhecida competência de ambos na matéria.
2) O livro foi publicado em 1996.
3) Na nota prévia pode ler-se: “Este texto pretende ir ao encontro de necessidades de formação de professores ou outros profissionais a quem caiba a tarefa de implementar programas de educação sexual para crianças e jovens, fornecendo oportunidades de reflexão e sugestões de actuação em domínio controverso e não imune a sistemas de valores diferentes, que abrem margem a opções variadas”.
4) Não se tratava, portanto, de um Manual de Educação Sexual destinado ao “terreno”. Devo acrescentar que, se neste momento existem livros desse tipo da responsabilidade do Ministério da Educação, os desconheço. Ficaria surpreendido, mas o meu afastamento de anos da área da Educação Sexual na Escola pode estar na raiz de tal ignorância.
5) O capítulo 5 tinha por título “Objectivos e conteúdos de educação sexual nas diferentes fases do desenvolvimento psicossexual”.
6) A dada altura, nele se escrevia (página 84): “A actividade de auto-estimulação também não tem a intencionalidade erótica que progressivamente vai adquirindo e assume na pós-puberdade. É, no entanto, fonte de prazer e por isso também de culpabilidade, pela associação, na educação tradicional, de mensagens negativas sobre o prazer sexual e a masturbação em particular. Esta é mais precoce nos rapazes e mais dissimulada, e não consciencializada, nas raparigas, as quais, também por razões anatómicas, exploram menos frequente e directamente os órgãos sexuais”.
7) O parágrafo poderia ser meu. Quem me conhece, sabe que, pela diferença referida no primeiro período em relação à pós-puberdade, prefiro falar de auto-estimulação infantil e não de masturbação, palavra demasiado “adultomorfa”. À época a minha posição era claramente minoritária e não me admiraria se continuasse a ser. De qualquer forma, o texto não deixa a mínima dúvida sobre o carácter exploratório da auto-estimulação.
8) Na página 88, aparece a frase polémica, para quem não leu o livro. Num sub-capítulo dedicado a “Expressões de Sexualidade”, e que segue em linhas gerais Lopez Sanchez do país vizinho, enumeram-se “Conteúdos específicos/objectivos específicos”. O segundo ponto da alínea 1 (“Comportamentos sexuais”) reza o seguinte: “Aprender a realizar a masturbação, se existir, na privacidade”.
9) Ou seja: se não existir…, não existiu! (O que constitui, de resto, a excepção, atendendo à enorme frequência do comportamento, como qualquer adulto que acompanhe o crescimento de crianças sabe). Se existir, será necessário explicar à criança que tal actividade não deve ser pública. Muitos de nós, aliás, já se depararam com diálogos difíceis. Por exemplo, quando a criança nos dispara um “se não tem mal por que não o posso fazer em casa de X?”.
10) As duas linhas referidas, mesmo descontextualizadas!, não abrigam nenhuma intenção, aberta ou encapotada, de ensinar a auto-estimulação às crianças. As quais, de resto, dispensam qualquer tipo de ensino ao nível da exploração do corpo na infância...
11) Posso compreender a perplexidade e preocupação de muitos, perante o alarido que lhes foi depositado no colo. Esses, são o motivo do meu esclarecimento. E não outros, que deliberada e desesperadamente procuram turvar as águas de uma discussão que agradece as mais diversas contribuições, como salientado no ponto 3.
12) Fui sensível à gentileza com que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa abordou o artigo e as pessoas nele mencionadas. Não se tratou de uma surpresa, mas é reconfortante verificar que se pode colocar reticências sem ferir a idoneidade pessoal e científica de outrem.
13) No que me diz respeito, o episódio terminou aqui.

