Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'
Bom Domingo, gente.
domingo, junho 29, 2014
sábado, junho 28, 2014
quinta-feira, junho 26, 2014
quarta-feira, junho 25, 2014
terça-feira, junho 24, 2014
segunda-feira, junho 23, 2014
A quadra.
Maria,
Beira-rio a conselho médico, trote arquejante, bancos olhados
de esguelha - para não ceder à tentação, livro exilado em casa... -, navego
entre doces, carrinhos de choque, matrecos e gentes que olham o céu com alívio,
S. Pedro não prepara desfeita ao amigo João, assim protegendo o negócio, “sardinha e broa,
euro e meio”. Estivesses aqui e velha discussão nasceria da tua juventude, o
meu horror a noitadas e multidões a empurrar-te para os festejos, “levas a
chave, acordas-me à chegada e abusas de mim...”. O sobrolho franzido – “das três
sugestões aceito duas. Quanto ao resto, prefiro adormecer contigo. Jantamos com
a malta e vimos cedo, já te disse que o prazer das noitadas não depende do
bilhete de identidade”. Ano após ano, o mesmo ritual: protesto meu, decisão
tua, amor nosso.
Mas tu não estás. E assim ficou prejudicada a barraca dos
doces, alguns com nomes açucarados que provocariam o teu azedume, falso como
Judas, “pois não sabes que ando a tentar...?”. A tentar sim, querida, a
conseguir talvez em Londres, que no Porto, viver-te era como trautear o Chico,
jamais faltava açúcar e afecto J. Dei comigo a fazer alongamentos batoteiros ao pé dos
manjericos, sem grande esperança passei os olhos pelas quadras, lembrei com um
sorriso as do meu tempo, muitas não resistiam ao “repenica, repenica...”, o
Santo fazia o resto como qualquer normal pecador e nós ríamos, imberbes. Menos
fisiológicas as actuais, mas não demasiado inspiradas. Até que...
Chamei a senhora, perguntei o preço. O meu ouvido, cuja
dureza já não se satisfaz com a música, a trair – “dois euros e meio?”. Eram
doze... Queixei-me sem muita convicção, ela percebeu-o de imediato e iniciou um
discurso pausado e didáctico sobre jarros de água, prato por baixo do vaso e
longevidade, “dura-lhe até ao Natal!”. Que importa? Que importa se me trouxe a
tua imagem a rodopiar, agarotada – “gostas?” -, eu transformado em público tão
entusiasta como agradecido, a humidade portuense como álibi para voz rouca, “sim”.
Sim, querida, como resistir à quadra?:
“Quando as saias arregaça,
Para bailar
livremente,
Maria, cheia de
graça,
Faz a desgraça da gente...”.
Marotos versos tripeiros, irmãos de fantasias minhas.
(Só não gostei muito do plural que “gente” abriga...).
domingo, junho 22, 2014
sábado, junho 21, 2014
A perder de vista ou de vida?
Maria,
A ternura grata devora os desejos. Sim, no plural. Porque um, descaradamente carnal, exige-te nos meus braços, surda para palavra que não a tua, sussurrada ao meu ouvido – a pedido... -, “vem”. O outro, politicamente correcto, talvez sentido um dia, mas jamais em noites próximas, “que sejas feliz”. Com paixão recuperada ou descoberta, pouco me importa ser substituído por passado refeito ou futuro incomparável, não te habitarei os sonhos acordados, ponto final. A ternura grata sobrevive. Porque o fim do amor sentido não lhe apaga a recordação, transforma-a em pano de fundo deste vazio a perder de vista...
A ternura grata devora os desejos. Sim, no plural. Porque um, descaradamente carnal, exige-te nos meus braços, surda para palavra que não a tua, sussurrada ao meu ouvido – a pedido... -, “vem”. O outro, politicamente correcto, talvez sentido um dia, mas jamais em noites próximas, “que sejas feliz”. Com paixão recuperada ou descoberta, pouco me importa ser substituído por passado refeito ou futuro incomparável, não te habitarei os sonhos acordados, ponto final. A ternura grata sobrevive. Porque o fim do amor sentido não lhe apaga a recordação, transforma-a em pano de fundo deste vazio a perder de vista...
sexta-feira, junho 20, 2014
quinta-feira, junho 19, 2014
Outro amigo íntimo que por acaso não me conhece:). Parabéns e obrigado, Chico.
