Maralhal,
Um bom 2007! Em breve acontecerá um novo ataque das esdrúxulas Produções Murcon, sempre fiéis ao seu lema - conseguir fazer ainda pior! Eu, pelo menos, consegui - apanhei uma gripe à beira-rio:).
domingo, dezembro 31, 2006
sexta-feira, dezembro 29, 2006
A coberto do balão da Brigada:).
Cantelães. Só saio daqui em 2007. A idade traz a aceitação. Alguns dos meus amigos não percebem como posso meter-me cá em cima no fim-de-semana da passagem de ano. Outros vêm ter comigo:). A aceitação, dizia eu. Compreendo quem não se imagina a mergulhar no minuto a seguir à meia-noite sem música, passas, cadeiras, bailarico, riso alto. Já o fiz, e com prazer. Mas não percebo por que será tão estranho o gozo imenso que retiro do silêncio apenas entrecortado pelo riacho, da conversa preguiçosa, do abraço comovido e singelo, sem estereofonia. Live and let live...
quinta-feira, dezembro 28, 2006
A propósito das taxas de juro...
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
...
Jorge de Sena, Os Paraísos Artificiais.
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
...
Jorge de Sena, Os Paraísos Artificiais.
quarta-feira, dezembro 27, 2006
Até dói:(.
Porto está a ficar deserto
2006/12/27 09:14- Jaime Gabriel de Jesus (Agência Lusa)
Em 2011 terá apenas 200 mil habitantes. Gaia e Maia ganham habitantes
O Porto terá apenas 200 mil habitantes em 2011, descendo a um nível demográfico próximo do que tinha no advento da República (183 mil residentes em 1911), segundo uma projecção do Instituto de Ciências Sociais.
A confirmar-se este cenário, o concelho cairá do terceiro para o quarto lugar do «ranking» populacional, atrás de Sintra (que terá quase 480 mil habitantes), Lisboa (471 mil) e Gaia (321 mil).
A maior população do Porto foi atingida em 1981, com 327 mil habitantes, número que desceu para 302 mil em 1991 e para 263 mil em 2001.
Já em 2005, uma contagem inter-censitária do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que restavam no Porto 233 mil moradores, uma perda de 11,3 por cento em apenas quatro anos.
Em números absolutos, a perda populacional do Porto está abaixo da registada em Lisboa (menos 45 mil habitantes) mas é percentualmente superior à da capital (que teve menos oito por cento).
Em contraciclo, Gaia passou, no último ano, as três centenas de milhar de residentes, consolidando o estatuto de terceiro concelho português mais povoado, que já subtraíra ao vizinho da margem Norte em 2001.
Em 2005, o INE atribuiu ao concelho da margem Sul do rio Douro uma população de 304 mil habitantes, confirmando a tendência crescente evidenciada em sucessivos censos: 1981, 226 mil moradores; 1991, 249 mil; e 2001, 289 mil.
Só um bairro de Gaia, o de Vila D¿Este, freguesia de Vilar de Andorinho, tem mais habitantes do que as quatro freguesias do centro histórico do Porto.
A população de Vila d¿Este está estimada em 17 mil habitantes, mais cinco mil do que a verificada, nos Censos de 2001, nas freguesias portuenses de Sé, S. Nicolau, Vitória e Miragaia. Estas quatro freguesias da zona histórica do Porto perderam metade da população entre 1981 e 2001, passando de 28 mil para 13 mil habitantes.
No mesmo período, o conjunto citadino - que compreende mais 11 freguesias - perdeu 64 mil habitantes, o equivalente ao que o município de Gaia ganhou no mesmo hiato (63 mil).
Mas a perda demográfica do Porto não favoreceu apenas Gaia, já que sete outros concelhos periféricos ganharam, no mesmo período, um total de 90 mil residentes.
Maia foi o município da região que maior crescimento demográfico percentual registou. Entre 2001 e 2005, a população da Maia, concelho imediatamente a Norte do Porto, cresceu 10,8 por cento, somando quase 13 mil novos moradores aos 120 mil que já possuía.
2006/12/27 09:14- Jaime Gabriel de Jesus (Agência Lusa)
Em 2011 terá apenas 200 mil habitantes. Gaia e Maia ganham habitantes
O Porto terá apenas 200 mil habitantes em 2011, descendo a um nível demográfico próximo do que tinha no advento da República (183 mil residentes em 1911), segundo uma projecção do Instituto de Ciências Sociais.
A confirmar-se este cenário, o concelho cairá do terceiro para o quarto lugar do «ranking» populacional, atrás de Sintra (que terá quase 480 mil habitantes), Lisboa (471 mil) e Gaia (321 mil).
A maior população do Porto foi atingida em 1981, com 327 mil habitantes, número que desceu para 302 mil em 1991 e para 263 mil em 2001.
Já em 2005, uma contagem inter-censitária do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que restavam no Porto 233 mil moradores, uma perda de 11,3 por cento em apenas quatro anos.
Em números absolutos, a perda populacional do Porto está abaixo da registada em Lisboa (menos 45 mil habitantes) mas é percentualmente superior à da capital (que teve menos oito por cento).
Em contraciclo, Gaia passou, no último ano, as três centenas de milhar de residentes, consolidando o estatuto de terceiro concelho português mais povoado, que já subtraíra ao vizinho da margem Norte em 2001.
Em 2005, o INE atribuiu ao concelho da margem Sul do rio Douro uma população de 304 mil habitantes, confirmando a tendência crescente evidenciada em sucessivos censos: 1981, 226 mil moradores; 1991, 249 mil; e 2001, 289 mil.
Só um bairro de Gaia, o de Vila D¿Este, freguesia de Vilar de Andorinho, tem mais habitantes do que as quatro freguesias do centro histórico do Porto.
A população de Vila d¿Este está estimada em 17 mil habitantes, mais cinco mil do que a verificada, nos Censos de 2001, nas freguesias portuenses de Sé, S. Nicolau, Vitória e Miragaia. Estas quatro freguesias da zona histórica do Porto perderam metade da população entre 1981 e 2001, passando de 28 mil para 13 mil habitantes.
No mesmo período, o conjunto citadino - que compreende mais 11 freguesias - perdeu 64 mil habitantes, o equivalente ao que o município de Gaia ganhou no mesmo hiato (63 mil).
Mas a perda demográfica do Porto não favoreceu apenas Gaia, já que sete outros concelhos periféricos ganharam, no mesmo período, um total de 90 mil residentes.
Maia foi o município da região que maior crescimento demográfico percentual registou. Entre 2001 e 2005, a população da Maia, concelho imediatamente a Norte do Porto, cresceu 10,8 por cento, somando quase 13 mil novos moradores aos 120 mil que já possuía.
terça-feira, dezembro 26, 2006
O elo.
Maria,
Quando cheguei, o Tiago exigiu que o seguisse à despensa. Explicou-me que ia fazer desenhos "com luz". O brinquedo é engraçado - uma espécie de marcador que deixa o papel marcado..., no escuro! Sentei-me encostado à porta, para evitar que alguém na peugada de molho para o peru nos provocasse um traumatismo craneano ao som de um "mas que raio fazem vocês aqui?" O miúdo transformou a folha de bloco num pequeno farol que lhe iluminava o rosto, diligente e fascinado. Eu chegara de visitar o negro Alzheimer da Mãe, sinistro à luz do sol que entrava pela janela. E naquela despensa, mínima e da cor do breu, quedei-me pensativo, hipnotizado pelo sorriso que inundava a face do Tiago, "estás a ver, Avô Júlio?". Estava. Vi, Maria, vi claramente. Os rabiscos do maroto; e o futuro da lenda familiar no encantamento de um loiríssimo neto:). Encostei-me à porta com mais força. Sou uma ponte entre margens...
Quando cheguei, o Tiago exigiu que o seguisse à despensa. Explicou-me que ia fazer desenhos "com luz". O brinquedo é engraçado - uma espécie de marcador que deixa o papel marcado..., no escuro! Sentei-me encostado à porta, para evitar que alguém na peugada de molho para o peru nos provocasse um traumatismo craneano ao som de um "mas que raio fazem vocês aqui?" O miúdo transformou a folha de bloco num pequeno farol que lhe iluminava o rosto, diligente e fascinado. Eu chegara de visitar o negro Alzheimer da Mãe, sinistro à luz do sol que entrava pela janela. E naquela despensa, mínima e da cor do breu, quedei-me pensativo, hipnotizado pelo sorriso que inundava a face do Tiago, "estás a ver, Avô Júlio?". Estava. Vi, Maria, vi claramente. Os rabiscos do maroto; e o futuro da lenda familiar no encantamento de um loiríssimo neto:). Encostei-me à porta com mais força. Sou uma ponte entre margens...
sábado, dezembro 23, 2006
Assim seja!
"Não se aprende grande coisa com a idade.
Talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos.
..."
Eugénio de Andrade, O Sal da Língua.
GENTE,
OBRIGADO PELA TERNURA E BOM NATAL.
MURCON.
Talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos.
..."
Eugénio de Andrade, O Sal da Língua.
GENTE,
OBRIGADO PELA TERNURA E BOM NATAL.
MURCON.
sexta-feira, dezembro 22, 2006
Em época de compras:).
LIQUIDAÇÃO (QUASE) TOTAL
EVERYTHING BUT THE GIRL
Acabei de compor Careless e devo confessar que não me sinto melhor - por onde andará Tracey? As últimas semanas foram diabólicas, tudo acabado pela quinquagésima vez, ambos sem autoridade moral para acusações – nem sequer é líquido quem começou a desenhar triângulos… – e agora esta ideia heróica e comercial de gravar Baby, The Stars Shine Bright de qualquer modo. Odeio a conversa acerca de sermos adultos, trabalho é trabalho, etc... Lérias! Assim que vir a letra da canção vai ter uma fúria homérica e aparecer com um namorado pronto a usar só para me agredir. O ambiente vai ser o pior desde que os Beatles gravaram em Abbey Road e partiram em quatro direcções...
Que nos vem a acontecer? Parece ter sido ontem, o americano pela boutique dentro, começou a cheirar por todo o lado, apalpava a roupa como se escolhesse – e assassinasse! – fruta. Assentou um formidável murro no balcão para lhe verificar a resistência, teve o descaramento de meter conversa com os clientes, (talvez tenha desconfiado que eram amigos nossos a fingir de clientela) ah!, como me apeteceu pô-lo na rua com um biqueiro no cu. Tracey e os sonhos de glória…Que mal tinham os espectáculos de fim-de-semana em pubs não selectos? Boa cerveja, à segunda noite os clientes pareciam velhos compagnons de route. Não eram fãs mas prata da casa, aceitavam-nos sem truques de estúdio, o mais das vezes nem palco havia. E Tracey, o dedo acusador, patati patata, a minha falta de ambição, trauteava Lennon e McCartney fora do contexto – como agora se diz, para fazer passar a mensagem… –, Baby, You Can Drive My Car, Yes I’m Gonna Be a Star. Ainda acaba por acertar, se não me acautelo estou a caminho de ser o guitarrista e chauffeur de Miss Tracey Thorn, a divina. Merda!
Quando o raio do américa se deu por satisfeito com a vistoria de roupas, vizinhança, contas e freguesia, perguntou se era tudo para vender!? Devia tê-lo mandado comprar um castelo na Escócia para o reconstruir no Texas, imagino o gáudio de baleias alimentadas a hamburgers e ansiosas por ver fantasmas com garantia e gaita-de-foles. Pois! Em vez disso, olhei para Tracey de pé entre filas de vestidos indiferentes, o olhar suplicante perdido na face incrivelmente ruborizada, mãos brancas, de tão apertadas à volta do futuro; imaginei, egoísta, aquele seu modo de me saltar para o colo e sugerir orgias alimentares porque uma inglesa decente não menciona as outras. Quis dar a mim próprio o prazer imenso de lhe ver aquela sua felicidade infecciosa e resmunguei para o sobrinho do Tio Sam – “tudo, é tudo para vender, preciso do dinheiro para ser famoso sem o desejar”. E de repente – não fosse o Diabo tecê-las – ouvi-me pôr em respeito os dólares gulosos dele – “Tudo para vender, tudo excepto a rapariga!”
EVERYTHING BUT THE GIRL
Acabei de compor Careless e devo confessar que não me sinto melhor - por onde andará Tracey? As últimas semanas foram diabólicas, tudo acabado pela quinquagésima vez, ambos sem autoridade moral para acusações – nem sequer é líquido quem começou a desenhar triângulos… – e agora esta ideia heróica e comercial de gravar Baby, The Stars Shine Bright de qualquer modo. Odeio a conversa acerca de sermos adultos, trabalho é trabalho, etc... Lérias! Assim que vir a letra da canção vai ter uma fúria homérica e aparecer com um namorado pronto a usar só para me agredir. O ambiente vai ser o pior desde que os Beatles gravaram em Abbey Road e partiram em quatro direcções...
Que nos vem a acontecer? Parece ter sido ontem, o americano pela boutique dentro, começou a cheirar por todo o lado, apalpava a roupa como se escolhesse – e assassinasse! – fruta. Assentou um formidável murro no balcão para lhe verificar a resistência, teve o descaramento de meter conversa com os clientes, (talvez tenha desconfiado que eram amigos nossos a fingir de clientela) ah!, como me apeteceu pô-lo na rua com um biqueiro no cu. Tracey e os sonhos de glória…Que mal tinham os espectáculos de fim-de-semana em pubs não selectos? Boa cerveja, à segunda noite os clientes pareciam velhos compagnons de route. Não eram fãs mas prata da casa, aceitavam-nos sem truques de estúdio, o mais das vezes nem palco havia. E Tracey, o dedo acusador, patati patata, a minha falta de ambição, trauteava Lennon e McCartney fora do contexto – como agora se diz, para fazer passar a mensagem… –, Baby, You Can Drive My Car, Yes I’m Gonna Be a Star. Ainda acaba por acertar, se não me acautelo estou a caminho de ser o guitarrista e chauffeur de Miss Tracey Thorn, a divina. Merda!
Quando o raio do américa se deu por satisfeito com a vistoria de roupas, vizinhança, contas e freguesia, perguntou se era tudo para vender!? Devia tê-lo mandado comprar um castelo na Escócia para o reconstruir no Texas, imagino o gáudio de baleias alimentadas a hamburgers e ansiosas por ver fantasmas com garantia e gaita-de-foles. Pois! Em vez disso, olhei para Tracey de pé entre filas de vestidos indiferentes, o olhar suplicante perdido na face incrivelmente ruborizada, mãos brancas, de tão apertadas à volta do futuro; imaginei, egoísta, aquele seu modo de me saltar para o colo e sugerir orgias alimentares porque uma inglesa decente não menciona as outras. Quis dar a mim próprio o prazer imenso de lhe ver aquela sua felicidade infecciosa e resmunguei para o sobrinho do Tio Sam – “tudo, é tudo para vender, preciso do dinheiro para ser famoso sem o desejar”. E de repente – não fosse o Diabo tecê-las – ouvi-me pôr em respeito os dólares gulosos dele – “Tudo para vender, tudo excepto a rapariga!”
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Honra lhe seja!
Médico confessa ter retirado tubo de ar a Welby
Italiano pedia suspensão de tratamento que o mantinha vivo
O primeiro anúncio da morte de Piergiorgio Welby - um italiano de 60 anos, que sofria há 30 de distrofia muscular e pedia a suspensão do tratamento que o mantinha vivo - dava conta que esta havia acontecido naturalmente. Mas, pouco depois, surgiu uma confissão, a do médico Mário Riccio, que reconheceu ter retirado a Welby o tubo lhe fornecia oxigénio.
«Acedi à sua petição de morrer», revelou o médico anestesista do hospital de Crémone, numa conferência de imprensa, realizada em Roma, em que disse ainda ter administrado ao paciente medicação com a finalidade de lhe evitar uma morte dolorosa.
O caso de Welby - cuja vida dependia desde 1997 de um respirador artificial e era alimentado por uma sonda - gerou um amplo debate sobre a eutanásia em Itália que dividiu as forças políticas. O Partido Radical Italiano apoiou-o nas últimas semanas e foi o seu presidente, Marco Panella, que deu a notícia ao país através da rádio.
Welby recorreu aos tribunais para que os médicos lhe suspendessem a respiração assistida após sedação terapêutica, mas uma juíza do Tribunal Civil de Roma, Ângela Salvio, considerou que se tratava de «um direito não tutelado concretamente no ordenamento jurídico».
Em Setembro passado, o homem de 60 anos havia enviado uma vídeo-mensagem ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que mostrava as suas condições e pedia o direito a decidir livremente morrer.
«A vida é como uma mulher que te deixa»
Na mensagem descodificada pelo sintetizador de voz que o permitia comunicar, Welby explicou: «Eu amo a vida. A vida é como uma mulher que ama, o vento no cabelo, o Sol na cara. A vida é também uma mulher que te deixa num dia de chuva».
E acrescenta: «Agora o meu corpo já não é meu, está à mercê de médicos, familiares e assistentes (...). Se fosse Suíço, holandês ou belga, poderia poupar-me a tudo isso. Mas sou italiano e aqui não há piedade», disse.
Italiano pedia suspensão de tratamento que o mantinha vivo
O primeiro anúncio da morte de Piergiorgio Welby - um italiano de 60 anos, que sofria há 30 de distrofia muscular e pedia a suspensão do tratamento que o mantinha vivo - dava conta que esta havia acontecido naturalmente. Mas, pouco depois, surgiu uma confissão, a do médico Mário Riccio, que reconheceu ter retirado a Welby o tubo lhe fornecia oxigénio.
«Acedi à sua petição de morrer», revelou o médico anestesista do hospital de Crémone, numa conferência de imprensa, realizada em Roma, em que disse ainda ter administrado ao paciente medicação com a finalidade de lhe evitar uma morte dolorosa.
O caso de Welby - cuja vida dependia desde 1997 de um respirador artificial e era alimentado por uma sonda - gerou um amplo debate sobre a eutanásia em Itália que dividiu as forças políticas. O Partido Radical Italiano apoiou-o nas últimas semanas e foi o seu presidente, Marco Panella, que deu a notícia ao país através da rádio.
Welby recorreu aos tribunais para que os médicos lhe suspendessem a respiração assistida após sedação terapêutica, mas uma juíza do Tribunal Civil de Roma, Ângela Salvio, considerou que se tratava de «um direito não tutelado concretamente no ordenamento jurídico».
Em Setembro passado, o homem de 60 anos havia enviado uma vídeo-mensagem ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que mostrava as suas condições e pedia o direito a decidir livremente morrer.
«A vida é como uma mulher que te deixa»
Na mensagem descodificada pelo sintetizador de voz que o permitia comunicar, Welby explicou: «Eu amo a vida. A vida é como uma mulher que ama, o vento no cabelo, o Sol na cara. A vida é também uma mulher que te deixa num dia de chuva».
E acrescenta: «Agora o meu corpo já não é meu, está à mercê de médicos, familiares e assistentes (...). Se fosse Suíço, holandês ou belga, poderia poupar-me a tudo isso. Mas sou italiano e aqui não há piedade», disse.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
Até onde podem ir a estupidez e o medo?
FBI divulga ficheiros secretos de Lennon
2006/12/20 22:37
Documentos estiveram 25 anos arredados dos olhares públicos porque eram «ameaça»
O FBI divulgou os últimos dez documentos secretos relativos ao assassinato de John Lennon e que ficaram escondidos dos olhares públicos durante 25 anos, supostamente para evitar uma «retaliação militar» contra os Estados Unidos.
De acordo com a «Reuters», os arquivos continham apenas informações já conhecidas sobre as ligações de Lennon a líderes esquerdistas e grupos pacifistas de Londres, em 1970 e 1971.
A revelação foi feita pelo professor de História na Universidade da Califórnia em Irvine, John Wiener.
«Hoje vemos que o argumento da segurança nacional utilizado pelo FBI há 25 anos é absurdo. O arquivo de Lennon no FBI é um caso clássico de segredo excessivo por parte do governo», disse Wiener em comunicado.
Entre os documentos divulgados há um que afirma que Lennon «é um revolucionário ... pelo conteúdo de algumas de suas músicas».
Outro arquivo refere que o ex-Beatle fez campanha pacifista e prometeu financiar uma livraria de esquerda em Londres. Um terceiro documento descreve uma entrevista de Lennon ao jornal Red Mole de Londres, na qual o cantor «enfatizou o seu historial proletário e a sua solidariedade para com os oprimidos e desfavorecidos da Grã-Bretanha e do mundo».
Wiener requisitou os arquivos pela primeira vez em 1981. Depois de uma batalha judicial que chegou até ao Supremo Tribunal dos EUA, o professor conseguiu consultar mais de 300 páginas de arquivos sobre Lennon, isto em 1997.
Mas dez documentos continuaram secretos, sob a alegação de que afetavam a segurança nacional. O FBI declarou nos tribunais norte-americanos, em 1983, que a divulgação desses documentos poderia «levar a retaliações diplomáticas, económicas e militares contra os Estados Unidos».
Wiener descreveu a sua cruzada num livro que serviu de base ao documentário «The U.S. versus John Lennon» e publicou documentos aqui
«Duvido que o governo de Tony Blair lance um ataque militar contra os Estados Unidos em retaliação pela divulgação destes documentos», ironizou.
Lennon, autor do tema pacifista «Imagine», foi assassinado, em Dezembro de 1980, em Nova Iorque, por um fã perturbado.
2006/12/20 22:37
Documentos estiveram 25 anos arredados dos olhares públicos porque eram «ameaça»
O FBI divulgou os últimos dez documentos secretos relativos ao assassinato de John Lennon e que ficaram escondidos dos olhares públicos durante 25 anos, supostamente para evitar uma «retaliação militar» contra os Estados Unidos.
De acordo com a «Reuters», os arquivos continham apenas informações já conhecidas sobre as ligações de Lennon a líderes esquerdistas e grupos pacifistas de Londres, em 1970 e 1971.
A revelação foi feita pelo professor de História na Universidade da Califórnia em Irvine, John Wiener.
«Hoje vemos que o argumento da segurança nacional utilizado pelo FBI há 25 anos é absurdo. O arquivo de Lennon no FBI é um caso clássico de segredo excessivo por parte do governo», disse Wiener em comunicado.
Entre os documentos divulgados há um que afirma que Lennon «é um revolucionário ... pelo conteúdo de algumas de suas músicas».
Outro arquivo refere que o ex-Beatle fez campanha pacifista e prometeu financiar uma livraria de esquerda em Londres. Um terceiro documento descreve uma entrevista de Lennon ao jornal Red Mole de Londres, na qual o cantor «enfatizou o seu historial proletário e a sua solidariedade para com os oprimidos e desfavorecidos da Grã-Bretanha e do mundo».
Wiener requisitou os arquivos pela primeira vez em 1981. Depois de uma batalha judicial que chegou até ao Supremo Tribunal dos EUA, o professor conseguiu consultar mais de 300 páginas de arquivos sobre Lennon, isto em 1997.
Mas dez documentos continuaram secretos, sob a alegação de que afetavam a segurança nacional. O FBI declarou nos tribunais norte-americanos, em 1983, que a divulgação desses documentos poderia «levar a retaliações diplomáticas, económicas e militares contra os Estados Unidos».
Wiener descreveu a sua cruzada num livro que serviu de base ao documentário «The U.S. versus John Lennon» e publicou documentos aqui
«Duvido que o governo de Tony Blair lance um ataque militar contra os Estados Unidos em retaliação pela divulgação destes documentos», ironizou.
Lennon, autor do tema pacifista «Imagine», foi assassinado, em Dezembro de 1980, em Nova Iorque, por um fã perturbado.
Ou seja: nenhum macho verdadeiro pode queixar-se de agressão por parte da frágil companheira...
Não há violência doméstica entre homossexuais
Juízes consideram que não há crime quando o casal é do mesmo sexo
A Associação Sindical de Juízes considera que não pode haver crime de violência doméstica quando o casal é composto por duas pessoas do mesmo sexo, escreve hoje o Diário de Notícias.
