...Em meados do ano passado tive um sonho. Era a continuação, eu e ele estávamos a acabar a bancada da oficina. As mãos dele eram mesmo as mãos dele, fortes, morenas, dedos compridos e nas palmas as linhas eram fundas. Nesse dia acordei com a ideia de acabar a bancada. Estava decidido o meu novo projecto: resolver o antigo. Fui comprando material, tomadas, parafusos, dobradiças.. Nas férias grandes construí a bancada, pintei-a com uma tinta de epoxy, organizei as ferramentas, pintei o tecto e as paredes, instalei umas luzes novas. No fim faltava o torno, igual ao dele que eu parti com uma investida de marreta enquanto me armava em serralheiro. Talvez um dia compre, quando estiver mais folgado. Acho que ele ia gostar do resultado final, no entanto só lhe ia sacar um "Tiveste bem, moço!" :)
Thora.
domingo, dezembro 26, 2010
sexta-feira, dezembro 24, 2010
Ritual privado.
Meu Pai desespera com os noticiários fotocopiados. Solta o olhar pelos livros em exagerada liberdade e vacila entre o alívio de os notar gastos e a desaprovação pela falta de compostura. Vence o primeiro, "há que ler, há que ler", nele a frase não abriga réstia do spleen de Jacinto, traduz uma filosofia de vida.
Minha Mãe guarda-o, campânula que sem esforço renova oxigénio e carinho, "tens frio? Vou-te buscar a manta." A Michelle não a larga por um momento, desafia-a com o mesmo empenho que a faz descrever círculo gordo para lhe evitar o marido, desde o primeiro dia farejou a reticência do medo sem esperança de ponto final.
A Avó Sorgue desceu à Ribeiro, menos por guloseima do que pela baixa perigosa dos níveis de contacto humano, regressa de lá com novas amizades e um aceno aprovador para as convicções políticas do Senhor Álvaro, "o teu Avô já dizia o mesmo, isto precisa de uma grande volta". No fundo não acredita na raça diletante dos intelectuais, cala o diagnóstico por amor à filha, mas cita-a com volúpia, "tu e o teu Pai só servem para estudar".
O Pierre vocifera no outro extremo do arco político, embora neste momento o faça ao telefone, jura que não baixa um cêntimo ao preço enquanto os olhos nórdicos riem a bandeiras despregadas, a margem de lucro deve ser obscena. Do outro lado a voz não paga para ver o bluff, mas sim para lhe engordar a conta bancária, desliga e resmunga contra o frio, "Júlio, vens quinze dias para o anexo do jardim e eu arranjo quem transforme esta pocilga num arremedo de casa, irra!, já é masoquismo". Reprova aos intelectuais não saberem ganhar dinheiro e gozar a vida, mas não os mete todos no mesmo saco, "pelo menos o teu Pai respira classe". O querido maroto não resiste a picar-me...
O Zé Gabriel cerra o punho deliciado, a avaria do meu leitor de CDs rende-se com orgulho ao mestre do som. De imediato lança mãos à obra, a sala é invadida por ritmos dolentes e sinuosos, órfãos de corpos enlaçados que lhes façam as honras, ondula ele sozinho, é de olhos semi-cerrados que me lança aviso tantas vezes repetido, "não vá a África, doutor, garanto que não volta".
O relógio força-me a abandonar o regaço das nítidas sombras, em questões de memória Natal é mesmo quando um homem quer - e até quando não quer! -, estarão aqui amanhã, "tenho de ir...". Meu Pai e dialecto esquecido, "dê um beijo aos petizes, diga-lhes que as saudades doem"; minha Avó e a psicopatia amorosa, "não podes dizer que estás doente e ficar connosco?"; o Pierre e a amizade pragmática, "que não se metam em aventuras, o dinheirinho longe da Bolsa"; o Zé e o eterno amor, "uma boa colecção de jazz na FNAC e nada cara"; minha Mãe oferecendo a asa livre, "estás agasalhado?".