Os 40 anos da D.Quixote

A D.Quixote faz quarenta anos e pediu-me um texto para uma colectânea comemorativa. Única "condição" - o número quarenta. Aí vai o meu rascunho:)



História de um rapaz com sorte



O sonho que o animava era demasiado opulento para que o pudesse desenhar sentado. Percorria a sala de lés a lés, passada larga e decidida, as inevitáveis paredes faziam-no girar 180 graus com o impulso do nadador que encontra o fim da piscina. Os olhos saltitavam entre absortos alcatifados e um êxtase celestial indiferente à fronteira espessa do tecto. Mas os braços eram os reis incontestados daquela agitação – se descontarmos a boca, de que falarei mais adiante –, gesticulavam em todas as direcções, como se interpelassem enorme audiência circular e não uma única pessoa. Curioso era verificar que o transe não comprometia o brilho dos sapatos italianos, o hirto vinco das calças que neles repousavam, os ombros batoteiros do casaco, a gravata de cara distinção, a risca do cabelo orvalhado. Parecia o homem da Regisconta, de súbito convertido a uma outra religião comercial.
Pois, a boca. Obrigada a pisar o acelerador para acompanhar o débito veloz do discurso, arranjava ainda tempo para trejeitos de desprezo quando se referia à concorrência e sonoros beijos na ponta dos dedos, extasiados pela grandeza futura. As palavras, embora ricas em metáforas, de impecáveis acordes gramaticais e traindo muitos ensaios de dicção, poderiam, sem ofensa, resumir-se a uma: sucesso. Porque o sucesso – não o seu, claro! – o obcecava e impelia na descrição impetuosa dos caminhos que a ele conduziriam. Na realidade, inebriado pelo vinho da própria crença, apercebeu-se da pobreza raquítica do termo, substituindo-o por triunfo, o que lhe permitiu fazer humor à custa de velhinha marca de bolachas.
(Sim, porque a graça leve e atempada distende o ambiente em geral e as potenciais vítimas em particular, por um momento recordou longínquo curso de formação para vendedor de colchões ortopédicos e as palavras do especialista, nédio e com unhas sebentas: “façam-nos rir e estão no papo”.)
Suspirou, nostálgico. O caminho fora longo; de vendedor de colchões miraculosos iguais aos outros até agente de vedetas internacionais que chegavam a pisar os palcos cosmopolitas de Vigo, Badajoz e Ayamonte. Mas não se atardou no suspiro, poderia ser interpretado como desalento ou cansaço, estados de alma e físico proibidos, por contagiosos.
Feriu o rapaz com olhar penetrante e disparou,
- Então?
O jovem acordou da trip sem drogas que o levara em digressões triunfantes por todo o mundo. E já lhe provocava até no braço, por antecipação, a cãibra de escritor devida a quem se esgota a dar autógrafos. Rodeado pelos gritinhos histéricos das fãs, antes de mergulhar no corpo a céu aberto de uma qualquer roadie fiel.
Uma última pergunta, de resposta obrigatória,
- Acha mesmo isso?
E o artista que vivia de artistas respondeu, solene,
- Meu caro, salvo as devidas comparações, sinto-me como o Brian Epstein quando foi à Tavern em Liverpool ouvir os Beatles.
Estendeu-lhe o papel.
O puto assinou.
Depois, fantasiando encores futuros para calar a consciência que rosnava, pegou no telefone para falar aos outros. Que atenderam sem suspeita. E ele, apressando as palavras e o fim da conversa,
(aliás monólogo!)
- Gente, decidi-me por uma carreira a solo.
E desligou. Do outro lado, só o pousar do telefone interrompeu um silêncio pesado mas não surpreendido.
Encontraram-se no palco. A raiva dos outros e a sua vergonha deram as mãos, numa estranha alquimia da qual resultou um concerto de brutal intensidade, a fazer lembrar o Tonight’s the Night de Neil Young e os Crazy Horse, que todos idolatravam.
Nunca mais se viram. E o rapaz teve sorte. Num bar pífio de Benavente foi escutado e redescoberto por um agente inglês, que se vira obrigado a passar a noite no Parador por o carro o trair na auto-estrada Corunha-Madrid. Umas centenas de euros compraram as reticências – e o contrato… - do homem da Regisconta. Já não voltou a Portugal, seguiu para o mundo. Não repetiu os Beatles, mas fez sucesso longo e endinheirado, muito para além da raia.
E contudo, anos e êxitos passados, se lhe perguntavam qual o melhor concerto da sua vida, respondia sem hesitação,
- O último dos Ali Babá e os Quarenta Ladrões.
(Os outros nunca responderam aos telefonemas que lhes fazia de camarins solitários, amavam-no de mais para lhe perdoar…).

