sábado, dezembro 31, 2005

O prometido é devido! Sai do baú velharia solidária com a Sical:).

Despedida




Acordou cedo e definitivamente. Ofereceu-se preguiça longa na banheira, talvez os músculos empertigados cedessem ao calor da água... Derrota assumida, contribuiu para a saúde financeira da indústria farmacêutica engolindo um calmante. Desceu. Na cozinha, o rafeiro exibia cauda solidariamente de rastos, fez-lhe carícia grata. O céu de chumbo autorizou um desabafo esperançado - “merda de tempo!” -, mas o quisto cinzento do peito resistiu à lanceta do palavrão. Dobrou a dose de café e partiu ao meio a dieta, demolindo um naco de queijo da serra (por coerência gastronómica e triste avidez ensopado num cálice de Porto). A seguir, preparou-lhe o pequeno almoço com obsessivo requinte, enrugando a toalha para escapar ao seu “nada de últimas refeições perfeitas, ninguém vai morrer!”.
Literal e completamente não, mas cada despedida era um inferno. Quando o pai desaparecera, sem carta sinuosa, porrada velha ou aceno da mão ainda vestida de aliança, o pirralho ouvira, olhos secos, a explicação titubeante de mãe atarantada. E seca fora a resposta, de uma calma gélida para a sua pouca idade – “deixa, eu tomo conta de ti”. Fazendo-o se tornara homem. Mais precisamente – o seu homem. Outros, que lhe tinham debicado a vida ao longo dos anos, nunca saltavam da cama para o coração, aí reinava ele. Apesar de repetir a si própria o que as mães sabem e ignoram - “é teu filho, mas não te pertence, vai crescer...”.
Tanto que Portugal fora curto para o seu voo e aterrara em Londres. Boa escolha: grande cidade para ele, duas míseras horas de avião para ela. Quando o visitava era menos doloroso, recebida de braços abertos mas sabendo que ali não pertencia, na sala de embarque podia fazer batota - “volto para a minha terra”. Mas com ele de regresso à parvónia as coisas mudavam de figura, o metro e oitenta de rapaz a caminho dos trinta não sobrevivia ao contágio de fotografias espalhadas pela casa, era de novo o seu menino. E os meninos não abandonam as mães no avião das sete.
Ouviu o chuveiro. Afivelou o sorriso de ocasião, só o despiria depois de o deixar no aeroporto. Ele desceu, gentil mas parco em palavras; cauteloso, como se temesse dar-lhe pretexto para despedida lacrimejante. Ao almoço, petisco favorito, retribuiu com o “está muito bom” da praxe. Disse-lhe para ir visitar os amigos, o carro estava à disposição, arrumações a fazer e o tempo..., “uma merda!” (o palavrão voltou a não surtir efeito). Agradeceu, já se despedira da malta na noite anterior. A que ela se agarrou como uma náufraga, fazendo perguntas sobre tudo e todos, do restaurante in da saison aos mexericos da movida e a teóricas aventuras – “como te portaste?; olha que telefono à inglesinha!”. Ele sorrindo, mestre na esquiva, em pano de fundo o Mozart que ambos amavam. D.Giovanni... O patife e o seu humor arrevesado!
A dúvida em contagem decrescente – aguento-me até partir? O aeroporto. A hesitação entre o desejo de um atraso que lhe concedesse mais uns minutos e a imperiosa necessidade de o ver pelas costas para o chorar. O abraço descontraído que ele impunha. Conhecia-o tão bem!, ao seu menino, esquivo nesses momentos por também sentir um nó na garganta. “Pisga-te já, ouviste?” E ela dizia que sim, mas ficava no carro até o avião atascado na pista se transformar primeiro em pássaro elegante e depois num ponto; longínquo mas não final.
Rumo a casa, embalando o medo - “é bem mais perigoso andar de automóvel”. Conceder-lhe uma hora a mais para bagagem e trajecto. O telefonema falsamente desprendido, “chegaste bem? Óptimo. Vê se descansas”. Depois, o mail pecaminoso que jamais teria resposta – “foi bom, querido, amo-te muito”. Só então ficou só. Um silêncio de tortura por estrear. Saiu para a varanda. Os espanta-espíritos, espantados com o furacão assolando o seu, dançavam enlouquecidos sem ponta de brisa como alibi. Sentada, abriu os diques - nem uma lágrima. De tão violentadas ao longo do dia tinham amuado e partido com o dono, clandestinas entre as gotas do after-shave.
Na manhã seguinte, ele fez a barba como de costume; e como de costume orvalhou a face com o até aí anónimo after-shave. Para descobrir que a pele não lhe ardia, mas ronronava sob carícias de mulher. Que o acompanharam, religiosa e diariamente, até ao regresso definitivo a Portugal.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Mais um...

Agora morreu o cinema Nun'Álvares:(. Dito à moda de Jorge Sampaio: existirá, daqui a algum tempo, vida para além dos Centros Comerciais?

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Também há finais felizes no baú:).

O puto




O puto chorava, num desamparo primaveril.
Olhou-o, aflito. Sem sombra de dúvidas – mil vezes o choro de mulher magoada! Por mais torrencial que seja, nele sempre viaja dedo acusador não definitivo, aberto a pontes e embarcadouros. Ali mesmo, na sala que agora guardava um minuto de silêncio, obsceno de tão longo, por sonhos infantis, vira ele rebentar muitas águas, fêmeas e não grávidas. E contudo cheias: de raiva, abandono, tristeza. Lembrou a rapariguinha loira de olhos resmungões e boca semi-cerrada como o coração dele – “se os homens fecham as comportas por medo de se diluírem na corrente, problema vosso; nenhuma mulher deseja imitar a pose do cow-boy da Marlboro, estamos na merda a tempo, corpo e alma inteiros”. Erro crasso, tê-la deixado partir...
Facto é que um homem tem por onde escolher: pede perdão sem admitir a falta ao espelho; regressa engolindo o orgulho; promete fazendo figas; arrisca ternura que considera mariquice; discute como adulto, refreando o adolescente ansioso por bater a porta; contra-ataca sem argumentos; rende-se! (encomendando o futuro ao Criador...). Não que seja fácil. Da estratégia de xadrezista gélido à fogachada nascida de cabeça quente, tudo acarreta preço e riscos. O choro delas enternece e agride, devasta rostos e sacode ombros, acirra o desejo oficialmente esquecido; tem a força de uma lava húmida que afoga e incendeia, como se um vulcão fêmea recusasse dor a solo.
Mas aquilo... Não havia acusação, esperança, raiva, saudades; ou hipótese. Sentia-se um espectador impotente, parte da mobília, como a estante superlotada e os sofás puídos; um estranho. Ou ladrão que à sorrelfa tivesse entrado para honestamente ganhar a vida, apenas receando alarmes ou cidadão com licença de porte de arma e nervoso ao gatilho; e se imobilizasse, face às lágrimas do garoto, dando consigo a gritar o impensável – “não há direito, chamem a polícia!”.
Inventar esponja ou alegria para aquele choro. Mas com cautela!, sem minar demasiado as regras da casa, bovinamente decalcadas das páginas ditatoriais dos especialistas, prontos a responsabilizarem educadores angustiados pelas catástrofes vindouras. Reviu mentalmente a lista de caprichos recusados, presentes adiados, castigos decretados. Obsessivo, tentou prever a reacção da ex-mulher, sempre disposta a puxar-lhe as orelhas ao telefone, “é preciso que lhe falemos a uma só voz!”. (Tarefa difícil para quem apenas estivera de acordo no desacordo, nunca deviam ter casado). Mas tentavam permanecer pais, o miúdo não tinha culpa de confusão frequente no tempo deles: tomar por amor com futuro um imperioso desejo sexual momentâneo.
Decidiu atacar o fogo com violação das regras alimentares vigentes.
- Queres ir ao MacDonald´s?
Surpreso ficou. O que não o impediu de enxugar as lágrimas rapidamente, não fosse o velho mudar de ideias ou algum vizinho de mesa aperceber-se da sua “fraqueza”. Mas o semblante permaneceu toldado.
Frente a frente. O pai refugiado numa saudável e destoante salada; o filho metodicamente demolindo um hamburguer organizado em propriedade horizontal, com nome a condizer – super-max qualquer coisa. Mais dose reforçada de batatas fritas, todos os molhos habitando saquetes luzidios e um refrigerante de cor tão berrante como as paredes. Para sobremesa, um gelado de apelido pontual – Sunday. A tudo resistiu o silêncio, mesmo à gratidão. Suspirou - a cabeça do rapaz não acompanhara o júbilo surpreendido do estômago. De regresso a casa, meia hora de bónus ao computador, já sem esperança. O toque de recolher, aceite sem os protestos da praxe.
Quando assim tristes, consentem mimos que já crismaram de vergonhosos para a idade. Aconchegou-lhe os lençóis e disse baixinho segredo por ambos conhecido,
- Gosto muito de ti.
Nenhum próximo adolescente que se preze responde a tal piroseira!
Chegado à porta, não resistiu a assumir o papel de oráculo optimista,
- Vais ver, para a semana o Benfica ganha.
Acusador, como o choro das mulheres,
- Tu não queres que isso aconteça, és portista!
O pai, digno, em defesa da honra ferida,
- Mas não fanático!
E o milagre, de que já desistira, aconteceu – o filho, não se dando sequer ao trabalho de discordar, desatou a rir à gargalhada.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Cêtê falou de melancolia...

... e eu lembrei-me de uma crónica que escrevi há muito tempo:).




Desmentido


Se disserem que parti, não acredites.
Quem? Sei lá! A senhora da mercearia entregando o troco, algum puto reguila que espere a teu lado o verde para atacar a passadeira, a locutora de seios fartos e neurónios raquíticos do programa da manhã, uma daquelas “amigas” que se esquecem de assinar as cartas ou pousam o auscultador antes de dizerem o nome. Sei lá...
Não acredites.
É verdade que o silêncio invadiu a nossa vida, já não me lembro de conversarmos. Pior!, já não me lembro se algum dia o fizemos. Hoje falamos. Pouco. Esgrimimos as palavras indispensáveis ao bom andamento das refeições, à partilha equitativa da televisão – quando não te refugias no quarto com a portátil -, ao ingresso matinal sem atropelos no quarto de banho. Extra-muros restam as de circunstância nas visitas às respectivas famílias e no almoço de curso, durante o qual sempre nos dedicam um brinde por sermos o casal perfeito da nossa geração. É pouco. Mas chega. Aposto que pensas o mesmo, há anos que te não ouço protesto ou remoque. Ultimamente, creio mesmo termos descido mais um degrau nesta ascese comunicativa, ambos utilizamos com frequência o grunhido como resposta, apenas a entoação dá a entender o seu significado. E funciona! (Vantagens de uma longa convivência...) Mas poderão insinuar que parti em busca de companhia que me desate a língua e ressuscite os ouvidos que para ti entraram em greve sine die.
Não acredites.
É verdade que os corpos seguiram as palavras. Primeiro refugiados num sexo mecânico e estereotipado em noites de dias certos. Não digo ineficaz, essa história sobre a necessidade do amor e da comunicação é balela de filmes românticos e especialistas gananciosos; uma vez aprendidos movimentos e ritmos, o prazer físico salta como o joelho no reflexo rotuliano, esteja a cabeça vazia ou cheia de outra pessoa. Sim, outra pessoa, nunca to disse. A princípio escondia-o, depois nunca estive tão furioso que desejasse lançar-to à cara. Nada de importante, uma colega do escritório. Colega? Que exagero! Umas pernas elegantes cruzadas na secretária junto à minha, a saia trepava apenas o suficiente para exasperar a carne, o mesmo acontecendo às profundezas do decote, o cabelo à Veronica Lake escondia-lhe a cara. Melhor, nunca desejei a intimidade de uma troca de olhares, muito menos “bons dias” sugestivamente alegres ou despedidas de prometedora melancolia ao fim da tarde. Tinha dela o que precisava. O resto só poderia ser uma desilusão ou o princípio de uma carga de trabalhos, passado o entusiasmo inicial essas histórias clandestinas são de um ridículo atroz. Colava a sua imagem à tua face, quando ainda era necessário obrigar o corpo a fingir de quando em vez. Felizmente, hoje o sexo também se esconde por trás de grunhidos e monossílabos, tu vais para a cama cedo ou sofres de enxaqueca, eu refugio-me na net ou no clube de bridge. Manobras de esquiva inúteis, nenhum de nós já espera nada, um dia destes passo para o quarto dos rapazes. (Quanto à importância do sexo, considero-a sobreavaliada, a masturbação chega-me perfeitamente para relaxar e adormecer.) Mas admito que sussurrem ter partido a reboque de alguma paixão outonal.
Não acredites.
É verdade que ao pôr a hipótese de invadir o quarto dos rapazes me assalta uma tristeza enorme, a casa parece – e está! – vazia sem eles. Acho que foram uma no man’s land entre nós, encontrávamo-nos os quatro algures entre as trincheiras desta mútua indiferença. E o armistício era de boa fé, dos seus risos sobravam alguns estilhaços que recolhíamos sem esperança ou rancor. As preocupações da moda com os adolescentes não nos punham ombro a ombro, mas pelo menos cruzando os dedos no mesmo exorcismo às drogas, acidentes de viação e fracassos escolares. Se um dia aparecerem, não acredito que tal aconteça com os netos, não voltaremos a estender os braços um para o outro, nem mesmo para segurar um bebé. Dito isto, é possível que digam ter eu esperado a sua partida para também fazer as malas.
Não acredites.
Vou simplesmente passar o dia à quinta, gosto de a saborear sem o peso da minha solidão reflectida na tua. Estarei em casa - como e para sempre... – à hora de jantar.


