terça-feira, setembro 23, 2014

sábado, setembro 20, 2014

Boa noite, gente.

quarta-feira, setembro 17, 2014

A náusea.

E o neto perguntou ao Avô,
- Como voam os pássaros?
O ancião afagou-lhe os caracóis e corrigiu-lhe a abençoada curiosidade,
- Isso é um problema aerodinâmico, querido. Fascinante, concedo. Mas a pergunta fundamental não é essa.
O miúdo confiava nele.
E por isso,
- Qual é, então?
Abraçando a sua curiosidade,
- Por que voam?
Surpreso,
- Porque são pássaros.
Do alto de tantos anos (sobre)vividos,
- Porque algo os enojou aqui em baixo.
O miúdo não entendeu, mas sentiu que ele dizia a verdade. Refugiou-se-lhe no colo.
E perguntou,
- Como sabes?
Sorriso doce, beijo leve, gratidão a perder de vista,
- Não me deixaram ir com eles.
Aqueles olhos enormes...
- Mas estão à tua espera, querido, estão à tua espera.
E abraçou-o com tranquilo desespero, antes de regressar ao pó que limpara dos calções do miúdo.
Que a pouco e pouco o esqueceu. Mas um dia foi aceite pelos pássaros e nunca experimentou a náusea.

À sombra de Montalbán.

Maria,
Ao fundo dos nossos túneis - com sorte... - há pessoas luminosas.
O famoso barbeiro era no Liceo às 17, fiz um esforço titânico para organizar o dia. Às dez e meia estava no Refugi 307. Eu e mais seis ou sete desperados, a jovem guia perguntou-nos como tínhamos descoberto o sítio, aparentemente grande parte dos habitantes de Barcelona nunca ouviram falar dele. Os livros têm destas coisas... A miúda não o fazia pelo dinheiro, Deus a abençoe, guardava memórias que não lhe pertenciam. Um silêncio respeitoso emoldurando a sua voz: a enfermaria que não tinha médicos, enfermeiros ou espaço; a fonte abençoada; o túnel sinuoso para evitar que eventuais estilhaços tivessem o trajecto escancarado para despedaçar mais corpos; a sala para as crianças que abateu antes de ser usada; a humidade, vestindo as paredes. No pior dos bombardeamentos ficaram lá três dias seguidos... Enquanto os caças de Mussolini pintavam a sua Guernica, "viva la muerte". Saí de lá a sentir-me culpado por coisas que não fiz, como se o horror, democrático, irmanasse algozes e vítimas; filhos e pais; republicanos e franquistas. Valeram as histórias do meu Velho, puxaram-me do nevoeiro para a chaveta "eles e nós", as suas palavras asseguravam que tínhamos Dios de nuestro lado. Saí dos túneis e havia luz, mas não pessoas, perdão!, havia uma - a miúda agradeceu-nos, pediu para contarmos a outros e não aceitou dinheiro; havia uma.
Voltei ao hotel, não foi difícil ficar menos mal vestido. Da recepção confirmaram a reserva. Para as 15, spanish style. E eu lá fui. De peito feito, entro e digo que venho da parte de Pepe Carvalho, "como o que me servirem". Acabei a dizer que tinham telefonado do hotel 1898. A mesa do canto. E na parede o pai de Pepe Carvalho mirou-me com desprezo, Montalbán fazia de Cristo e eu de Pedro, "vais-me negar três vezes antes da sobremesa".
A matriarca e um olhar de benévola Inquisição. Uma palavra ao chefe, que consultou o livro. Eu levantei-me, ela virou-se, encontrámo-nos a meio caminho, o sorriso aberto, "bienvenido señor Ferrêra". Recordara a face e juntara-lhe o nome fornecido pelo hotel, coisa rara, geralmente privilegiam o Machado.
Outra pessoa ao fundo dos meus túneis, Maria.
De novo me falou do marido lusitano, toureiro e morto, eu escutei pela primeira vez, era o mínimo que podia fazer. E no fim da refeição abracei-a e murmurei-lhe ao ouvido o maior elogio que me ocorreu, "Montalbán tinha razão". À saída o olhar da fotografia era mais suave, por um momento pensei que deixaria a parede e ocuparia a mesa favorita. Ela gritaria para cozinha e empregados, todos se precipitariam para Manolo, alegadamente morto em aerogare longínqua, mas ressuscitado e cheio de fome, talvez me deixassem ficar e assistir a um dos festins de Pepe Carvalho, o detective galego amante de Barcelona criado por Montalbán.
Outra pessoa ao fundo dos meus túneis, Maria, nunca deixei que a morte mas roubasse, se não posso evitar a escuridão, posso, pelo menos, escolher as luzes que realça, como diria o Vergílio Ferreira. E mantê-las vivas, quando em tantos corações assisados e realistas se vão apagando, talvez inúteis por selados os túneis.
Por que sobrevivem os meus?
A música no Liceo fez-me pensar numa resposta - porque são as únicas passagens para a outra margem, com licença dos Jafumega.
Dorme bem.

segunda-feira, setembro 08, 2014

O Sancho em falso...