quarta-feira, maio 18, 2005

À boleia da Cláudia e de Lobo Antunes

1) Não acredito na felicidade, “apenas” em momentos felizes.
2) Se fôssemos felizes de um modo “estável” não creio que morrêssemos de saudades de uma pequena desgraça salvadora:). Acho mais provável que a avidez nos impelisse para o desejo de um outro nível de felicidade, a verdadeira, a da Bayer! (talvez à custa da obtenção de bens materiais, como é próprio de uma sociedade de consumo).
3) Se alguns de nós ficam, com efeito, atrapalhados com a dádiva sem expectativas de outros, é bom não esquecer quem se aproveita de tal facto para guardar no bolso todo o poder de uma relação.
4) A ideia da felicidade como “estado” acarreta dentro de si uma fantasia angustiante – quando desceremos desse “top of the world”?
5) Na minha profissão deparo-me com certas dúvidas. Pessoas que vivem relações com vento de feição e mares calmos e começam a interrogar-se: “estou feliz ou acomodada?”. No geral porque identificam a felicidade a níveis de adrenalina incompatíveis com aquele suave navegar. O envelhecimento costuma trazer uma visão diversa da questão, mas também ela propícia a uma boa discussão – tornamo-nos mais sábios ou baixamos as nossas expectativas?:)

terça-feira, maio 17, 2005

Não quero a Maite triste:)

E este?

Número seis

beija-me despe-me faz de mim o que quer
estou bêbeda tudo anda à roda tenho de ir
à casa de banho duas vezes para não lhe vomitar em cima

vai-se embora cedo a toda a pressa não há despedida
nota justificativa ou telefone de contacto só dúvidas
todos os homens são príncipes às cinco da manhã

todas as putas são tu quando acordas e não há ninguém.

Pablo García Casado.

Pronto, Sofia:)

Ao Nuno Júdice


O poema acabado é uma insónia
Uma tribo de verbos uma crina
Que se estende no cheiro desta amónia
E queima em cada verso uma narina

Do poeta metido entre o desgosto
que as palavras trazem todas na algibeira.
Difícil é tapar o próprio rosto
Sem meter os dedos na fogueira

Acesa pela harpa dos sentidos
Esticados como um leque de varetas
Que tornam os poetas pervertidos
E fazem a loucura dos poetas.

Joaquim Pessoa.

segunda-feira, maio 16, 2005

Ah, a ameaçadora fantasia:)

Tissot, 1759, sobre a masturbação: "Os homens sujeitam-se a falsas necessidades, e tal é o caso dos dependentes da masturbação. São a imaginação e o hábito que os aprisionam; não é a Natureza".

domingo, maio 15, 2005

De volta ao trabalho

Depois de roer as unhas!. A estrelinha acompanhou-nos, só desejo que connheça o caminho para o Bessa e não falte ao encontro:).

Preparo um programa sobre fantasias eróticas. Leio posições feministas que analisam o perigo de "fantasias de submissão" por parte das mulheres. Sheila Jeffreys: "Se a opressão te excita será muito mais difícil combatê-la". Para outras autoras, o sexo é uma área de jogo em que tudo é permitido, desde que não desague em práticas quotidianas. Dou o exemplo que sempre faz aquecer as discussões: pode uma mulher sentir prazer ao "levar à cena erótica" uma fantasia de submissão com um homem sem se tornar cúmplice da ordem patriarcal que rejeita e eventualmente combate?

sábado, maio 14, 2005

Prognósticos só no fim do jogo? Ná!