P.S. Como é óbvio, não se tratava de uma carta encapotada a Maria! Escrevo-lhe desde os doze anos e nunca o desencanto meteu o nariz em tal monólogo dialogante:)))))).

Bom dia, maralhal:).

Como me escreveu um de vocês:


A vida é isso que estas a ver:
Hoje sorris,
Amanhã não sorris,
E segunda-feira ninguém sabe o que será.

Carlos Drummond de Andrade.

Ou, em versão tripeira: siga a rusga:))))))))))))))).

terça-feira, dezembro 27, 2005

Até amanhã.

Obrigado pela compreensão, maralhal. Dizia um bom amigo meu, também psiquiatra, que sofro do "síndromo do filho único". Ou seja: alimento, de forma neurótica, fantasias acerca de muuuiiitos irmaozinhos à volta da mesa, amigos uns dos outros e a salvo de zangas pueris, quanto mais de maldade diplomada! Não digo tanto, mas o psi em mim aponta o dedo e diagnostica: "não andas longe...". Aceito o reparo que me foi feito por alguns de vós, esperei tempo de mais por uma acalmia que nada tinha de provável. Peço desculpa aos que aturaram o descambar da situação e fico grato a outros, que se afirmam dispostos a regressar. Lamento, mas compreendo que outros partam, desiludidos por um formato que lhes "proíbe" a comunicação imediata. O psi volta a rosnar: "esse horror às separações...". E tem razão. A vida é também feita de lutos, sofridos mas assumidos. Negá-los na cabeça ou - pior ainda! - acreditar poder iludi-los no concreto, equivale a deixar para trás novelos afectivos enrodilhados. Que nos continuam a assombrar, como os pássaros de Hitchcock nos fios eléctricos... Não imagino o futuro do Murcon, estarei cá amanhã e logo se verá. Boa noite.


Ver claro


Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede.

O Lobices tinha razão.

Como ele próprio esclareceu num comentário, nunca lha neguei. Mas o pensamento de cercear a absoluta liberdade de opinar(?) angustiava-me. Ao longo de dez meses, reflecti sobre posições diversas das minhas, sorri perante a brejeirice, fiquei grato pela ternura, aceitei caneladas "mazinhas", semelhantes a tantas outras com que fui mimoseado de há mais de vinte anos para cá. Tudo bem, são as regras do jogo. Mas o que li hoje de manhã está muitos degraus abaixo disso, descambou para o insulto puro e duro, que não me sinto na obrigação de aturar. A brejeirice, o desacordo, o alegre chat entre vocês permanecerão. Mas intervenções que me retirem por completo o prazer de visitar o meu próprio blog, isso não. Por isso mesmo - porque me dá gozo vir aqui e não o quero ver substituído pela náusea.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Lembrete.

Não confundir viagem e quilómetros. Fazer os indispensáveis para encontrar ramo adequado, provavelmente à sombra de uma qualquer igrejinha românica. E só então levantar voo, com doçura empurrado pela pedra ascética. Fundo, mais fundo, navegar por osso e raiz, surpreender a alma nua em cada prece reservada a Deus. Vesti-la do silêncio que emoldura o desejo e não o pudor. E sobretudo não a ofender com postais a tanto a meia-dúzia, fotos de telemóvel da última geração ou bugigangas de lojas de artesanato plastificado. Para que não fuja. Transformando-me num simples turista em busca de troféus culturais para exibir aos amigos, mortos de inveja por ter eu visitado cinco cidades, dez vilas e cinquenta aldeias em apenas uma semana...

domingo, dezembro 25, 2005

Pergunta incómoda.

Maria,
Que te hei-de responder? Este ano lembrei-me de comprar pilhas para os brinquedos e os miúdos estavam felizes. Quanto ao resto, amanhã é dia de trabalho. Felizmente... Obrigado pelo mail. Tem cuidado contigo. Se puder, meto-me no avião e vou aí no próximo fim-de-semana. Não por ser Ano Novo, sabes como detesto divertir-me com data e hora marcada:). Para te abraçar no aeroporto e beber cada grão de areia da ampulheta que conta os minutos antes de nos separarmos de novo. Raio de vida, Maria! E não me venhas outra vez com a cantilena sobre "as certezas que resultam da distância". Volta. E eu prometo que alugo um apartamento em Gondomar para fazermos a experiência a meia-hora um do outro. Em horário laboral:).

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Fiquem bem.

Presumo que muitos estarão a aquecer motores para rumarem a Natais fora de portas. Por isso vos deixo já um abraço sincero. Não sou um fã do Natal, há demasiados fantasmas pela casa, embora se tenham apiedado de mim depois do nascimento dos meus netos:). Quem resiste à alegria das crianças? Nela renasce a nossa, que por vezes julgámos exilada para sempre.


Deixo ao Miguel as coisas da manhã -
a luz (se não estiver já corrompida)
a caminho do sul,
o chão limpo das dunas desertas,
um verso onde os seixos são
de porcelana,
o ardor quase animal
duma romã aberta.


Eugénio de Andrade, O Peso da Sombra.


Herança complicada, mas "obrigatória" - deixar-lhes o melhor do mundo e de nós.

Vocês não poupam um pobre velho...

Paroxístico=paroxísmico. Relativos a paroxismo.


Novo (?) Dicionário Lello da Língua Portuguesa.



P.S. Última página do Público: a nova moda nos Estados Unidos é oferecer operações plásticas às mulheres. Incluindo reconstituições de hímen, às vezes para satisfazer fantasias de desfloração. Ideia curiosa essa, reconstruir a virgindade...

quinta-feira, dezembro 22, 2005

As palavras que o não deixam morrer.

O Arnaldo Saraiva, que ao longo dos anos me presenteou com atenções que decorrem da sua natureza gentil e não de merecimento do destinatário, ofereceu-me, em nome da Fundação Eugénio de Andrade, a 2ª edição revista e acrescentada de Toda a Poesia do Eugénio~de Andrade. E a saudade do homem torna dolorosamente espessa a distância que me separa das palavras do poeta a quem Yourcenar disse: "Ce clavecin bien tempéré de vos poèmes...". Estou de acordo com a autora dessas maravilhosas Memórias de Adriano - a música é uma das duas pontes para a transcendência que pressentimos na poesia do Eugénio. A outra, como já foi dito e redito, é o sol. Queimando o sol(o) e os corpos que nele se debatem, paroxísticos, antes de se erguerem. Rumo à luz.

E não é gralha...

Governo contra vinho do Porto americano
2005/12/22 | 10:11
Acordo permite a comercialização de vinho americano com as designações vintage, tawny e ruby associadas ao vinho do Porto

O ministro da Agricultura, Jaime Silva pronunciou-se contra o acordo firmado em Setembro pelos Estados Unidos e pela União Europeia que permite a comercialização de vinho americano com as designações vintage, tawny e ruby associadas ao vinho do Porto, avança a edição de quinta-feira do jornal Público.

Para o governante português, o problema reside no facto de este acordo abrir um precedente face a outras regiões do Mundo, o que poderá prejudicar as exportações do produto original.

O acordo sobre vinhos entre os Estados Unidos e os 25 prevê que numa primeira fase, e até que as autoridades de Washington fixem novas designações, os produtos vinícolas americanos possam ser comercializados com as denominações de origem, entre elas Port (e não Porto).


Citação do PortugalDiário.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Que mais iremos ler?:). Já não há revisores de texto?

Política

União Europeia


Candidatura de Alegre acusa RTP de «tratamento imparcial»
A candidatura de Manuel Alegre acusou a RTP de «tratamento imparcial» e de violação das regras da igualdade de oportunidade na sequência do debate transmitido depois do frente-a-frente entre Mário Soares e Cavaco Silva, na terça-feira à noite.

No debate sobre o Estado da Nação, da RTP, o painel de convidados não contemplou um representante da candidatura de Manuel Alegre o que permitiu que, quando um dos comentadores, membro da comissão de honra de um dos candidatos, criticasse a candidatura do deputado poeta, não houvesse defesa.
O deputado socialista fala numa «exclusão inadmissível» de um espaço de debate público.
Este protesto de Manuel Alegre surge depois de, na semana passada, ter anunciado que iria processar a Eurosondagem, por aquilo que apelidou de «sintonia» entre o responsável da empresa e o socialista Jorge Coelho.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Vigília.

Quando te sinto adormecer e ao meu desejo,
saciados mas famintos de futuro,
procuro medos antigos e não os vejo,
do amor, de ti, do quarto escuro.

Uma criança suspira aliviada,
um rapazinho afaga o louco sonho,
um homem vive a certeza mais inesperada,
um velho não se crê já tão bisonho.


E todos te segredam um "até amanhã" agradecido.

domingo, dezembro 18, 2005

Pelo sim, pelo não...

... rejeito qualquer responsabilidade pelo que possa acontecer no Porto esta noite - a partir da 1.30... - provocado pelos inexauríveis convivas do jantar do Murcon!



Agora a sério - foi muito bom:).

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Directos ao coração.

Maria,
Que coincidência estranha! Recebo o teu mail, cheio de uma tristeza funda e solidária que me faz desejar correr a dar-te colo, e a 2 emite a História dos blues. Um homem e uma guitarra; a dor, o racismo e a pobreza a céu aberto. Compreendo o teu horror à injustiça não mediática que nos rodeia. Mas porque sou bem mais velho, lembro-a nas cruzes do Ku Klux Klan, no discurso de Luther King, na morte anónima de Skip James. Maria, admiro o teu escândalo e a necessidade que sentes de ir à luta. Admiro-te o suficiente para me sentir envergonhado por ouvir blues no conforto da sala. Receio que a velhice também seja isto - refugiar-me nas palavras para esconder a preguiça que torna difícil as barricadas, mesmo simbólicas. Saber-te nelas enche-me de orgulho e receio. Porque me rejuvenesces e afastas ao mesmo tempo. Pouco - muito!:( - importa: fazes o que tem de ser feito, pobre do amor que "dura" à custa do puxar de rédeas de alguém. Vai. Logo veremos se ainda consigo, ao menos, seguir-te à distância de um beijo, de um sorriso, de um olhar. Se não conseguir é porque já não te mereço.
Boa noite e bom caminho.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Associação livre: Pamina-Shakespeare-Vasco Graça Moura-Petrarca.

"O que costumava amar, já não amo; minto: amo, mas amo menos; ainda assim continuo a mentir: amo, mas mais envergonhadamente, mais tristemente; agora é que disse a verdade. De facto, é assim: amo, mas desejaria não amar o que amo, desejaria odiá-lo; amo todavia, mas sem querer, mas coagido, mas triste e em pranto. E, mísero, em mim mesmo experimento aquele famosíssimo dito: Odiarei se puder; se não, amarei apesar de mim".

Em Vasco Graça Moura, As Rimas de Petrarca.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Com efeito...

Ofício de suicidas


Poucas as palavras, pequenos seus desígnios,
nomeiam sempre realidades banais,
triviais signos, factos consumados,
e, ao fundo, sórdida presença da morte.
Ofício melancólico, construir estas grades,
estas escassas lápides do tempo que nos passa,
ofício de suicidas, tentar reter
o rasto da luz em sílabas de sombra.


Juan Luis Panero, Poemas.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

O outro espírito natalício.

Maria,
Que maldade!, perguntares ao psi como vai a contagem decrescente para o Natal:(. Perguntavas ao Avô e ele te diria que sobreviveu ao Toys'r'us - ou lá como se escreve... - com um sorriso nos lábios e muita paciência na caixa, pensando em mãos e olhares ávidas dos netos. (Nota importante: não exagerar, a miudagem desenvolve uma "ideologia consumista" aterradora.) Mas o psi recebe muita gente que despe as máscaras usadas à luz das lâmpadas na rua. E que teme os holofotes escrutinadores dos outros... Confessam desejar que tudo passe a correr e cheguem os Reis para os libertar de tristeza republicana; recordam fantasmas do passado; viram e reviram os medos do futuro; perguntam, sorriso amargo, se não há uma pastilha que os faça dormir por dentro até Janeiro, enquanto funcionam por fora. Estou soturno e em pleno delírio de auto-piedade? Soturno talvez, mas jamais ouvirás de mim um lamento. É verdade que o riso não abunda na minha profissão ou, quando chega, leva as pessoas porta fora a gastar melhor tempo e dinheiro. Mas não me imagino a fazer outra coisa, sou um ouvidor. Só não te ouço a ti? Perdão, mas é uma surdez selectiva, apenas acontece quando me azucrinas o juízo! Ups... Just kidding, Maria, just kidding.
Júlio, dois ouvidos ao teu dispor:))))).