Chico Buarque chega aos 70 anos
Cantor
conserva brilhantismo de conciliar discrição com um olhar apurado e melódico
sobre a história do país
Gabriel de Sá - Correio Braziliense
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Quando fez 60 anos, Chico Buarque de Hollanda espalhou que comemoraria a data em Paris, onde tem apartamento. O violonista Guinga passeava pelo Alto Leblon, no Rio de Janeiro, próximo ao dia do aniversário do amigo, quando o viu se exercitando. “Uai, Chico, você não estava viajando?”, questionou. “Que viajando o quê”, gargalhou. O bom humor é traço marcante da personalidade de Chico, assim como a discrição. Criador de mais de 400 canções, é um dos principais expoentes da música popular brasileira. Nesta quinta, chega aos 70 anos e deve passar a data em Paris, onde anda de bicicleta e bate peladas com amigos. É possível que se dedique a escrever um romance — o quinto da carreira. “Ele é muito reservado”, conta o baterista Wilson das Neves, que o acompanha há mais de 30 anos. A reserva social, no entanto, se contrapõe à capacidade de examinar a sociedade e compor tipos capazes de traduzir momentos históricos do país. Ele ergueu um cancioneiro de 400 músicas, pelas quais têm ajudado a narrar importantes aspectos brasileiros. Selecionamos seis personagens para compreender os traços que fazem dele um dos compositores mais geniais de todos os tempos. Nesta quarta e quinta, o Viver conta um pouco da trajetória do artista.
Beatriz e a vida da atriz
“Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz”
A personagem não é unânime. Nem todos se seduziram por Beatriz. Chico demorou a concebê-la. Quando apareceu, em 1982, foi por solicitação. Edu Lobo pediu. Chico aceitou. Mas a recebeu sob outra graça: Agnes, equilibrista. Culpa do poeta Jorge de Lima que, em 1938, escreveu O grande circo místico. Quando o Balé Guaíra, do Paraná, pede montagem sob mesmo nome, Edu bebe na fonte de Jorge de Lima. Chico, leitor de Jorge, prefere outra: Dante Alighieri. Assim, Agnes se torna a Beatriz de Dante, aquela da Divina comédia. Tornaria-se a Beatriz de Chico, surrealista e gerada por impulso psíquico. Até Milton Nascimento tomá-la para si. Embora emprestada a vozes competentes, como Elba Ramalho e Carlos Navas, foi embalada na interpretação de Milton Nascimento no disco de 1983 (o antológico O grande circo místico, como o poema de Jorge de Lima). Ali, descansou.
O malandro e as minorias
“Mas o malandro para valer, não espalha
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe chacoalha, no trem da central”
Há uma figura constante no imaginário carioca, embora real. O cara das calçadas da Lapa, do barracão das escolas de samba. O que seduz as mulatas, com hálito de cachaça na nuca. Ar de vagabundo, inquieto. As pernas bambas, como de passista na avenida. Suor na testa secado pela toalha de bolso. Olhos marejados pelo samba-canção de Cartola. Respeitado nos morros, aconselha amigos e abraça mendigos. Bebe com as moças, fuma com os parceiros e reza no terreiro. Navalha no bolso, foto na coluna social e amizade na central. No dia, ninguém vê. À noite, impossível não perceber. Não se engane: todo carioca é brasileiro. E ele aparece no país inteiro. O desvalido. O perseguido. Preto, pobre, fedendo a Cashmere Bouquet e a conhaque. O malandro de Chico Buarque.
Pedro Pedreiro e a espera sem fim
“Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo
Espere alguma coisa mais linda que o mundo”
Em 1965, quando Pedro Pedreiro nasceu, Maria Bethânia cantava a saga do carcará, em cima do palco. Pedro teria adorado assistir ao espetáculo Opinião. Quando Bethânia pede para o morro descer a ladeira, ele berraria da plateia: “Já estou aqui!”. Pedro é real. De carne e osso. De canela empoeirada, calça rasgada e sandália nos pés. Mãos calejadas e trocado no bolso. Com quantos Pedros cruzamos hoje? Trabalhador braçal, em pé no ônibus, mangas arregaçadas para pagar as contas. Faz tudo sempre igual. Ele não tem dinheiro para ir a Copacabana. Fica ali, na estação, correndo o risco de apanhar dos militares que tomaram o poder no ano anterior. Proletário não vai ao teatro. Não reclama. Ele segue ali, esperando o trem. Esperando… Esperando… “Amanhã vai ser outro dia”, pensa Pedro. E algo lhe diz que o trem, alguma hora, vai passar!
Angélica e a ditadura militar
“Quem é essa mulher
Que canta sempre
o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar
meu anjo
E deixar seu corpo descansar”
A mãe que busca pelo rebento desaparecido é o tema da melancólica letra de Chico, escrita sobre a melodia de Miltinho, do MPB4. Angélica é a estilista Zuzu Angel, cujo filho, o militante político Stuart, foi preso, torturado e morto pela ditadura militar nos anos 1970. A luta de Zuzu para encontrá-lo tornou-se internacionalmente conhecida. Ela morreu em 1976, um ano após Chico homenageá-la com a canção. Para melhor compreender a ditadura brasileira sob a ótica cultural, Chico é essencial. As metáforas criadas por ele em canções como Cálice e Apesar de você cutucaram o regime com vara curta e ajudaram a dar voz à população reprimida. Ele foi censurado, criou pseudônimo e se autoexilou na Itália.
