quinta-feira, junho 02, 2005

Boa noite, maralhal.

Olhando o prédio em frente por cima das flores que minha Mãe cuidava, disse-lhe: “Maria, chegam os dias longos e quentes e tu mudas. Não sei, pareces mais igual a ti”.
Ela sorriu, cruzou as pernas sobre o canteiro, pôs as mãos entrelaçadas atrás da nuca e transformou cadeira normalíssima em prima de baloiço, com alma e riscos de trapezista. Semicerrando os olhos, rezou vésperas:


Da luva lentamente aliviada
a minha mão procura a primavera
Nas pétalas não poisa já geada
e o dia já é maior do que ontem era

Não temo mesmo aquilo que temera
se antes viesse: chuva ou trovoada
É este o deus que meu peito venera
Sinto-me ser eu que não era nada

A primavera é o meu país
saio à rua sento-me no chão
e abro os braços e deito raiz

e dá flores até a minha mão
Sei que foi isto que sem querer quis
e reconheço a minha condição


Primavera-raiz-flores…, arrisquei: “Eugénio de Andrade?”.
Ela riu, gaiata: “Morno, querido. Ruy Belo, A Chegada dos Dias Grandes”.
E quem não suportaria alegremente o peso de tão magnífica ignorância, com riso e “querido” seus já aferrolhados na alma? A poesia é para ser vivida. Abri os braços e ela neles deitou raiz:).

34 comentários:

circe disse...

E , em solo tão fecundo, as raízes
alastraram e deram origem, na Primavera seguinte, a flores aromáticas e coloridas! :)

É a Magia, são as Fadas à solta ;)

CrazyJo disse...

Por falar em fadas:

Todos conhecem o Carlinhos, aquele rapaz muito malcriado que dá cabo dos nervos à professora.

A professora para tentar corrigir o Carlinhos diz a toda a turma para inventarem uma história.

Depois de todos os colegas, chega a vez do Carlinhos, que começa assim:

Vou contar a história das três fadas.

Era uma vez uma prinsusa,...

Nisto, a professora interrompe e diz "é princesa que se diz e não prinsusa".

Não, Sr.ª Professora, nesta história é mesmo prinsusa.

Continuando: Era uma vez uma prinsusa, que vivia suzinha na turre do seu castalho e estava traste, muito traste por estar suzinha.

Resolve, então, enviar um bilhuto a um prinsusu que também vivia susinho na turre do seu castalho.

Escreveu muitos bilhutos até que um dia o prinsusu agarrou no seu cavalo e cavinhou, cavinhou, cavinhou, cavinhou pela florista até chegar ao castalho da prinsusa.

Quando chegou à purta do castalho da prinsusa dá-lhe um pintapu e a purta cai. Sobe a correr até à turre da prinsusa, arrebenta com a purta do quarto da prinsusa, ele olha para ela, ela olha para ele, ele olha para ela, e... dá-lhe três fadas!!!

llloooolllll

J. (The Crazy-One)

andorinha disse...

Júlio,
No mesmo dia uma belíssima canção e agora um belíssimo poema.
Está-nos a mimar demais.:)
Na Primavera até a chuva ou a trovoada ganham outros cambiantes e novas tonalidades.
É o renascer com tudo o que essa palavra tem de mágico.

A poesia é para ser vivida
Sem dúvida, saibamos nós vivê-la.

K. disse...

Ah, a Primavera...

"Primavera

Cieli azzurri e raggi
di sole preannunciano
la primavera.
Le rondinelle
tornano al loro nido.

E voi, piccole mie,
perché non tornate
con voli di rondine
leggeri
e sussurrati silenzi?"

Giovanna Nigris


www.katraponga.weblog.com.pt

CrazyJo disse...

Mas a culpa é vossa!...

Eu até venho aqui cheia de boas intenções, mas... quando começo a ler estes comentários...

Sinceramente! Não há condições!...

Só dá mesmo para "abardinar" o esquema!...

llloooolllll

J. (The Crazy-One)

Anónimo disse...

E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo

Caro Professor
os poemas são na realidade muito bonitos!
E não haja dúvida que "love is in the air" - after all it's springtime*

Maite disse...

Boa noite Maralhal e Professor
De facto, este blog está cada vez mais irresistível :)

Para fugir à "cadeira normalissima" do dia a dia, nada como transformá-la "em prima de baloiço, com alma e riscos de trapezista" que é como quem diz, demos asas à imaginação e avancemos sem medos ao encontro daquilo que mais desejamos :)

PortoCroft disse...

Cumplicidades, caro Prof. m8.;)

Que remédio. Depois de nos deitarem raiz, a safra é toda delas. ;)

andorinha disse...

Portocroft,
Muito espirituoso...:)

andorinha disse...

Totalmente de acordo com a Maite - avancemos sem medos ao encontro daquilo que mais desejamos.:)

Pamina disse...

Bem reaparecido mais um episódio da "história do amante e da Maria".
Muito bonito o último parágrafo.