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Os Simões em Cantelães:).

Ontem os Simões visitaram os Vazes. O clã é chefiado por alguém que todos vocês conhecem, o Professor Manuel Sobrinho Simões, um dos nossos mais ilustres investigadores e universitários. A reunião das duas famílias - e de dois homens que construíram uma amizade sem uma nuvem ao longo de quase quarenta anos! - só não foi perfeita porque o filho mais velho do Manel e a mulher não vieram por estarem fora de Portugal. Porque os (exagerados) intervalos entre estes rituais à volta de mesas longas e muito povoadas não alteram nada, é como se tivéssemos estado juntos na noite anterior, ainda sem filhos e muito menos netos. O Manel gostou de Cantelães, mas não deixou de fazer notar que "sem mar e com mau tempo...". Compreendo-o, perdi a conta das vezes em que desafiámos céus pesadões em Vila Praia de Âncora e levámos a criançada esticar as pernas à beira-mar. E porque sempre fui eu o citadino, o preguiçoso, o hesitante face a excursões em busca de cogumelos no Camarido, uma frase dele era inevitável - "Ó Vaz, não te imaginava num cenário destes". Também eu tive dúvidas. Acontecia-me recear que passados três ou quatro fins-de-semana para aqui viesse só para não dar o braço a torcer, mas suspirando pela cidade. Não sucedeu, já não acredito que suceda, pequenos (grandes) pormenores o sugerem - o jardineiro, o senhor Augusto, veio trazer batatas, cebolas e ovos, para o caso de "você" - que sou eu:) - "cá não voltar antes do Natal"; o funcionário da farmácia meditou comigo sobre a fórmula a empregar (bom dia ou boa tarde), eu afirmava que passava das doze, ele retorquia que ainda não almoçara; o patrão do Sol da Cabreira descobriu que vive no Porto muito perto do meu consultório; a senhora do café já não precisa de me ouvir, só confirma que jornais desejo reservar. Não, Cantelães não é um capricho efémero, mas um porto de abrigo à la Toyota - veio para ficar:)))))).
Adiante. Porque a visita do Manel y sus muchachos me enterneceu, aqui vos deixo o artigo que lhe dediquei quando ganhou o prémio Pessoa. Escreveu-se a si próprio, como acontece quando falamos da alegria e orgulho que nos despertam os que amamos.







O Manel


Sento-me ao computador e recomeço luta com história que teima em não levantar voo. Em barulho de fundo, cocktail criminoso: Mozart e notícias. De repente, eis o divino Wolfgang transformado em simples actor secundário - o Manel ganhou o Prémio Pessoa! Sei, não é forma de me referir a Catedrático de Medicina. E contudo, sem beliscar a admiração intelectual que nutro pelo Professor Sobrinho Simões, no coração prefiro-lhe o Manel.
Ambos médicos, ele navegava dois cursos antes do meu. Navegar não será o verbo adequado, tal o brilhantismo com que planava acima de aulas e exames que nos esculpiam as olheiras. Abundantes embora, nunca precisei de histórias acerca da sua fina inteligência e célere sentido de humor. Como ele, filho de professor, bastava-me escutar as descrições enlevadas de meu Pai – foi um dos seus alunos favoritos. E não pelas respostas certas, infelizmente o curso de Medicina favorecia(?) o empinanço puro e simples. O meu velho adorava nele, isso sim, o talento para articular meros conhecimentos rumo à sabedoria possível na sua idade e o gozo com que aceitava fazer do programa um simples trampolim para discutir o mundo em geral.
Em contrapartida, pertencíamos à mesma fornada de lagartos ao sol do Molhe. E desaguámos juntos na tropa: eu por lapso de um computador incompetente, ele por não invocar joelhos cambados, que o faziam marchar como marinheiro em terra, para desespero do tonitruante instrutor. Pouco habituado a hierarquias não alicerçadas no mérito, lembro a naturalidade com que me arrastou a invadir a messe dos oficiais em busca de parceiros para um bridge. Fomos informados de que atentáramos contra a disciplina militar, as chefias não se misturavam com recrutas. Paciência!, jogámo-lo sem farda por muita mesa de jogo. Perfeccionistas, debatíamo-nos com problemas diferentes: eu jogava há uns tempos, mas uma crónica distracção impedia-me de ser bom jogador; ele era um neófito, mas dotado e com pressa de dominar os requebros das cartas. Em democrática votação decidimos desactivar essa mistura explosiva, para que eventuais estilhaços não comprometessem o carinho que nos unia.
Mas não se pense que abandonámos o desporto! Antes de mim, o Manel percebeu que as fugas da cidade ao fim de semana se tornavam imperiosas para a manutenção da saúde mental. E refugiava-se em Âncora e Arouca, amiúde pegando no telefone a desafiar-me, “ó, Vaz, anda daí!” E eu ia, com os Machadinhos, rumo a terríveis futeboladas e não menos homéricos banquetes, antecedendo a conversa à lareira ou sob um céu estrelado. E se já antes gostava muito dela, foi nessas escapadas que apreciei a importância fundamental da mulher, a Gu, originária de clã a quem a cidade muito deve - os Areias. O Manel não teria sido o que é, a todos os níveis, sem a sua discreta mas firme doçura, que não raras vezes nos punha a todos em sentido!
Fico muito contente. Pelo amigo, que em triste época da vida me telefonou e disse: “não te quero invadir, quando desejares a porta está aberta”; pelo universitário brilhante, acima de tudo capaz de formar discípulos; pelo homem que sempre mimou a família, apesar de um quotidiano de saltimbanco ao serviço da ciência; pelo tripeiro ferrenho, jamais engaiolado na armadilha do bairrismo; pelo portista doente e agarotado, que me telefonava à gargalhada a oferecer condolências quando o Porto zurzia o Benfica; pelo pai de filhos que cresceram ombro a ombro com os Machadinhos, numa algazarra que só poupava a Joana, a rapariga da geração; pelo avô de futuros netos que os meus já esperam, para continuar esta saga entrelaçada.
O Professor Sobrinho Simões merece amplamente esta homenagem, como cientista e cidadão. Mas o prémio chama-se Pessoa. E como pessoa, o laureado não existe sem o Manel, pois o brilho que justifica o reconhecimento irradia, genuíno, de dentro. Os “outros” não passam de fogachos mediáticos.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Para alívio de alguns e desencanto de outros..., sobrevivi!

Não sei bem como... Vi sozinho em casa, sem apoio médico. Ainda por cima de um modo esquizofrenizante, os vizinhos de cima gritavam golo antes da bola entrar e ela entrava! Suponho que as notícias cheguem mais depressa pela rádio ou a minha televisão trabalha au ralenti:))). Claro que saboreei até ao tutano uma vitória inesperada. Mas se tivesse levado com um balde de água fria nos últimos momentos continuaria a dizer o mesmo: eles bateram-se até à exaustão e essa é a minha única exigência inegociável.
Quanto ao dedo médio de Cristiano Ronaldo, diria que se trata de um caso de dinheiro e bajulação a mais e idade e educação a menos.

terça-feira, dezembro 06, 2005

O optimismo da "família mantida".

Admito que sou suspeito. Admito que eu e minha ex-mulher tivemos sorte, os nossos rapazes não nos deram um desgosto, apenas motivos de orgulho. Mas sou psi há 30 anos e tenho visto como é ilusório decidir que a não separação dos pais resulta, por definição, num benefício para os filhos. A família é um espaço emocional, não um somatório de presenças físicas. Os campos de batalha, os silêncios sepulcrais, a aflição de miúdos que se vêem obrigados a tomar partido ou a refugiar-se em quartos ou cafés, nada disso é compatível com um crescimento saudável dos jovens. E devo acrescentar que já ouvi bastantes dizerem a pais, que juram ter ficado juntos por sua causa: "não o pedi e preferia paz em duas casas". Acresce que muitos pais o dizem de boa-fé, mas sem ser verdade - ficaram por medo, remorso, comodismo, ainda esperança... E que seja verdade!, nenhum adolescente pode ser "responsabilizado" pelo arrastar da tristeza parental. Não tenho dúvidas que o divórcio é, muitas vezes, a decisão mais benéfica para todos os envolvidos, desde que o retomar da navegação por parte dos pais não implique o seu afastamento emocional das crias.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

A importância do significado atribuído.

Investigadores australianos demonstram impacto do stress na saúde humana
05.12.2005 - 14h08 Lusa

Investigadores australianos do Instituto Garvan de Sydney conseguiram provar cientificamente os efeitos do stress para a saúde humana, que podem gerar desde uma simples constipação ao cancro, indica hoje uma revista médica.
Em períodos de stress, uma hormona libertada no corpo, chamada neuropéptido Y (NPY), afecta o sistema imunitário e torna a pessoa doente, defendem os cientistas.

"Antes havia provas indirectas de uma ligação entre o cérebro e o sistema imunitário. Agora temos a ligação", disse Fabienne Mackay, membro da equipa de investigação.

Durante os períodos de stress, os nervos libertam muito NPY que vai para o sangue, onde inibe as células do sistema imunitário", acrescentou a cientista ao “Journal of Experimental Medicine”.

Herbert Herzog, que também participou na investigação, comentou que o efeito negativo do neuropéptido Y sobre a tensão arterial e o ritmo cardíaco era já conhecido, mas a descoberta do seu impacto no sistema imunitário poderá agora abrir novas portas para combater certas doenças.

A libertação dessa hormona "torna as pessoas mais vulneráveis quando têm uma constipação ou uma gripe e mesmo em situações mais graves, como o cancro", afirmou à estação de rádio ABC.

A artrite reumatóide, a esclerose em placas, a doença de Crohn e a diabetes são também doenças que têm uma ligação ao stress, segundo os investigadores.


Gosto sempre de registar os avanços nesta direcção, a pouco e pouco vão tornando ainda mais obrigatória a abordagem psicossomática da realidade humana que impede o refúgio na velha chaveta espírito/corpo. Mas atenção!, a relação stress psicológico-consequências físicas não é simples e mecânica. Desde logo, por uma razão básica: muitos factores só se tornam stressantes quando o indivíduo os percebe como tal, daí a importância do significado atribuído por cada um às experiências que vivencia.


Nota: como outras vezes, o PortugalDiário pediu a minha opinião sobre dados sociológicos, neste caso do INE sobre casamento e divórcio. As perguntas e respostas descambaram em conversa que, como é óbvio, não poderia ser transcrita na íntegra. O que foi publicado é, assim, asceticamente fiel, excepto num ponto: nunca disse que o divórcio é uma "solução fácil". Jamais o poderia fazer, por experiência pessoal e profissional. Disse, isso sim, que o divórcio é hoje mais fácil por razões culturais e económicas. Mas o divórcio das pessoas de carne e osso muito raramente é um processo isento de dor ou, pelo menos, da frustração pelo fim de um projecto que um dia se julgou com futuro sólido.

domingo, dezembro 04, 2005

I'm John.

Gostei do artigo da Pública sobre John Lennon com este título. Quanto à pergunta sobre onde estava quando soube da sua morte, é fácil: a entrar em casa e ouvindo um noticiário. Parte do meu mundo desmoronou-se, e eles estavam separados há 10 anos. Era um amigo que partia, no preciso momento em que reencontrava a sua música e continuava a afagar o sonho de uma reconciliação entre ele e Macca ao nível musical. Essa nostalgia de recomeço, infantil e susceptível de me provocar enorme desilusão, morreu naquele dia. A saudade, embalada ao som da sua música, tornou-se mais forte e perdura.
Das citações de John, saliento uma: "O meu papel na sociedade, ou o papel de qualquer artista ou poeta é tentar expressar o que todos nós sentimos. Não dizer às pessoas como sentir. Não como um pregador, não como um líder, mas como um reflexo de nós todos". Estou de acordo. Acontece que alguns são capazes de escrever ou compor reflexos caleidoscópicos que nos encantam e fazem descobrir facetas desconhecidas...

sábado, dezembro 03, 2005

A caminho da pauta:).