E aproveitando a quadra eu retenho-a com desculpa de armistício de cores entre jeans e camisola, a pergunta a medo que já desagua no terror, "estou perdoado?". Aqueles imensos lagos verdes, por natureza avessos à mentira, cravados nos meus, "não, mil vezes não, tinhas o dever de pôr fim aquele horror". Os dedos afloram-me o rosto, "rega as plantas, amo-te muito".
Michelle seca esta lágrima que exige irmãs em altos berros e também mergulha no fundo de mim.
O único ainda escravo do ranger de portas...
Minha Mãe guarda-o, campânula que sem esforço renova oxigénio e carinho, "tens frio? Vou-te buscar a manta." A Michelle não a larga por um momento, desafia-a com o mesmo empenho que a faz descrever círculo gordo para lhe evitar o marido, desde o primeiro dia farejou a reticência do medo sem esperança de ponto final.
A Avó Sorgue desceu à Ribeiro, menos por guloseima do que pela baixa perigosa dos níveis de contacto humano, regressa de lá com novas amizades e um aceno aprovador para as convicções políticas do Senhor Álvaro, "o teu Avô já dizia o mesmo, isto precisa de uma grande volta". No fundo não acredita na raça diletante dos intelectuais, cala o diagnóstico por amor à filha, mas cita-a com volúpia, "tu e o teu Pai só servem para estudar".
O Pierre vocifera no outro extremo do arco político, embora neste momento o faça ao telefone, jura que não baixa um cêntimo ao preço enquanto os olhos nórdicos riem a bandeiras despregadas, a margem de lucro deve ser obscena. Do outro lado a voz não paga para ver o bluff, mas sim para lhe engordar a conta bancária, desliga e resmunga contra o frio, "Júlio, vens quinze dias para o anexo do jardim e eu arranjo quem transforme esta pocilga num arremedo de casa, irra!, já é masoquismo". Reprova aos intelectuais não saberem ganhar dinheiro e gozar a vida, mas não os mete todos no mesmo saco, "pelo menos o teu Pai respira classe". O querido maroto não resiste a picar-me...
O Zé Gabriel cerra o punho deliciado, a avaria do meu leitor de CDs rende-se com orgulho ao mestre do som. De imediato lança mãos à obra, a sala é invadida por ritmos dolentes e sinuosos, órfãos de corpos enlaçados que lhes façam as honras, ondula ele sozinho, é de olhos semi-cerrados que me lança aviso tantas vezes repetido, "não vá a África, doutor, garanto que não volta".
O relógio força-me a abandonar o regaço das nítidas sombras, em questões de memória Natal é mesmo quando um homem quer - e até quando não quer! -, estarão aqui amanhã, "tenho de ir...". Meu Pai e dialecto esquecido, "dê um beijo aos petizes, diga-lhes que as saudades doem"; minha Avó e a psicopatia amorosa, "não podes dizer que estás doente e ficar connosco?"; o Pierre e a amizade pragmática, "que não se metam em aventuras, o dinheirinho longe da Bolsa"; o Zé e o eterno amor, "uma boa colecção de jazz na FNAC e nada cara"; minha Mãe oferecendo a asa livre, "estás agasalhado?".
E aproveitando a quadra eu retenho-a com desculpa de armistício de cores entre jeans e camisola, a pergunta a medo que já desagua no terror, "estou perdoado?". Aqueles imensos lagos verdes, por natureza avessos à mentira, cravados nos meus, "não, mil vezes não, tinhas o dever de pôr fim aquele horror". Os dedos afloram-me o rosto, "rega as plantas, amo-te muito".
Michelle seca esta lágrima que exige irmãs em altos berros e também mergulha no fundo de mim.
O único ainda escravo do ranger de portas...
quinta-feira, dezembro 23, 2010
O reverso da medalha.
Um amigo triste depois de um jantar alegre. Porque não acredito no clássico "ano novo, vida nova"? Talvez por o conhecer bem demais:(.
domingo, dezembro 19, 2010
Cuidado com as generalizações:).