Pedro Albergaria, um dos autores do parecer, diz que não estando previsto no Código Civil o casamento de pessoas do mesmo sexo, não se pode estabelecer no Código Penal que a violência entre casais homossexuais constitua um crime específico dos relacionamentos conjugais ou paraconjugais.
De acordo com este juiz também «não está minimamente demonstrado que estas situações (de violência) existem» sendo que o legislador deve legislar sobre o que geralmente acontece e não sobre o que pode acontecer.
No parecer da Associação, os juízes consideram mesmo que «a protecção da família enquanto composta por cônjuges do mesmo sexo tem um notório - e apenas esse - valor de bandeira ideológica, uma função, por assim dizer, promocional».
O coordenador da Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, Rui Pereira, discorda do parecer da Associação Sindical de juízes lembrando que «há pessoas do mesmo sexo a viver em união de facto», situação que a lei já prevê.
«Se há violência nessa relação, a tutela jurídica não pode fechar os olhos», adianta. «O crime em causa envolve violência física e psíquica, e não é necessariamente o mais forte fisicamente que maltrata o outro», como defende o parecer, refere Rui Pereira.
Segundo o coordenador da Missão para a Reforma do Código Penal, se assim fosse «nenhum homem poderia apresentar queixa por levar pancada de outro homem em qualquer circunstância, ou uma mulher por ser agredida por outra mulher».
Rui Pereira disse ainda, em declarações ao Diário de Notícias, que «foram preocupações da revisão do Código Penal a consagração da igualdade na prática, no que respeita à orientação sexual, de acordo com a norma constitucional». Para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a inclusão das uniões de facto homossexuais na definição de crime de violência doméstica «é pacífica», lembrando contudo que a maioria das situações de violência que são relatadas se podem definir como de «violência de género».
P.S. Quanto à expressão "função promocional", entendida como único objectivo de uma soi-disante "protecção da família" não tecerei comentários, de tão evidente o preconceito.
Juízes consideram que não há crime quando o casal é do mesmo sexo
A Associação Sindical de Juízes considera que não pode haver crime de violência doméstica quando o casal é composto por duas pessoas do mesmo sexo, escreve hoje o Diário de Notícias.
Pedro Albergaria, um dos autores do parecer, diz que não estando previsto no Código Civil o casamento de pessoas do mesmo sexo, não se pode estabelecer no Código Penal que a violência entre casais homossexuais constitua um crime específico dos relacionamentos conjugais ou paraconjugais.
De acordo com este juiz também «não está minimamente demonstrado que estas situações (de violência) existem» sendo que o legislador deve legislar sobre o que geralmente acontece e não sobre o que pode acontecer.
No parecer da Associação, os juízes consideram mesmo que «a protecção da família enquanto composta por cônjuges do mesmo sexo tem um notório - e apenas esse - valor de bandeira ideológica, uma função, por assim dizer, promocional».
O coordenador da Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, Rui Pereira, discorda do parecer da Associação Sindical de juízes lembrando que «há pessoas do mesmo sexo a viver em união de facto», situação que a lei já prevê.
«Se há violência nessa relação, a tutela jurídica não pode fechar os olhos», adianta. «O crime em causa envolve violência física e psíquica, e não é necessariamente o mais forte fisicamente que maltrata o outro», como defende o parecer, refere Rui Pereira.
Segundo o coordenador da Missão para a Reforma do Código Penal, se assim fosse «nenhum homem poderia apresentar queixa por levar pancada de outro homem em qualquer circunstância, ou uma mulher por ser agredida por outra mulher».
Rui Pereira disse ainda, em declarações ao Diário de Notícias, que «foram preocupações da revisão do Código Penal a consagração da igualdade na prática, no que respeita à orientação sexual, de acordo com a norma constitucional». Para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a inclusão das uniões de facto homossexuais na definição de crime de violência doméstica «é pacífica», lembrando contudo que a maioria das situações de violência que são relatadas se podem definir como de «violência de género».
P.S. Quanto à expressão "função promocional", entendida como único objectivo de uma soi-disante "protecção da família" não tecerei comentários, de tão evidente o preconceito.
terça-feira, dezembro 19, 2006
Dores de crescimento.
Ninguém consegue proteger alguém para sempre.
Arturo Pérez-Reverte, O Cemitério dos Barcos sem Nome.
Arturo Pérez-Reverte, O Cemitério dos Barcos sem Nome.
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Viktorada.
O Viktor teve a gentileza de me ensinar a colocar um atalho no blog para as Produções Murcónicas. O mais extraordinário é que enquanto eu me debatia com um diagnóstico de erro por parte da besta, ele me enviava um mail a dizer que tudo estava a funcionar:). Decididamente não nasci para material tão caprichoso! Como dizem os mecânicos de automóveis - é fêmea:).
sábado, dezembro 16, 2006
No rescaldo da infamante estreia:).
Ainda na Galiza, verifico que a brincadeira das produções murcon já está "no ar". Quero agradecer o desvelo do Viktor, do Pedro e de quem preferiu manter o anonimato. Quanto a mim, devo confessar que me deu gozo filmar isto, não se tratou apenas de provar a minha gratidão ao "maralhal". Vivemos tempos de sujeição escrava às audiências, o que limita as escolhas de temas e formatos. As produções murcon presentearam-me com o privilégio de associar livremente sobre o que me desse na gana. Por isso da próxima vez falarei de Ovídio, sem que alguém me peça para "apimentar" o programa ou convidar a estrela cadente do momento. O "programa" será mais curto, penso que 15 minutos é o tempo ideal. Mas, acima de tudo!, será espontâneo; artesanal; livre. Sem preço:)))))).
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Circular.
Solicitou-me a Assembleia Geral das Produções Murcónicas - infame organização que tem por objectivo levar ao nível zero a qualidade do audio-visual! - que informe o maralhal do seguinte: a qualquer momento será colocado no Murcon o presente natalício (obviamente envenenado...) da sinistra empresa para todos os murcónicos.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Galiza sempre.
De partida para Santiago. Em trabalho. Mas a sensação é a do costume - regressar a caminhos percorridos dezenas de vezes, abraçar amigos da outra margem do rio, folhear recordações; muitas. E sentir-me em casa:).
terça-feira, dezembro 12, 2006
Não me surpreende, mas gostaria de ver comparados estatutos socio-económicos.
Um estudo da Associação para o Planeamento da Família, a ser apresentado na quarta-feira, conclui que um terço das mulheres que fizeram Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) teve necessidade de recorrer a um serviço de saúde para completar o aborto.
O estudo, realizado com base sobre as práticas do aborto em Portugal e que recorreu a inquéritos a 2.000 mulheres, conclui que cerca de 14,5% das mulheres entre os 18 e os 49 anos já fez uma IVG.De acordo com os dados apurados por esta associação, entre 346 mil a 363 mil mulheres portuguesas já realizaram abortos. No último ano foram realizados entre 17.260 a 18 mil abortos.A Associação para o Planeamento da Família conclui ainda que a grande maioria das mulheres fez um único aborto e que cerca de 73% das mulheres que realizaram IVG fizeram-no até às 10 semanas de gestação.
Correio da Manhã.
O estudo, realizado com base sobre as práticas do aborto em Portugal e que recorreu a inquéritos a 2.000 mulheres, conclui que cerca de 14,5% das mulheres entre os 18 e os 49 anos já fez uma IVG.De acordo com os dados apurados por esta associação, entre 346 mil a 363 mil mulheres portuguesas já realizaram abortos. No último ano foram realizados entre 17.260 a 18 mil abortos.A Associação para o Planeamento da Família conclui ainda que a grande maioria das mulheres fez um único aborto e que cerca de 73% das mulheres que realizaram IVG fizeram-no até às 10 semanas de gestação.
Correio da Manhã.
Estou de acordo, não creio em "fronteiras" biológicas.
Cientistas rejeitam conceito de «pré-embrião»
2006/12/12 20:47
E defendem o mesmo «estatuto biológico» do adulto
Mais de 200 cientistas e professores universitários tornaram público, esta segunda-feira, um manifesto no qual mostram a sua oposição em relação a alguns dos conteúdos do Projecto de Lei de Pesquisa em Biomedicina, que se debaterá na próxima quinta-feira no Congresso dos Deputados da Espanha.
Segundo escreve a Veritas, agência católica de notícias espanhola, o manifesto - promovido por Luis Franco Vera, da Real Academia de Ciências Exatas, Físicas e Naturais e catedrático de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de Valência - foi assinado por 14 académicos, dois cientistas premiados com o Prêmio Jaime I, 39 catedráticos universitários e mais de 150 pesquisadores e professores.
Segundo a Veritas, o manifesto afirma que, «de um ponto de vista estritamente científico», «não têm sentido as distinções semânticas como a que se introduz ao chamar pré-embrião ao embrião obtido por fecundação in vitro».
Os cientistas assinalam que há dados que tornam «inadmissível desde um ponto biológico identificar o embrião como uma simples massa de células, nem sequer nos dias anteriores à sua implantação», e acrescentam que o embrião é «um organismo individual da espécie Homo Sapiens, certamente em estado incipiente de desenvolvimento, mas não por isso merecedor de um estatuto biológico distinto do adulto».
2006/12/12 20:47
E defendem o mesmo «estatuto biológico» do adulto
Mais de 200 cientistas e professores universitários tornaram público, esta segunda-feira, um manifesto no qual mostram a sua oposição em relação a alguns dos conteúdos do Projecto de Lei de Pesquisa em Biomedicina, que se debaterá na próxima quinta-feira no Congresso dos Deputados da Espanha.
Segundo escreve a Veritas, agência católica de notícias espanhola, o manifesto - promovido por Luis Franco Vera, da Real Academia de Ciências Exatas, Físicas e Naturais e catedrático de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de Valência - foi assinado por 14 académicos, dois cientistas premiados com o Prêmio Jaime I, 39 catedráticos universitários e mais de 150 pesquisadores e professores.
Segundo a Veritas, o manifesto afirma que, «de um ponto de vista estritamente científico», «não têm sentido as distinções semânticas como a que se introduz ao chamar pré-embrião ao embrião obtido por fecundação in vitro».
Os cientistas assinalam que há dados que tornam «inadmissível desde um ponto biológico identificar o embrião como uma simples massa de células, nem sequer nos dias anteriores à sua implantação», e acrescentam que o embrião é «um organismo individual da espécie Homo Sapiens, certamente em estado incipiente de desenvolvimento, mas não por isso merecedor de um estatuto biológico distinto do adulto».
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Paris.
Paris continua a ser uma cidade ideal para andarilhos claustrofóbicos. E lá a calcorreei, ainda barafustando contra o horror vivido na Eurodisney. Dois momentos se empoleiram nos outros, quando revisito o fim-de-semana: quatro "rapazes do meu tempo", lançados num jazz eufórico em plena ponte sobre o Sena, e os jovens que tocavam música clássica na minha querida Place des Vosges. Mas nada chegou aos sorrisos maravilhados de um par de rufiolas irrecuperáveis: os Machadinhos!
P.S. Em quatro dias o Benfica perdeu os oitavos de final da Liga dos Campeões e a Liga Portuguesa. Como de costume, o Engenheiro Fernando Santos identificou as razões para os insucessos e não duvido que haverá mais uma longa conversa no balneário. É um alívio! Passamos o Natal já derrotados, mas lúcidos:))))))).
P.S. Em quatro dias o Benfica perdeu os oitavos de final da Liga dos Campeões e a Liga Portuguesa. Como de costume, o Engenheiro Fernando Santos identificou as razões para os insucessos e não duvido que haverá mais uma longa conversa no balneário. É um alívio! Passamos o Natal já derrotados, mas lúcidos:))))))).
sábado, dezembro 09, 2006
Às ordens do Gaspar e do Tiago.
Sartre escreveu que o Inferno são os outros. Permito-me aprimorar o conceito - o Inferno são os outros..., na Eurodisney. Irra!
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Ingenuamente (?) desonesto. E ridículo...
A sondagem dos homens grávidos Fernanda Cânciofernanda.m.cancio@dn.pt
Se estivesse grávido e atravessasse um momento de dificuldade ou dúvida sobre a gravidez, quereria abortar ou ajuda para levar a gestação a termo? A pergunta só pode ser retórica: toda a gente sabe que um homem grávido só pode querer dar à luz. Estão a ver o furor planetário, a chuva de talk shows, donativos e parangonas, a fama instantânea? Quem é que no seu juízo perfeito optaria pelo aborto? Isto sem esquecer, é claro, a alegria da, como chamar-lhe, pater-maternidade? Claro que, todos sabemos, isto não pode ser, pelo menos por enquanto. Quer dizer: todos, não. Há sempre gente que resiste, há sempre gente que diz não. São, precisamente, as pessoas portuguesas da Plataforma do Não, que se apresentaram esta semana com uma sondagem de três singelas perguntas, qualquer delas, assim como as opções de resposta, um prodígio de manipulação. A primeira pergunta é a já citada, sendo que a ficha técnica da sondagem (ver em www.nao--obrigada.org/sondagem) especifica que o universo de respondentes consistiu "nos residentes portugueses com 18 ou mais anos". Incluindo homens, portanto, que foram ques- tionados sobre o que fariam se estivessem "grávida". Parece a brincar, mas não é. As pessoas que encomendaram esta sondagem estão muito a sério. E felizes com o facto de entre três possíveis respostas - "Ser encaminhada para uma clínica onde lhe fizessem o aborto de imediato e sem risco para a saúde"; "Que o aborto fosse livre para poder abortar sem ser crime" ou "Ser ajudada e apoiada a manter a gravidez e poder manter o bebé" - a maioria, 75,6%, ter escolhido a última. A pergunta não é, note-se, sobre "não querer a gravidez". É sobre "dúvidas". Não fala em prazos. Não fala sobre perseguição penal ou sobre o que deve acontecer às mulheres que abortam. Nenhuma das perguntas o faz. Nenhuma incide sobre o que está em causa no referendo de 11 de Fevereiro: despenalizar a interrupção da gravidez até às dez semanas. Talvez não deva surpreender que haja quem encomende uma sondagem assim. Mas que um centro de sondagens que se apresenta como de referência - o da Universidade Católica - aceite fazê-la e a assine é um pouco chocante. Talvez se deva então assinalar um novo tipo de centros de sondagem. Os "de tendência".
Se estivesse grávido e atravessasse um momento de dificuldade ou dúvida sobre a gravidez, quereria abortar ou ajuda para levar a gestação a termo? A pergunta só pode ser retórica: toda a gente sabe que um homem grávido só pode querer dar à luz. Estão a ver o furor planetário, a chuva de talk shows, donativos e parangonas, a fama instantânea? Quem é que no seu juízo perfeito optaria pelo aborto? Isto sem esquecer, é claro, a alegria da, como chamar-lhe, pater-maternidade? Claro que, todos sabemos, isto não pode ser, pelo menos por enquanto. Quer dizer: todos, não. Há sempre gente que resiste, há sempre gente que diz não. São, precisamente, as pessoas portuguesas da Plataforma do Não, que se apresentaram esta semana com uma sondagem de três singelas perguntas, qualquer delas, assim como as opções de resposta, um prodígio de manipulação. A primeira pergunta é a já citada, sendo que a ficha técnica da sondagem (ver em www.nao--obrigada.org/sondagem) especifica que o universo de respondentes consistiu "nos residentes portugueses com 18 ou mais anos". Incluindo homens, portanto, que foram ques- tionados sobre o que fariam se estivessem "grávida". Parece a brincar, mas não é. As pessoas que encomendaram esta sondagem estão muito a sério. E felizes com o facto de entre três possíveis respostas - "Ser encaminhada para uma clínica onde lhe fizessem o aborto de imediato e sem risco para a saúde"; "Que o aborto fosse livre para poder abortar sem ser crime" ou "Ser ajudada e apoiada a manter a gravidez e poder manter o bebé" - a maioria, 75,6%, ter escolhido a última. A pergunta não é, note-se, sobre "não querer a gravidez". É sobre "dúvidas". Não fala em prazos. Não fala sobre perseguição penal ou sobre o que deve acontecer às mulheres que abortam. Nenhuma das perguntas o faz. Nenhuma incide sobre o que está em causa no referendo de 11 de Fevereiro: despenalizar a interrupção da gravidez até às dez semanas. Talvez não deva surpreender que haja quem encomende uma sondagem assim. Mas que um centro de sondagens que se apresenta como de referência - o da Universidade Católica - aceite fazê-la e a assine é um pouco chocante. Talvez se deva então assinalar um novo tipo de centros de sondagem. Os "de tendência".
quinta-feira, dezembro 07, 2006
O trio maravilha:).
CLANDESTINO
BRIAN WILSON
Bush é um tipo simpático e a cor do cabelo da mulher só lhe diz respeito a ela, mas não deixo de estranhar que em menos de trinta anos passássemos de símbolos californianos para exportação a trunfos eleitorais da Nova Direita. Não discuti o assunto com os outros. Desde 1967 tornou-se difícil discordar sem vir de imediato um palavrão psiquiátrico e a pergunta estafada – “Tomaste os remédios?” Não me agarram, neste corpinho não entram mais drogas; prefiro engordar por comer alarvemente. Mas durante o concerto na Casa Branca tive dúvidas se não os deviam internar a eles. Talvez a loucura me estivesse reservada, a mentira, essa, abençoou-nos a todos. Já o nome era de morrer a rir - só Dennis amava praia e mar – por isso foi justo que não suportasse terra e jazigos… – e nenhum de nós punha na beira do prato raparigas que não pudessem alegar serem nadas e criadas à beira do Pacífico. O som dos Beach Boys era uma sonoridade construída em estúdios mergulhados na penumbra, a forma elevada ao extremo da perfeição (perdoe-se-me a imodéstia!). Maior culpado? Este vosso humilde servo. Ainda os outros se maravilhavam com sucessos durante e após o palco e já eu preferia acariciar mesas de mistura. O tempo não importava, seis meses souberam a pouco, Good Vibrations podia ter saído ainda melhor.
Ou talvez eu não fosse suficientemente rápido. Smile devia ter ficado pronto em 65 ou 66, mas a culpa não foi minha. Eles não entenderam o que estava em jogo, os discos de platina e o dinheiro chegavam-lhes, quando lhes chamei a atenção…, responderam que cantávamos melhor do que os Beatles! E eu não tinha ouvidos? Ringo entrava mudo e saía calado, a voz de George não aguentaria uma rabanada de vento, e mesmo a “divina parelha” não estava à nossa altura. O problema não estava aí - era preciso dar o salto, explorar outras paragens, mesmo à custa do top-ten. John e Paul pressentiram-no. Strawberry Fields Forever e Penny Lane eram verdadeiras obras primas, por isso não venderam tanto e os Beatles nunca mais se arriscaram fora dos álbuns. Nem eu, mas o bichinho roía. Uma carreira frenética, não para chegar primeiro, mas para também chegar. É falso que tenha deprimido por inveja de Sgt Pepper’s, fui-me abaixo porque soube que nunca conseguiria algo de semelhante sozinho. É verdade que destruí o trabalho de meses, e depois? Era o meu trabalho. Os arabescos vocais dos outros desenhei-os, os sucessos que ainda hoje lhes mantêm piscinas e automóveis fui eu que os compus, quando lhes pedi a viagem riram-se-me na cara. Hipotecaram o futuro e o seu crime transformou-se em diagnóstico meu - nunca deixarei de ser paranóico em remissão. Loucos são eles; a cobardia é a sua religião; contam carneiros para viver.
A culpa não foi minha, só era impossível. John e Paul não seriam capazes um sem o outro, o talento aprimora-se ao espelho. O resultado está à vista: somos patéticos. Dennis morreu e nós exibimos barrigas e calvícies, canções quase balzaquianas, já nem lhes mostro o que componho. Traíram-me, não lhes darei a satisfação de acabar num asilo. O que sei e vejo, guardo-o comigo: espero que Bush não seja eleito; não acreditei numa palavra acerca do assassínio de John; o duplo de Paul que por aí anda só pode enganar papalvos, mesmo sozinho ele não faria aquelas xaropadas! Escondem-se, atrapalhados! E é compreensível, tantos anos não chegaram para compor um disco superior a Sgt. Pepper’s. Um dia perceberão que apenas eu os posso ajudar.
Os três juntos faremos a música dos anjos.
BRIAN WILSON
Bush é um tipo simpático e a cor do cabelo da mulher só lhe diz respeito a ela, mas não deixo de estranhar que em menos de trinta anos passássemos de símbolos californianos para exportação a trunfos eleitorais da Nova Direita. Não discuti o assunto com os outros. Desde 1967 tornou-se difícil discordar sem vir de imediato um palavrão psiquiátrico e a pergunta estafada – “Tomaste os remédios?” Não me agarram, neste corpinho não entram mais drogas; prefiro engordar por comer alarvemente. Mas durante o concerto na Casa Branca tive dúvidas se não os deviam internar a eles. Talvez a loucura me estivesse reservada, a mentira, essa, abençoou-nos a todos. Já o nome era de morrer a rir - só Dennis amava praia e mar – por isso foi justo que não suportasse terra e jazigos… – e nenhum de nós punha na beira do prato raparigas que não pudessem alegar serem nadas e criadas à beira do Pacífico. O som dos Beach Boys era uma sonoridade construída em estúdios mergulhados na penumbra, a forma elevada ao extremo da perfeição (perdoe-se-me a imodéstia!). Maior culpado? Este vosso humilde servo. Ainda os outros se maravilhavam com sucessos durante e após o palco e já eu preferia acariciar mesas de mistura. O tempo não importava, seis meses souberam a pouco, Good Vibrations podia ter saído ainda melhor.
Ou talvez eu não fosse suficientemente rápido. Smile devia ter ficado pronto em 65 ou 66, mas a culpa não foi minha. Eles não entenderam o que estava em jogo, os discos de platina e o dinheiro chegavam-lhes, quando lhes chamei a atenção…, responderam que cantávamos melhor do que os Beatles! E eu não tinha ouvidos? Ringo entrava mudo e saía calado, a voz de George não aguentaria uma rabanada de vento, e mesmo a “divina parelha” não estava à nossa altura. O problema não estava aí - era preciso dar o salto, explorar outras paragens, mesmo à custa do top-ten. John e Paul pressentiram-no. Strawberry Fields Forever e Penny Lane eram verdadeiras obras primas, por isso não venderam tanto e os Beatles nunca mais se arriscaram fora dos álbuns. Nem eu, mas o bichinho roía. Uma carreira frenética, não para chegar primeiro, mas para também chegar. É falso que tenha deprimido por inveja de Sgt Pepper’s, fui-me abaixo porque soube que nunca conseguiria algo de semelhante sozinho. É verdade que destruí o trabalho de meses, e depois? Era o meu trabalho. Os arabescos vocais dos outros desenhei-os, os sucessos que ainda hoje lhes mantêm piscinas e automóveis fui eu que os compus, quando lhes pedi a viagem riram-se-me na cara. Hipotecaram o futuro e o seu crime transformou-se em diagnóstico meu - nunca deixarei de ser paranóico em remissão. Loucos são eles; a cobardia é a sua religião; contam carneiros para viver.
A culpa não foi minha, só era impossível. John e Paul não seriam capazes um sem o outro, o talento aprimora-se ao espelho. O resultado está à vista: somos patéticos. Dennis morreu e nós exibimos barrigas e calvícies, canções quase balzaquianas, já nem lhes mostro o que componho. Traíram-me, não lhes darei a satisfação de acabar num asilo. O que sei e vejo, guardo-o comigo: espero que Bush não seja eleito; não acreditei numa palavra acerca do assassínio de John; o duplo de Paul que por aí anda só pode enganar papalvos, mesmo sozinho ele não faria aquelas xaropadas! Escondem-se, atrapalhados! E é compreensível, tantos anos não chegaram para compor um disco superior a Sgt. Pepper’s. Um dia perceberão que apenas eu os posso ajudar.
Os três juntos faremos a música dos anjos.
Expectativa cultural vs. realidade.