Corrijo exames da pós-graduação organizada pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e nem a paz de Cantelães pode camuflar a realidade - as respostas ao meu grupo de perguntas sofrem de anemia grave. Claro que a matéria será enfadonha para alguns, quem a ministrou merecerá o mesmo diagnóstico por parte de outros, mas receio que mais variáveis entrem no jogo, género "por que raio vou perder tempo com aspectos históricos se o que desejo é ser terapeuta sexual? Que me conste os romanos não tinham clínicas a trabalhar nesta área!". E desconfio disso por encontrar o mesmo raciocínio nas Faculdades de Medicina, laboriosamente produzindo super-especialistas. Trata-se de um erro crasso. Não somos cavalos, qualquer tipo de antolhos não melhora a nossa eficácia, pelo contrário. A cultura (geral e profissional) torna-nos mais capazes de analisar uma queixa - e por arrastamento sobre ela intervir... - por a colocar sobre o pano de fundo de outros olhares. A ela e a quem a sussurra ou grita, gente como nós que não pode ser reduzida a portadora de sintomas. E o olhar romano sobre o género sublinha de modo cristalino como algumas das nossas chavetas, exclusivamente baseadas na orientação sexual, são produzidas num dado momento histórico e não revelações divinas. Elas pareceriam estranhas a um honesto e viril cidadão de Roma, apenas preocupado com um eventual carimbo de passividade numa relação erótica com qualquer um dos sexos.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Isto não é o day after.

Nem o fim do programa - que os três prevíramos para dois anos atrás! -, nem meia-dúzia de comentários mais... acutilantes:) à minha pessoa justificam preocupação, maralhal. O Lobices tem razão e a Camille Paglia também - não há lei na arena (neste caso do Murcon). É um preço baixo a pagar pela tertúlia, não acham? Quanto a mim, ficaria mais preocupado se alguém me tivesse feito o "diagnóstico" que consta do livro A Conspiração contra a América, de Roth (agora já não vale utilizá-lo:)!) - "O inchado filho da mãe sabe tudo: é uma grande pena que não saiba mais nada". Eu conheço alguns e vocês também, seguramente. Bom fim-de-semana, gente. E não se esqueçam: a felicidade não existe, mas ter saúde e falar livremente são privilégios a não olhar com sobranceria, tomando-os como dados adquiridos:).

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Para evitar surpresas.

Se na próxima semana o Estes Difíceis Amores for para o ar será um programa gravado. O mesmo acontecerá se a RTPN decidir mantê-lo na grelha até ao fim do ano. Como os que costumam ver sabem à própria custa, tanto na 2 como na RTPN as surpresas - horários e ausências - foram frequentes. Por causa de jogos de futebol, festejos variados, datas mais ou menos simbólicas, etc... Embora triste com muitas dessas ocorrências, a minha ligação com o "canal da minha terra" falou sempre mais alto. Bem assim como a relação cordial que mantinha - e mantenho! - com quem lá trabalha. Acontece que há limites que não devem ser ultrapassados. Esta semana fui informado da impossibilidade de gravar no dia habitual..., no próprio dia! Proposta: sexta à noite - impossível para mim -, pois não existe um único programa de reserva como ordena a prudência. Não se pode trabalhar desta forma. Sei que os factos não traduzem má vontade contra qualquer um dos três, mas sim a "descontracção" que três anos de trabalho acarretam: "logo se vê", "eles são da casa", trá-lá-lá. E realmente somos da casa. Eu estou na RTPN desde o início e cheguei a trabalhar de graça; o Estes Difíceis Amores é um programa barato, porque nos foi pedida compreensão para a pouca disponibilidade financeira da estação (pedido reiterado quando o programa começou a passar também na 2, RTPi e RTP Internacional sem qualquer ajuste nas remunerações); a este nível, o desprendimento da Leonor Ferreira chegou a ser embaraçoso para todos, durante muito tempo não ganhava para o pitróleo, como se dizia no meu tempo; torcemos as nossas vidas para acatar todas as alterações de gravação, que não foram poucas; fizemos o melhor que pudemos e sabíamos durante três anos; e creio poder dizer que do operador de câmara ao director de antena ninguém ficou com queixas nossas.
Por tudo isso - e por unanimidade:) - decidimos ficar por aqui, sentimo-nos desta vez um bocadinho desleixados de mais. Tenho pena, apetecia-me que os últimos programas fossem alegres, afinal traduzindo o que de melhor guardarei: três anos volvidos, saí sempre das gravações cansado mas divertido, a Leonor e a Gabriela conseguiam abanar-me a preguiça e despertar o prazer da tertúlia. Para elas vão os meus agradecimentos sinceros e o sublinhar da sua competência, com um beijo especial para a Leonor, que se arriscou a conversar com dois velhos amigos que conhecera meia-hora antes da primeira gravação. E para os que nos visitavam, um "até qualquer dia" não menos grato, nenhum programa dura três anos sem o apoio do público.
Fiquem bem.

quarta-feira, novembro 30, 2005

Breves.

Da reportagem sobre o estudo da Sociedade Portuguesa de Andrologia retiro alguns pontos:

1) "Uma coisa é haver patologia, outra é haver sofrimento". Eu diria disfunção, mas estou de acordo com o Nuno Monteiro Pereira, se não houver sofrimento não há "caso clínico". A continuação da frase pode induzir em erro: "Os homens mais velhos, casados, tendem a acomodar-se à situação, até porque as necessidades da sua parceira também diminuem". Dito assim, parece uma inevitabilidade acarretada pela idade e estou em completo desacordo, mas pode resultar de opinião expressa em entrevistas a casais.

2) "Estamos a encontrar rapazes e raparigas de 20 anos com perturbações do desejo irreversíveis provocadas pelo ecstasy, actualmente associado às bebidas energéticas". Que o ecstasy é bem mais perigoso do que se julga, qualquer técnico da área da toxicodependência como eu o sabe. Mas, como sexólogo, não entendo um diagnóstico de irreversibilidade feito aos 20 anos. A menos que se tivessem identificado circuitos neuro-fisiológicos indispensáveis ao desejo definitivamente lesados. Se a Ciência já chegou a esse ponto, confesso a minha ignorância.

3) Que o principal problema seja a diminuição do desejo não me surpreendo e estou de acordo com o Nuno: o stress quotidiano é seguramente um dos factores envolvidos, bem como a cada vez maior medicação desta sociedade.

4) Timothy Radcliffe, ex-Mestre Geral dos Dominicanos: "A vocação é uma chamada de Deus" que continuará "a chamar homossexuais e heterossexuais ao sacerdócio, porque a Igreja necessita dos dons de ambos". "Mais do que a orientação" importa "a maturidade sexual, até porque uma subcultura machista heterossexual é inapropriada". Etc e que Deus o abençoe!:).

terça-feira, novembro 29, 2005

No seguimento de O Amor é... e de alguns mails levemente escandalizados:)))).

Não, não acredito que a fantasia seja monogâmica. Por definição, pois não é ela a arte de brincar com o mundo, remodelando-o nas águas-furtadas do nosso cérebro? E por isso mesmo não lhe "afinfo" com um diagnóstico de sintoma do falhanço de uma relação. O amor não está à mercê de uma..., de uma..., de uma brejeirice passageira do espírito:)))))).

domingo, novembro 27, 2005

A decisão do miúdo:).

Havia tanta mágoa no seu olhar,
tanta dor no azul daquele mar,
Que parti mastro,
rasguei vela,
pus fim ao meu delicioso,
estouvado,
inaceitável,
adolescente navegar.
E aportei nela.
Receoso,
desconfiado -
talvez impermeável! -,
mas decidido a ficar.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Porque a tristeza pensada é estruturante.

Então, num súbito ataque de tristeza que me fez muito bem para perceber quem era, consegui chorar.

Juan José Millás, A Ordem Alfabética.

Se não for pensada e digerida pode cristalizar na depressão ou refugiar-se na auto-piedade.

Sempre discriminados:(.

Ó Andorinha,
Essas raivinhas só existem entre os homens?:))))))).

quinta-feira, novembro 24, 2005

É nisto que dá confundir comportamentos de risco e "grupos" de risco:(. Mais uma pitada de xenofobia, claro!

Para os 321 casos de infecção VIH e Sida diagnosticados no primeiro semestre de 2005, a distribuição de acordo com as principais categorias de transmissão e o estádio é a seguinte: Heterossexuais: (187) - 93 casos de SIDA; 8 casos sintomáticos não-Sida; 86 casos de PA; - Toxicodependentes (95): 66 casos de Sida; 4 casos sintomáticos não- Sida; 25 casos de PA; - Homo/Bissexuais (26): 10 casos de SIDA; 3 casos sintomáticos não-Sida, 13 casos de PA, refere os mais recentes dados portugueses.

Alexandre Ribeiro de Almeida, Lusa

quarta-feira, novembro 23, 2005

Vinho velho em barris novos.

Não percebi o frenesim discursivo de hoje sobre a directiva papal relativa à ordenação de homossexuais. É mais do mesmo. Apenas uma nuance me despertou a atenção: se ouvi bem, aqueles que tenham conseguido contrariar as suas tendências há pelo menos três anos serão aceites. Não percebi se estávamos a falar do mero comportamento ou também do desejo. Por outro lado, o Padre Carreira das Neves disse na SIC-Notícias que isso não seria provável - cito de memória - em homens cujas tendências fossem de origem genética. Se a primeira afirmação pressupõe uma nostalgia de "cura" por alteração da orientação sexual que é já raríssimo encontrar na Ciência, a segunda parece ressuscitar uma velha chaveta: perversos/pervertidos. Os primeiros apresentando uma condição constitucional, desculpabilizante mas fixa; os segundos responsáveis pelo desenvolvimento de um "vício", mas dele podendo sair. A Psiquiatria e a Sexologia do século XIX assinariam por baixo. Mas, como digo, todo este barulho me parece injustificado. A instituição tem as suas regras, ponto final. Cada um tem a sua opinião acerca delas, ponto final. Quem pertence à instituição e não está de acordo, sai, bate-se ou decide as regras que acata. Quanto à comparação inter-religiosa e inter-cultural feita pelo Padre Carreira das Neves, ao afirmar o total respeito da Igreja Católica por outras que não permitem aos seus fiéis comer carne de porco, nada me permite duvidar dela ou da sua aplicação ao caso dos homossexuais.

A imaginação no Poder!

Mundo



CIA inventou nova definição para «tortura», diz jornal
As técnicas de interrogatório da CIA em centros de detenção secretos espalhados pelo mundo contradizem a garantia dada pelo director da Agência de que a tortura não é usada, escreve hoje o Washington Post.

«Director para a tortura» é o título de um artigo do jornal em que se acusa a CIA de ter inventado uma nova definição para a palavra «tortura», de modo a negar que submete os prisioneiros a maus-tratos.
O diário norte-americano cita o director da CIA, Porter J.Goss, que, esta semana, em entrevista ao jornal USA Today, garantiu que a «Agência não tortura».
«Usamos capacidades legais para recolher informações vitais, e fazemo-lo numa variedade de formas inovadoras e únicas«, todas elas legais e nenhuma das quais é tortura», disse o director da CIA.
Porter Goss não descreveu qualquer das «inovadoras» técnicas de interrogatório e a CIA não permitiu que as prisões secretas fossem visitadas pela Cruz Vermelha Internacional, ou por qualquer outra organização, refere o Washington Post.
«Mas algumas pessoas que trabalham para Goss forneceram à estação de televisão norte-americana ABC News uma lista de "técnicas avançadas de interrogatório", por considerarem que o público necessitava de saber qual a orientação escolhida pela Agência», assinala o jornal.
Graças a essa lista - adianta - é possível comparar as palavras de Goss com a realidade.
«As primeiras três técnicas relatadas à ABC envolvem abanar ou bater nos prisioneiros de forma a causar-lhes medo e dor. A quarta consiste em obrigar o prisioneiro a manter-se de pé, algemado, com os pés agrilhoados, durante 40 horas», descreve o Posto.
«Segue-se - segundo o jornal - a cela fria: os prisioneiros ficam nus numa cela arrefecida e são periodicamente molhados com água fria».
O Washington Post menciona ainda a técnica da «tábua». Segundo a informação fornecida à ABC, o prisioneiro é atado a uma tábua inclinada, com os pés erguidos acima da cabeça.
«O rosto do prisioneiro - lê-se - é então envolto em celofane, sobre o qual é vertida água. Isto provoca o pânico no prisioneiro que sente que se está a afogar, apelando quase de imediato para o fim da tortura».
Segundo o jornal, a ABC, citando as suas fontes, indicou que agentes da CIA que se submeteram a esta prática «aguentaram uma média de 14 segundos antes de cederem».
«Não serão estas técnicas "tortura", como garante Goss?», interroga o Washington Post.
«De facto, vários destes métodos foram utilizados em regimes repressivos do mundo e condenados pelo Departamento de Estado norte-americano no seu relatório anual de Direitos Humanos», lembra o jornal.
Na opinião do Post, ao insistir em que estas práticas não são métodos de tortura, Goss introduz um paradoxo. «Se um piloto norte-americano for capturado no Médio Oriente, depois espancado, detido numa cela fria e sujeito a afogamento simulado, será que Goss dirá que ele não foi torturado? Serão estas técnicas "legais"?», questiona.
Em 1994, o Senado norte-americano ratificou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Desumanas e Degradantes e, ao fazê-lo, definiu como «cruel, desumana ou degradante» qualquer prática que possa violar a quinta, oitava ou décima quarta emendas da Constituição dos Estados Unidos.
No entanto, segundo o Post, a administração recorre a uma lacuna na lei e argumenta que, dado a Constituição não se aplicar a estrangeiros fora dos Estados Unidos, a CIA pode usar estes métodos com prisioneiros estrangeiros detidos em território que não seja norte-americano.
Poucos peritos em leis, fora da administração, concordam que esta lacuna legal exista, observa o jornal.
Diário Digital / Lusa

terça-feira, novembro 22, 2005

E lá ia aparecer um psi a dizer que ela tinha razão. E outro a dizer o contrário:).