Aqui vai um. À prova de bala e de tudo. Ou seja: árbitro vesgo, fiscais de linha míopes, banho de bola, falhanço escandaloso de baliza aberta, enorme frango que encha a capoeira, alegria surpreendida, tristeza conformada, trave madrasta, festejos incrédulos de tão adiados, mais dez anos de espera, derrota na secretaria, vitória injusta, proibição pura e simples do futebol - amanhã continuarei a ser do Benfica:).

sexta-feira, maio 13, 2005

Deformação profissional:)

Dois ou três comentários (?) à frase de ontem levaram-me direitinho às considerações do Dr. Allen Gomes sobre o exibicionismo, em A Sexologia: "...exposição dos órgãos genitais do indivíduo a uma pessoa estranha. Por vezes, o sujeito masturba-se enquanto se expõe (ou enquanto fantasia expor-se)"; "Nalguns casos o sujeito está ciente de um desejo de surpreender ou chocar o observador"; "... o acto exibicionista é uma manifestação grotesca de poder sexual".

Adiante.

Ao Fim


Ao fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.


Amalia Bautista.

quinta-feira, maio 12, 2005

Dilatando o tema

Sem auto-confiança somos como bebés num berço. E como podemos gerar o mais depressa possível esta imponderável e contudo tão incalculável qualidade? Pensando que outras pessoas nos são inferiores.

Virginia Woolf, A Room of One's Own.

quarta-feira, maio 11, 2005

A poesia di-lo melhor:)

Retrato de mulher


Sobre o seu rosto não fora só o tempo que passara, também as cabras ali pisaram fundo. Era difícil, era impossível distingui-la da própria terra: velha, seca, esboroando-se à passagem do vento. Portuguesa, de tão pobre.

Eugénio de Andrade, Memória doutro rio.

terça-feira, maio 10, 2005

Como prometido

Aqui está o texto que li na apresentação do livro coordenado pela Professora Lígia Amâncio:

É um prazer colaborar no lançamento de um livro organizado por uma pessoa que sempre me despertou simpatia pessoal – facto de vantagem curricular muito duvidosa… - e o respeito que me leva a citá-la com frequência, pela importância de que o seu trabalho se reveste no nosso panorama científico. Prazer reforçado pelo facto de se tratar da resultante de um esforço de equipa, hábito obrigatório que ainda encontra incríveis dificuldades em país cioso das suas capelinhas e invejas. Erro tremendo, só a multiplicidade dos olhares constrói objectos de estudo mais nítidos ou até, sejamos megalómanos!, quase verdadeiros.
Permitam que confesse um favoritismo descarado por palavra do sub-título: masculinidades. Porque são os plurais a aflorar o real, todo o singular acarreta a generalização que transforma pessoas em números e estereotipos. Que aprendemos a ser homens masculinos começa a ser - finalmente… - consensual. Nem sempre foi assim. A masculinidade, constitucional, imutável, indiscutível - quando não invisível… -, tem sido ponto de referência padrão e símbolo milenar de poder fálico e patriarcal. E isto apesar da constante obsessão em a provar, o que só pode traduzir a fragilidade e insegurança de quem, consciente ou inconscientemente, se teme e confirma efémero, no seu exibicionismo especular e competitivo.
Os estudos sobre a masculinidade surgiram a reboque dos de género, centrados sobre as mulheres, seres estranhos e imprevisíveis, definidos em relação à norma, em teoria assexuada mas silenciosamente masculina. E, por arrastamento, de uma libertação feminina que punha em causa valores e práticas simbolizadas pelo cow-boy da Marlboro e por um John Wayne omnipresente nos meus queridos westerns da adolescência. Sim, porque oficialmente todos éramos – ou seríamos no futuro… - como eles: monolíticos, pétreos, seres racionais que escondiam e calavam o amor e se orgulhavam disso. Lembremos esse Shane, desempenhado por Alan Ladd, desaparecendo no horizonte, aterrorizado pela presença – nem sequer a exigência… - dos afectos de mulher e criança. Só faltava no argumento de tão mítico filme que também um homossexual fosse rejeitado, para que os critérios major da construção da masculinidade estivessem completos…
Como bem salienta a Professora Lígia Amâncio, os problemas permanecem ao nível das relações de poder, de produção e emocionais. E ao nível da comparação e opressão das masculinidades, veja-se o artigo do Expresso da semana passada sobre Forças Armadas portuguesas e homossexuais. Quase admirável, na sua honestidade paleolítica e cruel, sublinha o que outros calam por estratégia: aprendemos a ser um determinado tipo de homem, lançando os outros para a cumplicidade ou marginalização. O destino dos primeiros, sob certos aspectos, não é melhor. Tornam-se vitoriosos à custa da auto-mutilação…
Os processos discriminatórios surgem, por exemplo, no local de trabalho, como exemplarmente demonstra o Dr. António Marques. A quem reencontro com satisfação, depois de ter tido o privilégio de acompanhar no passado as suas provas académicas, que suportou com inegável brilho. Das áreas referidas, permito-me salientar a Cirurgia. Porque a comparação diária não é apenas com as mulheres que nela se aventuram ou com uma futura cirurgia “feminizada e descaracterizada”. Mas também com as outras especialidades médicas, vistas como secundárias e de apoio. O cirurgião goza de um estatuto fantasmático de prima dona que até no comportamento predador heterossexual se verifica, a “intimidade desculpabilizante” do bloco operatório é famosa na Medicina.
E se em Antropologia Médica chamamos a atenção para o estreitar do fosso entre as chamadas doenças de género, salientando as consequências da adopção pelas mulheres de estilos de vida considerados mais “masculinos”, seria ingénuo negar a associação risco/masculinidade que muitas vezes conduz a verdadeiros comportamentos ordálicos. A Dra. Ana Laranjeira tem razão, e o povo também: um homem que não é homem não é nada. Nem homem, nem par do grupo, cuja rejeição é mais temida que tudo o resto. Incluindo todo o género de rituais de passagem, sejam eles ridículos, sádicos ou dolorosos.
Afinal as mesmas águas em que se move a Dra. Teresa Martinho, cujo título me trouxe à memória uma velha canção dos Eagles, dedicada a James Dean: “Too fast to live, too young to die”. Não será a minimização do risco uma visão compensatória megalómana da insegurança de que falava atrás? E se o risco é minimizado na estrada e ao volante, como o não seria na pedra de toque da masculinidade, o sexo? Minimizada é também por muito boa gente a sobrevivência do duplo-padrão, condicionado ou não, assente no “constitucional e tirânico” desejo masculino. A pressão é tão forte que os comportamentos de risco resistem à melhoria dos conhecimentos. O que não acontece nas raparigas. Ou, na maior parte dos casos, não aconteceria!, pois conhecimentos e boas intenções de pouco lhes valem, face à assimetria de poder ainda existente em muitas relações.
O meu bom amigo Vasco Prazeres prossegue, de certo modo, o tema da Dra. Ana Laranjeira, ao abordar as vertentes da Prevenção e Promoção de Saúde. Sempre desvalorizadas na ideologia médica, fortemente curativa, intervencionista, espectacular, numa palavra – masculina. E chama a atenção para as diferenças nas taxas de mortalidade e morbilidade e para o perigo de considerarmos constitucionais diferenças que relevam dos comportamentos. Bastará recordar os acidentes de viação que enchem serviços de urgência e traumatologia, para não falar dos cemitérios. Ou as doenças sexualmente transmissíveis, que por factores biológicos e sociais penalizam mais as mulheres. E foi com deleite que o vi citar o meu estimado Laqueur, sempre lúcido a discorrer sobre a facilidade com que Ciência e Medicina “ignoram o entrave dos factos”. Também importante a verificação por Choquet e Ladoux do aumento nos dois sexos dos problemas “tipicamente masculinos”, ao contrário dos “tipicamente femininos”. Não admira, o metro-padrão da liberdade e cidadania veste calças…
Os Serviços, esses, perpetuam as diferenças, pouco sensíveis às relações entre Cultura, Género e Saúde. E não só Género!, as mulheres, minoria maioritária, partilham com outras as desvantagens ao nível dos Sistemas de Saúde. Ouçamos Eisler e Hersen, no prefácio da obra colectiva que dedicam ao tema: “Diferentes grupos de pessoas percebem, avaliam e lidam com os tópicos da Saúde a partir das suas próprias perspectivas culturais. Assim, a qualidade e a eficácia das actividades de Prevenção e Promoção da Saúde dependem da nossa compreensão da forma como o género, a etnia, a idade e a orientação sexual estão relacionadas com as práticas de saúde e os seus resultados”. Quantos Serviços, melhor!, quanta Medicina pensa a relação entre o seu agir e as assimetrias do imaginário cultural que acarretam as da morbilidade? A resposta não é reconfortante…
E o círculo fecha-se na juventude, em que tudo começa. Não raras vezes por responsabilidade materna, também a feminilidade, além de submissa, é cúmplice, costumo dizer que muitos machismos são como a hemofilia – habitam os homens, mas foram transmitidos pelas mulheres. O poder é por definição relacional e a violência não passa de um bilhete de identidade extremo, sobretudo em espaços públicos e contra as mulheres e os homens “não alinhados”, tentativa absurda de ser alguém pela humilhação de um “outro” considerado inferior. “Outro”, que se for rapaz, tem grandes hipóteses de se tornar cúmplice, que mais não seja por recear a rejeição do todo-poderoso grupo. As instituições educativas não podem ficar indiferentes à perpetuação de tais comportamentos, sobretudo por a violência ser considerada “natural”, até no seio das relações afectivas, Koss e Hoffman escrevem que “a violência por parceiro íntimo é um problema de saúde global para as mulheres, pois estudos em 35 países demonstram que entre 25 e 50% das mulheres foram vítimas dessa violência”. Para cúmulo, e como o Dr. Carlos Barbosa sublinha, trata-se de uma “violência imperfeita”, que só demonstra a artificialidade das hierarquias sustentadas, a Escola é um caso particular da tragédia que subjaz a toda a violência de género.
A Professora Lígia Amâncio regressa a Simone de Beauvoir nas conclusões e com justiça. Porque os homens também não nascem, tornam-se. E muitas mulheres confundem até liberdade com adopção dos comportamentos do sujeito masculino, por ser quase impensável inventar outros trajectos além dos conhecidos. É realmente preciso tomar consciência do problema e adquirir instrumentos para o resolver. Quanto à esperança da Professora Lígia Amâncio sobre esta obra, ela denuncia excesso de modéstia. Se o livro não lhe transportasse o nome, estou certo que não hesitaria em reconhecer-lhe – como o faço eu! – o indiscutível valor.