Quase 50% dos portugueses considera Natal época de stress
Quase 50% dos portugueses considera que o Natal é uma época de stress, de acordo com um estudo da seguradora Axa, intitulado «Axa Barómetro Reforma», hoje divulgado.
O estudo, que teve em conta uma pesquisa internacional com 11.373 entrevistas em 16 países, constata que 46% dos activos e 42% dos refor mados portugueses encaram o Natal como uma época de stress.
No entanto, a maior parte dos portugueses (85% dos activos e 77% dos reformados) considera que o Natal é uma época de felicidade, uma opinião partilhada pelos inquiridos na maioria dos países como, por exemplo, Estados Unidos, Singapura, Austrália, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Alemanha.
A solidão é um sentimento apontado por 19% dos activos portugueses, apenas atrás dos espanhóis (20%), adianta o estudo «A 3ª vaga do Axa Barómetro Reforma».
No caso dos reformados, 35% dos portugueses refere que o Natal é uma época de solidão, superior aos espanhóis (31%).
Pelo contrário, apenas 4% dos activos e 9% dos reformados nos Países Baixos falam em solidão.
No que se refere às prendas, 68% dos activos portugueses tencionam comprar prendas de Natal, à frente do Japão (63%), Singapura (49%), Países Baixos (48%), China (46%) e Hong Kong (36%).
Estes números ficam bastante atrás dos verificados em países como os Estados Unidos (93%), França (93%), Austrália (91%), Nova Zelândia (89%), Canadá (88%), Reino Unido (86%), Bélgica (82%), Alemanha (81%), Espanha (75%) e Itália (71%).
No caso dos reformados, os valores oscilam entre os 81%dos Estados Unidos e os 22% de Hong Kong.
Em Portugal, 42% dos reformados tenciona comprar prendas de Natal.
No que se refere aos desejos de Natal para a família e amigos, 84% dos activos e 80% dos reformados portugueses falam em saúde, seguindo-se os votos de paz (59% dos activos e 60% dos reformados).
Diário Digital / Lusa
07-12-2006 10:47:24
Quase 50% dos portugueses considera que o Natal é uma época de stress, de acordo com um estudo da seguradora Axa, intitulado «Axa Barómetro Reforma», hoje divulgado.
O estudo, que teve em conta uma pesquisa internacional com 11.373 entrevistas em 16 países, constata que 46% dos activos e 42% dos refor mados portugueses encaram o Natal como uma época de stress.
No entanto, a maior parte dos portugueses (85% dos activos e 77% dos reformados) considera que o Natal é uma época de felicidade, uma opinião partilhada pelos inquiridos na maioria dos países como, por exemplo, Estados Unidos, Singapura, Austrália, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Alemanha.
A solidão é um sentimento apontado por 19% dos activos portugueses, apenas atrás dos espanhóis (20%), adianta o estudo «A 3ª vaga do Axa Barómetro Reforma».
No caso dos reformados, 35% dos portugueses refere que o Natal é uma época de solidão, superior aos espanhóis (31%).
Pelo contrário, apenas 4% dos activos e 9% dos reformados nos Países Baixos falam em solidão.
No que se refere às prendas, 68% dos activos portugueses tencionam comprar prendas de Natal, à frente do Japão (63%), Singapura (49%), Países Baixos (48%), China (46%) e Hong Kong (36%).
Estes números ficam bastante atrás dos verificados em países como os Estados Unidos (93%), França (93%), Austrália (91%), Nova Zelândia (89%), Canadá (88%), Reino Unido (86%), Bélgica (82%), Alemanha (81%), Espanha (75%) e Itália (71%).
No caso dos reformados, os valores oscilam entre os 81%dos Estados Unidos e os 22% de Hong Kong.
Em Portugal, 42% dos reformados tenciona comprar prendas de Natal.
No que se refere aos desejos de Natal para a família e amigos, 84% dos activos e 80% dos reformados portugueses falam em saúde, seguindo-se os votos de paz (59% dos activos e 60% dos reformados).
Diário Digital / Lusa
07-12-2006 10:47:24
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Conferência da Justice Foundation.
Lutou pelo sim, mas defende o não
2006/12/06 00:24 Hugo Beleza
Norte-americana que levou à legalização do aborto no seu país está em Lisboa. Norma McCorvey disse estar arrependida das consequências do processo em que se envolveu em 1973 e defendeu o «direito à vida»
Representantes da organização norte-americana Justice Foundation defenderam esta noite que Portugal deve dar um exemplo ao seu país e dizer «não» no referendo à despenalização do aborto. Na conferência, que teve lugar na Faculdade de Letra da Universidade de Lisboa, a interrupção voluntária da gravidez foi descrita como estando na origem de comportamentos marginais. Norma McCorvey, responsável pelo processo que levou o Supremo Tribunal dos EUA a considerar o aborto um direito constitucional, mas que, posteriormente, se tornou uma opositora desta decisão, foi uma das oradoras.
Perante cerca de uma centena de pessoas que compuseram o auditório 1 da Faculdade de Letras, num encontro organizado pelas Associações Juntos pela Vida e Missão Vida, McCorvey, também conhecida como Jane Roe - nome fictício que utilizou no célebre caso Roe versus Wade que levou à liberalização do aborto nos EUA em 1973 -, disse estar profundamente arrependida por ter servido essa causa. «Não sou uma oradora hábil nem uma juíza. Sou, pelo contrário, uma pessoa que trouxe destruição para mim, para outras mulheres e para 43 milhões de bebés no meu país», disse, sublinhando que este número corresponde ao dos abortos realizados legalmente nos EUA, nos últimos 33 anos.
A activista - que nunca chegou a abortar, porque a duração do caso judicial em que se envolveu ultrapassou o tempo de gestação - disse que alterou a sua visão sobre a interrupção voluntária da gravidez depois de ter trabalhado em clínicas onde ela era praticada. No seu depoimento, McCorvey acusou os advogados que a representaram em 1973 de a terem enganado e a terem «usado para tornar o aborto legal nos Estados Unidos», em vez de a auxiliarem a «deixar as drogas e o álcool» e de a ajudarem a «entregar o seu filho para adopção».
Suicídio, álcool e drogas
O depoimento da mulher, de 59 anos, foi precedido pelo testemunho de outras três mulheres também norte-americanas - Cynthia Collins, Myra Meyers e Rebecca Porter -, que se centraram na forma negativa como o recurso ao aborto as afectou. «Tentei cometer suicídio e passei por várias overdoses porque me odiava pelo que tinha feito», confessou Porter, afirmando que o álcool e as drogas se tornaram um refúgio, em parte da sua vida, após ter abortado. Um relato semelhante à das outras duas activistas.
Além da «defesa da vida», os conferencistas colocaram a tónica das suas intervenções também nas consequências negativas do aborto na saúde das mulheres e nos seus potenciais efeitos desestruturantes, a nível pessoal e social.
Claytton Trotter, conselheiro jurídico da Justice Foundation, afirmou que nos EUA o número de mulheres a cumprir penas judiciais subiu enormemente depois de 1973, e apontou que numa sondagem à comunidade prisional feminina, 60 por cento das mulheres disse que na origem do seu percurso marginal esteve a prática de um aborto. Razão que levou o jurista a defender: «É melhor instaurar alguns processos [a mulheres por interromperam a gravidez] do que enviar milhares de mulheres para a prisão».
Reed Olson, outro activista, sublinhou por seu lado que a liberalização poderá ter um efeito despenalizador das consciências e levar progressivamente ao alargamento do período em que é permitida a interrupção da gravidez, potencialmente, quase até ao nascimento do bebé.
O activista norte-americano ilustrou este «perigo» com alguns processos abortivos já praticados no seu país em fase avançada de gestação e deixou um repto aos portugueses para que votem «não» no referendo. «Por favor não sigam este exemplo. Sejam um exemplo para nós. Nós precisamos dele. Não recusem a vossa convicção de proteger a vida, porque os olhos do mundo estão aqui. Não atravessaríamos o Atlântico se não fosse assim».
P.S. Há alguns dias, alguém me escreveu para O Amor é... queixando-se por eu não dar espaço "ao confronto de opiniões". Não é verdade. Em Estes Difíceis Amores esteve um dos líderes dos Movimentos pelo Não, que durante 50 minutos expôs as suas posições quase sem interrupção, por vontade expressa das três pessoas que faziam o programa. No Murcon acontecerá o mesmo, esta declaração deprincípios não será a última. Como pretexto para a discussão e porque acredito no respeito pelos outros, apesar de já ter perdido a conta às vezes em que fui apelidado de defensor de uma cultura de morte e arauto do desprezo pela Vida.
2006/12/06 00:24 Hugo Beleza
Norte-americana que levou à legalização do aborto no seu país está em Lisboa. Norma McCorvey disse estar arrependida das consequências do processo em que se envolveu em 1973 e defendeu o «direito à vida»
Representantes da organização norte-americana Justice Foundation defenderam esta noite que Portugal deve dar um exemplo ao seu país e dizer «não» no referendo à despenalização do aborto. Na conferência, que teve lugar na Faculdade de Letra da Universidade de Lisboa, a interrupção voluntária da gravidez foi descrita como estando na origem de comportamentos marginais. Norma McCorvey, responsável pelo processo que levou o Supremo Tribunal dos EUA a considerar o aborto um direito constitucional, mas que, posteriormente, se tornou uma opositora desta decisão, foi uma das oradoras.
Perante cerca de uma centena de pessoas que compuseram o auditório 1 da Faculdade de Letras, num encontro organizado pelas Associações Juntos pela Vida e Missão Vida, McCorvey, também conhecida como Jane Roe - nome fictício que utilizou no célebre caso Roe versus Wade que levou à liberalização do aborto nos EUA em 1973 -, disse estar profundamente arrependida por ter servido essa causa. «Não sou uma oradora hábil nem uma juíza. Sou, pelo contrário, uma pessoa que trouxe destruição para mim, para outras mulheres e para 43 milhões de bebés no meu país», disse, sublinhando que este número corresponde ao dos abortos realizados legalmente nos EUA, nos últimos 33 anos.
A activista - que nunca chegou a abortar, porque a duração do caso judicial em que se envolveu ultrapassou o tempo de gestação - disse que alterou a sua visão sobre a interrupção voluntária da gravidez depois de ter trabalhado em clínicas onde ela era praticada. No seu depoimento, McCorvey acusou os advogados que a representaram em 1973 de a terem enganado e a terem «usado para tornar o aborto legal nos Estados Unidos», em vez de a auxiliarem a «deixar as drogas e o álcool» e de a ajudarem a «entregar o seu filho para adopção».
Suicídio, álcool e drogas
O depoimento da mulher, de 59 anos, foi precedido pelo testemunho de outras três mulheres também norte-americanas - Cynthia Collins, Myra Meyers e Rebecca Porter -, que se centraram na forma negativa como o recurso ao aborto as afectou. «Tentei cometer suicídio e passei por várias overdoses porque me odiava pelo que tinha feito», confessou Porter, afirmando que o álcool e as drogas se tornaram um refúgio, em parte da sua vida, após ter abortado. Um relato semelhante à das outras duas activistas.
Além da «defesa da vida», os conferencistas colocaram a tónica das suas intervenções também nas consequências negativas do aborto na saúde das mulheres e nos seus potenciais efeitos desestruturantes, a nível pessoal e social.
Claytton Trotter, conselheiro jurídico da Justice Foundation, afirmou que nos EUA o número de mulheres a cumprir penas judiciais subiu enormemente depois de 1973, e apontou que numa sondagem à comunidade prisional feminina, 60 por cento das mulheres disse que na origem do seu percurso marginal esteve a prática de um aborto. Razão que levou o jurista a defender: «É melhor instaurar alguns processos [a mulheres por interromperam a gravidez] do que enviar milhares de mulheres para a prisão».
Reed Olson, outro activista, sublinhou por seu lado que a liberalização poderá ter um efeito despenalizador das consciências e levar progressivamente ao alargamento do período em que é permitida a interrupção da gravidez, potencialmente, quase até ao nascimento do bebé.
O activista norte-americano ilustrou este «perigo» com alguns processos abortivos já praticados no seu país em fase avançada de gestação e deixou um repto aos portugueses para que votem «não» no referendo. «Por favor não sigam este exemplo. Sejam um exemplo para nós. Nós precisamos dele. Não recusem a vossa convicção de proteger a vida, porque os olhos do mundo estão aqui. Não atravessaríamos o Atlântico se não fosse assim».
P.S. Há alguns dias, alguém me escreveu para O Amor é... queixando-se por eu não dar espaço "ao confronto de opiniões". Não é verdade. Em Estes Difíceis Amores esteve um dos líderes dos Movimentos pelo Não, que durante 50 minutos expôs as suas posições quase sem interrupção, por vontade expressa das três pessoas que faziam o programa. No Murcon acontecerá o mesmo, esta declaração deprincípios não será a última. Como pretexto para a discussão e porque acredito no respeito pelos outros, apesar de já ter perdido a conta às vezes em que fui apelidado de defensor de uma cultura de morte e arauto do desprezo pela Vida.
terça-feira, dezembro 05, 2006
A sabedoria do velho Eça:).
"Mas queria juntar duas linhas regeladas, impassíveis, que a ferissem mais que o dinheiro: e não encontrava senão frases de grande cólera, revelando um grande amor."
segunda-feira, dezembro 04, 2006
As duas Sidas, a nossa e a "deles"...
Mundo lento
Psicóloga genecanhoto@gmail.comJoana Amaral Dias
Na passada sexta-feira, o mundo assinalou o Dia Mundial da Luta contra a Sida. Nestes 25 anos de combate à doença, e apesar dos ambiciosos objectivos traçados pelos líderes mundiais, a pandemia ainda segue mais veloz do que o mundo. O número de pessoas infectadas com o vírus da sida continua a aumentar. São quase 40 milhões. Só este ano, registaram-se quatro milhões de novos casos e um recorde no número de mortes. São 15 milhões de crianças que ficaram órfãs. Crianças criadas por crianças. Na Suazilândia, metade da população está infectada. Um quarto, no Lesoto e no Botsuana, onde a esperança média de vida é abaixo dos 35 anos. Mas o problema não é apenas africano. Estima-se que em 2010 a Ásia terá mais pessoas infectadas do que a África, assistindo-se a um terrível aumento na América Latina, Europa de Leste e Rússia. O número de mulheres atingidas tornou-se arrasador. São sete mil mulheres infectadas por dia. E a sida tanto é causa como consequência da pobreza, indissociável do desenvolvimento económico. Persiste um acesso restrito aos tratamentos retrovirais. Apenas um quarto das pessoas que deles necessitam, sem adiamento possível, o recebem. Os problemas somam-se, desde as dificuldades em generalizar a testagem até aos serviços púbicos de saúde insuficientes. O que é ainda mais ultrajante quando se sabe que as campanhas de prevenção sólidas, como as conduzidas em alguns países africanos, são eficientes e que tratamentos adequados podem reduzir o impacto da doença, prolongando, com qualidade, a vida dos doentes. Um vírus que mata assim deveria ser uma preocupação de todos. Dos líderes religiosos, que insistem em interferir com questões de saúde pública. Bento XVI também se imiscui na política europeia, ao defender - e bem - a entrada da Turquia para a UE. Como terminou a sua visita a esse país exactamente no dia 1 de Dezembro, é pena que relativamente ao uso do preservativo não tenha, igualmente, mudado radicalmente de opinião. Uma preocupação dos governos, que continuam a não definir a luta contra a sida como uma absoluta prioridade, disponibilizando todos os meios indispensáveis, desde a prevenção ao tratamento, passando pelo combate à discriminação. E Portugal, com uma das maiores incidências de sida na UE, não é excepção.
P.S. Como pode uma Instituição defender à outrance a Vida e ser contra o preservativo? Ou há vidas e "vidas"?
Psicóloga genecanhoto@gmail.comJoana Amaral Dias
Na passada sexta-feira, o mundo assinalou o Dia Mundial da Luta contra a Sida. Nestes 25 anos de combate à doença, e apesar dos ambiciosos objectivos traçados pelos líderes mundiais, a pandemia ainda segue mais veloz do que o mundo. O número de pessoas infectadas com o vírus da sida continua a aumentar. São quase 40 milhões. Só este ano, registaram-se quatro milhões de novos casos e um recorde no número de mortes. São 15 milhões de crianças que ficaram órfãs. Crianças criadas por crianças. Na Suazilândia, metade da população está infectada. Um quarto, no Lesoto e no Botsuana, onde a esperança média de vida é abaixo dos 35 anos. Mas o problema não é apenas africano. Estima-se que em 2010 a Ásia terá mais pessoas infectadas do que a África, assistindo-se a um terrível aumento na América Latina, Europa de Leste e Rússia. O número de mulheres atingidas tornou-se arrasador. São sete mil mulheres infectadas por dia. E a sida tanto é causa como consequência da pobreza, indissociável do desenvolvimento económico. Persiste um acesso restrito aos tratamentos retrovirais. Apenas um quarto das pessoas que deles necessitam, sem adiamento possível, o recebem. Os problemas somam-se, desde as dificuldades em generalizar a testagem até aos serviços púbicos de saúde insuficientes. O que é ainda mais ultrajante quando se sabe que as campanhas de prevenção sólidas, como as conduzidas em alguns países africanos, são eficientes e que tratamentos adequados podem reduzir o impacto da doença, prolongando, com qualidade, a vida dos doentes. Um vírus que mata assim deveria ser uma preocupação de todos. Dos líderes religiosos, que insistem em interferir com questões de saúde pública. Bento XVI também se imiscui na política europeia, ao defender - e bem - a entrada da Turquia para a UE. Como terminou a sua visita a esse país exactamente no dia 1 de Dezembro, é pena que relativamente ao uso do preservativo não tenha, igualmente, mudado radicalmente de opinião. Uma preocupação dos governos, que continuam a não definir a luta contra a sida como uma absoluta prioridade, disponibilizando todos os meios indispensáveis, desde a prevenção ao tratamento, passando pelo combate à discriminação. E Portugal, com uma das maiores incidências de sida na UE, não é excepção.
P.S. Como pode uma Instituição defender à outrance a Vida e ser contra o preservativo? Ou há vidas e "vidas"?
domingo, dezembro 03, 2006
Pequena revolução...
Ascensão das mulheres marca viragem do milénio
leonel de castro
Pedro Araújo
Os jovens (15-29 anos) passaram a constituir um quinto da população, quando há uma década eram um quarto. A taxa de desemprego quadruplicou, mas a sua presença na universidade duplicou. Casam-se e têm filhos mais tarde, divorciam-se mais rapidamente e a união de facto ganha terreno. A tuberculose atinge os 71% entre as doenças e os condenados triplicaram em 14 anos. Hoje, na Universidade do Minho, responsáveis governamentais marcarão presença na apresentação do estudo "A Condição Juvenil Portuguesa na Viragem do Milénio" e deverão anunciar medidas.Vítor Ferreira, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenador do estudo, concorda que a "pequena revolução feminina" sobressai da recolha estatística dos anos 1990 a 2005. Não havendo novidades absolutas, o manancial de dados de sete áreas (demografia, família, educação, emprego e desemprego, saúde e condutas de risco, sinistralidade, justiça) acaba por provar que a igualdade de sexos é quase uma realidade.As raparigas tendem a permanecer por mais tempo no sistema educativo, sobretudo nos níveis mais elevados. Elas tendem a casar-se e assumir a maternidade mais cedo. Há mais empresárias e quadros de topo femininos.Os rapazes, pelo contrário, tendem a abandonar precocemente os estudos, frequentemente sem concluir o 9.º ano de escolaridade. Logo, eles entram mais cedo no mundo do trabalho e encontram-se, segundo o estudo, "sobrerepresentados em fenómenos de delinquência, criminalidade, sinistralidade e condutas de risco, reflectindo-se, por exemplo, nas taxas de óbitos". Independentemente do género, a verdade é que os jovens estão diferentes. Já não podem contar com um emprego estável nem com um casamento duradouro. O retrato das habilitações é ainda desanimador - 35% dos jovens abandonam estudos sem o 9.º ano; 34% de chumbos no Secundário; 50% dos empregados (15-29 anos) não têm a escolaridade mínima obrigatória.A Sida parece relativamente controlada, óbitos por ingestão de drogas diminuem e a sinistralidade - rodoviária, laboral, doméstica e no lazer - tende a decrescer. O consumos de tabaco e bebidas alcoólicas mantém-se estável.
leonel de castro
Pedro Araújo
Os jovens (15-29 anos) passaram a constituir um quinto da população, quando há uma década eram um quarto. A taxa de desemprego quadruplicou, mas a sua presença na universidade duplicou. Casam-se e têm filhos mais tarde, divorciam-se mais rapidamente e a união de facto ganha terreno. A tuberculose atinge os 71% entre as doenças e os condenados triplicaram em 14 anos. Hoje, na Universidade do Minho, responsáveis governamentais marcarão presença na apresentação do estudo "A Condição Juvenil Portuguesa na Viragem do Milénio" e deverão anunciar medidas.Vítor Ferreira, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenador do estudo, concorda que a "pequena revolução feminina" sobressai da recolha estatística dos anos 1990 a 2005. Não havendo novidades absolutas, o manancial de dados de sete áreas (demografia, família, educação, emprego e desemprego, saúde e condutas de risco, sinistralidade, justiça) acaba por provar que a igualdade de sexos é quase uma realidade.As raparigas tendem a permanecer por mais tempo no sistema educativo, sobretudo nos níveis mais elevados. Elas tendem a casar-se e assumir a maternidade mais cedo. Há mais empresárias e quadros de topo femininos.Os rapazes, pelo contrário, tendem a abandonar precocemente os estudos, frequentemente sem concluir o 9.º ano de escolaridade. Logo, eles entram mais cedo no mundo do trabalho e encontram-se, segundo o estudo, "sobrerepresentados em fenómenos de delinquência, criminalidade, sinistralidade e condutas de risco, reflectindo-se, por exemplo, nas taxas de óbitos". Independentemente do género, a verdade é que os jovens estão diferentes. Já não podem contar com um emprego estável nem com um casamento duradouro. O retrato das habilitações é ainda desanimador - 35% dos jovens abandonam estudos sem o 9.º ano; 34% de chumbos no Secundário; 50% dos empregados (15-29 anos) não têm a escolaridade mínima obrigatória.A Sida parece relativamente controlada, óbitos por ingestão de drogas diminuem e a sinistralidade - rodoviária, laboral, doméstica e no lazer - tende a decrescer. O consumos de tabaco e bebidas alcoólicas mantém-se estável.
sábado, dezembro 02, 2006
Espero que no Murcon se discuta sem resvalar para a ofensa pessoal...