TAMPA, Florida (AP) -- A female teacher pleaded guilty Tuesday to having sex with a 14-year-old middle school student, avoiding prison as part of a plea agreement.
Debra Lafave, 25, whose sensational case made tabloid headlines, will serve three years of house arrest and seven years' probation. She pleaded guilty to two counts of lewd and lascivious battery.
The former Greco Middle School reading teacher apologized during the hearing, saying that "I accept full responsibility for my actions."
The boy told investigators the two had sex in a classroom at the Greco school, located in Temple Terrace near Tampa, in her Riverview town house and once in a vehicle while his 15-year-old cousin drove them around Marion County.
If convicted at trial, she could have faced up to 15 years in prison on each count. The plea agreement also was designed to resolve similar charges pending in Marion County.
Her attorney, John Fitzgibbons, said in July that plea negotiations had broken off because prosecutors had insisted on prison time.
He said she planned to plead insanity at trial, claiming that emotional stress kept her from knowing right from wrong.

Angie, desculpe lá desiludi-la:(.

Neste momento sou regente de uma disciplina de Sociologia Médica no primeiro ano de Medicina do ICBAS. Sabe quantos alunos tenho, em média, nas aulas? Entre 6 e 12:) (o curso tem 200!). Razões? As frequências das outras disciplinas e o estatuto "extra-terrestre" de uma disciplina que não encaixa no perfil da medicina actual, toda ela virada para as super-especialidades e a tecnologia. Mas devo confessar que não me queixo, com aquela meia-dúzia é possível falar de cinema, poesia, política... Até de Medicina!:).

segunda-feira, novembro 21, 2005

O essencial a pedido da Yulunga:).

A lei de 94, agora corrigida, defendia que a finalidade do casamento era a procriação e por isso o comportamento dos maridos apenas traduzia "um exercício indevido dos direitos conjugais" e não violação. Edificante...

Com os cumprimentos do RAM.

Mexican Court Says Sex Attack By a Husband Is Still a Rape



By ELISABETH MALKIN and GINGER THOMPSON
Published: November 17, 2005
MEXICO CITY, Nov. 16 - The Supreme Court of Mexico ruled Wednesday that rape within marriage is a crime, bringing Mexico's laws into line with much of the world and removing one of the many obstacles women here face in reporting rape. The ruling ended a legal battle waged since 1994, when a majority of the justices agreed that because the purpose of marriage was procreation, forced sexual relations by a spouse was not rape but "an undue exercise of conjugal rights."
The unanimous ruling on Wednesday said the earlier decision had denied women the right to exercise their sexual freedom and was based on an interpretation of rights relating to property, not human beings. The court stated clearly that forced sexual relations within marriage - whether the force is physical or psychological - was a crime.
"What's behind this is a modern conception of the relationship between a man and a woman in marriage," said José de Jesús Gudiño Pelayo, a justice of the Supreme Court. "It's a relationship of equality in which a woman does not lose her sexual freedom when she marries."
That the decision came with so little debate suggested that attitudes in this macho country are changing, albeit slowly. But many women's advocates agreed that while the ruling was a landmark step, polls on social attitudes have shown that deep-rooted opinions that women should be subservient still hold sway over much of society.
They warned that entrenched attitudes still made it very difficult for women to report rape. A United Nations study found that 9 of 10 sexual assaults go unreported in Mexico and that 18 percent of victims of sexual assault were not aware that it was a crime. "A recent government survey found that 47 percent of all women report being the victims of either physical, emotional, sexual or economic violence." said Patricia Espinosa, the director of the National Institute of Women. "But 84 percent of those who are victims of domestic violence remain silent."
The 1994 ruling by the Supreme Court effectively meant that husbands who raped their wives could walk free under most conditions. It was a retreat from earlier laws on rape, which did not specify anything about the relationship between the rapist and his victim.
The decision left women "defenseless" and "consisted of a serious and systematic violation of women's human rights," said Patricia Olamendi, who has worked to change the precedent and pass state laws overturning it. "The court should recognize that it has violated these rights for 11 years."
Only a few countries in the world do not recognize rape within marriage as a crime; India and Malaysia are the two most prominent examples. But the change in laws is relatively recent. In the United States, it was not a crime in all states until 1993.
Elisabeth Malkin reported from Mexico City for this article, and Ginger Thompson from Guatemala City.

domingo, novembro 20, 2005

Sem querer ofender a Pamina e o Viktor:).

... fiquei tão pasmado com a hipótese de manipulação dos comentários que também fui pedir opinião especializada. Mesma resposta - nem que quisesse! Acontece que jamais quereria, há princípios envolvidos. Vou repetir: de início nem sabia que os podia impedir, depois tive de tomar uma (fácil) decisão - liberdade total. Tem custos? Tem, às vezes leio coisas que preferiria não ler. Mas a alternativa, para um tipo da minha idade, soa perigosamente a censura.
Os que não acreditarem nestas palavras deixarão seguramente o Murcon. E acrescento que com toda a razão, há suspeitas insuportáveis. Aos outros, não posso deixar de fazer notar que 250 comentários ao fim-de-semana é, no mínimo, peculiar. Sinal que o tema continua longe de ser pacífico e propicia um estilo de discussão muitas vezes a descambar - ainda no mínimo:) - para a deselegância. A (falsa) chaveta hetero/homo não é a única, neste mundo que adora as dicotomias. Nem sequer a mais precoce!, como, no fundo, dizia o Miguel: a bem educado/mal educado, que conduz à outra, discussão civilizada/javardice estéril, antecede-a. E pergunto-me se não será mais rígida...

sábado, novembro 19, 2005

Sendo assim, retiro tudo o que escrevi ontem!:).

José António Saraiva acrescenta hoje dados à polémica que nos ocupou ontem. Dados esses tão relevantes, que me vejo obrigado a uma retratação pública:(. Ora vejam:


"Imaginámos duas jovens alunas da província, a sair da idade da inocência, dando expressão a uma afectividade quase pura, serem barbaramente reprimidas por uma estrutura escolar retrógrada, provinciana e fascizante.
Sucede que as alunas não são propriamente adolescentes: uma tem 18 e a outra 17.
Não são as duas de Gaia: uma é brasileira e a outra portuguesa.
Trata-se de duas mulheres, portanto, já com alguma experiência.
E, nessas circunstâncias, é impossível não saberem que há ocasiões e lugares para tudo".

É preciso dizê-lo sem rodeios - isto muda tudo, por crassa ignorância precipitei-me!

1) Elas não são da província - leia-se Gaia -, uma é brasileira e a outra portuguesa.

2)Não estão a sair da idade da inocência - em que há uma afectividade quase pura -, mas têm 18 e 17 anos, pelo que já não são propriamente adolescentes.

3) E não são propriamente adolescentes porque são já duas mulheres, logo, com alguma experiência.

4) O que as obriga a saberem que não era o lugar nem a ocasião para fazerem o que fizeram.

Contra argumentos tão definitivos, só me resta pedir-vos desculpa:(((((.

sexta-feira, novembro 18, 2005

À portuguesa...

Hoje de manhã, alguém me questionava, irónico: "sempre quero ver se colocas um post sobre o artigo do teu amigalhaço". O artigo em causa era o do Miguel Sousa Tavares no Público sobre o caso das duas alunas, etc, etc... E a armadilha subjacente ao desafio traduz vício muito português: os amigos calam os desacordos, refugiando-se no silêncio cúmplice. Amigalhaço é um termo dúbio, prefiro dizer que me considero amigo do Miguel, só ele poderá confirmar que o inverso também é verdadeiro, eu acho que sim. E depois? Por que raio deveriam as nossas opiniões apenas divergir no futebol? E por que raio deveriam os desacordos pôr em risco a cordialidade da relação? É tão português:(, o hábito de não criticar membros das nossas "pandilhas" (a não ser portas adentro...). Não sou assim. Ele também não. E está farto de saber que não posso concordar com várias afirmações. Ex:

1) Considerar o exibicionismo sexual um "comportamento infelizmente muito típico das comunidades gays e lésbicas" traduz uma generalização injustificada sobre elas. Por outro lado, se o comportamento das miúdas foi o que me descreveram - admito que haja outras versões -, resta decidir se o podemos considerar exibicionista, sobretudo quando o sabemos frequentíssimo entre os heterossexuais.

2) Pôr aspas a cercar a palavra afectos, dizendo o termo próprio dos politicamente correctos, é incompreensível. A menos que se admita a impossibilidade de duas pessoas do mesmo sexo sentirem afecto uma pela outra. Ou se preconize que os heterossexuais podem traduzir os afectos por comportamentos, mas os homossexuais não.

3) Ainda não vi por parte dos colegas das referidas alunas manifestações de choque ou repúdio que justifiquem a preocupação do Miguel com o seu bem-estar.

4) Não tenho dados que permitam classificar o comportamento das miúdas como "atitude voluntariamente desafiadora de exibicionistas sexuais".

5) Estou de acordo que as boas maneiras e bom gosto se ensinam e se aprendem, mas sem distinção pela orientação sexual, há comportamentos heterossexuais inaceitáveis em meio escolar ou público em geral.

6) Por último, confesso que, embora o episódio tresande a discriminação, não me provocou "a habitual erecção escandalizada dos mentores do politicamente correcto".
Mas talvez isso se deva - hélas!:( - à minha provecta idade...

quinta-feira, novembro 17, 2005

Eles não precisam, mas...

A Comissão Episcopal da Educação Cristã lamenta que o Relatório do grupo coordenado pelo Daniel Sampaio preconize uma educação sexual restrita à educação para a saúde. Recusa - e bem! - que seja "encarada a partir de um prisma negativo". Diz que o Relatório esquece que "a forma mais segura de educar os adolescentes e os jovens para uma saudável integração da sexualidade é ajudá-los a descobrir a sua identidade de homem ou mulher, que se diferenciam sexualmente e se complementam numa relação de amor".

1) Os membros do grupo têm obra feita. E nenhum deles pode ser acusado de preconizar uma pobre e triste visão apenas sanitária da educação sexual. E o Relatório prova-o, com a sua preocupação de envolver os mais diversos grupos e pessoas no processo e recusando o "espartilho" da disciplina de educação sexual.

2) A visão "global" da Comissão seria para mim pacífica, se não tivesse uma longa experiência do que certa Igreja entende por "ajudá-los a descobrir a sua identidade de homem ou mulher, que se diferenciam sexualmente e se complementam numa relação de amor". Com honrosas excepções, a Igreja não se limita a promover um processo de descoberta, dirige-o no sentido dos seus próprios estereotipos. Além de tornar o amor e o compromisso condições obrigatórias para os comportamentos sexuais, o que é irrealista e totalitário. Acresce que "amor" e "compromisso" não passam, muitas vezes, de sinónimos politicamente (mais) correctos de casamento.


P.S. Colocar Albino Aroso na lista dos médicos mais dedicados do mundo é um acto de justiça. Logo, que se saúda, mas não agradece.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Breves.

Ministro francês aponta dedo a poligamia O ministro delegado do Emprego, do Trabalho e Inserção Profissional dos Jovens, francês, Gérard Larcher, culpa a poligamia como sendo uma das causas para os tumultos ocorridos em várias cidades da França durante os últimos 20 dias, durante os quais já foram incendiados mais de 8.000 veículos e detidas cerca de 2.500 pessoas, obrigando o governo de Paris a tomar medidas excepcionais para tentar travar a violência nas ruas.

Ler notícia/artigo completo em: http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=181349&idselect=21&idCanal=21&p=0

Vale a pena ler, o homem arma-se em psicanalista de vão de escada:).