"Eu tinha 20 anos. Não consentirei que ninguém diga que é a idade mais bela da vida". Paul Nizan.
quinta-feira, dezembro 16, 2010
Ontem à noite...
... fui ver o caçula tocar com Os Azeitonas no Sá da Bandeira. Que tantas vezes demandei com minha Mãe, ansiosa por reencontrar os amados companheiros de cena, à qual fora subtraída pela paixão por e de meu Pai. Mas antes abanquei no Buraco, o senhor Manuel fizera empadão e trouxas de batata em honra deste Machado Vaz fugidio, mas nunca ingrato. Acabara de cumprimentar os anfitriões e já pulava da mesa para abraçar o Alexandre Alves Costa. Sentei-me e novo pulo, era o Sérgio Fernandes. Chegaram as trouxas, de oito sobravam seis, o Alexandre invocara uma ida tormentosa ao dentista para roubar duas em trânsito! Os sms com o Rui Veloso, "depois do espectáculo...". Que começou com um atraso finérrimo e de mau agoiro, a dor de cabeça de hoje perfilava-se no horizonte. Não fosse eu o ouvido mais duro da cidade e do clube de fãs e já estaria pronto a substituir qualquer um dos Azeitonas (com excepção da garota coleante...). O João e o sorriso enlevado que apenas adivinho nestas circunstâncias. O Rui, sempre solidário, a curtir uma jam session com os seus protégés. E no fim a invasão pacífica do palco, naquela multidão um andar que afiançam jovem e elástico, mas - tirando isso...:( - igual ao meu, ali estava o Guilherme em dueto com o irmão, fazendo uma perninha na percussão. Foi uma delícia vê-los assim:). Quarenta anos depois da primeira aula teórica, ainda não me convenci que passei dois terços da vida em palco, maravilho-me com quem dá prazer ao público e com ele o partilha. E voltei para casa agradecido por outra razão - à entrada caíra nos braços do Carlos Prata, cúmplice de meio-século, e ao ensonado pedido de desculpas o Rui respondeu "fica para a próxima, pá". Não sou apenas o Pai babado de dois tipos encantadores e talentosos; tenho amigos que os podem guiar nas suas áreas profissionais, gostar deles por eles!, mas também por serem filhos de um compincha. Cuidá-los, se, antes do que gostaria, encontrar nalguma esquina a old laughing lady do velho Neil Young. A quem - noblesse oblige... - brindaria com um sorriso amarelo, antes de perguntar - "miúda, quem és tu?":).
domingo, dezembro 12, 2010
Acho injusto, com esta crise o que não faltam é portugueses tesos:(.
Sócrates visto como um "líder teso"
por Dn.ptHoje
A Embaixada dos EUA em Lisboa descreve Sócrates como um político carismático, que é "pragmaticamente eficaz" e um "líder teso", que resiste a tomar medidas que possam parecer uma cedência à pressão da opinião pública.
Os diplomatas americanos, segundo o telegrama com data de Setembro de 2007 e que foi divulgado pelo 'El País', agradecem ao Primeiro-Ministro português ter "permitido aos EUA usar a base das Lajes nos Açores para repatriar detidos de Guantánamo", "uma decisão difícil que nunca foi tornada pública".
por Dn.ptHoje
A Embaixada dos EUA em Lisboa descreve Sócrates como um político carismático, que é "pragmaticamente eficaz" e um "líder teso", que resiste a tomar medidas que possam parecer uma cedência à pressão da opinião pública.
Os diplomatas americanos, segundo o telegrama com data de Setembro de 2007 e que foi divulgado pelo 'El País', agradecem ao Primeiro-Ministro português ter "permitido aos EUA usar a base das Lajes nos Açores para repatriar detidos de Guantánamo", "uma decisão difícil que nunca foi tornada pública".
segunda-feira, dezembro 06, 2010
Estamos salvos, uf:).