As polémicas do referendo
Marina Costa LoboPolitólogamarinacosta.lobo@gmail.pt
Cavaco Silva cumpriu o prometido na campanha eleitoral anunciando na quarta-feira passada que convocaria o referendo sobre o aborto para 11 de Fevereiro de 2006. Este anúncio foi feito no seguimento da aprovação pelo Tribunal Constitucional da pergunta tal como ela vai ser formulada aos portugueses, nomeadamente se concordam com a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas num estabelecimento de saúde por livre vontade da mulher. Esta pergunta encerra pelo menos quatro polémicas que poderão ser cruciais na decisão dos portugueses. Em primeiro lugar, discute-se a despenalização do aborto. Desde o último referendo sobre o mesmo tema, realizado em 1998, temos assistido a alguns casos mediáticos de julgamento de mulheres. Neste aspecto da questão reside o maior apoio ao "sim". Existirá um alargado consenso de que julgar e condenar mulheres em tribunal depois de terem realizado um aborto é errado. Em segundo lugar, discute-se a questão sobre quando é que um feto se torna um ser humano. Ao propor que a mulher tem soberania sobre a vida que tem dentro de si até às dez semanas, a pergunta remete para questões éticas e filosóficas sobre o início de um ser humano, tema que dá azo a explicações religiosas, já que os critérios científicos não conseguem dar resposta cabal a esta questão. Aqui joga-se a cartada mais forte do "não" ao referendo. A terceira polémica que a pergunta encerra e a que os portugueses vão ter que responder é a questão do papel do Estado neste assunto. A proposta do PS é que seja o Estado a financiar as interrupções voluntárias da gravidez. Esta cláusula parece importante para evitar que as mulheres com menores rendimentos continuem nas mãos de pessoas sem escrúpulos nem condições sanitárias para levar a cabo a realização de um aborto. No entanto, também aqui há acesos debates. Já li e ouvi comentários de partidários da despenalização mostrarem o seu repúdio pelo facto de serem os contribuintes do Estado português a arcarem com esta responsabilidade. Devemos promover um Estado providencial que "resolve" todos os problemas ou responsabilizar quem teve maturidade suficiente para engravidar? A quarta polémica que esta pergunta encerra reside no facto de o aborto ser realizado livremente a pedido da mulher. Esta expressão abre uma porta para que se advogue que, com a vitória do "sim", o aborto passa a estar liberalizado, isto é, transforma-se em mais uma forma de contracepção que pode passar a ser usada indiscriminadamente pela mulher.A partir de agora todos tentarão moldar eficazmente o discurso dos meios de comunicação sobre o tema, puxando a análise para a polémica que mais favoreça a sua opinião. Com a relativa descoordenação e falta de unidade dos partidos e a multiplicidade dos movimentos associativos, as probabilidades de que o debate se faça estrategicamente diminui. E a de que sejam grupos mais radicais de ambos os lados a tomar conta do discurso público aumenta. O resultado desta radicalização poderá ser um alheamento e consequente abstenção da população em geral. Daí que seja fundamental o empenho dos partidos na campanha por forma a garantir a estruturação do debate.Não teria sido possível aos autores da pergunta formular uma questão que abrisse menos polémicas e valorizasse mais a questão da despenalização? De facto, para que o "sim" ganhe será necessário que o debate se faça em torno desta questão. Apesar de tudo, existem razões objectivas para que assim seja. No dia seguinte ao referendo, se o "sim" ganhar haverá um efeito directo sobre o processo penal em Portugal: deixarão de ser julgadas mulheres em tribunal. Essa é uma certeza. Já os efeitos sobre o aborto em si resultantes de uma vitória do "sim" não são certos. Estes não dependem essencialmente da legislação, mas sim de uma série de complexas circunstâncias sociais, económicas, físicas e psíquicas em que a mulher se encontra.Se o ser humano começa a partir da concepção, os partidários do "não" deverão assumir-se contra o aborto em qualquer circunstância, incluindo a violação e outros casos extremos. Nos Estados Unidos, tem-se verificado não haver um apoio maioritário entre a população em geral a esse posicionamento, embora haja muitos eleitores contra o aborto nas fases mais tardias da gravidez. A ser assim também em Portugal, isso significaria que afinal o que divide a maioria dos portugueses não é o sim ou o não à intervenção voluntária da gravidez, mas em que condições esta deve ser realizada, o que também pode levar a concordar com a despenalização.
Marina Costa LoboPolitólogamarinacosta.lobo@gmail.pt
Cavaco Silva cumpriu o prometido na campanha eleitoral anunciando na quarta-feira passada que convocaria o referendo sobre o aborto para 11 de Fevereiro de 2006. Este anúncio foi feito no seguimento da aprovação pelo Tribunal Constitucional da pergunta tal como ela vai ser formulada aos portugueses, nomeadamente se concordam com a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas num estabelecimento de saúde por livre vontade da mulher. Esta pergunta encerra pelo menos quatro polémicas que poderão ser cruciais na decisão dos portugueses. Em primeiro lugar, discute-se a despenalização do aborto. Desde o último referendo sobre o mesmo tema, realizado em 1998, temos assistido a alguns casos mediáticos de julgamento de mulheres. Neste aspecto da questão reside o maior apoio ao "sim". Existirá um alargado consenso de que julgar e condenar mulheres em tribunal depois de terem realizado um aborto é errado. Em segundo lugar, discute-se a questão sobre quando é que um feto se torna um ser humano. Ao propor que a mulher tem soberania sobre a vida que tem dentro de si até às dez semanas, a pergunta remete para questões éticas e filosóficas sobre o início de um ser humano, tema que dá azo a explicações religiosas, já que os critérios científicos não conseguem dar resposta cabal a esta questão. Aqui joga-se a cartada mais forte do "não" ao referendo. A terceira polémica que a pergunta encerra e a que os portugueses vão ter que responder é a questão do papel do Estado neste assunto. A proposta do PS é que seja o Estado a financiar as interrupções voluntárias da gravidez. Esta cláusula parece importante para evitar que as mulheres com menores rendimentos continuem nas mãos de pessoas sem escrúpulos nem condições sanitárias para levar a cabo a realização de um aborto. No entanto, também aqui há acesos debates. Já li e ouvi comentários de partidários da despenalização mostrarem o seu repúdio pelo facto de serem os contribuintes do Estado português a arcarem com esta responsabilidade. Devemos promover um Estado providencial que "resolve" todos os problemas ou responsabilizar quem teve maturidade suficiente para engravidar? A quarta polémica que esta pergunta encerra reside no facto de o aborto ser realizado livremente a pedido da mulher. Esta expressão abre uma porta para que se advogue que, com a vitória do "sim", o aborto passa a estar liberalizado, isto é, transforma-se em mais uma forma de contracepção que pode passar a ser usada indiscriminadamente pela mulher.A partir de agora todos tentarão moldar eficazmente o discurso dos meios de comunicação sobre o tema, puxando a análise para a polémica que mais favoreça a sua opinião. Com a relativa descoordenação e falta de unidade dos partidos e a multiplicidade dos movimentos associativos, as probabilidades de que o debate se faça estrategicamente diminui. E a de que sejam grupos mais radicais de ambos os lados a tomar conta do discurso público aumenta. O resultado desta radicalização poderá ser um alheamento e consequente abstenção da população em geral. Daí que seja fundamental o empenho dos partidos na campanha por forma a garantir a estruturação do debate.Não teria sido possível aos autores da pergunta formular uma questão que abrisse menos polémicas e valorizasse mais a questão da despenalização? De facto, para que o "sim" ganhe será necessário que o debate se faça em torno desta questão. Apesar de tudo, existem razões objectivas para que assim seja. No dia seguinte ao referendo, se o "sim" ganhar haverá um efeito directo sobre o processo penal em Portugal: deixarão de ser julgadas mulheres em tribunal. Essa é uma certeza. Já os efeitos sobre o aborto em si resultantes de uma vitória do "sim" não são certos. Estes não dependem essencialmente da legislação, mas sim de uma série de complexas circunstâncias sociais, económicas, físicas e psíquicas em que a mulher se encontra.Se o ser humano começa a partir da concepção, os partidários do "não" deverão assumir-se contra o aborto em qualquer circunstância, incluindo a violação e outros casos extremos. Nos Estados Unidos, tem-se verificado não haver um apoio maioritário entre a população em geral a esse posicionamento, embora haja muitos eleitores contra o aborto nas fases mais tardias da gravidez. A ser assim também em Portugal, isso significaria que afinal o que divide a maioria dos portugueses não é o sim ou o não à intervenção voluntária da gravidez, mas em que condições esta deve ser realizada, o que também pode levar a concordar com a despenalização.
quinta-feira, novembro 30, 2006
Em Cantelães, lembrando Pearl.
ENTRE COLEGAS
JANIS JOPLIN
Meu caro Dr. Machado Vaz,
A sua carta despertou-me sentimentos contraditórios, o passado invade o presente nesta profissão e – espero eu! – ajuda a preparar um futuro melhor para os nossos clientes. Mas certos passados, dolorosos, enterrei-os por baixo da carpete do meu gabinete. (Nem sequer corro riscos desnecessários, é a mesma há trinta anos e proíbo a empregada de a afastar quando ataca o pó, as caixas de Pandora têm a forma que a imaginação lhes empresta, não é verdade?). Perdoará a verborreia e os desvios, escrevo à noite, a lareira adormece e o nível do whisky na garrafa torna duvidosa a empresa de partir à aventura pelo tapete para a sacudir e reavivar, a casa vibra, de tão silenciosa. Grato pelo amável convite para visitarmos Portugal, o plural já não existe, minha mulher morreu no Verão – em Setembro, para ser mais exacto -, vitimada por uma daquelas doenças (preguiçosas, de tão confiantes) que os jornais teimam em apelidar de prolongadas para não assustar os leitores casuais; deixando aos outros, gulosos de notas obituárias, o prazer de resmungar enquanto se rebolam em saúdes de ferro, “cancro, foi o que foi”! A morte assim, pressentida, anunciada, vivida longamente, deixa um sabor agridoce. Uma tristeza suave, composta, as lágrimas ficaram para trás, o alívio ganha quase todas as discussões com a culpa, os olhos fecham-se à palidez e a cemitérios, são benévolos para recordações, de corpo e alma, “antes de…”
Tudo foi diferente com Janis. Um dia o telefone tocou e ali estava uma hora vaga nessa mesma tarde, acabei por aproveitar e ver um caso “urgentíssimo” enviado por um colega maçador, seguramente conhece o género. O homem fazia justiça ao meu mandante, odeio estes executivos que pedem para os mantermos na corrida, aterrorizados por jovens impiedosos que lhes cobiçam os lugares, em boa forma física, íntimos da última geração de computadores. Já os havia naquele tempo, hippies convertidos a uma certa forma do principio da realidade, yuppies ainda não baptizados, todos certos de terem Deus a seu lado, como cantava – ou gemia? – Bob Dylan. A última frase, a julgar pelo tom da sua carta, deve parecer-lhe uma heresia, mas confesso que os meus quarenta e dois anos me impediram a conversão para além dos Beatles e Simon e Garfunkel, pese embora os esforços bem intencionados de meus filhos, sempre prontos a exaltar os méritos de grupos com nomes tão prometedores como Grateful Dead e Mothers of Invention.
Pode imaginar a curiosidade com que acedi a receber Janis pela primeira vez, que se esconderia por trás daqueles uivos lancinantes? Caro colega, a resposta seria evidente após uma ou duas consultas para qualquer interno pouco dotado - ela sofria de medo em estado terminal. Cuspia impropérios com desespero, não me lembro de a ver utilizar uma cadeira, Janis agonizava pela sala até parar frente ao espelho e dizer baixinho que os bastardos tinham tido sempre razão. “Eles” – como também lhes chamava – podiam ser os colegas de escola em Port Arthur, da universidade em Austin ou de cama na noite anterior, o traço comum era a rejeição, imaginária ou real. É mentira dizer-se que não existem crianças feias, elas encarregam-se de o lembrar umas às outras. Janis não procurou os rapazes durante a infância, na adolescência fugiu das raparigas, dos espelhos, das festas em que via outras dançar. Vestidos cobiçados e de repente baços no corpo sem graça, alcunhas cruéis que se mantinham, apesar do seu riso estalar antes de todos os outros, como se pode pedir mais tragicamente desculpa a chefes de claque e rainhas de bailes por não ser como elas? Os rapazes eram mais fáceis, primeiro joelhos esfolados e palavrões, depois o sexo quando devia ter descoberto as mãos dadas. Janis despia-se para melhor tapar o medo, debochava o riso para evitar as lágrimas, quando a dor se tornava insuportável fazia saltar a rolha de garrafas sem rótulo, a anestesia não obriga a hesitar entre marcas. Quanto à Universidade, bastará dizer-lhe que foi nomeada para o prémio de homem mais feio do ano, mas nunca chegou a saber se tinha ganho, já estava a caminho de S. Francisco.
Não o maçarei com a trajectória profissional, o êxito em Monterey e Woodstock fala por si, a subida meteórica era inevitável, ela cantava-lhes as angústias e fingia desesperadamente ser feliz investindo contra regras e tabus. Sexo, drogas e rock’n’roll, a canção podia ter sido composta para ela. Homens, álcool, heroína, sempre a fuga ao espelho e a costas voltadas, o sucesso fê-la desistir para sempre de acreditar nas pessoas, repetia constantemente que era a “outra”, a do palco, que amavam, não a ela, como a conhecia. Porque cheguei a conhecê-la bem, sabe? A pouco e pouco foi-se abrindo, como uma flor que temesse ser arrancada. De vez em quando experimentava-me para ter a certeza que estava ali e entendia, faltou a sessões sem conta, desafiou-me sexualmente, riu da minha apregoada competência, mas – que faço eu? – o colega conhece tudo isto por experiência própria - batem e fogem para terem a certeza que não os abandonamos, em Portugal como aqui. Poderia dizer-se que a ajudei a sobreviver, com poucas esperanças de poder fazer algo mais. Janis não perdoava o passado e o presente só fazia crescer uma imagem que detestava. Em períodos mais confusos dizia “a outra, porca e suja”, é fascinante como os juízes mais severos se acoitam dentro de nós e sobrevivem a todos os excessos, cada vez estou mais convencido que a verdadeira liberdade é tranquila; ritualizada; solene.
E depois surgiu Seth Morgan na sua vida e ela aplicou-lhe o tratamento completo à base de obscenidades, provocações, tudo o que possa imaginar. Ele não se deixou enganar - era um tipo calmo, olhos azuis, quase cândidos, chamava-a carinhosamente pelo apelido, “Joplin, por que me castigas?” E ela ria como eu nunca ouvira, até uma tarde especial em que me fitou com os olhos rasos de lágrimas e murmurou baixinho – “e se ele gostasse mesmo de mim?” Durante uns tempos o paraíso morou ao virar da esquina, deixou as drogas e telefonava-me do estúdio a pedir desculpa por faltar, o álbum estava quase pronto e era diferente - melhor, mais doce; para ele. Planos de casamento, filhos, um rancho longe de tudo, a música por prazer e não para exorcizar fantasmas. Como sabe, a causa de morte foi uma overdose de heroína, supostamente fatal por o seu organismo se ter tornado mais sensível ao produto após meses de abstinência. Digo-lhe o que nunca disse a ninguém – não acredito. Uma semana antes tive-a no meu consultório em pânico, era feliz e não suportava a ideia de perder esse comboio, tinha sonhos horríveis em que Seth a deixava, pediu-me a certeza que os demónios não a voltariam a atormentar, repetia incessantemente “vou ser boa e tudo vai correr bem”. Nada justificava o regresso à heroína naquela altura, quanto a mim Janis matou-se por medo de ver desbotar as tintas do quadro em que vivia. Tinha espreitado pela porta entreaberta, não suportaria vê-la fechar-se de novo, morreu para não correr o risco de definhar, Deus me perdoe, talvez tenha tido razão, os fantasmas pareciam-me vencidos mas não convencidos.
No enterro, Seth disse uma frase estranha, “pecámos por ambição”. E partiu, nunca mais o vi, tenho a certeza que não esqueceu. Às vezes penso-a como um patinho feio que, como Ícaro, partiu rumo ao sol e não quis esperar pela degradação das asas, queda, vertigem, o regresso a este mundo. Janis preferiu morrer fitando o paraíso depois de o ter vivido, na esperança de o sonhar para sempre. Ah, Dr. Machado Vaz, sou um velho, receio que tudo em mim já tenha a morte como ponto de referência, até o faro clínico. Não sei. Perguntou-me como ela era e eu respondo-lhe que continuo a não ouvir os seus discos – a “outra” -, mas tenho saudades de sorrisos fugidios ao cerrar da porta e ainda me pergunto se não poderia ter feito mais qualquer coisa por ela. Dúvidas que o colega conhece bem, a psiquiatria é um ofício de aprendizes de feiticeiro, logo, de pesadelos frequentes. Mas, verdade seja dita, nunca me aconteceu invejar os bancários ao longo de todos estes anos.
Cordialmente,
Sam Watson
JANIS JOPLIN
Meu caro Dr. Machado Vaz,
A sua carta despertou-me sentimentos contraditórios, o passado invade o presente nesta profissão e – espero eu! – ajuda a preparar um futuro melhor para os nossos clientes. Mas certos passados, dolorosos, enterrei-os por baixo da carpete do meu gabinete. (Nem sequer corro riscos desnecessários, é a mesma há trinta anos e proíbo a empregada de a afastar quando ataca o pó, as caixas de Pandora têm a forma que a imaginação lhes empresta, não é verdade?). Perdoará a verborreia e os desvios, escrevo à noite, a lareira adormece e o nível do whisky na garrafa torna duvidosa a empresa de partir à aventura pelo tapete para a sacudir e reavivar, a casa vibra, de tão silenciosa. Grato pelo amável convite para visitarmos Portugal, o plural já não existe, minha mulher morreu no Verão – em Setembro, para ser mais exacto -, vitimada por uma daquelas doenças (preguiçosas, de tão confiantes) que os jornais teimam em apelidar de prolongadas para não assustar os leitores casuais; deixando aos outros, gulosos de notas obituárias, o prazer de resmungar enquanto se rebolam em saúdes de ferro, “cancro, foi o que foi”! A morte assim, pressentida, anunciada, vivida longamente, deixa um sabor agridoce. Uma tristeza suave, composta, as lágrimas ficaram para trás, o alívio ganha quase todas as discussões com a culpa, os olhos fecham-se à palidez e a cemitérios, são benévolos para recordações, de corpo e alma, “antes de…”
Tudo foi diferente com Janis. Um dia o telefone tocou e ali estava uma hora vaga nessa mesma tarde, acabei por aproveitar e ver um caso “urgentíssimo” enviado por um colega maçador, seguramente conhece o género. O homem fazia justiça ao meu mandante, odeio estes executivos que pedem para os mantermos na corrida, aterrorizados por jovens impiedosos que lhes cobiçam os lugares, em boa forma física, íntimos da última geração de computadores. Já os havia naquele tempo, hippies convertidos a uma certa forma do principio da realidade, yuppies ainda não baptizados, todos certos de terem Deus a seu lado, como cantava – ou gemia? – Bob Dylan. A última frase, a julgar pelo tom da sua carta, deve parecer-lhe uma heresia, mas confesso que os meus quarenta e dois anos me impediram a conversão para além dos Beatles e Simon e Garfunkel, pese embora os esforços bem intencionados de meus filhos, sempre prontos a exaltar os méritos de grupos com nomes tão prometedores como Grateful Dead e Mothers of Invention.
Pode imaginar a curiosidade com que acedi a receber Janis pela primeira vez, que se esconderia por trás daqueles uivos lancinantes? Caro colega, a resposta seria evidente após uma ou duas consultas para qualquer interno pouco dotado - ela sofria de medo em estado terminal. Cuspia impropérios com desespero, não me lembro de a ver utilizar uma cadeira, Janis agonizava pela sala até parar frente ao espelho e dizer baixinho que os bastardos tinham tido sempre razão. “Eles” – como também lhes chamava – podiam ser os colegas de escola em Port Arthur, da universidade em Austin ou de cama na noite anterior, o traço comum era a rejeição, imaginária ou real. É mentira dizer-se que não existem crianças feias, elas encarregam-se de o lembrar umas às outras. Janis não procurou os rapazes durante a infância, na adolescência fugiu das raparigas, dos espelhos, das festas em que via outras dançar. Vestidos cobiçados e de repente baços no corpo sem graça, alcunhas cruéis que se mantinham, apesar do seu riso estalar antes de todos os outros, como se pode pedir mais tragicamente desculpa a chefes de claque e rainhas de bailes por não ser como elas? Os rapazes eram mais fáceis, primeiro joelhos esfolados e palavrões, depois o sexo quando devia ter descoberto as mãos dadas. Janis despia-se para melhor tapar o medo, debochava o riso para evitar as lágrimas, quando a dor se tornava insuportável fazia saltar a rolha de garrafas sem rótulo, a anestesia não obriga a hesitar entre marcas. Quanto à Universidade, bastará dizer-lhe que foi nomeada para o prémio de homem mais feio do ano, mas nunca chegou a saber se tinha ganho, já estava a caminho de S. Francisco.
Não o maçarei com a trajectória profissional, o êxito em Monterey e Woodstock fala por si, a subida meteórica era inevitável, ela cantava-lhes as angústias e fingia desesperadamente ser feliz investindo contra regras e tabus. Sexo, drogas e rock’n’roll, a canção podia ter sido composta para ela. Homens, álcool, heroína, sempre a fuga ao espelho e a costas voltadas, o sucesso fê-la desistir para sempre de acreditar nas pessoas, repetia constantemente que era a “outra”, a do palco, que amavam, não a ela, como a conhecia. Porque cheguei a conhecê-la bem, sabe? A pouco e pouco foi-se abrindo, como uma flor que temesse ser arrancada. De vez em quando experimentava-me para ter a certeza que estava ali e entendia, faltou a sessões sem conta, desafiou-me sexualmente, riu da minha apregoada competência, mas – que faço eu? – o colega conhece tudo isto por experiência própria - batem e fogem para terem a certeza que não os abandonamos, em Portugal como aqui. Poderia dizer-se que a ajudei a sobreviver, com poucas esperanças de poder fazer algo mais. Janis não perdoava o passado e o presente só fazia crescer uma imagem que detestava. Em períodos mais confusos dizia “a outra, porca e suja”, é fascinante como os juízes mais severos se acoitam dentro de nós e sobrevivem a todos os excessos, cada vez estou mais convencido que a verdadeira liberdade é tranquila; ritualizada; solene.
E depois surgiu Seth Morgan na sua vida e ela aplicou-lhe o tratamento completo à base de obscenidades, provocações, tudo o que possa imaginar. Ele não se deixou enganar - era um tipo calmo, olhos azuis, quase cândidos, chamava-a carinhosamente pelo apelido, “Joplin, por que me castigas?” E ela ria como eu nunca ouvira, até uma tarde especial em que me fitou com os olhos rasos de lágrimas e murmurou baixinho – “e se ele gostasse mesmo de mim?” Durante uns tempos o paraíso morou ao virar da esquina, deixou as drogas e telefonava-me do estúdio a pedir desculpa por faltar, o álbum estava quase pronto e era diferente - melhor, mais doce; para ele. Planos de casamento, filhos, um rancho longe de tudo, a música por prazer e não para exorcizar fantasmas. Como sabe, a causa de morte foi uma overdose de heroína, supostamente fatal por o seu organismo se ter tornado mais sensível ao produto após meses de abstinência. Digo-lhe o que nunca disse a ninguém – não acredito. Uma semana antes tive-a no meu consultório em pânico, era feliz e não suportava a ideia de perder esse comboio, tinha sonhos horríveis em que Seth a deixava, pediu-me a certeza que os demónios não a voltariam a atormentar, repetia incessantemente “vou ser boa e tudo vai correr bem”. Nada justificava o regresso à heroína naquela altura, quanto a mim Janis matou-se por medo de ver desbotar as tintas do quadro em que vivia. Tinha espreitado pela porta entreaberta, não suportaria vê-la fechar-se de novo, morreu para não correr o risco de definhar, Deus me perdoe, talvez tenha tido razão, os fantasmas pareciam-me vencidos mas não convencidos.
No enterro, Seth disse uma frase estranha, “pecámos por ambição”. E partiu, nunca mais o vi, tenho a certeza que não esqueceu. Às vezes penso-a como um patinho feio que, como Ícaro, partiu rumo ao sol e não quis esperar pela degradação das asas, queda, vertigem, o regresso a este mundo. Janis preferiu morrer fitando o paraíso depois de o ter vivido, na esperança de o sonhar para sempre. Ah, Dr. Machado Vaz, sou um velho, receio que tudo em mim já tenha a morte como ponto de referência, até o faro clínico. Não sei. Perguntou-me como ela era e eu respondo-lhe que continuo a não ouvir os seus discos – a “outra” -, mas tenho saudades de sorrisos fugidios ao cerrar da porta e ainda me pergunto se não poderia ter feito mais qualquer coisa por ela. Dúvidas que o colega conhece bem, a psiquiatria é um ofício de aprendizes de feiticeiro, logo, de pesadelos frequentes. Mas, verdade seja dita, nunca me aconteceu invejar os bancários ao longo de todos estes anos.
Cordialmente,
Sam Watson
quarta-feira, novembro 29, 2006
Jogos de sombras.