Como disse de manhã em O Amor é..., desaguei ontem numa jantarada com o Rui Veloso, o João Gil e outra gente bem fixe. Foi muito agradável e só lamentei já não ter speed para noitadas, apeteceu-me ficar à conversa madrugada fora. E, como acabei por "confidenciar" à Ana Mesquita, vieram-me à cabeça os versos de Patxi Andion que Pedro Tamen cita em Escrito de Memória: "...Se puede escribir un libro,/O una canción./O mentir directamente." Cada um nos seus palcos tentamos ser o mais genuínos possível, não duvido. Mas o simples facto de termos audiências - ou alunos -à frente cria um personagem público cuja coerência é preciso manter. Por isso é tão agradável estar assim: despidos de qualquer paranóia de desiludir os outros:). Ao paleio; com iscas de bacalhau; partilhando memórias e futuros; pachorrentos; presos do cansaço que desata as línguas e os risos. Como se a Filarmónica Gil, a Ala dos Namorados, Mingos e os Samurais e o Chico Fininho tivessem reunido os amigos:).

terça-feira, novembro 15, 2005

Na minha vida.

Foi por um triz que não vim embora do concerto de Bill Frisell na Casa da Música ontem à noite. O dia fora pesadão e o homem começou a dedilhar uma caixinha infernal que, por sua vez, me torturava os (duros) ouvidos de amante de jazz suave. Pensei para os meus botões: "vou direitinho para a cama e os experts que se danem, de qualquer forma estão carecas de saber que não sou um deles". Estava eu neste monólogo interior feito de sono, neurónios arrepiados e inveja mesquinha quando acordes velhos conhecidos invadiram a sala. Frisell estendia-me um ramo de oliveira - tocava Across the Universe de John Lennon. E eu preparei os ouvidos para tudo e mais alguma coisa, há fidelidades que não se traem. Fui recompensado, o trio - porque Bill Frisell recusa protagonismos - passeou-se por memórias muito queridas, permitirão que destaque In my Life e Julia. O último encore foi um Please, Please Me tocado já em ambiente de jam session descontraída. E eu vim-me embora a esfregar as mãos de contente numa lâmpada de Aladino. Da qual se escapava, sem mercê, a imensa saudade do homem do piano branco que imaginava um mundo melhor:).

segunda-feira, novembro 14, 2005

Perplexo.

Quando Paulo Pedroso foi acusado, o Augusto Santos Silva escreveu um artigo em que afirmava estar pronto a abandonar a vida política se a sua convicção da inocência do amigo se revelasse errada. Lembro-me de comentar a afirmação no JN, dizendo que tanto o arguido como a acusação eram inocentes até prova em contrário. Porque sou um profissional, acrescentei que a declaração do Augusto era tocante na sua certeza, mas o abuso sexual é uma área que nos pode reservar grandes choques - a noção da reprovação social é tão clara que nos deparamos com "duplas personalidades e vidas", até para os mais próximos. O Augusto é demasiado gentil para mo fazer sentir nos nossos encontros por aí, mas suspeito que o entristeci, ao transformar uma declaração de amizade em discussão abstracta. Lamento, se aconteceu.
Agora leio coisas preocupantes. Um recurso da acusação foi negado por unanimidade. As provas e as testemunhas, ao que parece, são arrasadas. Um homem não vai a julgamento, mas esteve na prisão e vai-lhe ser difícil sacudir a lama por completo. Se a acusação foi leviana, o que traduz esse facto? E pode uma acusação ser leviana e não fazer pensar que podíamos ter sido nós? Porque uma coisa é a Justiça ser cega. Outra andar às apalpadelas...

domingo, novembro 13, 2005

Comunicado de um litro de água ou de uma palmeira cinquentona.

A ILGA teve a gentileza de lembrar o meu trabalho. Fiquei enternecido, mas não cego, a palavra "oásis" é amável e exagerada. Outros tornaram possíveis as palmeiras e a água, não passo de um litrito de água ou de palmeira cinquentona:). A própria ILGA o demonstrou, ao homenagear há dois (?) anos a minha amiga e colega Gabriela Moita. Mas existem outros nomes, a começar pelo Chico Allen, que gerou inúmeros filhos espirituais. Como respondi à ILGA, tenho norteado a minha vida profissional em busca de dois objectivos: substituir a palavra "tolerância" - intolerável por oblíqua e paternalista... - por aceitação; transformar o direito à diferença em direito à indiferença (não a que mata de solidão, mas a que encolhe os ombros à menção da orientação sexual de alguém).
A propósito do meu trabalho, aproveito para informar em primeira mão os murcónicos que o Estes Difíceis Amores termina em Janeiro. A decisão da RTPN não surpreende, três anos são uma eternidade em televisão e é preciso refrescar as grelhas. Fica a amargura do programa ter passado na 2 a horas obscenas. Deus me livre de ambicionar o prime-time!, mas não entendo como um programa com audiências e de interesse público (nas palavras das chefias...) nunca pôde passar ao fim da tarde ou à meia-noite.
Ou talvez entenda...

sexta-feira, novembro 11, 2005

O conforto do silêncio.

Vou para Cantelães, já tenho saudades do silêncio:).


O silêncio


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, Obscuro Domínio.

Bom fds, maralhal:).

quinta-feira, novembro 10, 2005

A conselho do(a) Conserto:)).

A questão é pertinente. Falei eu, na minha qualidade de psi, com pessoas que desejavam a morte? E se falei, na minha opinião justificavam ou não um diagnóstico? (Nomeadamente de depressão.) A(s) resposta(s) é que já falei com pessoas que desejavam morrer e não me pareceram sofrer de qualquer distúrbio psicológico. Seja no fim da vida ou em casos de suicídio, não me sinto no direito de "decretar" doente alguém por desejar partir.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Oh, Lord!, os lordes a debruçarem-se sobre um tema destes? Que mais iremos ver?:).

Mundo



Reino Unido: Câmara dos Lordes aprova eutanásia a doentes terminais
A Câmara dos Lordes britânica aprovou esta quarta-feira uma proposta para permitir que os médicos apliquem a morte assistida a doentes terminais que queiram deixar de viver.

Ao abrigo do novo projecto, os médicos podem prescrever uma dose letal de medicação a pacientes terminais que considerem intolerável a dor que enfrentam.
No entanto, o projecto não legaliza a eutanásia voluntária, realizada sem o consentimento do paciente.
A decisão provocou grande oposição por parte da Igreja Anglicana e de grupos defensores dos direitos humanos. A lei ainda terá de passar pela Câmara dos Comuns.
A nova lei permite que um paciente terminal se automedique com doses letais prescritas por médicos.
Caso o projecto seja aprovado, o paciente terminal que deseja por fim à própria vida nos seis meses seguintes deverá ser examinado por dois médicos, que ratificarão ou não a decisão. Também serão necessárias duas declarações diferentes do paciente, inclusivamente uma assinada por um advogado.

terça-feira, novembro 08, 2005

A propósito de mjcd.

Como psi - e qualquer dia não só... - a questão da reforma interessa-me sobremaneira.
Alguém disse que a reforma se começa a preparar dez a quinze anos antes. É verdade. A mortalidade, por exemplo, é maior do que o "esperado" no primeiro ano que se lhe segue. As depressões florescem. O mesmo se passa com a viuvez. Aí, com um efeito de género claro que "joga" com o último post: os homens caem com facilidade no isolamento porque eram as mulheres as mediadoras das redes de suporte afectivo.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Mail e género.

Trabalho de investigação americano. População: os habitantes de uma daquelas aldeias exclusivamente para idosos que não estão ao alcance das bolsas comuns. Análise dos mails em busca de diferenças de género. Os homens enviavam e recebiam mails curtos e funcionais, a e de amigos e familiares (género "todos bem?").Estavam satisfeitos com a estadia e com os amigos feitos na aldeia, com quem partilhavam actividades lúdicas. As mulheres escreviam mais mails, mais longos e mais saudosos. Afirmavam-se mais dependentes dos contactos com familiares e amigos que tinham deixado para trás. E sentiam-se muito mais responsáveis pelo que se passava no local de origem depois da sua partida. Conclusão do estudo: maior dependência emocional e manutenção do estatuto de "mulher cuidadora e responsável pelo bem-estar afectivo da malta". Uma pescadinha de rabo na boca cultural...

sábado, novembro 05, 2005

Agradecimento mais do que merecido.

Aqui vos deixo o texto que escrevi para o Expresso de hoje sobre a obra do meu filho Guilherme em Cantelães. Porque ele merece, a casa roubou-lhe um par de anos de vida, mas tornou-se realmente o refúgio dos Machado Vaz.


O ramo que semeia raízes


Cantelães é hoje um lar. O facto não traduz infidelidade arquitectónica ou afectiva à casa portuense. Vivemos juntos há vinte anos e juro, sem remorsos da alma ou figas dos dedos, que por mim não haverá divórcio. Devo-lhe muito: foi sala de trabalho caótica, testemunha discreta de amores felizes e rupturas dolorosas, colo silencioso em noites de música e livros.
Mas eu sonhara mais. E se sonho é palavra respeitável, embora tantas vezes resignada ao poder dos cifrões nesta sociedade, o sentimento que o gerou nem por sombras. A inveja. Eu, pecador, me confesso - rebolei-me nela em pequeno, ouvindo as descrições da Quinta em Paredes de Coura. Caçula da minha geração, fui o único a não conhecer a casa, a mesa cheia, o bilhar onde dormia meu Pai, o caramanchão. Tanta inveja, semeada no terreno fértil da solidão de filho único, transformou-se em nostalgia reconstrutiva: inventar para os meus as raízes que não me tinham erguido, levar os citadinos de regresso à terra, ao menos de Sexta a Domingo. Cantelães nasceu desse vazio, com anos de atraso que não perdoo a mim próprio.
Covil escolhido, pus o leme nas mãos do Guilherme. Sabia-o talentoso, percorri algumas das suas obras. Mas sabia mais: alguém que depois da morte de uma criança, - intolerável absurdo! -, lhe desenha campa rasa ascética que reflecte o brilho do sol e a dança das nuvens, pensa a arquitectura a partir das pessoas e a elas regressando. Tal inspiração, na sua tristeza, não jorrou apenas de mão hábil e inteligência aguda, bebeu antes de enorme coração.
Ingénuo, decretei-lhe o imaginário de braço dado com o meu – casa de pedra, varanda rústica à volta. Quando vi o projecto, gelei: um estilizado meteorito paralelepipédico em Cantelães? Lembrei o Eduardo Souto Moura na SIC-Notícias: “se fizesse uma casa de que não gostasse, ela ficaria mal de certeza”; previ o futuro dos Machados, juntos numa obra que não satisfizera o autor, mas o pai; gozei o olhar brilhante do Guilherme, o voo das mãos que tentavam ajudar-me a imaginar a casa. E não hesitei: abdicar de parte do meu sonho era um preço baixo para ver o seu partir à rédea solta.
Erro crasso, Guilherme desenhara exactamente o que lhe pedira, eu é que confundia materiais e arquitectura, forma e vida. Cantelães lembra o título de um dos meus blues favoritos – A Room with a View. Porque os quartos, no seu recato, recebem o abraço da sala, do corredor, da cozinha, num anel envidraçado que se derrama sobre a paisagem. Que burrice minha! – o rapaz trouxera a varanda para dentro da casa…
Que me acolheu bem, mas à experiência. Compreendo-a, os amores á primeira vista são tórridos e frágeis. Um ano decorrido, é um lar. Quando me deito e lanço um olhar aos meus, emoldurados na mesa-de-cabeceira, distribuo o carinho em partes iguais. Mas reservo um obrigado ao Guilherme, por nos presentear com um acolhedor pingo de talento.
Estranha árvore familiar, em que um ramo semeia as raízes…

sexta-feira, novembro 04, 2005

Ambivalência herética:).

Saí do concerto de Steve Vai com "mixed feelings". Devo dizer, antes de mais, que gostei do homem. Ao fim de 25 anos na estrada, o seu sorriso pareceu-me espontâneo e caloroso, a história deliciosa sobre o humor de Zappa não era de "plástico". Depois, a música: guardarei sempre esta recordação privilegiada, o pequeno conhecimento da sua obra não me preparara para um virtuosismo inacreditável. Ainda por cima, emoldurado por um conjunto de outros músicos excepcionais.
Como consegui, então, sair "dividido"? Por vezes senti que o rock perdia terreno face à técnica. O concerto foi longo, felizmente, duas horas e meia bem medidas. E até por isso, aqui e ali, achei que o referido virtuosismo se tornava um fim em si mesmo e não um meio, nada acrescentou à minha admiração por Vai saber que consegue tocar com a língua, por exemplo!Dei comigo a caminho de casa, feliz pelo privilégio de assistir ao espectáculo. Mas lamentando ser já tão tarde, apetecia-me ouvir um riff de Keith Richards ou as guitarras ingénuas dos Creedence Clearwater Revival. Uma palavra para a primeira parte: como em todo o concerto, os decibéis estavam demasiado à solta (digo eu, que sou velhinho!). Mas curti o grupo, tocava uma espécie de "hard-blues" muito fixes.
Entrei às nove e saí a caminho da uma. O silêncio no carro era ensurdecedor:)))))).

quinta-feira, novembro 03, 2005

A "luta pelas audiências".

