quarta-feira, janeiro 27, 2010
Flashback.
Os saltos (mais) altos e a mini que corrias a abraçar entre o dia de trabalho e o meu olhar, tão ávido como enternecido. O "gira lá para dentro", dito por mim, exigido em silêncio por ti. O amor, que não se faz, mas sente. A tua cabeça no meu ombro, a minha recente paz no teu colo. O caminho inesperado entre desejo e gratidão. As saudades, que entravam antes de saíres. E me davam certeza agridoce - se um dia não voltasses, aceitava; mas nem Deus, nem amo, como diria o velho Ferré, me obrigariam a concordar.
domingo, janeiro 17, 2010
Faz-me tanta pena:(.
Dezasseis anos depois de ter sido criada, a Fundação Eugénio de Andrade está em vias de extinção.
Confrontado com uma situação financeira insustentável, o Conselho Directivo da fundação enviou ao Governo, em meados de Dezembro, um pedido de extinção. A questão estará a ser analisada pela Presidência do Conselho de Ministros. De acordo com o jornal Público, a Fundação começou a receber, em 1997, um subsídio do Ministério da Cultura (era ministro Manuel Maria Carrilho) através do Instituto Português do Livro e da Biblioteca, que terá oscilado entre os 12 mil e 19 mil euros anuais. No entanto, em 2005, quando a ministra Isabel Pires de Lima tomou posse, percebeu que não havia qualquer protocolo assinado e que o subsídio seria, então, ilegal. O cancelamento deste apoio veio contribuir para estrangular ainda mais a situação financeira da fundação que já se encontrava debilitada pela falência sucessiva dos distribuidores e do co-editor das obras do escritor falecido em 2005. A verdade é que a instituição tinha apenas direito a uma pequena percentagem dos direitos de autor e, uma vez que não tem qualquer outra fonte de rendimento para além do apoio da Câmara do Porto, a instituição encontra-se na falência.
Tags: Artes DN.
Confrontado com uma situação financeira insustentável, o Conselho Directivo da fundação enviou ao Governo, em meados de Dezembro, um pedido de extinção. A questão estará a ser analisada pela Presidência do Conselho de Ministros. De acordo com o jornal Público, a Fundação começou a receber, em 1997, um subsídio do Ministério da Cultura (era ministro Manuel Maria Carrilho) através do Instituto Português do Livro e da Biblioteca, que terá oscilado entre os 12 mil e 19 mil euros anuais. No entanto, em 2005, quando a ministra Isabel Pires de Lima tomou posse, percebeu que não havia qualquer protocolo assinado e que o subsídio seria, então, ilegal. O cancelamento deste apoio veio contribuir para estrangular ainda mais a situação financeira da fundação que já se encontrava debilitada pela falência sucessiva dos distribuidores e do co-editor das obras do escritor falecido em 2005. A verdade é que a instituição tinha apenas direito a uma pequena percentagem dos direitos de autor e, uma vez que não tem qualquer outra fonte de rendimento para além do apoio da Câmara do Porto, a instituição encontra-se na falência.
Tags: Artes DN.
terça-feira, janeiro 12, 2010
O capitalismo é pragmático:). Por isso alguns escreveram que a (r)evolução sexual dos anos 60 era inevitável.
"Uma lufada de ar fresco." É isso que a aprovação da união entre pessoas do mesmo sexo pode significar para a "indústria dos casamentos", admite o director da Exponoivos, António Brito. Por isso, as empresas presentes na feira deste ano, que começa hoje em Lisboa, "estão já preparadas para surpreender os casais homossexuais", com opções para este "nicho de mercado", acrescenta.
António Brito prefere não "levantar o véu" sobre as novidades para estes casais, mas diz que as empresas estão a tentar antecipar tendências para chegar a este nicho de mercado, que pode ser criado hoje se o Parlamento aprovar o acesso dos homossexuais ao casamento civil (mais informação nas páginas 1 e 2).
Aliás, esse é um dos motivos que levam as empresas do sector a ter "expectativas muito positivas para 2010". Até porque se trata de "pessoas que estão há muito tempo à espera por esta hipótese e geralmente têm poder de compra", conclui.
O responsável não duvida de que "os casamentos entre pessoas do mesmo sexo vão ser uma mais--valia para o sector", tal como aconteceu em Espanha, sobretudo depois de dois anos complicados.
É que em 2008, e sobretudo em 2009, a crise acabou por afectar também as bodas. Por um lado, as pessoas casam-se cada vez menos. O número de novos matrimónios tem descido de forma constante - enquanto em 2002 houve 56 457; em 2008, apenas 43 228. Por outro, as empresas sentiram que quem se casou teve mais contenção nos gastos. "Há uns anos era mais comum um casamento ter 200, 300 convidados. Agora, os noivos convidam 120, 130", explica António Brito. Isso afecta sobretudo as empresas que alugam salões para banquetes e as quintas que organizam os copos-d'água, mas também as floristas, cabeleireiros e muitos dos negócios que giram à volta de um casamento.
Há cerca de 200 empresas na Exponoivos deste ano, mas o director da feira estima que existam De 2000 a 3000 empresas directamente ligadas a este negócio. Na maioria, microempresas, que criam De 20 a 30 mil postos de trabalho. "Há mais de 45 subprodutos que estão associados à festa", acrescenta. Do vestido de noiva à lua-de-mel, passando pelas prendas, música, decoração, cabeleireiro, entre outros, que quem nunca casou dificilmente se lembrará sozinho.