segunda-feira, maio 09, 2005

Boa noite, maralhal.

O Silêncio


Quando a ternura
parece já o seu ofício fatigada,

e o sono, a mais ncerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade, Obscuro Domínio.

domingo, maio 08, 2005

Violência de género

Regressei - contrariado... - de Cantelães. Acabo um texto para a apresentação de um livro sobre Masculinidades, coordenado pela Professora Lígia Amâncio. Deixo-vos uma frase sobre o último capítulo:

"E o círculo fecha-se na juventude, em que tudo começa. Não raras vezes por responsabilidade materna. Também a feminilidade, além de submissa, é cúmplice, costumo dizer que muitos machismos são como a hemofilia – habitam os homens, mas foram transmitidos pelas mulheres".


Sim ou não?

sábado, maio 07, 2005

Professor Karmachado

EU NÂO DISSE??????????????????

Consultas sobre super-liga, referendos europeus e eleições autárquicas a preços módicos:).

Agora a sério: não será de bom tom invocar os dois penaltis que penso terem ficado por marcar, esta equipa não joga o suficiente para ser campeã e ponto final. (Manterei esta opinião se ganharmos os próximos jogos.)

Blogger agoirento:)

1) Tive pesadelos tão variados que me fizeram lembrar os acepipes do velho Hotel do Porto.
2) Já não consegui o Expresso em Vieira.
3) Em nenhum dos cafés arranjei um sumo de laranja natural.
4) O tempo piora a olhos vistos.
5) Não consegui escrever uma linha.
6) Nem marimbar-me saudavelmente para tal facto:(. Carago!, é fim de semana...
7) A Senhora da Fé estava fechada.

Vai daí...

Não me liberto de um mau pressentimento sobre o Benfica!:).