Infelizmente, não acontece apenas nas televisões e rádios. Há largos meses fui contactado para participar em determinado Congresso. Declarei-me indisponível e ofereci-me para pedir a uma colega que fizesse a intervenção sobre o tema solicitado. Chegada ao Encontro, ela verifica que o meu nome consta do programa oficial e definitivo. Nenhuma explicação para a minha "ausência" foi dada aos participantes. Ou seja: uma colega faz figura de segunda escolha, eu de pessoa que falta a compromissos à última hora e quem se inscreveu para - entre outros palestrantes - me ouvir..., de parvo! Não é a primeira vez. Até já figurei no programa de Reuniões que desconhecia terem lugar!
Nada disto é sério. Tudo isto é triste.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Breves.

A JSD, ao pedir a suspensão dos processos por interrupção de gravidez por via legislativa até ao referendo, agiu bem. Aliás, manda a verdade admitir que na campanha do referendo anterior fui mais solicitado para debates sobre o tema pela JSD do que pela JS. O chamado efeito gutérrico...


Moon,
Desculpe lá a insónia:(. Claro que era sobre os vivos, o passado, o fim do amor.

P.S. A vírgula era criminosa:).

terça-feira, novembro 01, 2005

E os "culpados" pela música são...

... os suspeitos do costume: Noisy and Vic!!!!!! Yeahhhhh (como diria o Cocas dos Marretas:)))).

Lobices,
Tudo bem consigo?

1 de Novembro.

Mortos que não são mortos,
fantasmas de carne e dor.
Portos que não são portos,
amarras órfãs de amor.


P.S. Não, divorciado e solteiro não é o mesmo em termos de disponibilidade para juntar os trapinhos, mas existem variações nos dois sentidos:). Mais curioso me deixa a eventual diferença entre casado e quem coabitou, há vertentes simbólicas envolvidas.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Para a ameninadalua.

Fomos ontem! Chovia que Deus a dava, associámos a Inverno, Inverno a Janeiro, Janeiro a luar..., e pronto:). Cabrito extraordinário, porco preto divino, tinto a condizer, patrão sempre atento... Enfim, nem jantei!
Mas hoje, como amanheceu um sol envergonhado, funcionámos assim: que pena!, vamos embora na Terça; e Quarta trabalhamos:(; mas na Quinta temos o Steve Vai na Casa da Música!; Quinta?; Herdade..., e se visitássemos a do Esporão? E lá fomos. Bela visita, mas o restaurante fica longe do Luar e do Fialho. Contudo...: não janto outra vez!:).

sábado, outubro 29, 2005

O elogio da ignorância.

Aproveitei a "ponte" e trouxe a família a Évora, o seu branco tem o condão de me repousar a alma. Mas não de estimular os neurónios:(. No caminho a luz do óleo acendeu-se. Telefonei para a BMW em pânico. Tranquilo, Prof! Mandaram-me verificar o nível do mesmo e adicionar um litro de xpto30não sei quê. O nível estava abaixo do mínimo. Decidi não correr riscos e afinfei-lhe com dois litros. Telefonema orgulhoso para a BMW. Silêncio horrorizado, era de mais. Chegar a Évora e verificar de novo. Se acima do máximo..., fazer uma sangria à besta. Enfiei a vareta e empurrei com desespero várias vezes. Acima do máximo... 45 minutos à procura de quem me aspirasse o óleo em vez de levantar o carro para o deixar esvair-se. Aterrei no Service-Marché. Preenchi fichas; esperei; agradeci a disponibilidade ao Sábado. O homem chamou-me, perdido de riso - o óleo estava no intervalo normal. Expliquei com paciência que era impossível, tinha verificado a maré cheia há meia-hora. Ele perguntou como, e eu disse. Ao que respondeu com lógica aristotélica - se me encarniçava com a vareta o nível do óleo subia porque não tinha para onde fugir! Mandou-me em paz e com a algibeira indemne. E perante humilhação tamanha, refugiei-me no Fialho e cumpri religiosamente a dieta: presunto, bacalhau assado, cordeiro da mesma forma e bolo de chocolate com gelado de baunilha. Depois vim contar-vos, não quero idealizações murcónicas:) - sou uma besta!

P.S. 17 of December it will be! Merry Christmas, maralhal.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Sentavas-te junto à esteira.

Sentavas-te junto à esteira
e acendias os cabelos numa lágrima.
Em silêncio ias moldando entre os dedos
luas muito cheias que depois me ofertavas,
dizendo, abre no meu rosto
um poema a pique por onde a luz se despenhe.
Só tu conhecias a inclinação certa do cachimbo,
a púrpura linguagem do fumo,
a revelada cadência dos sonhos.
E eu amava-te pela maneira como os barcos
sangravam nos teus lábios.

Jorge Melícias, Iniciação ao remorso.

quarta-feira, outubro 26, 2005

O seu a seus donos:)

Agradeçam os Beatles ao Noise e ao Viktor. É bom ter música de novo no Murcon:).

Satisfaria hoje Hipócrates o seu juramento:)?

"Hipócrates" cita o belo juramento atribuído..., ao outro Hipócrates:). E um tipo interroga-se, que pensaria hoje dele? Os avanços tecnológicos da Medicina puseram questões insuspeitadas, não por acaso a Bioética é uma área em permanente ebulição. Quanto aos inegáveis e tradicionais privilégios da Instituição Médica - com as óbvias variações nas práticas individuais que cada um de nós conhecerá - eles radicam, por exemplo, no emergir da Medicina como sistema moral em sociedades cada vez mais laicas. A "imposição" de estilos de vida saudáveis é um sinal do estatuto atribuído a quem trata, cura, retarda a morte. E no entanto, os inquéritos mostram que, à mistura com esse temor quase reverencial, cresce um descontentamento que já nada tem de surdo e se baseia numa relação médico-doente assimétrica, em que o segundo é tratado como portador de sintomas e o primeiro assume a condição de único Sujeito. Tristemente, o exponencial aumento do poder terapêutico foi acompanhado pelo desleixo relacional, substituído por uma fé optimista e preguiçosa nos meios auxiliares de diagnóstico.

Honra lhes seja!

CONSELHO DEONTOLÓGICO DO SINDICATO DOS JORNALISTAS DÁ RAZÃO À QUEIXA APRESENTADA PELA APF CONTRA AS JORNALISTAS DO JORNAL “EXPRESSO”



“5. Tendo analisado os factos, à luz das peças do processo, o Conselho Deontológico emitiu a seguinte Deliberação

1. Considerar que os autores da peça jornalística, bem como o jornal responsável pela edição, não souberam escudar-se no distanciamento que a prática profissional aconselha, nem evidenciaram suficiente rigor de tratamento da matéria nem tão pouco atenderam à diversidade de opiniões ideológicas e técnicas, para mais numa matéria socialmente fracturante.
2. Lamentar que os autores e o jornal tenham ignorado o princípio do contraditório, segundo o qual “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”. A observância do 1º artigo do CD não poderia aqui ser dispensável. Ouvir “a outra parte” é um imperativo sem discussão.


P.S. Peço desculpa, cortei parte do Comunicado da APF por razões de espaço, mas o fundamental está aqui.


Notícias do Murcon:) - O nosso camarada RAM lançou ontem o seu primeiro livro de poesia - Pleroma -, publicado pela Cosmorama. Tive oportunidade de assistir e gostei. Perdoarão um adjectivo que já raramente ouço: foi um lançamento singelo. Como convém à poesia...

terça-feira, outubro 25, 2005

O velho doce e a harmónica.

O concerto de Toots Thielemans na Casa da Música foi inesquecível. Para além - ou dentro? - da música, viu-se um homem de sorriso doce e maroto, fiel às raízes e ainda ávido de futuro. Constatar que muitos dos seus cúmplices do jazz estão mortos não foi pretexto para velório sorumbático, mas para luminosa celebração. E talvez isso explique muito - Toots brinda-nos com música que jorra de um ponto a meio-caminho entre a plateia e um Olimpo musical:). Como se através de Toots os outros tocassem ainda. E através deles Toots aflorasse já a perfeição.

segunda-feira, outubro 24, 2005

As trobairitz.

Curioso é verificar que as poucas mulheres que nos deixaram poesia trovadoresca a abordavam de forma diferente dos homens. Não nas regras poéticas, mas no "realismo" dos temas. Muitos autores chegam a dizer que os homens faziam da poesia uma competição artística e as mulheres falavam do que verdadeiramente acontecia nas relações. E acontecia bem mais do que pensámos até algumas décadas atrás:).


P.S. Que me perdoem os especialistas, qualquer correcção é bem-vinda.

domingo, outubro 23, 2005

A "Idade das Trevas".

Foi assim que me descreveram a Idade Média na disciplina de História:(. Ao ler-vos, pensei quantos anos foram necessários para ouvir pela primeira vez a expressão Renascimento do século XII, por exemplo. Ou conhecer um bocadinho da poesia trovadoresca... Aqui vos deixo parte de um poema desse genial malandreco:) que foi Guilherme de Poitiers, nono Duque da Aquitânia:


J'ai en effet pour nom maître infaillible
et jamais mon amie ne m'aura une nuit
qu'elle ne me veuille avoir le lendemain
car je suis bien de ce métier, je m'en vante
si instruit
que je puis en gagner mon pain
en tous marchés.


Que ego!:).

sexta-feira, outubro 21, 2005

Ponto de ordem.

Maralhal,
Um pouco de serenidade vinha a calhar, não acham? O Porty é uma pessoa especial para este blog, mas episódios destes já aconteceram e voltarão a acontecer. Porque compreendo a preocupação expressa pela Pamina, sinto-me no direito de dizer o seguinte: o Porty deixou-nos por razões exclusivamente relacionadas com outros frequentadores do blog. Não houve qualquer problema de saúde envolvido ou conflito entre nós os dois. Determinadas coisas não lhe agradaram, decidiu partir. Ponto final, parágrafo.
A liberdade não é uma festa permanente de irmaozinhos celestiais. A liberdade não existe, existem pessoas livres. Que tomam decisões pelas quais se felicitam ou das quais se arrependem. E que, como é o meu caso, prosseguem o caminho, respeitando quem tomou um diferente. Não esperem de mim que tome partido nas vossas disputas pessoais, jamais o farei, seria infantilizar-vos. Recuso um papel parental que nunca desejei. Com sorte, de vez em quando serei um catalisador de discussões temáticas. Muitas vezes nem isso, apenas uma opinião entre todas as outras. Total e ferozmente livres. Doa a quem doer...

Esclarecimento.

O Porty acaba de me comunicar que não voltará a colaborar no Murcon. As suas razões, que teve a gentileza de comigo partilhar, pertencem-lhe; bem como a opinião sobre elas, que lhe transmiti, só a mim diz respeito. Fica o agradecimento a quem teve uma enorme trabalheira para fazer o blog e não apenas nele participar.

No rasto das infidelidades.

Recordava-se de tudo: das mentiras, das manhas, das palavras grosseiras, dos silêncios insolentes, da dureza sob a capa da brandura: a memória, se não o coração, era impiedosa".

Marguerite Yourcenar, Como a água que corre.


Memória e coração divergem não poucas vezes...

quinta-feira, outubro 20, 2005

Vivo por milagre!

Chega um tipo a casa, depois de um dia de trabalho e uma hora de caminhada, e leva com o hino dos Dragões sem aviso?????!!!!!! Ó Porty, o meu coração já não é o que era, cuidado:). Mas pronto, parabéns ao FCP, que a arrogância dos italianos também me irrita.
Quanto à minha frase que foi citada - "a fidelidade, se não for espontânea, morre" -, devo dizer que a escrevi a pensar naquela teoria simplista "não meti o corpo dentro - ou fora:) -, não fui infiel". O Noise talvez se lembre, eu já me esqueci, mas havia um estudo com piada sobre o assunto. Perguntava-se a homens e mulheres heterossexuais o que os chocava mais: ser fisicamente enganado ou fazer amor com um parceiro que pensava numa terceira pessoa para se excitar. Se bem me lembro, as mulheres distribuíam equitativamente a sua irritação, enquanto os homens eram bem mais "tolerantes" com a segunda hipótese. Explicação dada: era chato, mas pelo menos não havia "traição a sério". E ainda não havia internet ou telemóveis...
Ser fiel à moda canina parece-me incompatível com o erotismo. Apreciar a beleza de alguém que passa pode ficar pelo registo da admiração estética, adivinhar-lhe a sensualidade torna difícil a domesticação do desejo. Ser fiel ao outro não pode ser um objectivo alcançado através de trabalho árduo de auto-castração do imaginário, mas sim uma verificação aliviada, divertida, grata. Às vezes efémera, se nos reportarmos ao psíquico. Não vejo que seja trágico ou anti-natural, trágico é chamar-lhe infidelidade. Porque nesses momentos, quando a relação está viva, a imagem do outro surge, repondo as prioridades, se necessário.
Estou de acordo com os que de vocês dizem ser possível amar uma pessoa e apaixonar-se por outra, mas rezo para que não me aconteça, a nossa energia psíquica não é movida a pilhas duracell e pifa, mais dia, menos dia. Ou mais ano, menos ano:).

quarta-feira, outubro 19, 2005

Paixão duracell?