«Decisão da Comissão é inaceitável», diz PM turco
2006/11/29 14:49
Erdogan diz que negociações euro-turcas podem ser prejudicadas
O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, considerou hoje inaceitável a decisão da Comissão Europeia de suspender parcialmente as negociações de adesão da Turquia à União Europeia (UE), noticiou a televisão turca NTV, escreve a Lusa.
«A decisão da Comissão é inaceitável», disse Erdogan à imprensa turca em Riga, à margem da Cimeira da NATO. O primeiro-ministro turco, que tinha acabado de se reunir com o seu homólogo italiano, Romano Prodi, acrescentou que não esperava esta decisão e que ela pode prejudicar as negociações euro-turcas, iniciadas em Outubro de 2005.
Um assessor do primeiro-ministro turco, Egemen Bagis, disse por seu lado à NTV que os líderes turcos «não vão deixar que os seus direitos sejam atropelados» e que «vão tentar evitar esta suspensão parcial».
A Comissão Europeia decidiu hoje propor aos 25 uma suspensão parcial das negociações de adesão da Turquia à UE, em resposta à recusa das autoridades turcas de abrir os seus portos e aeroportos a Chipre, um dos Estados membros da União.
Mundo estranho... Um Cardeal é contra o acolhimento da Turquia pela União Europeia, mas, uma vez Papa, declara-se a favor; um Primeiro-Ministro que pusera a hipótese de não o receber, desagua no aeroporto e recebe, surpreendido (?), a notícia da mudança de atitude, justificada como sendo agora da Santa-Sé e não do antigo Cardeal; parte para uma reunião com o apoio no bolso e uma razão de interesse nacional para justificar perante o seu povo uma atitude maioritariamente não desejada; e leva tampa da Europa de "matriz cristã". Jogos de sombras...
2006/11/29 14:49
Erdogan diz que negociações euro-turcas podem ser prejudicadas
O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, considerou hoje inaceitável a decisão da Comissão Europeia de suspender parcialmente as negociações de adesão da Turquia à União Europeia (UE), noticiou a televisão turca NTV, escreve a Lusa.
«A decisão da Comissão é inaceitável», disse Erdogan à imprensa turca em Riga, à margem da Cimeira da NATO. O primeiro-ministro turco, que tinha acabado de se reunir com o seu homólogo italiano, Romano Prodi, acrescentou que não esperava esta decisão e que ela pode prejudicar as negociações euro-turcas, iniciadas em Outubro de 2005.
Um assessor do primeiro-ministro turco, Egemen Bagis, disse por seu lado à NTV que os líderes turcos «não vão deixar que os seus direitos sejam atropelados» e que «vão tentar evitar esta suspensão parcial».
A Comissão Europeia decidiu hoje propor aos 25 uma suspensão parcial das negociações de adesão da Turquia à UE, em resposta à recusa das autoridades turcas de abrir os seus portos e aeroportos a Chipre, um dos Estados membros da União.
Mundo estranho... Um Cardeal é contra o acolhimento da Turquia pela União Europeia, mas, uma vez Papa, declara-se a favor; um Primeiro-Ministro que pusera a hipótese de não o receber, desagua no aeroporto e recebe, surpreendido (?), a notícia da mudança de atitude, justificada como sendo agora da Santa-Sé e não do antigo Cardeal; parte para uma reunião com o apoio no bolso e uma razão de interesse nacional para justificar perante o seu povo uma atitude maioritariamente não desejada; e leva tampa da Europa de "matriz cristã". Jogos de sombras...
terça-feira, novembro 28, 2006
72%????? Só vendo...:(
'Sim' esmaga nos jovens, 'não' recupera 5 pontos Martim Silva
O referendo sobre o aborto do início do próximo ano pode tornar-se o primeiro em Portugal a conseguir levar às urnas mais de metade dos cidadãos eleitores inscritos nos cadernos de recenseamento. É isso mesmo que mostra a sondagem da Marktest para o Diário de Notícias e TSF: 72,7% por cento dos inquiridos, praticamente três em cada quatro, mostram vontade de ir votar no referendo, que Cavaco Silva terá de marcar para uma data entre o início de Janeiro e o final de Maio de 2007.Depois de duas consultas nacionais (ambas em 1998) em que foram mais os eleitores que não votaram do que os que se deslocaram às urnas, o panorama parece agora bem diferente. De acordo com a sondagem, 21,2% responderam não ter intenção de ir votar e apenas 6,1% disseram não saber se vão ou não votar. A diferença entre uma abstenção acima ou abaixo dos 50% é grande, na medida em que a lei considera que os referendos só são vinculativos se contarem com a participação de mais de metade dos eleitores.O Presidente da República tem agora mais 12 dias, até 10 de Dezembro, para decidir da convocação da consulta (durante a campanha presidencial, Cavaco deixou claro que viabilizaria qualquer proposta de referendo aprovada pelo Parlamento que chegasse a Belém).Na sondagem da Marktest deste mês, outro dado assume particular significado: é que se a esmagadora maioria dos portugueses quer ir votar, uma larga maioria afirma por seu lado que vai votar pelo "sim" à despenalização do aborto até às dez semanas. A diferença entre os apoiantes do "sim" e do "não" é nesta altura de dois para um (61%-30%). Uma larga vantagem, que, ainda assim, foi reduzida em cinco pontos em relação ao resultado que outra sondagem mostrava há um mês - no referendo de 1998 sobre o aborto, o "não" saiu vitorioso com 50,07% dos votos. Os jovens, ou seja, os eleitores entre os 18 e os 34 anos, assumem nesta sondagem um papel particularmente importante: são eles que mais dizem que vão votar (85,7%) e são eles que mais dizem que vão votar "sim" no referendo (73,7%). Por oposição aos mais velhos (mais de 55 anos), que são quem menos vontade tem de ir votar e quem mais opta pelo "não" no referendo.
O referendo sobre o aborto do início do próximo ano pode tornar-se o primeiro em Portugal a conseguir levar às urnas mais de metade dos cidadãos eleitores inscritos nos cadernos de recenseamento. É isso mesmo que mostra a sondagem da Marktest para o Diário de Notícias e TSF: 72,7% por cento dos inquiridos, praticamente três em cada quatro, mostram vontade de ir votar no referendo, que Cavaco Silva terá de marcar para uma data entre o início de Janeiro e o final de Maio de 2007.Depois de duas consultas nacionais (ambas em 1998) em que foram mais os eleitores que não votaram do que os que se deslocaram às urnas, o panorama parece agora bem diferente. De acordo com a sondagem, 21,2% responderam não ter intenção de ir votar e apenas 6,1% disseram não saber se vão ou não votar. A diferença entre uma abstenção acima ou abaixo dos 50% é grande, na medida em que a lei considera que os referendos só são vinculativos se contarem com a participação de mais de metade dos eleitores.O Presidente da República tem agora mais 12 dias, até 10 de Dezembro, para decidir da convocação da consulta (durante a campanha presidencial, Cavaco deixou claro que viabilizaria qualquer proposta de referendo aprovada pelo Parlamento que chegasse a Belém).Na sondagem da Marktest deste mês, outro dado assume particular significado: é que se a esmagadora maioria dos portugueses quer ir votar, uma larga maioria afirma por seu lado que vai votar pelo "sim" à despenalização do aborto até às dez semanas. A diferença entre os apoiantes do "sim" e do "não" é nesta altura de dois para um (61%-30%). Uma larga vantagem, que, ainda assim, foi reduzida em cinco pontos em relação ao resultado que outra sondagem mostrava há um mês - no referendo de 1998 sobre o aborto, o "não" saiu vitorioso com 50,07% dos votos. Os jovens, ou seja, os eleitores entre os 18 e os 34 anos, assumem nesta sondagem um papel particularmente importante: são eles que mais dizem que vão votar (85,7%) e são eles que mais dizem que vão votar "sim" no referendo (73,7%). Por oposição aos mais velhos (mais de 55 anos), que são quem menos vontade tem de ir votar e quem mais opta pelo "não" no referendo.
segunda-feira, novembro 27, 2006
O Klatuu lembrou muito acertadamente.
de profundis amamus
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
Mário Cesariny
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
Mário Cesariny
domingo, novembro 26, 2006
O toque pessoal.
Já perdi a conta aos Congressos em que participei. E não foi ontem!, baralhei as contas para aí há vinte anos:). Na esmagadora maioria dos casos fui tratado como um príncipe. E no fim dos trabalhos, lá recebo uma lembrança ternurenta, relacionada com tema, local ou época. Este fim-de-semana fui ao Hospital de Leiria, com árvores caídas na auto-estrada e tudo. E quando acabei de falar, tinha uma escultura de refinado bom gosto à minha espera. Mas não só. O meu colega Bilhota Xavier reservara-me uma surpresa - frequentador do Murcon e consciente das minhas (nossas!) paixões, comprara o último disco dos Beatles para si..., e para mim:). Fiquei desvanecido. Porque uma coisa é a gentileza; outra o carinho.
sábado, novembro 25, 2006
Culturalmente "normal"...
Violência: namorar e apanhar
2006/11/25 14:10 Cláudia Lima da Costa
Número de vítimas até aos 24 anos foi o que mais cresceu, em 2006. O aumento é de 59 por cento. Agressões dentro do namoro ainda não são consideradas violência doméstica. Para muitos adolescentes bater «é normal»
O namoro está habitualmente associado a uma fase romântica da vida. No entanto, em Portugal, está também ligado, em muitos casos, à violência. O aumento nos casos e denúncias de violência doméstica, registados em 2006, teve maior expressão nas vítimas com idades até aos 24 anos. Este sábado é o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Os dados da PSP e da GNR dos primeiros seis meses deste ano, em comparação com o primeiro semestre de 2005, revelam um aumento de 59 por cento de vítimas com idades até aos 24 anos. De 917 vítimas passamos para 1459. Apesar de não ser o escalão onde existem mais casos, é aquele que regista o maior aumento.
A maior parte das ocorrências de violência doméstica ocorre já na idade adulta, nomeadamente, a partir dos 25 anos. Neste escalão foram registadas 8,177 vítimas, no primeiro semestre deste ano, contra 6,119, no mesmo período do ano passado. Um aumento de 34 por cento, segundo os dados das forças de segurança.
«Há um aumento de casos. No entanto esperamos que com a entrada da nova lei esse aumento ainda seja maior», afirmou ao PortugalDiário Helena Sampaio, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. O crime entre namorados ainda não está tipificado como violência doméstica, pelo que, ainda não é crime público (pode ser denunciado por qualquer pessoa). «As agressões são registadas apenas quando há queixa da vítima e são tipificadas como crimes ¿normais¿», explicou.
O surgimento de mais relatos de violência entre jovens motivou já que a Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica (EMCVD) lançasse um folheto para prevenir os jovens de que «a violência nas relações de intimidade não ocorre só entre pessoas casadas, não ocorre só entre parceiros que viveram ou vivem juntos».
«Alguns jovens acham que é normal haver violência, que bater é normal. O nosso dever é passar a mensagem de que isso não é a realidade», explicou fonte da EMCVD. O folheto de prevenção alerta ainda que «o ciúme excessivo não é um sinal de amor, mas de possessividade e controlo».
2006/11/25 14:10 Cláudia Lima da Costa
Número de vítimas até aos 24 anos foi o que mais cresceu, em 2006. O aumento é de 59 por cento. Agressões dentro do namoro ainda não são consideradas violência doméstica. Para muitos adolescentes bater «é normal»
O namoro está habitualmente associado a uma fase romântica da vida. No entanto, em Portugal, está também ligado, em muitos casos, à violência. O aumento nos casos e denúncias de violência doméstica, registados em 2006, teve maior expressão nas vítimas com idades até aos 24 anos. Este sábado é o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Os dados da PSP e da GNR dos primeiros seis meses deste ano, em comparação com o primeiro semestre de 2005, revelam um aumento de 59 por cento de vítimas com idades até aos 24 anos. De 917 vítimas passamos para 1459. Apesar de não ser o escalão onde existem mais casos, é aquele que regista o maior aumento.
A maior parte das ocorrências de violência doméstica ocorre já na idade adulta, nomeadamente, a partir dos 25 anos. Neste escalão foram registadas 8,177 vítimas, no primeiro semestre deste ano, contra 6,119, no mesmo período do ano passado. Um aumento de 34 por cento, segundo os dados das forças de segurança.
«Há um aumento de casos. No entanto esperamos que com a entrada da nova lei esse aumento ainda seja maior», afirmou ao PortugalDiário Helena Sampaio, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. O crime entre namorados ainda não está tipificado como violência doméstica, pelo que, ainda não é crime público (pode ser denunciado por qualquer pessoa). «As agressões são registadas apenas quando há queixa da vítima e são tipificadas como crimes ¿normais¿», explicou.
O surgimento de mais relatos de violência entre jovens motivou já que a Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica (EMCVD) lançasse um folheto para prevenir os jovens de que «a violência nas relações de intimidade não ocorre só entre pessoas casadas, não ocorre só entre parceiros que viveram ou vivem juntos».
«Alguns jovens acham que é normal haver violência, que bater é normal. O nosso dever é passar a mensagem de que isso não é a realidade», explicou fonte da EMCVD. O folheto de prevenção alerta ainda que «o ciúme excessivo não é um sinal de amor, mas de possessividade e controlo».
sexta-feira, novembro 24, 2006
E o Carteiro de Pablo Neruda, e, e, e...:(.
Óbito: actor francês Philippe Noiret
O actor francês Philippe Noiret faleceu ontem vítima de cancro, informou o seu agente.
Nascido em Lille em 1930, o actor era um dos mais conhecidos do cinema francês, em especial devido ao filme ‘Cinema Paraíso’.
O actor francês Philippe Noiret faleceu ontem vítima de cancro, informou o seu agente.
Nascido em Lille em 1930, o actor era um dos mais conhecidos do cinema francês, em especial devido ao filme ‘Cinema Paraíso’.
quinta-feira, novembro 23, 2006
A vertigem sensorial:).
"Mas eu tinha-me convencido que a nossa inteligência apenas filtra até nós um magro resíduo dos factos: interessava-me cada vez mais pelo mundo obscuro da sensação, noite negra onde fulguram e revoluteiam sóis que cegam".
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano.
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano.
quarta-feira, novembro 22, 2006
À boleia de Alquimista e Fora-de-lei.
Gosto muito da palavra "bonomia":). E é realmente o que procuro na tertúlia do Porto Canal - reduzir, também pelo riso, o futebol às suas verdadeiras proporções, não suporto tanto catedrático a debitar "Filosofia e Física Quântica" sobre o mundo da bola. Quando me pediram para colaborar, salientei que não poderia comparecer todas as Segundas-Feiras. Na próxima, por exemplo, estarei numa reunião promovida pelos alunos do ICBAS. Outro benfiquista aparecerá:). A ausência de "cachet" vem no seguimento do que já acontecera na NTV - ajudarei todos os projectos que apostem na visibilidade do meu Porto, considero inacreditável que esta Área Metropolitana se confesse incapaz de fazer vingar um projecto televisivo.
Quanto aos meus netos..., já são portistas, os cruéis traidores:(.
Quanto aos meus netos..., já são portistas, os cruéis traidores:(.
terça-feira, novembro 21, 2006
O balbuciar de Wish You Were Here.
O DIAMANTE LOUCO
ROGER WATERS (I)
Não deixa de ter piada: fama e proveito de liderar a banda de rock mais preguiçosa do mundo e aqui estou eu, metido no estúdio ao fim-de-semana, os técnicos de som iam tendo um enfarte quando lhes telefonei. Claro que estou atrasado, mas isso não passa de justificação oficial, angustia-me pensar o disco pronto. Ando a dar com toda a gente em doida com as minhas incertezas - uma palavra aqui, um baixo diferente acolá, estico ou encolho a segunda parte de Shine On You Crazy Diamond? Tive um sonho horrível: Syd aparecia-me com o disco debaixo do braço, plantava-se à minha frente em silêncio e nem um pedacinho de papel ou vinil ficava para amostra; tudo pelo ar, confetis de Carnaval. Uma versão enorme dos pisa-papéis da minha infância, o velho trouxera-os da Suiça, sacudia-se e recomeçava a nevar. Os olhos frios, um desdém acusador, o meu psiquiatra falou de projecção da culpa. Para o inferno, ele e o busto de Freud por cima da lareira. Já não suporto a teoria brilhante de críticos azedos, eu e David não somos nenhuns meninos de coro, mas acusar-nos de empurrar Syd para a loucura não lembra ao Diabo. Es-qui-zo-fre-ni-a. Ali, no papel do internamento, ninguém a sabe explicar e ponto final. Os palavrões são o que menos importa, há meses e meses uma sombra o invadia, olhares perdidos, exigências estranhas, aferrolhado no camarim antes do palco, desaparecido logo a seguir. E os risos, solitários, a despropósito – “não é nada”, dizia -, mas olhava-nos como se percebesse coisas escondidas atrás de nós ou disfarçadas por frases inocentes; fazia medo. Cada vez mais longe. Vi-o partir com pena e alívio, sempre o visitei pouco, a loucura verdadeira – sem ajudas químicas e bilhete e regresso – assusta-me. Como a morte, nunca se sabe quem vai a seguir. E no entanto, depois do sucesso de Dark Side, fui assaltado por uma nostalgia enorme - ele desejara o êxito como nós, fomos lentos. Mas custou muito trabalho a encontrar o equilíbrio. Ou talvez não, se calhar só naquela altura tínhamos crescido o suficiente para nos darmos ao luxo de vender milhares de discos sem paranóias de ter traído. Nós; ele não. Teria desatado aos berros, feito um discurso acerca de música comercial e efeitos habilidosos, até acabar no meio da sala a perguntar se nos esquecêramos do rock. Foi a ele que traímos, afinal. À sua música, bem mais desesperada do que a minha, cheia de roupagens e fantasmas. Syd compunha à base de dor e guitarras roufenhas, o coração da capa do disco poderia ser o dele, mas com uma montanha de calmantes em cima. Tenho saudades. Shine On surgiu naturalmente, é uma canção mentirosa, ele não voltará a brilhar. Mas durante semanas a primeira frase perseguiu-me, quase escrevi “recorda quando éramos jovens”, tudo o resto são imagens enganadoras e vazias, só voltei a sentir a caneta firme quando escrevi as linhas finais, seria eu capaz de trocar o triunfo por uma brisa calma a seu lado? Era um perdigueiro magnífico, sempre à procura, nada lhe servia abaixo da verdade e do delírio. Não sei, e se continuar metido neste quarto de banho a escrever e a charrar também não vou descobrir. Chamar os outros não seria solução, é do que foram que sinto a falta, não do seu presente dourado. Quem me dera que estivéssemos todos juntos como antigamente, antes de Syd buscar refúgio dentro de si. Apetece-me escrever uma canção sobre o engano monstruoso que consiste em confundir contas bancárias e sabedoria, arrogância e fuga dos velhos medos, agitação e movimento. Uma melodia simples, a letra como um falso diálogo. Por trás de Syd e dos outros é comigo que falo, às voltas num aquário, as respostas fazem-me negaças. Vasculho música e dinheiro e tenho saudades de um riso franco de mulher, cabelos ao vento, dedo em riste, acusando-me de autopiedade… Jesus, que solidão! Existirá resposta? Fora de mim?
ROGER WATERS (I)
Não deixa de ter piada: fama e proveito de liderar a banda de rock mais preguiçosa do mundo e aqui estou eu, metido no estúdio ao fim-de-semana, os técnicos de som iam tendo um enfarte quando lhes telefonei. Claro que estou atrasado, mas isso não passa de justificação oficial, angustia-me pensar o disco pronto. Ando a dar com toda a gente em doida com as minhas incertezas - uma palavra aqui, um baixo diferente acolá, estico ou encolho a segunda parte de Shine On You Crazy Diamond? Tive um sonho horrível: Syd aparecia-me com o disco debaixo do braço, plantava-se à minha frente em silêncio e nem um pedacinho de papel ou vinil ficava para amostra; tudo pelo ar, confetis de Carnaval. Uma versão enorme dos pisa-papéis da minha infância, o velho trouxera-os da Suiça, sacudia-se e recomeçava a nevar. Os olhos frios, um desdém acusador, o meu psiquiatra falou de projecção da culpa. Para o inferno, ele e o busto de Freud por cima da lareira. Já não suporto a teoria brilhante de críticos azedos, eu e David não somos nenhuns meninos de coro, mas acusar-nos de empurrar Syd para a loucura não lembra ao Diabo. Es-qui-zo-fre-ni-a. Ali, no papel do internamento, ninguém a sabe explicar e ponto final. Os palavrões são o que menos importa, há meses e meses uma sombra o invadia, olhares perdidos, exigências estranhas, aferrolhado no camarim antes do palco, desaparecido logo a seguir. E os risos, solitários, a despropósito – “não é nada”, dizia -, mas olhava-nos como se percebesse coisas escondidas atrás de nós ou disfarçadas por frases inocentes; fazia medo. Cada vez mais longe. Vi-o partir com pena e alívio, sempre o visitei pouco, a loucura verdadeira – sem ajudas químicas e bilhete e regresso – assusta-me. Como a morte, nunca se sabe quem vai a seguir. E no entanto, depois do sucesso de Dark Side, fui assaltado por uma nostalgia enorme - ele desejara o êxito como nós, fomos lentos. Mas custou muito trabalho a encontrar o equilíbrio. Ou talvez não, se calhar só naquela altura tínhamos crescido o suficiente para nos darmos ao luxo de vender milhares de discos sem paranóias de ter traído. Nós; ele não. Teria desatado aos berros, feito um discurso acerca de música comercial e efeitos habilidosos, até acabar no meio da sala a perguntar se nos esquecêramos do rock. Foi a ele que traímos, afinal. À sua música, bem mais desesperada do que a minha, cheia de roupagens e fantasmas. Syd compunha à base de dor e guitarras roufenhas, o coração da capa do disco poderia ser o dele, mas com uma montanha de calmantes em cima. Tenho saudades. Shine On surgiu naturalmente, é uma canção mentirosa, ele não voltará a brilhar. Mas durante semanas a primeira frase perseguiu-me, quase escrevi “recorda quando éramos jovens”, tudo o resto são imagens enganadoras e vazias, só voltei a sentir a caneta firme quando escrevi as linhas finais, seria eu capaz de trocar o triunfo por uma brisa calma a seu lado? Era um perdigueiro magnífico, sempre à procura, nada lhe servia abaixo da verdade e do delírio. Não sei, e se continuar metido neste quarto de banho a escrever e a charrar também não vou descobrir. Chamar os outros não seria solução, é do que foram que sinto a falta, não do seu presente dourado. Quem me dera que estivéssemos todos juntos como antigamente, antes de Syd buscar refúgio dentro de si. Apetece-me escrever uma canção sobre o engano monstruoso que consiste em confundir contas bancárias e sabedoria, arrogância e fuga dos velhos medos, agitação e movimento. Uma melodia simples, a letra como um falso diálogo. Por trás de Syd e dos outros é comigo que falo, às voltas num aquário, as respostas fazem-me negaças. Vasculho música e dinheiro e tenho saudades de um riso franco de mulher, cabelos ao vento, dedo em riste, acusando-me de autopiedade… Jesus, que solidão! Existirá resposta? Fora de mim?
segunda-feira, novembro 20, 2006
Os malefícios da tecnologia? Não, as oportunidades que proporciona.
"Caso pode chegar à justiça
Jovem italiano encena morte para acabar com relação na Net
Um adolescente italiano, de 14 anos, simulou a própria morte para terminar uma relação que mantinha via Internet, noticiou a Ansa.
O jovem, residente em Vicebellignano, uma localidade com apenas 1300 habitantes, situada na província de Cremona, no norte de Itália, encarregou a irmã de enviar uma SMS para o telemóvel da ciber-parceira para a informar da suposta morte, causada por um alegado acidente de viação.
A irmã continuou a história, acrescentando que o irmão tinha sido submetido a várias cirurgias, entrado em coma e, por último, havia falecido.
A mentira arquitectada pelos irmãos para romper a relação transformou-se numa tragédia para a jovem enamorada, que «se desfez em lágrimas ao saber da morte do parceiro» , contou a mãe.A irmã do «falecido» pediu à jovem que não fosse ao funeral, mas que enviasse uma coroa de flores para ser depositada no túmulo.