E há também instituições de crédito para quem precisar de ajuda para pagar a festa. Afinal, em média, cada casal gasta cerca de 20 mil euros - para um casamento com cem convidados -, diz o director da Exponoivos. Sem pensar em extravagâncias, como as que começam a ser importadas de outras partes do mundo. "No México a moda é criar e libertar borboletas, como símbolo de felicidade e de fertilidade. Começam a aparecer pedidos deste tipo", conta. E empresas para os satisfazer. Até domingo, algumas vão estar no Centro de Congressos de Lisboa.
António Brito prefere não "levantar o véu" sobre as novidades para estes casais, mas diz que as empresas estão a tentar antecipar tendências para chegar a este nicho de mercado, que pode ser criado hoje se o Parlamento aprovar o acesso dos homossexuais ao casamento civil (mais informação nas páginas 1 e 2).
Aliás, esse é um dos motivos que levam as empresas do sector a ter "expectativas muito positivas para 2010". Até porque se trata de "pessoas que estão há muito tempo à espera por esta hipótese e geralmente têm poder de compra", conclui.
O responsável não duvida de que "os casamentos entre pessoas do mesmo sexo vão ser uma mais--valia para o sector", tal como aconteceu em Espanha, sobretudo depois de dois anos complicados.
É que em 2008, e sobretudo em 2009, a crise acabou por afectar também as bodas. Por um lado, as pessoas casam-se cada vez menos. O número de novos matrimónios tem descido de forma constante - enquanto em 2002 houve 56 457; em 2008, apenas 43 228. Por outro, as empresas sentiram que quem se casou teve mais contenção nos gastos. "Há uns anos era mais comum um casamento ter 200, 300 convidados. Agora, os noivos convidam 120, 130", explica António Brito. Isso afecta sobretudo as empresas que alugam salões para banquetes e as quintas que organizam os copos-d'água, mas também as floristas, cabeleireiros e muitos dos negócios que giram à volta de um casamento.
Há cerca de 200 empresas na Exponoivos deste ano, mas o director da feira estima que existam De 2000 a 3000 empresas directamente ligadas a este negócio. Na maioria, microempresas, que criam De 20 a 30 mil postos de trabalho. "Há mais de 45 subprodutos que estão associados à festa", acrescenta. Do vestido de noiva à lua-de-mel, passando pelas prendas, música, decoração, cabeleireiro, entre outros, que quem nunca casou dificilmente se lembrará sozinho.
E há também instituições de crédito para quem precisar de ajuda para pagar a festa. Afinal, em média, cada casal gasta cerca de 20 mil euros - para um casamento com cem convidados -, diz o director da Exponoivos. Sem pensar em extravagâncias, como as que começam a ser importadas de outras partes do mundo. "No México a moda é criar e libertar borboletas, como símbolo de felicidade e de fertilidade. Começam a aparecer pedidos deste tipo", conta. E empresas para os satisfazer. Até domingo, algumas vão estar no Centro de Congressos de Lisboa.
sexta-feira, janeiro 08, 2010
Mais um passo.
O debate não foi particularmente estimulante, convenhamos. Dei comigo a recuar 18 anos - credo... - e a recordar um determinado programa do Sexualidades. Dois homossexuais seropositivos de costas para a câmara e eu a pronunciar em on e off palavras proibidas: casal, família... O Diabo feito vaca, dizia-se no meu tempo! - ameaças de morte, insultos, um par de cumprimentos não retribuídos em restaurantes da Invicta. Nada de importante a médio prazo. Que eles não chegaram a viver:(. Hoje lembrei-me dessa tarde. Porque é tão lenta e acidentada a viagem entre a oblíqua tolerância e a fraternal aceitação?
terça-feira, janeiro 05, 2010
Ser homem e hetero compensa:). Ainda por cima, "cientificamente" falando...
A infidelidade masculina é boa para o casamento e deve ser praticada, garante uma das mais famosas psicólogas francesas, citada pela «BBC Brasil».
No livro «Les hommes, lamour, la fidélité («Os homens, o amor, a fidelidade»), que lançou recentemente, Maryse Vaillant refere que a maioria dos homens precisa do «seu próprio espaço» e que para eles «a infidelidade é quase inevitável».
De acordo com a autora, as mulheres podem viver uma experiência «libertadora» ao aceitarem que «os pactos de fidelidade não são naturais, mas culturais» e que a infidelidade é «essencial para o funcionamento psíquico» de muitos homens que não deixam por isso de amar as suas mulheres.
As declarações polémicas de Vaillant, divorciada há 20 anos, visam, segundo a própria, «resgatar a infidelidade», já que, assegura, «39 por cento dos homens franceses já foram infiéis às suas mulheres em algum momento da vida».
«A maioria dos homens não faz isso por não amar a sua mulher, eles simplesmente precisam de um espaço próprio», defende.
«Para estes homens, que são na verdade profundamente monogâmicos, a infidelidade é quase inevitável», sentencia.
A psicóloga vai mais longe ao afirmar que os homens que não têm casos extra-conjugais podem sofrer de «uma fraqueza de carácter».