Parafraseando Vinícius de Moraes:
Saravá, escritor!

CrazyJo disse...

Ok! Querem bebidas, não é?

Uma rapariga e o seu namorado vão a um Bar.

Quando chegou a vez da rapariga pedir uma rodada, ela diz ao seu namorado que tinha ouvido falar de uma bebida excelente e que ele devia experimentar.

A rapariga pede uma cerveja para ela e para o namorado pede um copo de Bailey's e outro com sumo de limão.

De seguida diz ao namorado:

- Bebes o Bailey's e guardas dentro da boca, depois bebes o sumo de limão e tentas guardar a mistura na boca o maior tempo possível.

O rapaz faz o que a namorada disse.

Primeiro o BAILEY's, causando uma agradável sensação de calor, de doçura, textura cremosa e uma boa impressão. De seguida bebe o sumo de limão.

Passados 2 segundos, a cara do namorado fica com a cor do sumo de limão.

Passados 4 segundos o rapaz hesita entre vomitar ou engolir a bebida. Decide engolir.

Depois de ele se recompor, ela diz-lhe ao ouvido:

- Chama-se "A Vingança do Broche"!

llloooolllll

J. (The Crazy-One)

CrazyJo disse...

Cenas reais de uma repartição de finanças:


"Há uns anos atrás tive uma chefe, numa das repartições públicas em que trabalhei, que não era...digamos...dotada de grandes conhecimentos em determinadas áreas. Ficamos assim.

Um belo dia a senhora chegou ao serviço e chamou-me à parte.

Tinha ouvido uma palavra da qual desconhecia o significado e queria que eu lhe explicasse o que era.

- Ouve lá, tu sabes o que é um "minete"?

Após uma fracção de segundo em que o meu cérebro chocalhou todo cá dentro, oscilando entre a incredulidade e o mais puro gozo, posso afirmar que tive um dos momentos mais brilhantes da minha vida, modéstia à parte.

Mantendo estoicamente o ar sério, sem esboçar sequer uma tentativa de sorriso, respondi-lhe:

- Claro, É um requerimento que não exige papel selado.

De facto, não é sempre, mas há dias em que me encontro particularmente inspirada.

E o resultado viu-se passados alguns dias, quando a dita senhora, com toda a propriedade, se virou para um utente ao guichet e o informou:

- Para esse efeito o senhor vai ter que fazer um minete!

Ainda me lembro como se fosse hoje das caras das pessoas que se encontravam no átrio à espera de serem atendidas, muito particularmente de um marmanjo de bigode que exclamou:

- Ai "sigurem-me"! "Sigurem-me" senão caio!

E agora digam-me, caros clientes desta padaria: Será que conseguem adivinhar quais foram para mim as consequências desta façanha?

Pois está claro. Nesse ano tive uma classificação de serviço que não me permitiu ser promovida, acompanhada da observação escrita "A funcionária não demonstra o necessário respeito quer pela instituição, quer pelos colegas e superiores hierárquicos".

Além disso tive o director a chamar-me ao gabinete e a passar-me um raspanete, notando-se de qualquer modo que estava com uma vontade de rir do caraças.

Mas, hoje, à distância de uns quinze anos, não me arrependo e acho que tomei a opção certa no momento certo.

O que eram cinco miseráveis contos de aumento comparados com o privilégio único de ver a nossa chefe, ao guichet, a pedir um minete a um gajo?"

llloooolllll

Se isto é verdade, esta mente brilhante merece um prémio.
Será mesmo verdade? Há malucos para tudo...

J. (The Crazy-One)

Anónimo disse...

Ó Vénus sensual
Pecado Mortal
Do meu pensamento!
Tens nos seios de bicos acerados
Num tormento
A singular razão dos meus cuidados

Poeta Bajoulo - poema “Tita Xantola deste-me cabo da Tola”

www.riapa.pt.to

Anónimo disse...

"Sim, eu, a mulher superior com toda a minha mentalidade esclarecida, sou afinal como todas as fêmeas, sucumbindo à necessidade genésica do macho!" - Tita dos Pés Sujos in "O Meu Bajoulo"

www.riapa.pt.to

Anónimo disse...

crazyjo

a idade não perdoa

a dos jovens, claro

lembranças

E&E

Anónimo disse...

JMV

a idade não perdoa

a idade, claro

E&E

Anónimo disse...

JMV

Lembranças e mais poesia

vou-me embora para Pasárgada

E&E

lobices disse...