Desconsolada, a jovem descobriu, no entanto, a mentira, depois da mãe ter telefonado para o registo civil e para um jornal local de Cremona para obter informações sobre o funeral.
A família da jovem considera agora denunciar os irmãos à polícia e entrar com um processo judicial."
Vide in http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Tecnologia/Interior.aspx?content_id=10099
Jovem italiano encena morte para acabar com relação na Net
Um adolescente italiano, de 14 anos, simulou a própria morte para terminar uma relação que mantinha via Internet, noticiou a Ansa.
O jovem, residente em Vicebellignano, uma localidade com apenas 1300 habitantes, situada na província de Cremona, no norte de Itália, encarregou a irmã de enviar uma SMS para o telemóvel da ciber-parceira para a informar da suposta morte, causada por um alegado acidente de viação.
A irmã continuou a história, acrescentando que o irmão tinha sido submetido a várias cirurgias, entrado em coma e, por último, havia falecido.
A mentira arquitectada pelos irmãos para romper a relação transformou-se numa tragédia para a jovem enamorada, que «se desfez em lágrimas ao saber da morte do parceiro» , contou a mãe.A irmã do «falecido» pediu à jovem que não fosse ao funeral, mas que enviasse uma coroa de flores para ser depositada no túmulo.
Desconsolada, a jovem descobriu, no entanto, a mentira, depois da mãe ter telefonado para o registo civil e para um jornal local de Cremona para obter informações sobre o funeral.
A família da jovem considera agora denunciar os irmãos à polícia e entrar com um processo judicial."
Vide in http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Tecnologia/Interior.aspx?content_id=10099
sexta-feira, novembro 17, 2006
O Power-Point em 33 rotações.
Maria,
Estou a acabar a conferência para Santiago. Penosamente... A princípio não percebi porquê, facto não muito elogioso para a minha perspicácia! Velhos temas, slides novos, discurso remendado, de onde nasciam os solavancos? Do pano de fundo, é óbvio, o apóstolo coraria se nos visse por aquelas ruas. Eu inventava pretextos para me atardar na montra de uma livraria, só para te ver navegar à minha frente. Confesso que nunca percebi a obsessão apressada dos homens pela nudez. O seu tempo chega, quando as mulheres assim o decidem, concedeste-ma vezes sem conta. Mas antes..., antes havia esse andar ondulante, os jeans que te não davam um dedo de liberdade a partir da anca, o blusão curto que a sublinhava, o cabelo arrapazado de miúda gaiata, os tacões que ressoavam indolentes na pedra e exasperantes dentro de mim. Meia-volta, o sorriso, "assim me trocas pelos livros, Júlio? Quem me protegerá dos belos galegos?". Eu não, Maria, jamais acreditei em amores enjaulados; eu, não. Na Galiza, em Inglaterra ou no Inferno, sentir-me-ás o braço pelos ombros para mimar, nunca para reter. Naqueles tempos a decisão era tua, hoje ainda o é. Ainda... Porque estou cansado de te imaginar a sair de um avião, talvez seja melhor seguir em frente e recordar-nos pelas ruas de Santiago.
Estou a acabar a conferência para Santiago. Penosamente... A princípio não percebi porquê, facto não muito elogioso para a minha perspicácia! Velhos temas, slides novos, discurso remendado, de onde nasciam os solavancos? Do pano de fundo, é óbvio, o apóstolo coraria se nos visse por aquelas ruas. Eu inventava pretextos para me atardar na montra de uma livraria, só para te ver navegar à minha frente. Confesso que nunca percebi a obsessão apressada dos homens pela nudez. O seu tempo chega, quando as mulheres assim o decidem, concedeste-ma vezes sem conta. Mas antes..., antes havia esse andar ondulante, os jeans que te não davam um dedo de liberdade a partir da anca, o blusão curto que a sublinhava, o cabelo arrapazado de miúda gaiata, os tacões que ressoavam indolentes na pedra e exasperantes dentro de mim. Meia-volta, o sorriso, "assim me trocas pelos livros, Júlio? Quem me protegerá dos belos galegos?". Eu não, Maria, jamais acreditei em amores enjaulados; eu, não. Na Galiza, em Inglaterra ou no Inferno, sentir-me-ás o braço pelos ombros para mimar, nunca para reter. Naqueles tempos a decisão era tua, hoje ainda o é. Ainda... Porque estou cansado de te imaginar a sair de um avião, talvez seja melhor seguir em frente e recordar-nos pelas ruas de Santiago.
quinta-feira, novembro 16, 2006
O velho Rei Lagarto.
PARIS, FRANÇA
JIM MORRISON
Foi como se tivesse caído uma bomba no estúdio, um cogumelo atómico de silêncio. As palavras surgiram a custo, tangenciais, ninguém lhe pronunciou o nome, dizia-se simplesmente que “ele” não voltaria. Os outros três apareceram pouco tempo depois, amáveis mas silenciosos, a aura desaparecera, seria uma imagem demasiado fácil dizer que a porta dos fascínios se fechara para sempre. Calei a minha ausência de surpresa, gosto de passar despercebido, a posteriori qualquer besta se pode arrogar em Nostradamus, mas uma cena voltou-me à memória - Ray ao piano, quando lhe dissemos que L.A. Woman estava pronto. Um sorriso amargo e breve, o olhar (docemente de través) pousado em Jim, mãos distraídas por teclas que sussurraram um The End clandestino. Ao reparar em mim, parou de imediato e escondeu a verdade proclamando outra – “belo disco, não é? Como antigamente…” Não foi por acaso que o rei Lagarto nunca gravou a solo, os críticos tinham razão, algo se passava entre os quatro que impedia a fuga. Jim era a face visível e bela de um todo, para lhe sobreviverem os outros tiveram de se resignar ao cinzento do quotidiano. De repente transformavam-se em pessoas vulgares, sombras de sonhos, nós esperávamos e eles estavam já de regresso. Sem azedume ou espanto.
Não sei como souberam, talvez ele próprio o dissesse, mas duvido, conheciam-se demasiado bem para dependerem de grandes palavras. Eu tive a certeza durante as gravações. Um disco engana muito, os indícios mais importantes não se encontram nas canções de maior sucesso. Não moravam em L.A. Woman ou Riders on the Storm, mas no começo, quando pedia que o vissem mudar. Versos estranhos esses, “nunca estive tão falido que não pudesse deixar a cidade”. Jim não partira porque não quisera, obstinado como estava em encontrar a resposta nesta América a quem dedicou um mural sonoro pintado a garrafas de whisky.
Aceito o resultado da autópsia, já é de admirar que o coração tenha aguentado tantas tropelias, mais meia dúzia de anos e seria o fígado a comprar os bilhetes para a viagem. Mas não engulo essas tretas da procura da verdade e das musas até ao fim, Morrison tinha desistido e sabia-o. Porquê Paris? Sou suspeito, é uma resposta que guardo para quando reservar um quarto duplo e vir a minha garota sentada na cama, pernas chinesas e migalhas por tudo o que é lençol, assassinando os famosos croissants. Coisas de miúdos, meu pai – com a ajuda de mais alguns! – libertou a cidade e desconfio que alguma fez por lá, sempre me disse, ar solene e nostálgico, que os franceses eram péssimos soldados mas tinham razão - Paris só devia ser visitada em estado de graça amorosa.
De certo modo, penso que Jim raciocinou ao contrário - partiu para voltar apaixonado. A relação deles foi morrendo enquanto os rituais de palco a engoliam, os sumo-sacerdotes de qualquer religião têm vidas familiares difíceis. Magoaram-se muito, Paris diria se demasiado, não era uma segunda lua-de-mel, mas um balanço, talvez final. Dos Doors, levou ele poetas que rumorejavam sob versos americanos, Baudelaire, Rimbaud, os malditos. Pam…, não sei; muitas vezes a surpreendi desenhando horas a fio durante as gravações. Um dia perguntei-lhe de que se tratava e ela mostrou-me esboços de uma casa térrea e lançou-se na descrição entusiástica de relva, cães e miúdos. Devo ter ficado tão boquiaberto que a envergonhei, sentiu-se obrigada a murmurar um “não é para já, só depois…”.
Da próxima digressão, completei eu, de volta ao planeta Terra. Guardou os rabiscos e riu silenciosa, quase convulsa, dobrada sobre si própria, um murmúrio quase imperceptível – “só depois de ele entender”. Que o caminho não era aquele, mais vale um dia de vida nossa, mesmo nossa, do que anos a catalisar o êxtase dos outros. Deve ter compreendido, recusou a estrada depois de L.A. Woman. Jim foi a Paris à procura de dois miúdos perdidos nas praias da Califórnia onde se tinham encontrado antes da história do Rei Lagarto começar. E morreu porque tinha desaprendido a arte de chegar a ela face a face, em dueto, manhãs, tardes e noites sem groupies, ensaios, produtores; os outros três. As drogas e o álcool eram muletas para o medo de engordar, a falta de inspiração, o passado, ferozmente escondido. Aposto que subiu as doses para estar perto dela numa boa, sem paranóias, a felicidade na ponta da agulha. E penso isso porque a vi há tempos e ela me sorriu enquanto eu engolia em seco, atrapalhado. Meteu os sacos de compras no carro e arrancou. Semanas mais tarde recebi um postal com uma daquelas fotografias de Jim que faziam sonhar as adolescentes, o texto era breve – “Este é vosso e todo-poderoso, exibam-no para sempre. O outro ficou em Paris e era uma criança amedrontada, mas eu amava-o. Ele não conseguia acreditar”, Pam. Seis anos depois estava morta.
JIM MORRISON
Foi como se tivesse caído uma bomba no estúdio, um cogumelo atómico de silêncio. As palavras surgiram a custo, tangenciais, ninguém lhe pronunciou o nome, dizia-se simplesmente que “ele” não voltaria. Os outros três apareceram pouco tempo depois, amáveis mas silenciosos, a aura desaparecera, seria uma imagem demasiado fácil dizer que a porta dos fascínios se fechara para sempre. Calei a minha ausência de surpresa, gosto de passar despercebido, a posteriori qualquer besta se pode arrogar em Nostradamus, mas uma cena voltou-me à memória - Ray ao piano, quando lhe dissemos que L.A. Woman estava pronto. Um sorriso amargo e breve, o olhar (docemente de través) pousado em Jim, mãos distraídas por teclas que sussurraram um The End clandestino. Ao reparar em mim, parou de imediato e escondeu a verdade proclamando outra – “belo disco, não é? Como antigamente…” Não foi por acaso que o rei Lagarto nunca gravou a solo, os críticos tinham razão, algo se passava entre os quatro que impedia a fuga. Jim era a face visível e bela de um todo, para lhe sobreviverem os outros tiveram de se resignar ao cinzento do quotidiano. De repente transformavam-se em pessoas vulgares, sombras de sonhos, nós esperávamos e eles estavam já de regresso. Sem azedume ou espanto.
Não sei como souberam, talvez ele próprio o dissesse, mas duvido, conheciam-se demasiado bem para dependerem de grandes palavras. Eu tive a certeza durante as gravações. Um disco engana muito, os indícios mais importantes não se encontram nas canções de maior sucesso. Não moravam em L.A. Woman ou Riders on the Storm, mas no começo, quando pedia que o vissem mudar. Versos estranhos esses, “nunca estive tão falido que não pudesse deixar a cidade”. Jim não partira porque não quisera, obstinado como estava em encontrar a resposta nesta América a quem dedicou um mural sonoro pintado a garrafas de whisky.
Aceito o resultado da autópsia, já é de admirar que o coração tenha aguentado tantas tropelias, mais meia dúzia de anos e seria o fígado a comprar os bilhetes para a viagem. Mas não engulo essas tretas da procura da verdade e das musas até ao fim, Morrison tinha desistido e sabia-o. Porquê Paris? Sou suspeito, é uma resposta que guardo para quando reservar um quarto duplo e vir a minha garota sentada na cama, pernas chinesas e migalhas por tudo o que é lençol, assassinando os famosos croissants. Coisas de miúdos, meu pai – com a ajuda de mais alguns! – libertou a cidade e desconfio que alguma fez por lá, sempre me disse, ar solene e nostálgico, que os franceses eram péssimos soldados mas tinham razão - Paris só devia ser visitada em estado de graça amorosa.
De certo modo, penso que Jim raciocinou ao contrário - partiu para voltar apaixonado. A relação deles foi morrendo enquanto os rituais de palco a engoliam, os sumo-sacerdotes de qualquer religião têm vidas familiares difíceis. Magoaram-se muito, Paris diria se demasiado, não era uma segunda lua-de-mel, mas um balanço, talvez final. Dos Doors, levou ele poetas que rumorejavam sob versos americanos, Baudelaire, Rimbaud, os malditos. Pam…, não sei; muitas vezes a surpreendi desenhando horas a fio durante as gravações. Um dia perguntei-lhe de que se tratava e ela mostrou-me esboços de uma casa térrea e lançou-se na descrição entusiástica de relva, cães e miúdos. Devo ter ficado tão boquiaberto que a envergonhei, sentiu-se obrigada a murmurar um “não é para já, só depois…”.
Da próxima digressão, completei eu, de volta ao planeta Terra. Guardou os rabiscos e riu silenciosa, quase convulsa, dobrada sobre si própria, um murmúrio quase imperceptível – “só depois de ele entender”. Que o caminho não era aquele, mais vale um dia de vida nossa, mesmo nossa, do que anos a catalisar o êxtase dos outros. Deve ter compreendido, recusou a estrada depois de L.A. Woman. Jim foi a Paris à procura de dois miúdos perdidos nas praias da Califórnia onde se tinham encontrado antes da história do Rei Lagarto começar. E morreu porque tinha desaprendido a arte de chegar a ela face a face, em dueto, manhãs, tardes e noites sem groupies, ensaios, produtores; os outros três. As drogas e o álcool eram muletas para o medo de engordar, a falta de inspiração, o passado, ferozmente escondido. Aposto que subiu as doses para estar perto dela numa boa, sem paranóias, a felicidade na ponta da agulha. E penso isso porque a vi há tempos e ela me sorriu enquanto eu engolia em seco, atrapalhado. Meteu os sacos de compras no carro e arrancou. Semanas mais tarde recebi um postal com uma daquelas fotografias de Jim que faziam sonhar as adolescentes, o texto era breve – “Este é vosso e todo-poderoso, exibam-no para sempre. O outro ficou em Paris e era uma criança amedrontada, mas eu amava-o. Ele não conseguia acreditar”, Pam. Seis anos depois estava morta.
quarta-feira, novembro 15, 2006
O primeiro dominó em África.
África do Sul legaliza casamentos homossexuais
2006/11/14 16:11
É o primeiro país africano a legalizar união entre pessoas do mesmo sexo
O Parlamento sul-africano aprovou esta terça-feira uma lei que autoriza os casamentos homossexuais, tornando-se no primeiro país do continente africano a legalizar a união entre duas pessoas do mesmo sexo, noticia a agência France Press.
A lei foi aprovada com 230 votos, 41 contra e três abstenções, após um debate aceso e polémico sobre a legislação relativa à união civil.
A nova legislação, que autoriza a oficialização das uniões entre pessoas do mesmo sexo pelo casamento ou pela união civil, foi contestada pelas organizações religiosas, conservadores e tradicionalistas.
Apesar da contestação, o Governo sul-africano considera que a nova legislação faz parte do seu compromisso de combater toda a forma de discriminação contra os homossexuais em matéria de matrimónio. «Rompendo com o nosso passado, necessitamos de lutar e resistir a todas as formas de discriminação e preconceitos, incluindo a homofobia», afirmou a ministra do Interior sul-africana, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, antes da votação da lei.
A adopção da nova lei já foi saudada pelas associações de defesa dos direitos dos homossexuais, como a Joint Working Group, uma coligação nacional formada por 17 grupos de lésbicas, homossexuais e bissexuais.
«A lei simboliza a rejeição das tentativas de classificar as lésbicas e homossexuais como cidadãos de segunda categoria», defendeu, em comunicado, Kikile Vilakazi, porta-voz da Joint Working Group. Para a coligação, a decisão de hoje «é uma demonstração de empenho dos parlamentares em garantir que todos os seres humanos são tratados com dignidade».
A alteração legislativa começou a ganhar forma depois de o Tribunal Constitucional do país ter considerado inconstitucional a anterior lei do casamento, baseada na «união entre um homem e uma mulher», por ser contrária ao preceito constitucional que garante os mesmos direitos para todos os cidadãos.
2006/11/14 16:11
É o primeiro país africano a legalizar união entre pessoas do mesmo sexo
O Parlamento sul-africano aprovou esta terça-feira uma lei que autoriza os casamentos homossexuais, tornando-se no primeiro país do continente africano a legalizar a união entre duas pessoas do mesmo sexo, noticia a agência France Press.
A lei foi aprovada com 230 votos, 41 contra e três abstenções, após um debate aceso e polémico sobre a legislação relativa à união civil.
A nova legislação, que autoriza a oficialização das uniões entre pessoas do mesmo sexo pelo casamento ou pela união civil, foi contestada pelas organizações religiosas, conservadores e tradicionalistas.
Apesar da contestação, o Governo sul-africano considera que a nova legislação faz parte do seu compromisso de combater toda a forma de discriminação contra os homossexuais em matéria de matrimónio. «Rompendo com o nosso passado, necessitamos de lutar e resistir a todas as formas de discriminação e preconceitos, incluindo a homofobia», afirmou a ministra do Interior sul-africana, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, antes da votação da lei.
A adopção da nova lei já foi saudada pelas associações de defesa dos direitos dos homossexuais, como a Joint Working Group, uma coligação nacional formada por 17 grupos de lésbicas, homossexuais e bissexuais.
«A lei simboliza a rejeição das tentativas de classificar as lésbicas e homossexuais como cidadãos de segunda categoria», defendeu, em comunicado, Kikile Vilakazi, porta-voz da Joint Working Group. Para a coligação, a decisão de hoje «é uma demonstração de empenho dos parlamentares em garantir que todos os seres humanos são tratados com dignidade».
A alteração legislativa começou a ganhar forma depois de o Tribunal Constitucional do país ter considerado inconstitucional a anterior lei do casamento, baseada na «união entre um homem e uma mulher», por ser contrária ao preceito constitucional que garante os mesmos direitos para todos os cidadãos.
terça-feira, novembro 14, 2006
Aposto que o outro Nuno Grande está de acordo:).
"... Rui Rio mete todos os criadores - os bons e os maus, que também os há - no mesmo "saco" de subsídio-dependentes ingratos, e militantes desse odioso partido que é o "cultural". Num anacronismo incompreensível, a sua acção populista procura ressuscitar uma retórica neo-conservadora, insistindo em ver, como "desperdício", o que outros países, bem mais liberais do que Portugal, consideram ser absolutamente estratégico - o incentivo à criação artística contemporânea."
Nuno Grande, Arquitecto e Docente Universitário, Público.
Nuno Grande, Arquitecto e Docente Universitário, Público.
segunda-feira, novembro 13, 2006
A propósito...
Esteticamente, gosto muito do poema. Se ele traduz uma "ideologia" - não é obrigatório... -, não a partilho. Posso ver um amigo afastar-se e não pronunciar palavra, mas cá dentro grito. Posso acolher outro depois de ausência por explicar, mas um dos meus pés fica-se pelo cais. Nunca aceitarei uma visão blasée e quase tangencial da amizade. Exijo muito, gosto de acreditar que ofereço outro tanto. Porque não me chega partilhar a sede da alegria - quero-a beber, mesmo amarga. E sendo amigos..., pela mesma taça! Porque na amizade é preciso bebê-la até ao fim.
domingo, novembro 12, 2006
Aplicável aos amores?
Os Amigos
Oa amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia;
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria -
por mais amarga.
Eugénio de Andrade.
Oa amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia;
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria -
por mais amarga.
Eugénio de Andrade.
sábado, novembro 11, 2006
Quinta-Feira à noite, cheio de sono.
Quinta-Feira à noite fui ao Clube Literário do Porto ouvir poesia. A dormir em pé... O que foi um erro, com o Carlos Magno a moderar. O maroto obrigou-me a intervir e eu disse uma caterva de asneiras, que felizmente esqueci. Excepto uma promessa suicidária: levar um livro da próxima vez e ler um poema. Há quase vinte anos que leio poesia na rádio e na televisão, há mais para os meus alunos. E no entanto nunca me senti a lê-la "em público". Os alunos são família, as câmaras inocentes, nunca imagino gente de carne e osso para lá delas. Acontece que eu gosto muito do Carlos. Dele e do jovem conviva dos almoços com o meu Pai, de onde o meu velho regressava consolado, "o rapaz é inteligente e culto". Por isso o Magno é sagrado para mim, "um amigo de infância que só conheci na idade adulta". E da próxima vez levo poemas do Eugénio ou da Amalia Bautista e assassino-os em voz alta. De graça! Para alívio do Dr. Rui Rio...
sexta-feira, novembro 10, 2006
Não só. Mas também!
Especialistas dizem que os pais renunciam à imposição da autoridade
Especialistas em educação defenderam esta sexta-feira que o aumento da violência escolar se deve em parte a uma crise de autoridade familiar, onde os pais renunciam a impor disciplina aos filhos, remetendo-a para os professores.
Vários especialistas internacionais estão reunidos na cidade espanhola de Valência a analisar até sábado o assunto «Família e Escola: um espaço de convivência».
Os participantes no encontro, dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas, o que obriga a «um esforço conjunto da sociedade», refere a agência Lusa.
«As crianças não encontram em casa a figura de autoridade», um elemento fundamental para o seu crescimento, disse na conferência inaugural do congresso o filósofo Fernando Savater.
«As famílias não são o que eram antes, um núcleo muito amplo e hoje o único que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa», sublinhou.
Para Savater os pais continuam a «não querer assumir qualquer autoridade», preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos «seja alegre» e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinar quase exclusivamente para os professores.
No entanto e quando os professores tentam ter esse papel disciplinador, «são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que intentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os».
«O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar», sublinha.
Os professores, afirma, não podem ser deixados sós, e a liberdade «exige um componente de disciplina» que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade.
«A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara», afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, «uma oportunidade e um privilégio».
Savater explicou que é essencial perceber que as crianças hoje não são mais violentas ou mais indisciplinadas que antes, mas que hoje «têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos».
"Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou.
Daí que mais do que reformas aos códigos legislativos ou às normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo que «mais vale dar uma palmada, no momento certo» do que permitir as situações que depois se criam.
Como alternativa à palmada, oferece outras, como suprimir privilégios, alargar os deveres ou trabalhos de casa.
Especialistas em educação defenderam esta sexta-feira que o aumento da violência escolar se deve em parte a uma crise de autoridade familiar, onde os pais renunciam a impor disciplina aos filhos, remetendo-a para os professores.
Vários especialistas internacionais estão reunidos na cidade espanhola de Valência a analisar até sábado o assunto «Família e Escola: um espaço de convivência».
Os participantes no encontro, dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas, o que obriga a «um esforço conjunto da sociedade», refere a agência Lusa.
«As crianças não encontram em casa a figura de autoridade», um elemento fundamental para o seu crescimento, disse na conferência inaugural do congresso o filósofo Fernando Savater.
«As famílias não são o que eram antes, um núcleo muito amplo e hoje o único que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa», sublinhou.
Para Savater os pais continuam a «não querer assumir qualquer autoridade», preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos «seja alegre» e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinar quase exclusivamente para os professores.
No entanto e quando os professores tentam ter esse papel disciplinador, «são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que intentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os».
«O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar», sublinha.
Os professores, afirma, não podem ser deixados sós, e a liberdade «exige um componente de disciplina» que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade.
«A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara», afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, «uma oportunidade e um privilégio».
Savater explicou que é essencial perceber que as crianças hoje não são mais violentas ou mais indisciplinadas que antes, mas que hoje «têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos».
"Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou.