«Eles são normalmente homens cujo pai era fisicamente ou moralmente ausente. Estes homens têm uma visão completamente idealizada da figura do pai e da função paternal. Não têm flexibilidade e são prisioneiros de uma imagem idealizada das funções do homem», conclui.
No livro «Les hommes, lamour, la fidélité («Os homens, o amor, a fidelidade»), que lançou recentemente, Maryse Vaillant refere que a maioria dos homens precisa do «seu próprio espaço» e que para eles «a infidelidade é quase inevitável».
De acordo com a autora, as mulheres podem viver uma experiência «libertadora» ao aceitarem que «os pactos de fidelidade não são naturais, mas culturais» e que a infidelidade é «essencial para o funcionamento psíquico» de muitos homens que não deixam por isso de amar as suas mulheres.
As declarações polémicas de Vaillant, divorciada há 20 anos, visam, segundo a própria, «resgatar a infidelidade», já que, assegura, «39 por cento dos homens franceses já foram infiéis às suas mulheres em algum momento da vida».
«A maioria dos homens não faz isso por não amar a sua mulher, eles simplesmente precisam de um espaço próprio», defende.
«Para estes homens, que são na verdade profundamente monogâmicos, a infidelidade é quase inevitável», sentencia.
A psicóloga vai mais longe ao afirmar que os homens que não têm casos extra-conjugais podem sofrer de «uma fraqueza de carácter».
«Eles são normalmente homens cujo pai era fisicamente ou moralmente ausente. Estes homens têm uma visão completamente idealizada da figura do pai e da função paternal. Não têm flexibilidade e são prisioneiros de uma imagem idealizada das funções do homem», conclui.
sexta-feira, janeiro 01, 2010
Aí está o Parecer, venha a tertúlia:).
PARECER DO COLÉGIO DE ESPECIALIDADE DE PSIQUIATRIA DA ORDEM
DOS MÉDICOS RELATIVO AO PEDIDO DO SR. BASTONÁRIO EM CARTA DE
14/05/2009
Concordando globalmente com o parecer do Bastonário da Ordem dos Médicos, em
carta datada de 14 de Maio de 2009, e em resposta ao pedido que nela se expressa, o
Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos esclarece o seguinte:
1. É generalizado o consenso entre os médicos psiquiatras de que não existe qualquer
tratamento para a homossexualidade, pois esta designação não se refere a uma doença,
mas sim a uma variante do comportamento sexual. Considerar a possibilidade de um
“tratamento” da homossexualidade implicaria, nos tempos actuais, a violação de normas
constitucionais e de direitos humanos. Seria, aliás, o mesmo que falar de um
“tratamento da heterossexualidade”.
2. Este facto não pode omitir que o comportamento sexual é um dos mais complexos
e menos conhecidos do ser humano, embora seja dos que mais leva a conflitos intrapessoais,
inter-pessoais ou mesmo a comportamentos legalmente sancionáveis. Estes
factos não podem ser desprezados pelos médicos e têm levado a diversas terapêuticas
sexuais, alguma das quais pretendem ou pretenderam interferir na orientação sexual.
3. A maioria destas últimas terapêuticas, descritas na literatura científica e recorrendo
geralmente ao condicionamento aversivo, decorreram nas décadas de 60 e 70. Muitos
dos artigos que as descrevem são estudos de caso, outros têm uma metodologia
científica pouco rigorosa. Para além disso realizaram-se em condições pouco límpidas,
por exemplo, com alguns pacientes a serem enviados pelos tribunais. Os resultados,
mesmo assim, não eram brilhantes, com cerca de metade dos pacientes a reduzirem o
desejo ou comportamento sexuais para com o mesmo sexo, mas uma percentagem
muito mais baixa a envolverem-se sexualmente ou aumentarem o desejo pelo sexo
oposto. Também eram referidos efeitos perturbadores, tais como redução global do
desejo, depressão, ansiedade e comportamento auto-destrutivo.
4. Com a despatologização da homossexualidade, primeiro pela Associação
Americana de Psiquiatria (APA), em 1973, depois pela Organização Mundial de Saúde,
estes estudos foram desaparecendo. Entretanto, os tratamentos sexológicos evoluíram,
nomeadamente na tentativa de resolução das perturbações do desejo sexual (parafilias),
melhorando os seus protocolos e também o conhecimento dos factores implicados que,
em geral, resultam de aprendizagem. No entanto, tem-se apercebido de que existem
muitos aspectos diferentes, nem sempre coerentes entre si, ligados ao comportamento
sexual – e também ao homossexual – como as fantasias, o desejo, o comportamento
sexual (e masturbatório), os relacionamentos íntimos e a identidade.
5. Em 1998 e em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria publicou Declarações
de Princípios (Position Statement) sobre as tentativas para mudar a orientação sexual
(também chamadas terapias reparadoras ou de conversão). Nestas declarações, condena-se
a sua execução “baseada na suposição de que homossexualidade por si é uma
desordem mental ou baseada na suposição apriorística de que um paciente deveria
mudar sua orientação”. Apesar disso, reconhece-se que “no curso de um tratamento
psiquiátrico corrente podem existir indicações clínicas apropriadas para tentar mudar
comportamentos sexuais”. Acrescentam que “Os debates políticos e morais que
envolvem este assunto obscureceram os dados científicos, pondo em questão os motivos
e mesmo o carácter dos protagonistas de ambos os lados”. Finalmente reconhece a
pobreza científica dos estudos sobre benefícios e prejuízos, para “encorajar e apoiar a
comunidade acadéica a pesquisar a „erapia reparadora‟no sentido de determinar os
riscos contra os benefícios”.