A propósito do post do García Márquez: a paixão alberga sementes de auto-destruição. A violência, avidez e exclusividade, como poderiam durar anos e anos? Mas será essa constatação necessariamente uma desistência? Não creio, o tempo esconde enormes potencialidades. O conhecimento íntimo não é possível durante a paixão, ela traduz-se num jogo de imagens e não de "pessoas reais". Mesmo o erotismo ganha com o tempo, que permite o aprofundar das fantasias individuais e a sua integração num "argumento partilhado". Na minha profissão ouço muita gente que o afirma e deseja permanecer na relação. E contudo vê-se obrigada a gerir as saudades da adrenalina da paixão. Lá dizia Freud, no fundo não queremos desistir de nada:).

terça-feira, outubro 18, 2005

O Brasil..., em polvorosa!

Receberam isto?


Sou Católico: Posso ser contra o Desarmamento?

1. Como todos sabem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tomou posição a favor do desarmamento e está fazendo uma campanha intensiva, utilizando-se inclusive dos sermões dos padres nas igrejas, para convencer os católicos a votarem pelo sim, ou seja, pelo desarmamento dos cidadãos.

2. Eu, como católico, estou obrigado a acatar essa orientação da CNBB? Absolutamente, não! A doutrina da Igreja, pelos seus doutores e moralistas, inclusive o grande Santo Tomás de Aquino (cf. S. Th., II-II, q.64, a.7), reconhece o direito à legítima defesa.

3. Até mesmo o recente Catecismo da Igreja Católica reconhece esse direito: "A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para quem é responsável pela vida dos outros, pelo bem comum da família ou da sociedade" (Catecismo da Igreja Catolica, nº 2265 - traduzido do texto em Castelhano do site do Vaticano: www.vatican.va).

4. O Evangelho apresenta passagens que justificam o porte e o uso de armas. Veja-se, nesse sentido, S. Lucas: "Quando um valente armado guarda a entrada da sua casa, estão em segurança os bens que possui" (Lc. 11,21). Podemos citar ainda as seguintes frases de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Quem não tem espada, venda sua túnica e compre uma"(Lc. 22,36). Quando S. Pedro feriu a orelha de Malco, Jesus disse-lhe para guardar a sua espada na bainha, não mandou que se desfizesse dela (Jo. 18,11). O próprio Jesus, quando expulsou os vendilhões do Templo, usou um chicote feito por Ele mesmo. O chicote, naquelas circunstâncias, desempenhou o papel de arma.

Verifica-se assim, com o devido respeito, que esses Srs. Bispos não parecem estar reconhecendo o princípio católico da legítima defesa.

5. A quem aproveita o desarmamento? Vocês já observaram que a generalidade dos comunistas, ex-guerrilheiros, esquerdistas radicais, teólogos da libertação, gente do MST etc. são todos favoráveis ao desarmamento?

Notem como muitas dessas pessoas são partidárias do ditador comunista Fidel Castro, de Che Guevara, de Luiz Carlos Prestes e de outros revolucionários sanguinários, e que defendem o MST e outros movimentos invasores de propriedades.

6. Qual será a verdadeira intenção de vários daqueles que querem desarmar os cidadãos honestos deste País, enquanto os criminosos, com certeza, vão continuar armados?

7. Acredito que meu dever de católico e de brasileiro é votar NÃO!

Aguardo vossa valiosa opinião.

Prof. Fernando Gutierres

Núcleo de Estudos sobre a Criminalidade

Rio de Janeiro RJ

segunda-feira, outubro 17, 2005

Também quero:).

"Loucamente apaixonados ao fim de tantos anos de cumplicidade estéril, gozavam o milagre de amarem-se tanto à mesa como na cama e chegaram a ser tão felizes, que quando eram dois velhos esgotados ainda continuavam a traquinar como coelhinhos e a discutirem como cachorros."

García Márquez, Cem anos de solidão.

domingo, outubro 16, 2005

À revelia da Comissão.

Amigo, temos veias importunas:
não é o sangue que arde, mas nós que o violamos
e trazemos de longe aonde estamos
ausências de vento nas escunas.
Por isso a custo navegamos
quase com raiva ou medo ou até pranto
- que o vento é sempre santo.

Pedro Tamen, Daniel na cova dos leões.

Obrigado a todos por serem o vento do Murcon.

Comunicado da CCL (Comissão contra a Lamechice).

COMUNICADO


Por decisão unânime, a Comissão decidiu proibir a publicação do texto de hoje do Professor Machado Vaz no Murcon. A lamechice do mesmo constituiria um péssimo exemplo para a juventude dos dias de hoje, que na nossa opinião deve ser educada à base de palavras de ordem como "o mundo é dos espertos", "sacaneia primeiro, conhece depois", "amigos só em certas ocasiões" e "menos carinho, mais gravetozinho". Numa demonstração da total abertura que norteia as suas actividades, a Comissão permite a publicação (de parte) da última frase do texto.
A Bem da Nação,
O Porta-Voz,
António Bico Calado.


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sábado, outubro 15, 2005

Stardust memories:).

Stardust,

Essa população é "só" contituída pela maioria das pessoas que acorrem a uma consulta de medicina geral. O sofrimento é muitas vezes "traduzido" em queixas corporais sem base orgânica. Por outro lado, a globalização da informação, interesses comerciais e o stress vêm gerando uma sociedade cada vez mais hipocondríaca. Junte-lhe o evidente discurso "moral" da medicina: se pecas no estilo de vida..., quinas! O que levanta problemas de liberdade individual e responsabilidade "colectiva": tenho ou não o direito de me marimbar nos estilos de vida saudáveis e viver como me apetece?; quem poderá sofrer com uma opção que talvez convide a grande ceifeira a visitar-me mais cedo?
Outro ponto - a dificuldade da medicina em lidar com o sofrimento é uma das razões que explicam o florescer de alternativas que vão do absolutamente respeitável ao charlatanismo puro. Se a instituição médica recusar a priori tudo o que não jorra da medicina ocidental perderá recursos terapêuticos. E agravará o fosso com abordagens que lhe levam a palma na escuta do doente. Que só por isso, voltará. E, às vezes, só por isso melhorará...

sexta-feira, outubro 14, 2005

Outra dicotomia.

Nem sequer perderei tempo com a cartelização das empresas farmacêuticas, foi surpresa para alguém? Pobres diabéticos... E pobres de todos nós, que pagamos impostos!
Em relação à medicina: ontem falámos de prevenção vs. tratamento. Ou, de modo mais global, de promoção de saúde vs. tratamento. Outra dicotomia omnipresente é a que opõe as queixas funcionais às de clara explicação física. As primeiras predominam largamente, e contudo são, por vezes, "olhadas por cima do ombro". Tais queixas, na sua orfandade científica, partilham com as outras o âmago da profissão: o sofrimento (palavra que extravasa em absoluto uma outra - dor). E devem ser respeitadas. Até porque:

"Se a doença não orgânica é capaz de enganar o médico, como não enganaria o doente?" Marcel Proust.

O objectivo dos doentes não é moer a cabeça dos médicos:))))), apenas ser ajudados.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Dicotomia escondida com rabo de fora.

O Congresso tem sido bom, reconheço-o com gosto. Mas dos dois primeiros dias para o terceiro a assistência não se limitou a aumentar; mudou. Não é uma surpresa. Da vertente curativa passámos para a preventiva e cuidadora. E o número de médicos diminuiu de imediato. Já é bom que as duas organizações sejam conjuntas, mas é imperioso que os temas se misturem e as populações profissionais trabalhem em equipa com maior frequência.

terça-feira, outubro 11, 2005

Na estrada.

Mais um Congresso. Mais um quarto de hotel. Mais uma voltinha, diza-se nos carros de choque da minha infância. Há um tempo para tudo e o meu de saltimbanco expirou. As salas, o ar condicionado, os anúncios de propaganda médica. Os microfones que me fazem suspirar pelos anos em que não necessitava deles. Os computadores e as mil piruetas do power-point. Os públicos, que respeito mais do que nunca no meu trabalho, mas sem o gozo de outrora. Há um tempo para tudo. Voltar a Cantelães para polir o livro. Ver o corte de cabelo castrense do Gaspar, que de bebé caminha a passos largos para puto reguila. A doçura adoentada do Tiago. A família reunida no D'Oliva, sob o meu olhar enternecido e grato. Os Byrds irrompendo no livro para ficarem, "To everything, turn, turn, turn.../There is a season, turn, turn, turn...". Há um tempo para tudo, mas não há tempo para tudo. Longe dos meus e do projecto que verdadeiramente me interessa agora, sinto que as prioridades estão de pernas para o ar. Vou falar de sexualidade e envelhecimento. É um bom tema, com saúde a sexualidade refina-se com os anos, a sofreguidão da juventude afunila os sentidos. O envelhecer e o VIH, uma relação perigosa por desleixada pelos técnicos, também eles apanhados pela visão assexuada dos mais velhos. Não pensando, por exemplo, que a geração dos baby-boomers não envelhece na obediência a tantos mitos como a de seus pais. Felizmente:)))))).

domingo, outubro 09, 2005

Como previsto.

Ninguém leu aqui uma linha sobre as autárquicas portuenses. Não desejava ser acusado de sequer beliscar a candidatura do Dr.Francisco Assis. Realcei a consideração que me desperta como homem e político nas páginas do JN, aquando de tristes factos ocorridos em Felgueiras. Votei nele. E não apenas por considerar desejável bater a actual maioria, a sua campanha foi digna e em merecido crescendo. Se não posso repetir as palavras de esperança de há quatro anos, pois o Dr.Rui Rio defraudou as minhas expectativas como Presidente da Câmara, considero a sua lista bem melhor do que a anterior, o que beneficiará a cidade. Devo acrescentar que tal afirmação não nasce da ausência do Dr.Paulo Morais, que também nas páginas do JN sugeriu o que ninguém sugerira antes ou sugeriu depois: estar eu ao serviço do PS. Não, penso que vai entrar gente mais capaz e ponto final, saúdo presenças e não ausências. Não só não faço fretes ao PS, como lhe aponto o dedo quando acho adequado. E hoje aqui, como há meses em privado, digo o mesmo: a candidata natural para estas eleições seria Elisa Ferreira, embora pense que Rui Moreira também poderia ganhar. A fraca oposição protagonizada pelo PS-Porto durante quatro anos, somada a um evidente enquistamento na hora das escolhas apadrinhado pelo próprio Secretário-Geral, conduziu a esta derrota. Infelizmente, e como outras vezes, não creio que lhes sirva de lição...

P.S. Um enorme abraço ao povo de Amarante :)))))))))).

sábado, outubro 08, 2005

Em dia de meditação conjunta:)

Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra "amigo".

"Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

"Amigo" (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!

"Amigo" é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

"Amigo" é a solidão derrotada!

"Amigo" é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
"Amigo" vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill, Poesias Completas.

sexta-feira, outubro 07, 2005

É triste, mas sabido:(.

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=593257

quarta-feira, outubro 05, 2005

O outro aniversário.

Há cinquenta anos, meu Pai declarava, com exibicionista pompa e circunstância e riso clandestino: "5 de Outubro. Feriado nacional. Sabe porquê? A Senhora sua Mãe faz anos!". (Acho que seria incapaz de brincar a respeito da amada Primeira República por outra razão que não fosse o amor da sua vida...). O facto não me surpreendia, considerava natural que a importância dela extravasasse a casa de Anselmo Braamcamp e inundasse o país:). Hoje visitei-lhe a sombra silenciosa. A boa da D.Maria José tinha posto um dos seus discos a tocar e eu fiquei surpreendido com tão cruel "estereofonia": da mesinha de cabeceira jorrava a voz de minha Mãe, tão cristalina e real que parecia desafiar para dueto e vida a bela senhora de olhos fechados no sofá. A canção não podia ser mais apropriada: "Diz-me onde te perdes, para te ir lá buscar". Eu sei. À superfície no Alzheimer, lá no fundo - ou lá em cima... - nos braços de meu Pai.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Para evitar o pânico e a vergonha entre os murcónicos...

... apresso-me a esclarecer, em relação ao poema de Pedro Tamen, que apesar de vários e dolorosos naufrágios e não poucas violentas abordagens, nunca desisti da minha modesta navegação. E digo modesta, por ter tido sonhos que incluíam mares longínquos, Adamastores vencidos, Índias acolhedoras. Não aconteceu. Mas as águas tranquilas e irmãs da praia em que navego não traduzem calmaria resignada. Apenas a convicção de que a brisa, se a mão do leme está calejada por alguma sabedoria feita de nódoas negras, é suficiente para atingir o meu objectivo. Qual? Não sei, talvez só continuar!