Daí que mais do que reformas aos códigos legislativos ou às normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo que «mais vale dar uma palmada, no momento certo» do que permitir as situações que depois se criam.
Como alternativa à palmada, oferece outras, como suprimir privilégios, alargar os deveres ou trabalhos de casa.
quinta-feira, novembro 09, 2006
Ainda meto cá o Domingos, Sábados e outros Dias todo:).
O PRESENTE
ROGER WATERS (II)
Roger,
Cá recebi o exemplar de Wish You Were Here e o recado que tiveste a amabilidade de transmitir ao porteiro. Conheço-te demasiado bem! “Não incomode a menina”, em ti, significa apenas que não tencionavas subir, o disco fará o trabalho sujo de um modo asséptico, nada de gritos ou silêncios intermináveis. Parabéns, foste maquiavélico. Posso tocá-lo, projectar o vídeo das últimas férias, parar a imagem quando brindas a câmara com um olhar de esguelha, imaginar-te pela sala experimentando rimas coxas. Essa tua arte de transformar remoques em ponto de partida para canções… David disse-me um dia que tinha a estranha impressão de viver comigo em palco, de tal forma és incapaz de compor à revelia do teu umbigo e das tuas obsessões. E eu fui – sou! – uma delas, não é verdade? Às vezes preferia ter sido algo de prosaico, namorada por exemplo; mas contigo ninguém vive como as pessoas da rua ao lado. Shine On é bonito, sempre amaste Syd bem mais do que admites, às vezes cheguei a pensar que te envergonhavas por não o ter acompanhado na sua viagem para a face escura da Lua. Algumas das letras, das músicas e dos arranjos pareciam flirts descarados com a loucura, era assim que o visitavas sem ir ao hospital. Compreendo-te - era horrível ver aqueles olhos risonhos e travessos vazios de qualquer expressão, buracos negros de noites que não respeitam manhãs. De uma saudade passaste para outra, não foi? As cartas têm vantagens, se te dissesse isto cara a cara acabava a frase a dialogar com as tuas costas, porta batida com estrondo, consegues abrir-te com milhões, nunca a dois. Nas montras das lojas, em quartos de jovens que te decifram de acordo com os seus próprios fantasmas, nesses concertos raros e curtos, os homens das luzes proibidos de iluminar as primeiras filas porque não te podes dar ao luxo de distinguir os contornos de uma só face. Assim, protegido pelo barulho à tua volta, por essa montanha de gente que tratas amavelmente para lhes pedir desculpa por não os notares, assim, Roger, constróis um diálogo satânico a uma só voz, sem me dares hipótese de resposta. A não ser que me pendure na tua campainha e peça para subir. Pobre de quem não tenha talento, fica reduzido às formas de comunicação das pessoas normais, tu compões-me um disco e eu escrevo-te uma carta em papel de bloco… Não precisavas de mo oferecer, eu tê-lo-ia comprado e percebido, Wish You Were Here foi escrito a pensar em mim e não em Syd ou nos outros, é demasiado agressivo e doloroso, cheio de sinais que apenas eu posso entender - cheio de nós. Também posso fazer batota, sabes?, basta não enviar a carta e a liberdade é total, o amor-próprio fica protegido. O amor próprio e o outro – solitário, sem adjectivo; teu. Não o confessaria se aqui estivesses, duvido que te permita lê-lo, mas acertaste em cheio, somos duas almas perdidas nadando em círculos, ano após ano, acabo sempre ao espelho do nosso quarto, remirando o medo. Como tremia, quando exigi que saísses! Uma esperançazinha de te ver recusar, depois viriam gritos e lágrimas, silêncios fatigados, o desejo renascendo dos escombros, não existem vencedores ou vencidos quando o primeiro gesto é órfão e os dedos se encontram a meio caminho. Sorrir no escuro da tua respiração tranquila e imaginar a manhã seguinte, sempre resmungona, a inveja, meiga e lamurienta, “levei hoooras a adormecer”. Nunca foste assim, meu querido, desmaiavas como um bebé, mas – justiça te seja feita! –ainda foste mais rápido a sair, não me deste sequer tempo para me arrepender da expressão de fúria. Que deve ter sido assustadora, de acordo, a jarra ficou em mil pedaços e a porta ainda tem marcas, mesmo depois de pintada. E no entanto, juraria que esperei uma fracção de segundo, o estritamente necessário para te saber do outro lado, a salvo. Dir-se-ia a história da minha relação contigo: bater o mais possível sem te destruir, exigir a tua presença e certificar-me de que mantinha uma certa distância, para sobreviver sem me diluir em ti. A letra é muito bonita, Roger, e a resposta um “não” melancólico a todos os sarcasmos. Vi-te partir há meses e não consigo distinguir o Céu do Inferno ou um sorriso de um véu, mas – infelizmente! – ninguém conseguiu fazer-me trocar heróis por fantasmas ou as nossas longas guerras por qualquer forma de poder numa dessa jaulas em que os ingleses são felizes. “Sitting in an english garden…” dizia John. (Aqui entre nós não acho que tenha ido para melhor com aquela japonesa metida a intelectual.) Estou na mesma e sozinha. Pronto, já me decidi, agora tenho a certeza que não lerás a carta, nunca saberei qual de nós era mais orgulhoso. Amo-te. Pensei que tudo desaparecesse com o tempo, os copos, os amigos, até chegar a altura de novas paixões - boas, adequadas, com futuro. Tive medo de ser engolida, trocada por uma groupie qualquer, eu sei lá!, tive medo das mil e uma maneiras de ficar sem ti, a sós com a tua recordação, sem amanhãs. Queria paz, uma vida normal, filhos, alguém que os meus velhos não olhassem de lado quando os visitasse em Folkestone. Não fui a tempo, nunca teria ido a tempo, estes meses frente ao espelho acabaram por me fazer acreditar em baboseiras românticas: és a praga e o homem da minha vida. Roger, acertaste em cheio - quem me dera que estivesses aqui.
ROGER WATERS (II)
Roger,
Cá recebi o exemplar de Wish You Were Here e o recado que tiveste a amabilidade de transmitir ao porteiro. Conheço-te demasiado bem! “Não incomode a menina”, em ti, significa apenas que não tencionavas subir, o disco fará o trabalho sujo de um modo asséptico, nada de gritos ou silêncios intermináveis. Parabéns, foste maquiavélico. Posso tocá-lo, projectar o vídeo das últimas férias, parar a imagem quando brindas a câmara com um olhar de esguelha, imaginar-te pela sala experimentando rimas coxas. Essa tua arte de transformar remoques em ponto de partida para canções… David disse-me um dia que tinha a estranha impressão de viver comigo em palco, de tal forma és incapaz de compor à revelia do teu umbigo e das tuas obsessões. E eu fui – sou! – uma delas, não é verdade? Às vezes preferia ter sido algo de prosaico, namorada por exemplo; mas contigo ninguém vive como as pessoas da rua ao lado. Shine On é bonito, sempre amaste Syd bem mais do que admites, às vezes cheguei a pensar que te envergonhavas por não o ter acompanhado na sua viagem para a face escura da Lua. Algumas das letras, das músicas e dos arranjos pareciam flirts descarados com a loucura, era assim que o visitavas sem ir ao hospital. Compreendo-te - era horrível ver aqueles olhos risonhos e travessos vazios de qualquer expressão, buracos negros de noites que não respeitam manhãs. De uma saudade passaste para outra, não foi? As cartas têm vantagens, se te dissesse isto cara a cara acabava a frase a dialogar com as tuas costas, porta batida com estrondo, consegues abrir-te com milhões, nunca a dois. Nas montras das lojas, em quartos de jovens que te decifram de acordo com os seus próprios fantasmas, nesses concertos raros e curtos, os homens das luzes proibidos de iluminar as primeiras filas porque não te podes dar ao luxo de distinguir os contornos de uma só face. Assim, protegido pelo barulho à tua volta, por essa montanha de gente que tratas amavelmente para lhes pedir desculpa por não os notares, assim, Roger, constróis um diálogo satânico a uma só voz, sem me dares hipótese de resposta. A não ser que me pendure na tua campainha e peça para subir. Pobre de quem não tenha talento, fica reduzido às formas de comunicação das pessoas normais, tu compões-me um disco e eu escrevo-te uma carta em papel de bloco… Não precisavas de mo oferecer, eu tê-lo-ia comprado e percebido, Wish You Were Here foi escrito a pensar em mim e não em Syd ou nos outros, é demasiado agressivo e doloroso, cheio de sinais que apenas eu posso entender - cheio de nós. Também posso fazer batota, sabes?, basta não enviar a carta e a liberdade é total, o amor-próprio fica protegido. O amor próprio e o outro – solitário, sem adjectivo; teu. Não o confessaria se aqui estivesses, duvido que te permita lê-lo, mas acertaste em cheio, somos duas almas perdidas nadando em círculos, ano após ano, acabo sempre ao espelho do nosso quarto, remirando o medo. Como tremia, quando exigi que saísses! Uma esperançazinha de te ver recusar, depois viriam gritos e lágrimas, silêncios fatigados, o desejo renascendo dos escombros, não existem vencedores ou vencidos quando o primeiro gesto é órfão e os dedos se encontram a meio caminho. Sorrir no escuro da tua respiração tranquila e imaginar a manhã seguinte, sempre resmungona, a inveja, meiga e lamurienta, “levei hoooras a adormecer”. Nunca foste assim, meu querido, desmaiavas como um bebé, mas – justiça te seja feita! –ainda foste mais rápido a sair, não me deste sequer tempo para me arrepender da expressão de fúria. Que deve ter sido assustadora, de acordo, a jarra ficou em mil pedaços e a porta ainda tem marcas, mesmo depois de pintada. E no entanto, juraria que esperei uma fracção de segundo, o estritamente necessário para te saber do outro lado, a salvo. Dir-se-ia a história da minha relação contigo: bater o mais possível sem te destruir, exigir a tua presença e certificar-me de que mantinha uma certa distância, para sobreviver sem me diluir em ti. A letra é muito bonita, Roger, e a resposta um “não” melancólico a todos os sarcasmos. Vi-te partir há meses e não consigo distinguir o Céu do Inferno ou um sorriso de um véu, mas – infelizmente! – ninguém conseguiu fazer-me trocar heróis por fantasmas ou as nossas longas guerras por qualquer forma de poder numa dessa jaulas em que os ingleses são felizes. “Sitting in an english garden…” dizia John. (Aqui entre nós não acho que tenha ido para melhor com aquela japonesa metida a intelectual.) Estou na mesma e sozinha. Pronto, já me decidi, agora tenho a certeza que não lerás a carta, nunca saberei qual de nós era mais orgulhoso. Amo-te. Pensei que tudo desaparecesse com o tempo, os copos, os amigos, até chegar a altura de novas paixões - boas, adequadas, com futuro. Tive medo de ser engolida, trocada por uma groupie qualquer, eu sei lá!, tive medo das mil e uma maneiras de ficar sem ti, a sós com a tua recordação, sem amanhãs. Queria paz, uma vida normal, filhos, alguém que os meus velhos não olhassem de lado quando os visitasse em Folkestone. Não fui a tempo, nunca teria ido a tempo, estes meses frente ao espelho acabaram por me fazer acreditar em baboseiras românticas: és a praga e o homem da minha vida. Roger, acertaste em cheio - quem me dera que estivesses aqui.
terça-feira, novembro 07, 2006
Tributo a Roy Orbison.
NÃO VÁ O CORAÇÃO TECÊ-LAS…
Bruce,
Escrevo-te “just in case”. Vim dar um beijo à velhota – queixava-se de não me ver há muito tempo – e não resisti a uma tarde com os aeromodelos. Imagino o teu sorriso, coisas de putos, não é? Passei grande parte da vida em aviões e sem ponta de prazer, quando a porta se fechava o destino do velho Otis fazia-me chamar a hospedeira e emborcar rapidamente o primeiro whisky de uma longa série terapêutica. Ah, mas estes são diferentes, é fascinante premir um botão e vê-los revolutear, pássaros que brincam uma última vez antes de partir rumo ao sul. Quando aterram, gingam sobre a relva como marinheiros saudosos de mar, gosto de os trazer até mim e pegar-lhes devagar, acaricio-os como aos cachorrinhos da minha infância. A nossa cabeça é engraçada - aqui estou eu a falar do princípio e preocupado com o fim, a máquina lançou o primeiro aviso. Um senhor apertão no peito, como um torno, o médico rosnou qualquer coisa acerca de provável isquemia, deve estar por aí a chegar a ambulância para me levar ao hospital, conheces o paleio dos queridos doutores, “mera precaução”.
Talvez, mas não é o meu palpite. E seria injusto partir sem dizer obrigado, sei que nunca o fiz, embora tenhas tido a amabilidade de não tomar conhecimento oficial do facto. Durante muitos anos sobrevivi à custa de um orgulho feroz, agressivo, quanto mais baixo descia de mais alto olhava as pessoas, e nestes últimos tempos, quando quis soltar a ternura, descobri que era tarde - as palavras não saíam e eu refugiava-me em frases como “eles sabem” ou “entre nós essas coisas são desnecessárias”.Cortinas de fumo para esconder pontes levadiças que já não sabia baixar… A gratidão é um sentimento estranho, o rancor segue-o a curta distância, ansioso por liquidar a imagem dos credores, suspiro de alívio, “estamos quites”.
Enternece-me poder garantir que tal nunca se verificou no que te diz respeito. Quando me deste a mão no Hall of Fame e depois na Califórnia, a dúvida nem sequer surgiu - acreditei que o fazias por amizade. Talvez esse físico de camionista tenha ajudado, joga mal com hipocrisias, lembro-me de um dos roadies – não direi o nome – afirmar que a alcunha de Boss te calhava às mil maravilhas, só era necessário um sindicato para proteger os que contigo trabalham. Disse-o furioso, mas ao ver-me soltou uma gargalhada e admitiu que não lhe apetecia trabalhar para outro patrão. Sabes bem como esses dois espectáculos mudaram a minha vida, e não estou a falar só do aspecto material, foi bom ver o George de novo - sempre avaro de palavras, tímido, balançando-se à minha frente, hipnotizado pelas biqueiras dos sapatos, qualquer coisa acerca de uma ideia que tivera e da qual falara a Bob e Tom. Se eu estivesse interessado e não interpretasse mal o convite… Dos quatro Beatles, George foi sempre o meu favorito, costumava assistir à minha parte do espectáculo nos bastidores, noite após noite, antes de me crivar de perguntas sobre o sucesso, como lidar com ele, o penúltimo acorde daquela canção, a razão dos óculos escuros, que considerava uma descoberta genial da minha parte destinada a construir uma imagem misteriosa. Ele era um perfeccionista, o seu talento cheirava a suor, ia até ao fim das coisas com uma teimosia pacífica. Não me surpreendeu que depois de todo aquele barulho se virasse para dentro e partisse em busca de Deus. Quando O encontrar, os ensaios lá em cima serão mais obsessivos, com a perfeição promovida a mero ponto de partida.
Naquela noite, tu e eu tocando juntos, vinte anos da minha vida atravessaram a sala com o brilho desses laser que vocês tanto usam. Lembras-te da frase de Tyrone Power sobre James Dean? – “Teve sorte, morreu sem conhecer a decadência”. Cruel, mas verdadeiro. Bruce…, não podes imaginar! Os clubes cada vez mais rascas, camarins minúsculos que fediam, patrões arrogantes, nunca perdendo a oportunidade e lembrar que me estavam a dar uma chance, o velho Roy já não enchia salas como em 63 ou 64. O barulho distraído dos copos, risos, horríveis por nem sequer maldosos, a completa indiferença pelas canções novas que ninguém queria gravar. Gente de meia-idade exigindo Pretty Woman para recuperar o fascínio de bailes longínquos, cinturas estreitas, cabelos fartos, promessas ao fim da noite, “amanhã telefono…” Hotéis de estrelas raras e pouco brilhantes, anúncios intermitentes pela janela, muito álcool, toneladas de recordações.
Sabes, nunca fui um rocker na verdadeira acepção da palavra e os primeiros tempos foram difíceis, as baladas na gaveta e esta voz lamentosa a tentar desesperadamente imitar Elvis. Como lhe invejei os quadris saltitantes que a TV considerava obscenos! Em 1956 já estava arrependido de ter deixado a Universidade e a gravidez de Claudette não melhorou as coisas, a grande dúvida residia em que papel falharia mais miseravelmente, cantor ou pai de família. Valeu-me o Phil, fez de Claudette o lado B de All I Have To do Is Dream, durante quatro anos escrevi para outros o que a editora não considerava adequado para mim, os desígnios dos senhores do vinil são realmente imperscrutáveis. Quando em 1960 me permitiram gravar Only The Lonely, senti que o futuro dependia daquele single, a porta já estava entreaberta e o pontapé armado. Lixei-os. Naquele tempo havia espaço para baladas, Elvis perdera o fôlego e os velhos rockers eram respeitáveis mas não imperialistas. Foram quatro anos bons e não deixa de ser engraçado ter sido eu a apadrinhar na estrada os meus coveiros. Não fui apanhado de surpresa, a primeira vez que os vi, numa qualquer cidadezita inglesa, dei-me conta de que eram especiais e arrasariam tudo o resto, os putos tinham encontrado os sacerdotes de fúria e candura.
Os Beatles foram os mestres dos equilíbrios impossíveis entre duas gerações e- como eu! – muitos outros passaram a viver no arame. É verdade que nunca fui um tipo alegre, os óculos escuros pareciam-me filhos legítimos dos neurónios, mas há pessoas abençoadas que nos fazem explodir o riso e enternecer o olhar. Claudette aceitava a minha melancolia, mas nunca se rendeu a ela, metia-me a vida pela boca abaixo à força, não existem piores tiranos do que os amados. “Roy”, dizia ela, “a depressão pertence ao palco – e ainda bem! -, alimenta-nos a conta bancária, mas eu e os miúdos queremos fazer um piquenique com relva, sol e formigas, vais ter de dar o braço a torcer e admitir que somos felizes”. E éramos.
Quando teve o acidente tudo se desmoronou, a força vinha dela, costumava chamar ao declínio “esta fase mazita por que estamos a passar”. Em 68 os miúdos morreram no incêndio e o meu primeiro pensamento foi “se ela estivesse aqui nada disto teria acontecido”. Sabes tu, os filhos chegam em vantagem, são nossos, foram desejados – às vezes! -, parecem-se connosco na opinião das avós, toda a sociedade vela para que sintamos bem como seria desnaturado não os amar. São paixões inevitáveis, pequenos favoritismos não alteram a placidez do quadro familiar, até quando os punimos o fazemos para seu bem, o amor parental aspira à condição de instinto. Mas uma mulher… Tanta gente por aí, escolher e ser escolhido, razões bem pouco respeitáveis, um riso, o ajeitar do cabelo, silêncios consonantes, a descoberta surpresa de pequenos-almoços sem relógio, uma forma diversa de nos rezar o desejo ao ouvido. Um amor divinamente livre, casual, a necessitar de paciência mas sem nunca se esgotar nela, duas pessoas na corda bamba, recusando a rede dos laços sanguíneos, um amanhã de cada vez. Perdoa a palavra megalómana, mas foram dez anos de felicidade, quando olho à minha volta chego a pensar que perdi mulher e dois filhos e mesmo assim fui um privilegiado.
Também agora, dor e ambulância chegam juntas, e contudo esperaram o tempo necessário. Desculpa os gatafunhos, creio ter escrito em contagem decrescente, ainda bem que não sou canhoto, o braço esquerdo aderiu à revolta do peito. Se acontecer o que pressinto, agradece aos outros por mim, sobretudo pelo prazer imenso de nos reunirmos de novo em palco, holofotes pesados e sorrisos cúmplices, o pivete dos charros de Bob, a voz cambaleante de George. Tomem conta de vocês e não fiquem tristes, no Céu ou no Inferno Claudette espera, cabelo curto e Harley-Davidson impaciente, vai-me obrigar a desistir para sempre dos óculos escuros. E seja qual for a estrada, vou percorrê-la de cara ao vento e olhos nus, mesmo próximos de mais. Um do outro e dos dela…
Bruce,
Escrevo-te “just in case”. Vim dar um beijo à velhota – queixava-se de não me ver há muito tempo – e não resisti a uma tarde com os aeromodelos. Imagino o teu sorriso, coisas de putos, não é? Passei grande parte da vida em aviões e sem ponta de prazer, quando a porta se fechava o destino do velho Otis fazia-me chamar a hospedeira e emborcar rapidamente o primeiro whisky de uma longa série terapêutica. Ah, mas estes são diferentes, é fascinante premir um botão e vê-los revolutear, pássaros que brincam uma última vez antes de partir rumo ao sul. Quando aterram, gingam sobre a relva como marinheiros saudosos de mar, gosto de os trazer até mim e pegar-lhes devagar, acaricio-os como aos cachorrinhos da minha infância. A nossa cabeça é engraçada - aqui estou eu a falar do princípio e preocupado com o fim, a máquina lançou o primeiro aviso. Um senhor apertão no peito, como um torno, o médico rosnou qualquer coisa acerca de provável isquemia, deve estar por aí a chegar a ambulância para me levar ao hospital, conheces o paleio dos queridos doutores, “mera precaução”.
Talvez, mas não é o meu palpite. E seria injusto partir sem dizer obrigado, sei que nunca o fiz, embora tenhas tido a amabilidade de não tomar conhecimento oficial do facto. Durante muitos anos sobrevivi à custa de um orgulho feroz, agressivo, quanto mais baixo descia de mais alto olhava as pessoas, e nestes últimos tempos, quando quis soltar a ternura, descobri que era tarde - as palavras não saíam e eu refugiava-me em frases como “eles sabem” ou “entre nós essas coisas são desnecessárias”.Cortinas de fumo para esconder pontes levadiças que já não sabia baixar… A gratidão é um sentimento estranho, o rancor segue-o a curta distância, ansioso por liquidar a imagem dos credores, suspiro de alívio, “estamos quites”.
Enternece-me poder garantir que tal nunca se verificou no que te diz respeito. Quando me deste a mão no Hall of Fame e depois na Califórnia, a dúvida nem sequer surgiu - acreditei que o fazias por amizade. Talvez esse físico de camionista tenha ajudado, joga mal com hipocrisias, lembro-me de um dos roadies – não direi o nome – afirmar que a alcunha de Boss te calhava às mil maravilhas, só era necessário um sindicato para proteger os que contigo trabalham. Disse-o furioso, mas ao ver-me soltou uma gargalhada e admitiu que não lhe apetecia trabalhar para outro patrão. Sabes bem como esses dois espectáculos mudaram a minha vida, e não estou a falar só do aspecto material, foi bom ver o George de novo - sempre avaro de palavras, tímido, balançando-se à minha frente, hipnotizado pelas biqueiras dos sapatos, qualquer coisa acerca de uma ideia que tivera e da qual falara a Bob e Tom. Se eu estivesse interessado e não interpretasse mal o convite… Dos quatro Beatles, George foi sempre o meu favorito, costumava assistir à minha parte do espectáculo nos bastidores, noite após noite, antes de me crivar de perguntas sobre o sucesso, como lidar com ele, o penúltimo acorde daquela canção, a razão dos óculos escuros, que considerava uma descoberta genial da minha parte destinada a construir uma imagem misteriosa. Ele era um perfeccionista, o seu talento cheirava a suor, ia até ao fim das coisas com uma teimosia pacífica. Não me surpreendeu que depois de todo aquele barulho se virasse para dentro e partisse em busca de Deus. Quando O encontrar, os ensaios lá em cima serão mais obsessivos, com a perfeição promovida a mero ponto de partida.