PS1 - A frase "déjà-vu sinistro que adivinho no teu amor" relacionava-se com a hipótese de repetir um padrão destrutivo em sucessivas relações. Deveria ter escrito "nosso amor".

PS2 - Pobre Perestrelo.

sexta-feira, maio 06, 2005

De regresso

A estrada. Sempre a amei, sabes? Quando o cansaço já aperta e o rádio canta uns decibéis exagerados, os reflexos permanecem agudos mas distraídos; um outro, cá dentro, fecha para balanço. Memórias e sonhos disputam o palco, os quilómetros são engolidos num estado crepuscular, como se me visse guiar enovelado no banco de trás (espero que a Brigada de Trânsito não leia isto!). Asfalto; meter gasolina; água em fonte para a boca e chuveiro na cara; sanduíches plastificadas dentro do prazo e fora do gosto; mais asfalto; meia-dúzia de passos numa área de repouso…, não!, apenas três, que estou com pressa.
De fechar com truques contabilísticos o balanço. E abrir os braços de um coração amnésico ao déjà-vu sinistro que adivinho no teu amor.

quinta-feira, maio 05, 2005

Opinião de aprendiz

Como sabem, não tinha qualquer experiência neste "mundo blogueiro", sou um aprendiz. Mas desconfio que muito do que vejo "living in the material world" (isto é George Harrison:)))) se aplica. A lua de mel no Murcon finou-se. Vocês já não acham toda a gente porreiríssima, alguns partiram mesmo, outros só espreitam mas não piam. Não é uma tragédia, apenas o fim de uma idealização sememlhante à da paixão. Entramos em velocidade de cruzeiro: com defeitos, amuos, reconciliações. Teremos descido um degrau? É, no mínimo, discutível, de imagens e projecções passamos a pessoas de carne e osso (bem, na medida do possível na "blogosfera"). Eu não estou desiludido, nem considero que esta lua de fel para alguns seja necessariamente definitiva. Não posso fazer nada a não ser "postar". Nem quereria!, desde o início declarei que me limito a partilhar ruminações. Vejo-me como um pretexto para o exercício das vossas liberdades, jamais como um aprendiz de feiticeiro que tentasse orientar-lhes os passos.

quarta-feira, maio 04, 2005

Com um obrigado à Maite

Mas claro qur vocês conseguem "cheer me up":)!, por alguma razão venho religiosamente todos os dias. Acontece que decidi escrever um livro sobre os Machado Vaz de hoje, ontem e anteontem para o deixar aos de hoje e amanhã. Certos nacos de prosa fazem reviver sorrisos que pensava mortos, mas outros empurram lágrimas impensáveis, pois se nos ensinaram que os homens não choram!:) (pouco...).

Entretanto para distrair:

Maria,
Escrevo entre duas aulas. Entre o passado e o futuro. Entre nós e eu e tu. Entre ti e outra mulher. Ameaça? Claro que não, Maria, pura lógica. Ora vê: ambos com 33 anos, achas que ficaremos crucificados na solidão? O meu psi até empregou uma expressão "técnica", disse que vivemos tempos de monogamia seriada, atrás de nós virão outros nós para nós (a propósito de monogamia - ele acredita que nunca te enganei. E olha que o gajo deve ser bom, a julgar pelo preço das consultas!). Mas Maria, será mesmo inevitável? Se é esta uma forma tortuosa de por fim confessar que te amo? Bom, como não decidi se te envio a carta, posso responder. Talvez te ame e muito. Afinal não consigo dormir, o apetite foi-se - excepto o sexual por ti, se permites a crueza -, embirro com toda a gente e dou aulas de merda. Talvez te ame, sim. Mas o verbo empanca na garganta e não sai, como estamos na Primavera não será um caso de rinite alérgica neuronal? O quê? Só se for Primavera todo o ano há três anos... Pois. Deixemos isso! Há palavras mais leves, até duvidosas, e no entanto úteis. Preguiça, por exemplo. Sim, Maria, preguiça. Imagina-te com o eu depois de mim. Já pensaste na trabalheira que terás para construir uma intimidade como a nossa? Lembras-te, foste tu a ensinar-me a canção - "pra melhor está bem, está bem; pra pior está bem assim". Aí está. Fiquemos juntos por preguiça, Maria. O amor, a ternura ou o raio que nos parta que nos une é difícil de encontrar, mais ainda de manter vivo. Pensa bem, Maria, pensa muito bem.
Sobretudo porque decidi não enviar esta carta. Por orgulho? Nem pensar! Por escrupuloso respeito pela tua liberdade de decisão...