6. A terapia “reparadora” ou “conversiva” (o próprio nome tem causado controvérsia
pelas conotações que pode ter) era usada como tentativa de resolver a
“homossexualidade egodistónica” que a Associação de Psiquiatria Americana, sob
influência dos activistas LBG (Lésbicas, Gays, Bissexuais), fizera desaparecer da
DSM3-R, em 1987, mas que se manteve na Classificação Internacional das Doenças da
Organização Mundial de Saúde. Do ponto de vista do movimento LBG que, entretanto,
recorria aos seus próprios terapeutas, o sofrimento causado pela homossexualidade
egodistónica resolver-se-ia com uma terapêutica de afirmação LBG, incluindo activismo
social e político com vista à aceitação social das minorias sexuais.
7. Na sequência das declarações da APA foram publicados, já neste século, artigos
sobre a mudança de orientação sexual e suas terapias. Em geral, os seus autores
limitam-se a indagar pacientes que passaram ou estão a passar por esta terapia. Embora
os resultados não sejam muito diferentes na sua substância, é fácil descortinar o
posicionamento dos seus autores, procurando uns acentuar os efeitos positivos, outros
os problemas decorrentes e falta de ética. Um dos estudos mais conhecidos é o de
Robert Spitzer – um credibilizado membro dos comités responsáveis pelo
desaparecimento da homossexualidade como doença –, publicado em 2003 nos Archives
of Sexual Behavior que, depois de anunciar resultados claramente positivos numa
amostra, provavelmente enviesada, de 146 ex-gays e 47 ex-lésbicas suscitou, na mesma
revista, 26 respostas de 42 especialistas. Mais do que o artigo, a discussão que ele
provocou foi deveras interessante, revelando posicionamentos diversos e suscitando
novas questões, como a possibilidade da mutação espontânea da orientação sexual. Na
verdade, Spitzer foi criticado por não ter amostra de controlo, pelo que alguns dos seus
elementos poderiam ter mudado independentemente da terapia. Alguns destes casos
eram, entretanto, descritos.
7. Os ecos do artigo de Spitzer permaneceram nos anos seguintes, levando ao
interesse pela investigação destes pacientes. Os dados levantados procuravam as
motivações para tal “terapia” (muitas vezes ligadas ao conflito com as convicções
religiosas), mas revelavam também a complexidade da questão da homossexualidade
que, longe de ser preto no branco, apresentava graus variados e componentes que iam
desde a orientação, atracção, desejo e fantasias sexuais, até ao comportamento sexual e
a identidade baseada na orientação sexual. Para alem disso, o procedimento
“terapêutico”, frequentemente ministrado dentro de comunidades religiosas, incluía
várias técnicas comportamentais não aversivas mas, sobretudo, terapia e suporte de
grupo, aconselhamento, psicoterapia e intensa participação em novas comunidades
8. No pólo oposto a Robert Spitzer, um dos seus críticos é Lee Becksted, um exmissionário
Mórmon com um doutoramento em Psicologia do Aconselhamento. Ele
próprio envolvido nos dilemas da fé religiosa, fez uma investigação semelhante à de
Spitzer onde, porém, não aparecem resultados sobre a eficácia. Com o pressuposto de
que a homossexualidade é imutável, apresenta apenas resultados qualitativos que
mostram as vantagens de trabalhar antes com a identidade, numa perspectiva rogeriana
de auto-aceitação. Mostra assim que é possível trabalhar, caso a caso, o tema das
identidades, com diversas evoluções satisfatórias, em alternativa às terapêuticas de
afirmação e activismo gay, ou ainda às “terapias reparadoras” tomadas a cargo de
associações religiosas, como Exodus International, que perseguem radicalmente a
homossexualidade e a tentam mudar a todo o custo.
9. As ideias de Lee Becksted tiveram uma influência decisiva num relatório elaborado
por uma task force, à qual ele pertenceu, sobre “As respostas terapêuticas adequadas à
orientação sexual”. Desse relatório resultou uma resolução que acaba de ser aprovada
pela Associação dos Psicólogos Americanos. O relatório admite que apesar de evidência
insuficiente para suportar o uso de intervenções psicológicas para mudar a orientação
sexual, “alguns indivíuos modificam a sua identidade relativa à orientação sexual,
comportamento e valores, fazendo-o de diversas formas e com diversas e imprevisíveis
evoluções, algumas delas temporárias” (p. 120). Neste sentido, oferece uma alternativa
terapêutica ligada à exploração e desenvolvimento da identidade (“affirmative
multiculturally competent treatment”) para aquelas pessoas que procuram mudar a sua
orientação sexual (p. 121).
10. Apesar de tudo, alguns clínicos continuam a tentar mudar a orientação sexual dos
pacientes que assim o desejam. Num estudo datado deste ano, Annie Bartlett, Glenn
Smith e Michael King indagaram 1300 clínicos ingleses certificados. Embora apenas
4% declarassem que tentariam mudar a orientação sexual se o seu paciente lhe pedisse,
17% deles descreveram 413 pessoas onde esse procedimento fora executado. Entre os
289 psiquiatras do estudo, 9 deles estariam dispostos a ajudar a mudar a orientação
sexual, e 45 referenciariam os pacientes a um colega que o pudesse fazer. A maioria,
porém, ajudaria tal paciente a aceitar a sua sexualidade, a controlá-la melhor, ou enviálo-
ia a um colega com experiência no assunto. Entre psicólogos, conselheiros e
psicoterapeutas as respostas percentuais não eram muito diferentes senão na menor
tendência a referenciá-los a outros colegas.