Maria,

Tres voltas a igreja em trote paulatino, cavalo de alta escola chumbado. A tua voz, dentro de mim, sussurra que procuro como guio. O desejo de sobre ti assestar canhoes agressivos que espreitam a minha incompetencia,
- Sei, nao pergunto. Admira-me que nao fales dos homens em geral.
Suavidade de mau agouro,
- Nao disse os homens, mas podía ter dito. Acontece que estas a fumegar e talvez seg...uisses o conselho do querido bardo - agir duas vezes antes de pensar. Ou falar... Brindando-me com alguma barbaridade, a coberto de um dito ciume por amor, do tipo
- Vejo que visitas com frequencia igrejas escoltada por admiradores.
{Era bem possivel o remoque...).
- Como imaginas, e por respeito ao local, o minimo que ouvirias seria que nao tens nada com isso. O minimo.
Encabulado,
- Devias escrever argumentos para telenovelas.
E dirigi-me ao senhor que distribuia velas por senhoras idosas da minha idade.
Tranquilo,
- Ignoro.
Ignorava... Desconhecia o paradeiro do túmulo de Pedro, o Condestavel, que antes de ali o ser o fora em Portugal, intrigas na Corte resolvidas em Alfarrobeira, a sorte caira para o outro lado. Ignorava... Exportamos super-herois desde muito antes do Figo e do CR7, caramba. Descrevi o personagem e sua bela espada, famosa em todo o mundo, e com ele enterrada num raio de poucos metros, pus-lhe o livro debaixo do nariz.
O nariz nao, mas os olhos iluminaram-se,
- Ah, a pedra do portugués.
Tumular, presumi eu. Mal. Um calhau encolhido num canto de capela menor. Olhar interrogativo feroz.
Encolheu os ombros.
- Muita gente enterrada nas paredes da igreja, a pedra seria talvez do túmulo,. nao sei, pedra do portugués para todos.
Retirei-me de rastos, pernas e animo pelas ruas de distraída amargura. Distraidos tambem os neuronios, nao percebi a ternura que me oferecias pela palavra, a frustracao agarrou-se as duas ultimas como uma lapa.
- Deixa, nao encontraste o príncipe, mas eu sim, es o meu cavaleiro da triste figura.
Bastou agir uma vez antes de pensar.
- E tu o meu Sancho...
Em verdade o digo - teria preferido defrontar moinhos de vento sanguinarios do que o teu silencio.
Elegantemente gélido.

domingo, setembro 07, 2014

Bom Domingo.

A mulher de Jesus

por ANSELMO BORGESOntem
DN.

Uma coisa bem natural: querer saber como se relacionou Jesus com a sexualidade. Uma questão que foi por séculos tabu. Até metia medo pensar nisso. Por um lado, afirmava-se que Jesus é verdadeiramente homem, mas, logo a seguir, nem pensar em sexo quando se falava dele. Praticava-se o docetismo, uma heresia que afirmava que Jesus tinha aparência de homem, mas, verdadeiramente, era outra coisa: apenas parecia um homem.
Agora, o tema está sobre a mesa e pergunta-se abertamente: se Jesus era um verdadeiro homem, como viveu a sexualidade, como se relacionou com as mulheres? Numa obra recente, Jesús y las Mujeres, Antonio Piñero, um dos mais respeitados especialistas em cristianismo primitivo, com a vantagem de não ser crente, pergunta inclusivamente se Jesus era homossexual ou bígamo, negando, com fundamento, uma coisa e outra.
Os exegetas mais conceituados reconhecem que, também no que se refere às mulheres, Jesus operou uma revolução. Por princípio, as mulheres não deviam falar com um homem em público, o seu testemunho não tinha força, eram definidas como uma "lua", recebendo o seu brilho do "sol", que era o homem, eram impuras por causa da menstruação. Jesus não atendeu à impureza ritual, falou com a samaritana, uma mulher que tinha tudo contra ela - herética, estrangeira, com vários homens na sua vida -, teve discípulos e discípulas, fazendo-se acompanhar por eles e por elas nas suas tarefas apostólicas. Como escreve o teólogo X. Pikaza, "Jesus rompeu com todas as tradições culturais do seu tempo e trata a mulher como igual"; "homens e mulheres aparecem no seu projecto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro"; "não quis sacralizar a sociedade patriarcal da sua época" e "fundou um movimento de homens e mulheres, contra os rabinos da sua época, que não admitiam as mulheres nas suas escolas". E A. Piñero: "Jesus foi um rabino relativamente anómalo no panorama dos doutores da Lei do século I, porque teve um ministério activo no qual as mulheres não só estavam presentes, mas eram discípulas." Inclusivamente constata-se que as mulheres foram as discípulas mais fiéis e destemidas: "De facto, ao chegar a provação da Cruz, os Doze abandonam-no; elas, pelo contrário, permanecem fiéis até ao fim" (Pikaza) e foi Maria Madalena quem primeiro teve a convicção avassaladora de fé de que ele está vivo em Deus.
O Talmude diz: : "Quem não tem mulher é um ser sem alegria, sem bênção, sem felicidade, sem defesas contra a concupiscência, sem paz; um homem sem mulher não é um homem." Mas existe igualmente consenso quanto ao celibato de Jesus, pelo menos durante a vida pública, o tempo da pregação, desde o baptismo até à morte. Escreve o famoso exegeta americano John P. Meier: "Jesus nunca se casou, o que o transforma num ser atípico e, por extensão, marginal na sociedade judaica convencional." Maria Madalena teve um papel especial na sua vida, mas não foi sua mulher. E o famoso papiro, presumivelmente do século IV, em língua copta, de que tanto se fala desde 2012?: "Jesus disse-lhes: a minha mulher.../poderá ser minha discípula..." Conclui A. Piñero: "O cepticismo radical é a posição mais recomendável quanto ao conteúdo deste brevíssimo documento."
Decisivo é que Jesus, infringindo os preceitos patriarcais, deu início a um movimento inclusivo de homens e mulheres, sem discriminação. A Igreja Católica ainda não tirou daí todas as consequências.

sexta-feira, setembro 05, 2014

quinta-feira, setembro 04, 2014

Boa noite, gente.

terça-feira, setembro 02, 2014

Vintage Cohen.