Senhor,
Poupaste-me às pragas por não considerar a luta ao défice equitativamente distribuída e debicar as revelações da WikiLeaks sobre a transparente Democracia global. Mil obrigados, receava sobretudo moscas e piolhos:(, nhac... Mas Tu foste mais longe, à ausência de punição juntaste uma benesse caída dos Céus, verdadeira dica para o futuro. Entendi-Te - o fim da crise para os portugueses virá pela mão do "metal" angolano!
Poupaste-me às pragas por não considerar a luta ao défice equitativamente distribuída e debicar as revelações da WikiLeaks sobre a transparente Democracia global. Mil obrigados, receava sobretudo moscas e piolhos:(, nhac... Mas Tu foste mais longe, à ausência de punição juntaste uma benesse caída dos Céus, verdadeira dica para o futuro. Entendi-Te - o fim da crise para os portugueses virá pela mão do "metal" angolano!
sexta-feira, dezembro 03, 2010
O frio lá fora (?).
Maria,
Um frio de rachar. Mantê-lo fora não é simples, ronda-me, o patife!, apaixonado pela humidade que sente na casa, pudesse eu e atirava-lha das ameias com uma asma alérgica de brinde. A ladainha da Avó Sorgue: "fechem portas e janelas...". O medo que nunca lhe confessei e me punha holofotes no cérebro, a insónia também envelheceu, agora adormeço bem e acordo de madrugada:(. Deixemos isso para mais logo, shall we, darling? Verifico as persianas em busca de abraço menos entusiasta de algum par de ripas, tudo acima, mergulho abaixo, ou as uno ou encravo a geringonça, será isto viver perigosamente para um pequeno-burguês tripeiro?
A tua voz no corredor - "abre-a". O maroto a esfregar as mãos de antecipada alegria, eu a soprar na janela e a escrever, "a persiana, mafarrico". Tudo acima devagar, não por cuidado, por gozo de Tântalo. A porta do quarto abrindo alas. E esse corpo que jamais deixavas cair na esparrela da nudez apressada, eu agradecia, despir-te era um ritual improvável entre o cambaleio dos meus dedos e a firmeza que os esperava por baixo de saia e blusa. A luz da noite e das girafas metálicas do jardim ignorando-me, e com razão!, o mundo a convergir para o centro do mundo - tu. Por incrível que pareça, quando chegava eu, sacudiras o pó das estrelas e a lama da Terra, nada mais existia, "vem".
Maria, porque está mudo o corredor e enregelado o meu sentir?
Um frio de rachar. Mantê-lo fora não é simples, ronda-me, o patife!, apaixonado pela humidade que sente na casa, pudesse eu e atirava-lha das ameias com uma asma alérgica de brinde. A ladainha da Avó Sorgue: "fechem portas e janelas...". O medo que nunca lhe confessei e me punha holofotes no cérebro, a insónia também envelheceu, agora adormeço bem e acordo de madrugada:(. Deixemos isso para mais logo, shall we, darling? Verifico as persianas em busca de abraço menos entusiasta de algum par de ripas, tudo acima, mergulho abaixo, ou as uno ou encravo a geringonça, será isto viver perigosamente para um pequeno-burguês tripeiro?
A tua voz no corredor - "abre-a". O maroto a esfregar as mãos de antecipada alegria, eu a soprar na janela e a escrever, "a persiana, mafarrico". Tudo acima devagar, não por cuidado, por gozo de Tântalo. A porta do quarto abrindo alas. E esse corpo que jamais deixavas cair na esparrela da nudez apressada, eu agradecia, despir-te era um ritual improvável entre o cambaleio dos meus dedos e a firmeza que os esperava por baixo de saia e blusa. A luz da noite e das girafas metálicas do jardim ignorando-me, e com razão!, o mundo a convergir para o centro do mundo - tu. Por incrível que pareça, quando chegava eu, sacudiras o pó das estrelas e a lama da Terra, nada mais existia, "vem".
Maria, porque está mudo o corredor e enregelado o meu sentir?
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