11. O mais interessante deste estudo são as razões invocadas para tal terapia. Mais de
metade das respostas referiam a confusão sobre a identidade social, sendo menos
frequentes as que referiam pressão familiar, crenças religiosas e problemas mentais
secundários. Também eram referidas a confusão de género, relações heterossexuais
difíceis, pressões legais e vitimização por relações abusivas. Quer isto dizer que, na
vida real, quando um doente pede ao clínico para intervir na sua orientação sexual, as
razões são bem mais complexas do que a suposta ficção de um homossexual que um dia
resolveu tornar-se heterossexual (ou vice-versa, porque não?).
7. De facto, o comportamento e desejo sexuais, e não só o homossexual, são
frequentemente fonte de conflitos e sofrimento, razão pela qual os pacientes podem
recorrer ao seu médico, psiquiatra ou psicoterapeuta. Estas situações devem ser
consideradas caso a caso, de acordo com a legis artis, sem ferir as convicções e crenças
dos pacientes e ajudando-os, sempre que possível, na sua autodeterminação, depois de
esclarecimento completo e no âmbito do consentimento informado. Desse
esclarecimento constará, por parte do médico, indagar sobre a autenticidade das
decisões do paciente. Este, por sua vez, deverá ser informado de que não existe
evidência científica que suporte uma intervenção que resulte na completa mudança da
orientação sexual.
8. Aliás, a Classificação Internacional das Doenças (ICD10) tipifica a patologia
ligada à sexualidade nos seus items F52 (Disfunção sexual), F64 (Transtornos de
identidade sexual), F65 (Transtornos de preferência sexual) e F66 (transtornos
psicológicos e de comportamento associados ao desenvolvimento e orientação sexuais).
Embora os problemas também possam passar pelos outros items, é sobretudo o grupo
F66 que interessa no âmbito desta discussão.
9. Assim, em F66.1 (Perturbação do amadurecimento sexual) esclarece-se que “O
indivíduo sofre de incerteza sobre a sua identidade de género ou orientação sexual, o
que causa ansiedade ou depressão. Mais frequentemente, esta situação ocorre em
adolescentes que não estão seguros se têm uma orientação homossexual, heterossexual
ou bissexual, mas também em indivíduos que, depois de um período de orientação
sexual aparentemente estável, muitas vezes com um relacionamento de longa duração,
descobrem que a sua orientação sexual está a mudar.”
10. Em F66.2 (Orientação sexual egodistónica) define-se: “Não existe dúvida sobre a
identidade de género ou preferência sexual, mas o indivíduo gostaria que ela fosse
diferente, por causa das perturbações psicológicas e comportamentais associadas, e
pode procurar tratamento para a mudar.”
11. Finalmente, em F66.2 (Perturbação do relacionamento sexual) indica-se que as
“Anomalias da identidade de género ou preferência sexual são responsáveis por
dificuldades em estabelecer ou manter um relacionamento com um parceiro sexual.”
12. Para cada uma destas tipificações, bem como para F66.2 (Outros transtornos do
desenvolvimento psico-sexual) e F66.9 (transtorno não especificado de
desenvolvimento psico-sexual) um quinto dígito deve especificar: 0 – Heterossexual; 1
– Homossexual; 2 – Bissexual. Esta última codificação retira, à partida, qualquer
discriminação, admitindo que, tanto uma homossexualidade, como bissexualidade ou
heterossexualidade podem ser, por exemplo, egodistónicas (embora esta última
circunstância seja, de facto, rara).
13. Se qualquer destas situações pode levar ao pedido de conselho e ajuda médica, é no
problema da egodistonia que se podem colocar as maiores dúvidas. Assim, um médico
pode, por exemplo, fazer com que a homossexualidade (ou heterossexualidade) se torne
egossintónica, com plena aceitação e afirmação das suas tendências e, portanto, com
mudança na sua personalidade, mas também pode preservar aspectos mais decisivos da
personalidade e, se for possível, ajudar o doente a resolver os comportamentos, desejos
ou fantasias contraditórias com a sua identidade. Aliás, pode ser difícil avaliar todos os
aspectos em jogo, incluindo a autenticidade da sua orientação sexual. Em qualquer caso,
deve respeitar-se a vontade do doente, embora ele deva decidir na posse da informação
disponível.
14. A informação, porém, escasseia. Um dos aspectos em que não existe consenso é
sobre a definição de homossexualidade e da sua possível variabilidade. De tudo quanto
se sabe da clínica, a homossexualidade não é uniforme nem unidimensional. Entre a
homo e a heterossexualidade também existe a bissexualidade, pelo que tudo leva a crer
que as pessoas se podem dispor num contínuo entre os dois pólos. Assim, podem existir
orientações sexuais imutáveis, enquanto que outras não o serão. Perante qualquer caso
que se lhe apresente, o clínico terá de fazer um juízo sobre a situação presente e as
possibilidades de evolução, tendo em conta a história individual do paciente, os
condicionamentos actuais e o seu projecto de vida. Cada caso, então, será um caso único.