Naquela noite, tu e eu tocando juntos, vinte anos da minha vida atravessaram a sala com o brilho desses laser que vocês tanto usam. Lembras-te da frase de Tyrone Power sobre James Dean? – “Teve sorte, morreu sem conhecer a decadência”. Cruel, mas verdadeiro. Bruce…, não podes imaginar! Os clubes cada vez mais rascas, camarins minúsculos que fediam, patrões arrogantes, nunca perdendo a oportunidade e lembrar que me estavam a dar uma chance, o velho Roy já não enchia salas como em 63 ou 64. O barulho distraído dos copos, risos, horríveis por nem sequer maldosos, a completa indiferença pelas canções novas que ninguém queria gravar. Gente de meia-idade exigindo Pretty Woman para recuperar o fascínio de bailes longínquos, cinturas estreitas, cabelos fartos, promessas ao fim da noite, “amanhã telefono…” Hotéis de estrelas raras e pouco brilhantes, anúncios intermitentes pela janela, muito álcool, toneladas de recordações.
Sabes, nunca fui um rocker na verdadeira acepção da palavra e os primeiros tempos foram difíceis, as baladas na gaveta e esta voz lamentosa a tentar desesperadamente imitar Elvis. Como lhe invejei os quadris saltitantes que a TV considerava obscenos! Em 1956 já estava arrependido de ter deixado a Universidade e a gravidez de Claudette não melhorou as coisas, a grande dúvida residia em que papel falharia mais miseravelmente, cantor ou pai de família. Valeu-me o Phil, fez de Claudette o lado B de All I Have To do Is Dream, durante quatro anos escrevi para outros o que a editora não considerava adequado para mim, os desígnios dos senhores do vinil são realmente imperscrutáveis. Quando em 1960 me permitiram gravar Only The Lonely, senti que o futuro dependia daquele single, a porta já estava entreaberta e o pontapé armado. Lixei-os. Naquele tempo havia espaço para baladas, Elvis perdera o fôlego e os velhos rockers eram respeitáveis mas não imperialistas. Foram quatro anos bons e não deixa de ser engraçado ter sido eu a apadrinhar na estrada os meus coveiros. Não fui apanhado de surpresa, a primeira vez que os vi, numa qualquer cidadezita inglesa, dei-me conta de que eram especiais e arrasariam tudo o resto, os putos tinham encontrado os sacerdotes de fúria e candura.
Os Beatles foram os mestres dos equilíbrios impossíveis entre duas gerações e- como eu! – muitos outros passaram a viver no arame. É verdade que nunca fui um tipo alegre, os óculos escuros pareciam-me filhos legítimos dos neurónios, mas há pessoas abençoadas que nos fazem explodir o riso e enternecer o olhar. Claudette aceitava a minha melancolia, mas nunca se rendeu a ela, metia-me a vida pela boca abaixo à força, não existem piores tiranos do que os amados. “Roy”, dizia ela, “a depressão pertence ao palco – e ainda bem! -, alimenta-nos a conta bancária, mas eu e os miúdos queremos fazer um piquenique com relva, sol e formigas, vais ter de dar o braço a torcer e admitir que somos felizes”. E éramos.
Quando teve o acidente tudo se desmoronou, a força vinha dela, costumava chamar ao declínio “esta fase mazita por que estamos a passar”. Em 68 os miúdos morreram no incêndio e o meu primeiro pensamento foi “se ela estivesse aqui nada disto teria acontecido”. Sabes tu, os filhos chegam em vantagem, são nossos, foram desejados – às vezes! -, parecem-se connosco na opinião das avós, toda a sociedade vela para que sintamos bem como seria desnaturado não os amar. São paixões inevitáveis, pequenos favoritismos não alteram a placidez do quadro familiar, até quando os punimos o fazemos para seu bem, o amor parental aspira à condição de instinto. Mas uma mulher… Tanta gente por aí, escolher e ser escolhido, razões bem pouco respeitáveis, um riso, o ajeitar do cabelo, silêncios consonantes, a descoberta surpresa de pequenos-almoços sem relógio, uma forma diversa de nos rezar o desejo ao ouvido. Um amor divinamente livre, casual, a necessitar de paciência mas sem nunca se esgotar nela, duas pessoas na corda bamba, recusando a rede dos laços sanguíneos, um amanhã de cada vez. Perdoa a palavra megalómana, mas foram dez anos de felicidade, quando olho à minha volta chego a pensar que perdi mulher e dois filhos e mesmo assim fui um privilegiado.
Também agora, dor e ambulância chegam juntas, e contudo esperaram o tempo necessário. Desculpa os gatafunhos, creio ter escrito em contagem decrescente, ainda bem que não sou canhoto, o braço esquerdo aderiu à revolta do peito. Se acontecer o que pressinto, agradece aos outros por mim, sobretudo pelo prazer imenso de nos reunirmos de novo em palco, holofotes pesados e sorrisos cúmplices, o pivete dos charros de Bob, a voz cambaleante de George. Tomem conta de vocês e não fiquem tristes, no Céu ou no Inferno Claudette espera, cabelo curto e Harley-Davidson impaciente, vai-me obrigar a desistir para sempre dos óculos escuros. E seja qual for a estrada, vou percorrê-la de cara ao vento e olhos nus, mesmo próximos de mais. Um do outro e dos dela…
Olha para o que eu digo...
Reverendo assume «imoralidade sexual»
2006/11/05 22:17
Era contra gays, mas admitiu ter relações com prostituto
O presidente da Associação de Igrejas Evangélicas dos Estados Unidos, Ted Haggard, um destacado opositor dos casamentos homossexuais, declarou-se hoje culpado de «imoralidade sexual», após ter sido acusado de manter relações com um prostituto, noticia a Lusa.
Numa carta à sua congregação da Igreja da Nova Vida em Colorado Srpings (Colorado), Haggard assegurou que há muito tempo que luta contra essa «parte repulsiva» da sua vida. «Sou culpado de imoralidade sexual. Sou um mentiroso e um embusteiro. Há uma parte da minha vida que é muito obscura e repulsiva, e durante toda a minha vida adulta combati contra ela», referiu o reverendo.
Haggard demitiu-se sábado de líder da sua Igreja e da Associação Nacional de Evangélicos - que agrupa 30 milhões de fiéis - depois de uma investigação interna o considerar culpado de «conduta sexual imoral».
O prostituto masculino Mike Jones acusou esta semana Haggard de lhe ter pago durante três anos para manter relações sexuais. Jones assegurou que se sentiu traído depois de inteirar-se que a pessoa que ele conhecia como «Art» era, na realidade, um destacado pastor evangélico que clamava contra o matrimónio homossexual nas suas aparições na televisão.
O reverendo negou as acusações num primeiro momento, tendo admitido depois ter pago a Jones para lhe fornecer metanfetaminas e uma massagem num hotel de Denver (Colorado). Na carta à sua congregação, Haggard declara-se envergonhado da sua conduta e pede desculpa aos fiéis, exortando-os a perdoarem também quem o acusou.
Haggard, 50 anos, casado e pai de cinco filhos, e uma das pessoas mais destacadas do movimento evangelista nos Estados Unidos, foi incluído pela revista Time na sua lista de 25 líderes evangélicos mais influentes tendo assessorado a Casa Branca.
2006/11/05 22:17
Era contra gays, mas admitiu ter relações com prostituto
O presidente da Associação de Igrejas Evangélicas dos Estados Unidos, Ted Haggard, um destacado opositor dos casamentos homossexuais, declarou-se hoje culpado de «imoralidade sexual», após ter sido acusado de manter relações com um prostituto, noticia a Lusa.
Numa carta à sua congregação da Igreja da Nova Vida em Colorado Srpings (Colorado), Haggard assegurou que há muito tempo que luta contra essa «parte repulsiva» da sua vida. «Sou culpado de imoralidade sexual. Sou um mentiroso e um embusteiro. Há uma parte da minha vida que é muito obscura e repulsiva, e durante toda a minha vida adulta combati contra ela», referiu o reverendo.
Haggard demitiu-se sábado de líder da sua Igreja e da Associação Nacional de Evangélicos - que agrupa 30 milhões de fiéis - depois de uma investigação interna o considerar culpado de «conduta sexual imoral».
O prostituto masculino Mike Jones acusou esta semana Haggard de lhe ter pago durante três anos para manter relações sexuais. Jones assegurou que se sentiu traído depois de inteirar-se que a pessoa que ele conhecia como «Art» era, na realidade, um destacado pastor evangélico que clamava contra o matrimónio homossexual nas suas aparições na televisão.
O reverendo negou as acusações num primeiro momento, tendo admitido depois ter pago a Jones para lhe fornecer metanfetaminas e uma massagem num hotel de Denver (Colorado). Na carta à sua congregação, Haggard declara-se envergonhado da sua conduta e pede desculpa aos fiéis, exortando-os a perdoarem também quem o acusou.
Haggard, 50 anos, casado e pai de cinco filhos, e uma das pessoas mais destacadas do movimento evangelista nos Estados Unidos, foi incluído pela revista Time na sua lista de 25 líderes evangélicos mais influentes tendo assessorado a Casa Branca.
domingo, novembro 05, 2006
Em homenagem à sua Teresa, este fds de visita a Cantelães.
O homem do silêncio doce
E de repente aparece/um silêncio entretecido/em que já nada apetece./Em que tudo tem sentido. (Pedro Tamen).
O Zé Gabriel morreu.
Em 1989, o Aurélio Gomes desafiou-me para um programa na Rádio Nova. Nasceu assim O Sexo dos Anjos, projecto para três meses que durou oito anos. O diálogo, inicialmente direccionado para a educação sexual, cedo descambou – o Aurélio perguntou-me que livro trazia debaixo do braço, eu respondi A Insustentável Leveza do Ser e nunca mais parámos de falar sobre tudo. O João Gobern disse-o melhor do que ninguém – tratava-se de uma clara erotização da palavra.
E no entanto esse delírio verbal de trapezistas amadores jogava pelo seguro; bem ou mal, voávamos a coberto da rede que o silêncio do Zé Gabriel estendia. Aquele homem doce jamais procurou o crescente protagonismo que nós e os ouvintes lhe impusemos. Dedicava-se ao que amava apaixonadamente – o som. Aguentando com bom humor as nossas provocações, raramente acedendo a fazer um comentário no ar, aturando com estoicismo a minha incapacidade para estar quieto à frente de um microfone. E sendo ele próprio nos intervalos.
Aos poucos, reparei que lhe buscava o apoio do polegar virado para cima quando emitia uma opinião controversa, dava comigo a pedir-lhe conselho sobre as cartas a abordar, ouvia-me sistematicamente perguntar “e tu que achas?”. Ele achava muito e bem, mas sobretudo de um modo carinhoso. Lembro-me de dia triste e eu com canção do Sérgio Godinho debaixo do braço, “O que há-de ser de nós?”. À saída, abraçou-me sem perguntas e disse: “bela música. Vai ser o hino do programa” (tinha razão, acabámo-lo ao som dela). Recordo o seu prognóstico risonho – “nunca vá a África, doutor, olhe que não volta!”. Era um elogio, porque ele amava a sua Angola, as distâncias oferecidas aos olhos, o tempo recusando a pressa estéril, o erotismo da dança que, paciente, me ensinava. Enquanto o Aurélio, perdido de riso, dizia aos ouvintes que cenas menos próprias se passavam no estúdio!
Tornámo-nos amigos de infância que se conheceram já adultos. Atrasos que acontecem... Também as mulheres podem chegar atrasadas e ainda a tempo, a rapariguinha que um dia pediu para assistir à gravação não foi de modas – encheu-lhe o silêncio com as palavras de amor que nele pressentia. E eu acabei todo enfarpelado e padrinho de casamento!
Mas a doença chegara. E as perguntas dos ouvintes, que rapidamente se aperceberam de que lhes mentíamos a eles na tentativa de nos enganarmos também. Revejo o Zé no corredor do Hospital de Santo António, soro a reboque, não desejava receber-nos na cama. Orgulhoso, nunca lhe ouvi um queixume, só dizia “eu volto”. Com efeito. Para ser soterrado pelas cartas de boas vindas chegadas de todo o país. Que ele juntou às outras, a salvo da minha distracção, argumentando que eu deveria escrever a partir delas. Entretanto o programa acabou, o Aurélio procurara outros desafios e a Nova decidiu – bem! - não o substituir. Cerca de dois anos depois, após avanços e recuos vários, fui convidado a regressar. Tivemos uma longa conversa. Disse-lhe que podia estar enganado, mas achava que a minha presença não era pacífica para todos, previ o fim do programa na primeira esquina. E ele respondeu: “não lhe apetece fazer rádio comigo? Enquanto durar é bom”. Eu acertei, mas ele tinha razão - cada minuto foi uma festa, sob o olhar da Marta Santos, indecisa sobre a idade mental daqueles cinquentões. Quando, por sua vez, ela voou para outras paragens, foi-nos dito que o programa seria suspenso até à elaboração da nova grelha. Da qual, obviamente!, faríamos parte. O telefone jamais tocou. E devia, ao menos por simples educação, “desculpem lá, mas...”. Disse-o cara a cara a quem de direito, sem rancor: o Zé, ainda por cima a caminho do fim, não merecia tal desfeita.
Nos últimos tempos vimo-nos pouco. Se eu protestava, respondia sempre o mesmo: iríamos jantar quando melhorasse. Contrariado, aceitei-lhe religiosamente o pudor. Levou-o ao extremo, morrendo comigo em férias. A notícia chegou e sentei-me numa praça de Granada; pensando, egoísta, que já perdi dois amigos íntimos e é muito duro viver sem eles. Mas ao Zé, se houver um Juízo Final, tenho a certeza de revê-lo. Quando o anjo de serviço se dirigir ao microfone para anunciar os veredictos, fatalmente perguntará a alguém – “fazemos ensaio de som?”. E eu só precisarei de descobrir a nuvem de que se levantará um polegar, seguramente embalado por trauteio de música africana!
E de repente aparece/um silêncio entretecido/em que já nada apetece./Em que tudo tem sentido. (Pedro Tamen).
O Zé Gabriel morreu.
Em 1989, o Aurélio Gomes desafiou-me para um programa na Rádio Nova. Nasceu assim O Sexo dos Anjos, projecto para três meses que durou oito anos. O diálogo, inicialmente direccionado para a educação sexual, cedo descambou – o Aurélio perguntou-me que livro trazia debaixo do braço, eu respondi A Insustentável Leveza do Ser e nunca mais parámos de falar sobre tudo. O João Gobern disse-o melhor do que ninguém – tratava-se de uma clara erotização da palavra.
E no entanto esse delírio verbal de trapezistas amadores jogava pelo seguro; bem ou mal, voávamos a coberto da rede que o silêncio do Zé Gabriel estendia. Aquele homem doce jamais procurou o crescente protagonismo que nós e os ouvintes lhe impusemos. Dedicava-se ao que amava apaixonadamente – o som. Aguentando com bom humor as nossas provocações, raramente acedendo a fazer um comentário no ar, aturando com estoicismo a minha incapacidade para estar quieto à frente de um microfone. E sendo ele próprio nos intervalos.
Aos poucos, reparei que lhe buscava o apoio do polegar virado para cima quando emitia uma opinião controversa, dava comigo a pedir-lhe conselho sobre as cartas a abordar, ouvia-me sistematicamente perguntar “e tu que achas?”. Ele achava muito e bem, mas sobretudo de um modo carinhoso. Lembro-me de dia triste e eu com canção do Sérgio Godinho debaixo do braço, “O que há-de ser de nós?”. À saída, abraçou-me sem perguntas e disse: “bela música. Vai ser o hino do programa” (tinha razão, acabámo-lo ao som dela). Recordo o seu prognóstico risonho – “nunca vá a África, doutor, olhe que não volta!”. Era um elogio, porque ele amava a sua Angola, as distâncias oferecidas aos olhos, o tempo recusando a pressa estéril, o erotismo da dança que, paciente, me ensinava. Enquanto o Aurélio, perdido de riso, dizia aos ouvintes que cenas menos próprias se passavam no estúdio!
Tornámo-nos amigos de infância que se conheceram já adultos. Atrasos que acontecem... Também as mulheres podem chegar atrasadas e ainda a tempo, a rapariguinha que um dia pediu para assistir à gravação não foi de modas – encheu-lhe o silêncio com as palavras de amor que nele pressentia. E eu acabei todo enfarpelado e padrinho de casamento!
Mas a doença chegara. E as perguntas dos ouvintes, que rapidamente se aperceberam de que lhes mentíamos a eles na tentativa de nos enganarmos também. Revejo o Zé no corredor do Hospital de Santo António, soro a reboque, não desejava receber-nos na cama. Orgulhoso, nunca lhe ouvi um queixume, só dizia “eu volto”. Com efeito. Para ser soterrado pelas cartas de boas vindas chegadas de todo o país. Que ele juntou às outras, a salvo da minha distracção, argumentando que eu deveria escrever a partir delas. Entretanto o programa acabou, o Aurélio procurara outros desafios e a Nova decidiu – bem! - não o substituir. Cerca de dois anos depois, após avanços e recuos vários, fui convidado a regressar. Tivemos uma longa conversa. Disse-lhe que podia estar enganado, mas achava que a minha presença não era pacífica para todos, previ o fim do programa na primeira esquina. E ele respondeu: “não lhe apetece fazer rádio comigo? Enquanto durar é bom”. Eu acertei, mas ele tinha razão - cada minuto foi uma festa, sob o olhar da Marta Santos, indecisa sobre a idade mental daqueles cinquentões. Quando, por sua vez, ela voou para outras paragens, foi-nos dito que o programa seria suspenso até à elaboração da nova grelha. Da qual, obviamente!, faríamos parte. O telefone jamais tocou. E devia, ao menos por simples educação, “desculpem lá, mas...”. Disse-o cara a cara a quem de direito, sem rancor: o Zé, ainda por cima a caminho do fim, não merecia tal desfeita.
Nos últimos tempos vimo-nos pouco. Se eu protestava, respondia sempre o mesmo: iríamos jantar quando melhorasse. Contrariado, aceitei-lhe religiosamente o pudor. Levou-o ao extremo, morrendo comigo em férias. A notícia chegou e sentei-me numa praça de Granada; pensando, egoísta, que já perdi dois amigos íntimos e é muito duro viver sem eles. Mas ao Zé, se houver um Juízo Final, tenho a certeza de revê-lo. Quando o anjo de serviço se dirigir ao microfone para anunciar os veredictos, fatalmente perguntará a alguém – “fazemos ensaio de som?”. E eu só precisarei de descobrir a nuvem de que se levantará um polegar, seguramente embalado por trauteio de música africana!
sexta-feira, novembro 03, 2006
De regresso à vida real:(.
"Há doentes que são amarrados e dopados em lares e hospitais"Alexandra Inácio, Bruno Simões Castanheira
A demência é assustadora mesmo para os médicos.
Maria do Rosário Reis, presidente da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes com Alzheimer (APFADA), não tem dúvidas em Portugal são "raríssimos" os técnicos especializados e até mesmo médicos sensibilizados para o tratamento de doentes com Alzheimer. A maioria dos lares, denuncia, não recebe este tipo de pacientes e os que o fazem tratam-nos mal. Hoje faz cem anos que a doença foi descrita pela primeira vez pelo neuropatologista alemão Alois Alzheimer. Em Portugal, apesar de não existirem estatísticas, as extrapolações apontam para mais de 70 mil pacientes com este mal. No Mundo são mais de 25 milhões."Há doentes que são amarrados às camas em lares e hospitais" públicos, denunciou ao JN. Erika Marcelino, uma das psicólogas da APFADA, acrescentando que a falta de preparação do pessoal técnico conduz muitas das vezes ao "excesso de medicação". "A forma mais fácil de controlarem os doentes é entupi-los de medicamentos", afirma.Uma maior comparticipação nos medicamentos ou medidas a pensar nos cuidadores, como a redução de horário, são alterações legislativas pelas quais há muito luta. Maria do Rosário contentava-se, no entanto, se os hospitais permitissem a entrada de acompanhantes com estes doentes. É que alguns, afirma, já chegaram a abandonar as unidades ficando perdidos depois. "O meu pai é capaz de gastar milhares de euros por mês para dar à minha mãe qualidade de vida", confessa Maria do Rosário. Os custos com a doença são enormes. No primeiro semestre de 2005, o Serviço Nacional de Saúde gastou mais de 5,6 milhões de euros em fármacos com indicação para Alzheimer. Em 2004 gastou 9,5. Os doentes pagaram quase onze milhões e mais de 18,6 nos mesmos períodos de acordo com dados do Infarmed.As comparticipações dos medicamentos rondam os 40% e as receitas têm de ser prescritas por neurologistas ou psiquiatras, o que é mais um entrave, alega Maria Rosário. Há poucos especialistas nessas áreas. "Um paciente que vá a um médico privado gasta na consulta o que poupa na comparticipação", afirma. Depois há imensos produtos essenciais que não são comparticipados, como as fraldas ou cremes."Só em medicamentos e fraldas são mais de 300 euros por mês. É sempre a somar". O paciente pode ainda fazer sessões de fisioterapia ou aulas de natação e se frequentar um dos poucos centro de dia existentes no país as despesas aumentam substancialmente (ler texto rodapé). Há ainda o sistema de ajudantes familiares. Formadas nos cursos da associação são consideradas cuidadoras profissionais. E numa fase mais adiantada da doença são necessárias três dessas técnicas para garantirem a vigilância dos pacientes de dia, à noite e aos fins-de-semana.
P.S. Recém-chegado da Mindinha, pasmo em face do luar de Cantelães. É como se Deus me tentasse a acreditar Nele.
A demência é assustadora mesmo para os médicos.
Maria do Rosário Reis, presidente da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes com Alzheimer (APFADA), não tem dúvidas em Portugal são "raríssimos" os técnicos especializados e até mesmo médicos sensibilizados para o tratamento de doentes com Alzheimer. A maioria dos lares, denuncia, não recebe este tipo de pacientes e os que o fazem tratam-nos mal. Hoje faz cem anos que a doença foi descrita pela primeira vez pelo neuropatologista alemão Alois Alzheimer. Em Portugal, apesar de não existirem estatísticas, as extrapolações apontam para mais de 70 mil pacientes com este mal. No Mundo são mais de 25 milhões."Há doentes que são amarrados às camas em lares e hospitais" públicos, denunciou ao JN. Erika Marcelino, uma das psicólogas da APFADA, acrescentando que a falta de preparação do pessoal técnico conduz muitas das vezes ao "excesso de medicação". "A forma mais fácil de controlarem os doentes é entupi-los de medicamentos", afirma.Uma maior comparticipação nos medicamentos ou medidas a pensar nos cuidadores, como a redução de horário, são alterações legislativas pelas quais há muito luta. Maria do Rosário contentava-se, no entanto, se os hospitais permitissem a entrada de acompanhantes com estes doentes. É que alguns, afirma, já chegaram a abandonar as unidades ficando perdidos depois. "O meu pai é capaz de gastar milhares de euros por mês para dar à minha mãe qualidade de vida", confessa Maria do Rosário. Os custos com a doença são enormes. No primeiro semestre de 2005, o Serviço Nacional de Saúde gastou mais de 5,6 milhões de euros em fármacos com indicação para Alzheimer. Em 2004 gastou 9,5. Os doentes pagaram quase onze milhões e mais de 18,6 nos mesmos períodos de acordo com dados do Infarmed.As comparticipações dos medicamentos rondam os 40% e as receitas têm de ser prescritas por neurologistas ou psiquiatras, o que é mais um entrave, alega Maria Rosário. Há poucos especialistas nessas áreas. "Um paciente que vá a um médico privado gasta na consulta o que poupa na comparticipação", afirma. Depois há imensos produtos essenciais que não são comparticipados, como as fraldas ou cremes."Só em medicamentos e fraldas são mais de 300 euros por mês. É sempre a somar". O paciente pode ainda fazer sessões de fisioterapia ou aulas de natação e se frequentar um dos poucos centro de dia existentes no país as despesas aumentam substancialmente (ler texto rodapé). Há ainda o sistema de ajudantes familiares. Formadas nos cursos da associação são consideradas cuidadoras profissionais. E numa fase mais adiantada da doença são necessárias três dessas técnicas para garantirem a vigilância dos pacientes de dia, à noite e aos fins-de-semana.
P.S. Recém-chegado da Mindinha, pasmo em face do luar de Cantelães. É como se Deus me tentasse a acreditar Nele.
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