Maldita Geni
“De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais
do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem
mais nada”
No musical Ópera do malandro, de 1978, Geni aparece como travesti prostituído e marginalizado de uma pequena cidade. A “rainha dos detentos” e dos “moleques do internato” é aquela que “dá pra qualquer um”, e por isso “é boa de cuspir” e deve ser apedrejada, segundo a letra. A personagem é redimida quando se deita com homem que surge em um Zepelim e, prestes a exterminar a cidade, se apaixona por ela. A saga de Geni registra o talento de Chico para histórias, e traz à tona homossexualidade e prostituição. A partir de uma heroína errada, “tão coitada e tão singela”, o compositor suscita discussões sobre preconceito, gênero, poder e falso moralismo. Geni está entre nós.
A Rita, os 20 anos e o coração
“A Rita matou nosso amor de vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos”
As mulheres são um capítulo extenso no cancioneiro de Chico. Da submissa de Com açúcar, com afeto à batalhadora de A violeira, o compositor versa com maestria sobre o universo feminino, revelando nuances menosprezadas por homens menos sensíveis. Rita é uma mulher forte, decidida. Ao sair de casa, deixa o amante devastado e carrega sentimentos e objetos que contam a história dos dois. A Rita é uma das canções mais conhecidas do cantor. Um dos itens carregados por Rita é “um bom disco de Noel (Rosa)”. A referência ao compositor carioca do início do século 20 evidencia a admiração de Chico pelo artista. Os dois, volta e meia, são comparados, pelo caráter cronista de suas obras. Rita “deixa mudo” o violão do artista. Seria uma forma de Chico dizer que, sem a mulher, a inspiração vai embora?
quarta-feira, junho 18, 2014
terça-feira, junho 17, 2014
segunda-feira, junho 16, 2014
domingo, junho 15, 2014
sábado, junho 14, 2014
... há muitos, muitos anos.
Maria,
Frase de amigo em sonho cruel, "ela já tinha ido embora antes de partir". Aurora sem sol ou paz, mas com memória. O corpo entregue sem desejo; a voz fervente mas sem calor; a sms que chegou mas separava; o mail que me impunha o adeus à boleia de versos que te ensinei.
Sinais claros para o meu nevoeiro teimoso; indícios tentadores para a sua lucidez; sinos que dobravam por nós, assim o adivinhasse eu quando li Hemingway...
Frase de amigo em sonho cruel, "ela já tinha ido embora antes de partir". Aurora sem sol ou paz, mas com memória. O corpo entregue sem desejo; a voz fervente mas sem calor; a sms que chegou mas separava; o mail que me impunha o adeus à boleia de versos que te ensinei.
Sinais claros para o meu nevoeiro teimoso; indícios tentadores para a sua lucidez; sinos que dobravam por nós, assim o adivinhasse eu quando li Hemingway...
sexta-feira, junho 13, 2014
quinta-feira, junho 12, 2014
quarta-feira, junho 11, 2014
terça-feira, junho 10, 2014
segunda-feira, junho 09, 2014
domingo, junho 08, 2014
sábado, junho 07, 2014
sexta-feira, junho 06, 2014
quinta-feira, junho 05, 2014
quarta-feira, junho 04, 2014
Maria,
Jantei com amigo nosso, de origem teu, partidário de nenhum,
antes houvesse campo de batalha a separar-nos e não canal manchado, qualquer
fímbria de nortada seria suficiente para trazer voo de gaivota, lençol a corar
sem vergonha, palidez medrosa de meu ou teu vilão ou nobre, papel de carta
virgem desta pena exausta por não se cansar de te pedir o regresso a capella; um branco dos mil possíveis. E
eu declará-lo-ia indiscutível pedido de tréguas e nelas mergulharia com a
esperança de serem a antecâmara dos teus braços...
“Ela já tinha ido embora antes de partir”, disse ele. E todo
o jantar se tornou em moldura de frase que colocava outras na mesa, indiferentes
a baixela não de prata que pesava como
chumbo e garfadas impotentes perante o nó de marinheiro em terra seca e
bordejando as lágrimas que me estrangulava a partir de dentro e resistiu com
galhardia a vinho bebido sem gozo por medicinal, trouxe o nevoeiro à alma mas
não a paz ao corpo inteiro.
As nossas frases. Sibilinas, para não lhes colar adjectivo
que rimaria e arrepia – será que nos desejámos de tantos modos que só restava
erotizar a separação? Silêncios
nostálgicos de outros, cúmplices. Garras de fora nascidas de unhas que se
cravavam nos corpos, “vem”.
Ele tem razão - separámo-nos juntos. E tu fugiste para não
dizer adeus. Ou disseste-Lhe? Não acredito, afinal fomos...
terça-feira, junho 03, 2014
segunda-feira, junho 02, 2014
domingo, junho 01, 2014
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