O médico não trabalha com grupos sociológicos, mas trabalha com pacientes
individuais.
15. Seria importante que o clínico se orientasse de acordo com bases científicas
consensuais. No entanto, como se viu, a investigação neste tema tem sido difícil, entre
outras razões, porque acaba por sucumbir pelo ruído mediático e pelas violentas paixões
que o cercam. Assim, mesmo que neste campo ainda dominem alguns dogmas assentes
em posições religiosas, ideológicas e politicas, cabe ao clínico estar sempre atento ao
pedido do seu doente singular e preocupar-se em estabelecer um diagnóstico da situação,
quer de natureza médica quer de natureza psicológica, antes de propor qualquer tipo de
intervenção ou abster-se dela.
DOS MÉDICOS RELATIVO AO PEDIDO DO SR. BASTONÁRIO EM CARTA DE
14/05/2009
Concordando globalmente com o parecer do Bastonário da Ordem dos Médicos, em
carta datada de 14 de Maio de 2009, e em resposta ao pedido que nela se expressa, o
Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos esclarece o seguinte:
1. É generalizado o consenso entre os médicos psiquiatras de que não existe qualquer
tratamento para a homossexualidade, pois esta designação não se refere a uma doença,
mas sim a uma variante do comportamento sexual. Considerar a possibilidade de um
“tratamento” da homossexualidade implicaria, nos tempos actuais, a violação de normas
constitucionais e de direitos humanos. Seria, aliás, o mesmo que falar de um
“tratamento da heterossexualidade”.
2. Este facto não pode omitir que o comportamento sexual é um dos mais complexos
e menos conhecidos do ser humano, embora seja dos que mais leva a conflitos intrapessoais,
inter-pessoais ou mesmo a comportamentos legalmente sancionáveis. Estes
factos não podem ser desprezados pelos médicos e têm levado a diversas terapêuticas
sexuais, alguma das quais pretendem ou pretenderam interferir na orientação sexual.
3. A maioria destas últimas terapêuticas, descritas na literatura científica e recorrendo
geralmente ao condicionamento aversivo, decorreram nas décadas de 60 e 70. Muitos
dos artigos que as descrevem são estudos de caso, outros têm uma metodologia
científica pouco rigorosa. Para além disso realizaram-se em condições pouco límpidas,
por exemplo, com alguns pacientes a serem enviados pelos tribunais. Os resultados,
mesmo assim, não eram brilhantes, com cerca de metade dos pacientes a reduzirem o
desejo ou comportamento sexuais para com o mesmo sexo, mas uma percentagem
muito mais baixa a envolverem-se sexualmente ou aumentarem o desejo pelo sexo
oposto. Também eram referidos efeitos perturbadores, tais como redução global do
desejo, depressão, ansiedade e comportamento auto-destrutivo.
4. Com a despatologização da homossexualidade, primeiro pela Associação
Americana de Psiquiatria (APA), em 1973, depois pela Organização Mundial de Saúde,
estes estudos foram desaparecendo. Entretanto, os tratamentos sexológicos evoluíram,
nomeadamente na tentativa de resolução das perturbações do desejo sexual (parafilias),
melhorando os seus protocolos e também o conhecimento dos factores implicados que,
em geral, resultam de aprendizagem. No entanto, tem-se apercebido de que existem
muitos aspectos diferentes, nem sempre coerentes entre si, ligados ao comportamento
sexual – e também ao homossexual – como as fantasias, o desejo, o comportamento
sexual (e masturbatório), os relacionamentos íntimos e a identidade.
5. Em 1998 e em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria publicou Declarações
de Princípios (Position Statement) sobre as tentativas para mudar a orientação sexual
(também chamadas terapias reparadoras ou de conversão). Nestas declarações, condena-se
a sua execução “baseada na suposição de que homossexualidade por si é uma
desordem mental ou baseada na suposição apriorística de que um paciente deveria
mudar sua orientação”. Apesar disso, reconhece-se que “no curso de um tratamento
psiquiátrico corrente podem existir indicações clínicas apropriadas para tentar mudar
comportamentos sexuais”. Acrescentam que “Os debates políticos e morais que
envolvem este assunto obscureceram os dados científicos, pondo em questão os motivos
e mesmo o carácter dos protagonistas de ambos os lados”. Finalmente reconhece a
pobreza científica dos estudos sobre benefícios e prejuízos, para “encorajar e apoiar a
comunidade acadéica a pesquisar a „erapia reparadora‟no sentido de determinar os
riscos contra os benefícios”.
6. A terapia “reparadora” ou “conversiva” (o próprio nome tem causado controvérsia
pelas conotações que pode ter) era usada como tentativa de resolver a
“homossexualidade egodistónica” que a Associação de Psiquiatria Americana, sob
influência dos activistas LBG (Lésbicas, Gays, Bissexuais), fizera desaparecer da
DSM3-R, em 1987, mas que se manteve na Classificação Internacional das Doenças da
Organização Mundial de Saúde. Do ponto de vista do movimento LBG que, entretanto,
recorria aos seus próprios terapeutas, o sofrimento causado pela homossexualidade
egodistónica resolver-se-ia com uma terapêutica de afirmação LBG, incluindo activismo
social e político com vista à aceitação social das minorias sexuais.