Uma forma de me despedir

Há o mar há a mulher
quer um quer outro me chegam em acessíveis baías
abertas talvez no adro amplo das tardes dos domingos
Oiço chamar mas não de uma forma qualquer
chamar mas de uma certa maneira
talvez um apelo ou uma presença ou um sofrimento
Ora eu que no fundo
apesar das muitas palavras vindas nas muitas páginas dos dicionários
bem vistas as coisas disponho somente de duas palavras
desde a primeira manhã do mundo
para nomear só duas coisas
apenas preciso de as atribuir
Não sei se gosto mais do mar
se gosto mais da mulher
Sei que gosto do mar sei que gosto da mulher
e quando digo o mar a mulher
não digo mar ou mulher só por dizer
Ao dizer o mar a mulher
há penso eu um certo tom na minha voz sinto um certo travo na boca
que mostram que mais do que palavras usadas para falar
dizer como eu digo a mulher o mar
mar mulher assim ditos
são uma maneira talvez de gostar
e a consciência de que se gosta
e um prazer em o dizer
um gosto afinal em gostar
Enfim o mar a mulher
pode num dos casos ser a/mar a mulher
mera forma talvez de uniformizar o artigo
definido do singular
Há ondas no mar
o mar rebenta em ondas espraiadas nos compridos cabelos da mulher
que ela faz ondular melhor de tarde em tarde
no mês de setembro nas marés vivas
O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher
e à mulher que um só dia encontro na vida
de passagem um simples momento num sítio qualquer
talvez a muitos quilómetros do mar
mas mulher que não mais consigo esquecer
mesmo imerso na dor ou submerso em cuidados
a essa mulher qualquer
eu chamo mulher do mar
Nos fins de setembro quando eu partir
de uma cidade seja ela qual for
quando eu pressentir que alguém morre
que alguma coisa fica para sempre nos dias
e ou nuns olhos ou numa água
num pouco de água ou em muita água
onda do mar lágrima ou brilho do olhar
eu recear seriamente vir-me a submergir
direi alto ou baixo conforme puder
com a boca toda ou já a custar-me a engolir
as palavras mar ou mulher
com certo vagar e cada vez mais devagar
mulher mar
depois quase já só a pensar
o mar a mulher
Não sei mas será
talvez mais que outra coisa qualquer
uma forma de me despedir


Ruy Belo
In “Toda a Terra”

lobices disse...

...BOM DIA à tutti
...Ruy Belo, why not?
...boa escolha
abreijos

Anónimo disse...

"Et voici: Soudain les nuits ont été chaudes. Et puis les jours.
La mémoire vous en vient parfois dans le plein soleil de la plage à travers la transparence des rouleaux de vagues. Quand parfois l'été est à perte de vue répandue, si fort, si blessent, ou sombre, quelquefois illuminant, quand par example vous n'êtes pas là, et que je suis seule au monde."


Marguerite Duras

Anónimo disse...

Uma questão me ocorre por vezes: quantos de vocês transpõem para a vossa vida afectiva esta, e outra, maravilhosa poesia... ?

Beijinhos, é lindo

Raquel Vasconcelos disse...

Um interessante ponto de vista...
(maria)

Anónimo disse...

Nós somos os livros que lemos , os amigos que temos, a música que ouvimos, os filmes que apreciamos, a ternura, o silêncio que partilhamos...
Nós somos.

Anónimo disse...

Maria (das 10h52/11h23) quem és tu, que eu quero simplesmente te conhecer, carago? Desculpa, mas deves ser uma pessoa do caraças. És mesmo uma maria simplesmente ou estás a disfarçar?

De qualquer maneira um beijo do Bernardo

Anónimo disse...

Puxa Professor, é lindo!
Estava só a falar do poema...
Ok, são ambos!

Anónimo disse...

Carago digo eu!

Puxa Maria estás a agitar as hormonas do pessoal:)))))), soltem-se, soltem-se com a poesia da maria. Bom fim de semana Prof JMV, maralhal e para ti Maria.

Anónimo disse...

Sem fantasia

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu

Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus

Anónimo disse...

Para o Joaquim da 10h52 p.m.,

Marias!!!

Bom fim-de-semana!

Anónimo disse...

Está bem, para todas as Marias e principalmente para a minha mãe e para a Maria, simplesmente.

Anónimo disse...

Alô Murcon e galera este blog é muito erudito! Que bom. Vou vir cá, muitas vezes. parabéns.
Um abração
Marcos

Ruvasa disse...

Viva!

Quer juntar-se a nós?

http://ruvasa.blogspot.com/2005/06/399-comisso-de-luta-contra-excluso.html

Cumprimentos

Ruvasa

Tão só, um Pai disse...

Parabéns ao gráfico que compôs a imagem e a quem a colocou no cabeçalho do blog.

O mais integrante deste post não serão os poetas, mas quem o nosso amigo descreve de forma deliciosa, tão deliciosa que quase maliciosa: Maria.
Ah, a Maria da saia hippie ... por certo ...?

Anónimo disse...

“COISAS TUAS

Levo coisas tuas
Para poder estar contigo
Na distância.
Para nunca te perder a companhia,
Mesmo não estando.
Levo gravado o teu gesto,
O pranto, o riso, e
(Ora inocente, ora picante)
O teu sorriso,
Que é a tua expressão,
O teu maior encanto.
E levo um objecto,
Teu pertence,
Como se o espaço tivesse autoridade
E o tempo nos afastasse…

Como se fosse preciso…

MARGARIDA FARO,
Tantas mãos, a mesma Primavera
Oficina do Livro”