terça-feira, maio 03, 2005

O álibi

Cantelães, fim de tarde. A casa vazia destila calma enganadora. No centro da mesa virada para a Cabreira brilha resma de papel. Branquíssimo!; não por ter sido lavado com o detergente da moda, mas de tão vazio. A caneta aguarda, numa obediência trocista. O braço idem aspas, o traidor... Os neurónios todos se afadigam, na procura de resposta a pergunta assassina: "conseguirei escrever sobre "isto"?".
A cobardia. A inveja da coragem fatalista de Gary Cooper, rua e fantasmas abaixo, em "O comboio apitou três vezes".
O suspiro desencantado.
O álibi - escrevo depois do Liverpool-Chelsea.
A certeza - a angústia adiada sempre cresce alegremente...

segunda-feira, maio 02, 2005

O caso das molduras escandalizadas

Nós, as fotografias que ladeiam a ontem citada pelo Murcon, vimos por este meio alertar o maralhal para a injustiça cometida. De acordo, era o Dia da Mãe; de acordo, falar nela e não no Pai seria de um mau gosto a roçar a obscenidade. Mas..., e nós? Mostramos acaso gente menos importante? O que seria do pobre diabo sem os filhos, que não se limitaram a gostar dele em fins de semana decretados por tribunal e aparências ou férias breves para algarvio à cata de camones endinheiradas ver? A ingratidão brada aos céus! Os rapazes acompanharam-no em apartamentos minúsculos e húmidos, depois em T2 caótico, ultimamente no refúgio pouco excitante de Cantelães. Aturaram-lhe manias e melancolias, hotéis e capitéis, zangas e tangas; mundos e fundos. À custa deles permaneceu à tona. E nem uma palavra? Pois que se dane! Quando entrar pela janela da varanda uma rabanada de vento amargo, cairemos em estilhaços, recusando-lhe os braços. Puxaremos para cima um cobertor de pó, é o que não falta! E cobertas e às escuras, veremos como sobrevive só...

domingo, maio 01, 2005

Dia da Mãe

Venho de dar um beijo à minha. Sofre de Alzheimer, infelizmente estou certo que vários de vocês dirão o mesmo. Já não conheceu os bisnetos como tal, não viu Cantelães crescer, a dama de companhia é hoje a única pessoa a despertar-lhe a atenção (e é mais do que justo!, pela forma como a trata). Minha Mãe foi o colo - severo e doce... - de todos os Machado Vaz ao longo da vida. Recordo-lhe o riso aberto e franco, a força de vontade inquebrantável, a inteligência aguda de auto-didacta, a timidez que vencia no palco, a mão protectora que acariciava cabelos como a de ninguém. Quando balbucia palavras sem nexo, não evito a sensação de que um resto dela se debate lá no fundo, tentando ainda ajudar o filho. Visito-a menos do que devia, assim tentando evitar saudade e medo. Egoísmo perdedor... Porque a saudade cresce com os anos e o medo de acabar como ela, morto antes da morte, também. À minha esquerda, uma fotografia dos tempos de namoro com meu Pai. Apúlia. Uma rapariguinha séria de vinte e seis e um homem de quarenta que devia estar muito apaixonado para se passear de fato e gravata pela areia, ele!, que odiava cordialmente a natureza:). Um amor improvável que durou cinquenta anos. E que se algumas vezes me fez sentir excluído, nunca me deixou dúvidas sobre o enorme privilégio que foi assistir à sua sobrevivência a todos os escolhos - e não foram poucos... - que a vida lhe reservou.
Bons dias das Mães, maralhal, não gosto de encafuar os sentimentos em dias certos.