7. Na sequência das declarações da APA foram publicados, já neste século, artigos
sobre a mudança de orientação sexual e suas terapias. Em geral, os seus autores
limitam-se a indagar pacientes que passaram ou estão a passar por esta terapia. Embora
os resultados não sejam muito diferentes na sua substância, é fácil descortinar o
posicionamento dos seus autores, procurando uns acentuar os efeitos positivos, outros
os problemas decorrentes e falta de ética. Um dos estudos mais conhecidos é o de
Robert Spitzer – um credibilizado membro dos comités responsáveis pelo
desaparecimento da homossexualidade como doença –, publicado em 2003 nos Archives
of Sexual Behavior que, depois de anunciar resultados claramente positivos numa
amostra, provavelmente enviesada, de 146 ex-gays e 47 ex-lésbicas suscitou, na mesma
revista, 26 respostas de 42 especialistas. Mais do que o artigo, a discussão que ele
provocou foi deveras interessante, revelando posicionamentos diversos e suscitando
novas questões, como a possibilidade da mutação espontânea da orientação sexual. Na
verdade, Spitzer foi criticado por não ter amostra de controlo, pelo que alguns dos seus
elementos poderiam ter mudado independentemente da terapia. Alguns destes casos
eram, entretanto, descritos.
7. Os ecos do artigo de Spitzer permaneceram nos anos seguintes, levando ao
interesse pela investigação destes pacientes. Os dados levantados procuravam as
motivações para tal “terapia” (muitas vezes ligadas ao conflito com as convicções
religiosas), mas revelavam também a complexidade da questão da homossexualidade
que, longe de ser preto no branco, apresentava graus variados e componentes que iam
desde a orientação, atracção, desejo e fantasias sexuais, até ao comportamento sexual e
a identidade baseada na orientação sexual. Para alem disso, o procedimento
“terapêutico”, frequentemente ministrado dentro de comunidades religiosas, incluía
várias técnicas comportamentais não aversivas mas, sobretudo, terapia e suporte de
grupo, aconselhamento, psicoterapia e intensa participação em novas comunidades
8. No pólo oposto a Robert Spitzer, um dos seus críticos é Lee Becksted, um exmissionário
Mórmon com um doutoramento em Psicologia do Aconselhamento. Ele
próprio envolvido nos dilemas da fé religiosa, fez uma investigação semelhante à de
Spitzer onde, porém, não aparecem resultados sobre a eficácia. Com o pressuposto de
que a homossexualidade é imutável, apresenta apenas resultados qualitativos que
mostram as vantagens de trabalhar antes com a identidade, numa perspectiva rogeriana
de auto-aceitação. Mostra assim que é possível trabalhar, caso a caso, o tema das
identidades, com diversas evoluções satisfatórias, em alternativa às terapêuticas de
afirmação e activismo gay, ou ainda às “terapias reparadoras” tomadas a cargo de
associações religiosas, como Exodus International, que perseguem radicalmente a
homossexualidade e a tentam mudar a todo o custo.
9. As ideias de Lee Becksted tiveram uma influência decisiva num relatório elaborado
por uma task force, à qual ele pertenceu, sobre “As respostas terapêuticas adequadas à
orientação sexual”. Desse relatório resultou uma resolução que acaba de ser aprovada
pela Associação dos Psicólogos Americanos. O relatório admite que apesar de evidência
insuficiente para suportar o uso de intervenções psicológicas para mudar a orientação
sexual, “alguns indivíuos modificam a sua identidade relativa à orientação sexual,
comportamento e valores, fazendo-o de diversas formas e com diversas e imprevisíveis
evoluções, algumas delas temporárias” (p. 120). Neste sentido, oferece uma alternativa
terapêutica ligada à exploração e desenvolvimento da identidade (“affirmative
multiculturally competent treatment”) para aquelas pessoas que procuram mudar a sua
orientação sexual (p. 121).
10. Apesar de tudo, alguns clínicos continuam a tentar mudar a orientação sexual dos
pacientes que assim o desejam. Num estudo datado deste ano, Annie Bartlett, Glenn
Smith e Michael King indagaram 1300 clínicos ingleses certificados. Embora apenas
4% declarassem que tentariam mudar a orientação sexual se o seu paciente lhe pedisse,
17% deles descreveram 413 pessoas onde esse procedimento fora executado. Entre os
289 psiquiatras do estudo, 9 deles estariam dispostos a ajudar a mudar a orientação
sexual, e 45 referenciariam os pacientes a um colega que o pudesse fazer. A maioria,
porém, ajudaria tal paciente a aceitar a sua sexualidade, a controlá-la melhor, ou enviálo-
ia a um colega com experiência no assunto. Entre psicólogos, conselheiros e
psicoterapeutas as respostas percentuais não eram muito diferentes senão na menor
tendência a referenciá-los a outros colegas.
11. O mais interessante deste estudo são as razões invocadas para tal terapia. Mais de
metade das respostas referiam a confusão sobre a identidade social, sendo menos
frequentes as que referiam pressão familiar, crenças religiosas e problemas mentais
secundários. Também eram referidas a confusão de género, relações heterossexuais
difíceis, pressões legais e vitimização por relações abusivas. Quer isto dizer que, na
vida real, quando um doente pede ao clínico para intervir na sua orientação sexual, as
razões são bem mais complexas do que a suposta ficção de um homossexual que um dia
resolveu tornar-se heterossexual (ou vice-versa, porque não?).
7. De facto, o comportamento e desejo sexuais, e não só o homossexual, são
frequentemente fonte de conflitos e sofrimento, razão pela qual os pacientes podem
recorrer ao seu médico, psiquiatra ou psicoterapeuta. Estas situações devem ser
consideradas caso a caso, de acordo com a legis artis, sem ferir as convicções e crenças
dos pacientes e ajudando-os, sempre que possível, na sua autodeterminação, depois de
esclarecimento completo e no âmbito do consentimento informado. Desse
esclarecimento constará, por parte do médico, indagar sobre a autenticidade das
decisões do paciente. Este, por sua vez, deverá ser informado de que não existe
evidência científica que suporte uma intervenção que resulte na completa mudança da
orientação sexual.
8. Aliás, a Classificação Internacional das Doenças (ICD10) tipifica a patologia
ligada à sexualidade nos seus items F52 (Disfunção sexual), F64 (Transtornos de
identidade sexual), F65 (Transtornos de preferência sexual) e F66 (transtornos
psicológicos e de comportamento associados ao desenvolvimento e orientação sexuais).
Embora os problemas também possam passar pelos outros items, é sobretudo o grupo
F66 que interessa no âmbito desta discussão.
9. Assim, em F66.1 (Perturbação do amadurecimento sexual) esclarece-se que “O
indivíduo sofre de incerteza sobre a sua identidade de género ou orientação sexual, o
que causa ansiedade ou depressão. Mais frequentemente, esta situação ocorre em
adolescentes que não estão seguros se têm uma orientação homossexual, heterossexual
ou bissexual, mas também em indivíduos que, depois de um período de orientação
sexual aparentemente estável, muitas vezes com um relacionamento de longa duração,
descobrem que a sua orientação sexual está a mudar.”
10. Em F66.2 (Orientação sexual egodistónica) define-se: “Não existe dúvida sobre a
identidade de género ou preferência sexual, mas o indivíduo gostaria que ela fosse
diferente, por causa das perturbações psicológicas e comportamentais associadas, e
pode procurar tratamento para a mudar.”
11. Finalmente, em F66.2 (Perturbação do relacionamento sexual) indica-se que as
“Anomalias da identidade de género ou preferência sexual são responsáveis por
dificuldades em estabelecer ou manter um relacionamento com um parceiro sexual.”
12. Para cada uma destas tipificações, bem como para F66.2 (Outros transtornos do
desenvolvimento psico-sexual) e F66.9 (transtorno não especificado de
desenvolvimento psico-sexual) um quinto dígito deve especificar: 0 – Heterossexual; 1
– Homossexual; 2 – Bissexual. Esta última codificação retira, à partida, qualquer
discriminação, admitindo que, tanto uma homossexualidade, como bissexualidade ou
heterossexualidade podem ser, por exemplo, egodistónicas (embora esta última
circunstância seja, de facto, rara).
13. Se qualquer destas situações pode levar ao pedido de conselho e ajuda médica, é no
problema da egodistonia que se podem colocar as maiores dúvidas. Assim, um médico
pode, por exemplo, fazer com que a homossexualidade (ou heterossexualidade) se torne
egossintónica, com plena aceitação e afirmação das suas tendências e, portanto, com
mudança na sua personalidade, mas também pode preservar aspectos mais decisivos da
personalidade e, se for possível, ajudar o doente a resolver os comportamentos, desejos
ou fantasias contraditórias com a sua identidade. Aliás, pode ser difícil avaliar todos os
aspectos em jogo, incluindo a autenticidade da sua orientação sexual. Em qualquer caso,
deve respeitar-se a vontade do doente, embora ele deva decidir na posse da informação
disponível.
14. A informação, porém, escasseia. Um dos aspectos em que não existe consenso é
sobre a definição de homossexualidade e da sua possível variabilidade. De tudo quanto
se sabe da clínica, a homossexualidade não é uniforme nem unidimensional. Entre a
homo e a heterossexualidade também existe a bissexualidade, pelo que tudo leva a crer
que as pessoas se podem dispor num contínuo entre os dois pólos. Assim, podem existir
orientações sexuais imutáveis, enquanto que outras não o serão. Perante qualquer caso
que se lhe apresente, o clínico terá de fazer um juízo sobre a situação presente e as
possibilidades de evolução, tendo em conta a história individual do paciente, os
condicionamentos actuais e o seu projecto de vida. Cada caso, então, será um caso único.
O médico não trabalha com grupos sociológicos, mas trabalha com pacientes
individuais.
15. Seria importante que o clínico se orientasse de acordo com bases científicas
consensuais. No entanto, como se viu, a investigação neste tema tem sido difícil, entre
outras razões, porque acaba por sucumbir pelo ruído mediático e pelas violentas paixões
que o cercam. Assim, mesmo que neste campo ainda dominem alguns dogmas assentes
em posições religiosas, ideológicas e politicas, cabe ao clínico estar sempre atento ao
pedido do seu doente singular e preocupar-se em estabelecer um diagnóstico da situação,
quer de natureza médica quer de natureza psicológica, antes de propor qualquer tipo de
intervenção ou abster-se dela.
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