Maria,
O Benfica marca passo em vez de
golos e a criança dentro de mim enovela-se para chorar. Vivemos numa sociedade
que suporta com ligeireza os danos colaterais – nas guerras a céu aberto ou nas
reuniões discretas da alta finança é dado adquirido que muitos ficarão pelo
caminho, debaixo de cruzes ou nas sarjetas, em prol de um futuro melhor para
todos (os outros). Contigo descobri o conceito de “benefício colateral”. O
Benfica encarniçava-se contra mais uma parede, o mundo fugia dos pés da
criança, a cor da face do seu filho adulto, que a custo mantinha as aparências
até mergulhar em longa insónia, mais tabuleiros houvera e em mais eu perderia,
o sonho de um desprendimento sábio nunca se realizou. Entraste na minha vida e
não escondeste a surpresa perante o que consideravas um desperdício - sofrer por noventa minutos de bola cá, bola
lá, homens feitos de calções perseguindo-a e não desprezando en passant canelas adversárias, rostos
ingénuos e escandalizados – “quem? eu?” – prontos a emoldurarem mãos postas na
direcção de juízes vestidos de negro,
filhos de mães que ninguém no improvisado tribunal conhece mas são alvo de gritos e dedos certos
da sua má conduta, toda(s) a(s) cena(s) emoldurada(s) por milhões de euros em
país que alega não os ter para fazer cantar um cego, comer um pobre, ficar um
emigrante, investigar um universitário, trabalhar as gentes. É revoltante,
dizias. E no entanto... Nesses momentos o amor levava a melhor sobre as dúvidas
quanto à minha sanidade mental e oferecias ombro solidário ao adulto e colo
terno à criança, que da sua tristeza
funda chamava o filho grande e ainda renitente por arrogância superficial,
encontrávamo-nos a meio caminho, no silêncio acolhedor do teu peito. Ao som
regular do teu enorme coração o miúdo adormecia e eu acordava para outros
jogos, em que (me) perdia, fascinado por esse prazer longínquo e vertiginoso,
de que as mulheres têm o segredo e os homens a nostalgia orgulhosa de quem
participa nos bastidores. E assim, a cada novo tropeço do Benfica, o túnel não
ficava menos escuro, mas a certeza da tua luz diminuía-lhe minutos, lágrimas e
imprecações, o sofrimento fazia sentido, vezes houve em que desconfiei ser o
preço a pagar pelo esplendor do que vivíamos, este meu fundo judaico-cristão...
P.S. E não é que ganharam? Cinco
minutos de alegria aliviada. E como a águia em voo picado sobre a carne – mas
sem milhares a asssistirem! – assalta-me consciência da injustiça das palavras. Por incompletas... Eles ganhavam e
tu sorrias, divertida, dos nossos risos, ainda incrédulos mas já prontos para
festejos menos recatados. Seguias-nos, vigilante, rumo a cervejaria ou casa de
amigos, aceitavas de bom grado os festejos, mas qualquer brisa de exagero enfunava
as velas do teu sobrolho, o sorriso não esmorecia e no entanto abrigava a
cautela, órfã dos caldos de galinha, mas severa – “Júlio, como é aquela frase
que me ensinaste? Il faut garder la
mesure?”. E eu e o puto não guardávamos bandeiras, cachecóis, finos, bifes,
gargalhadas ou abraços de compinchas; apenas isso – la mesure. Além da muito
pouco secreta esperança de terminar, perdão!, começar a noite no teu peito.
Maria, tu adoçavas as derrotas e
vestias de cores ainda mais garridas as vitórias, não há fim de jogo do Benfica
em que os meus olhos não busquem a porta, supersticiosos. Nada. E pluribus unum. De todos, um? Tempos
houve em que sim, de nós os dois nascia um, tal a cumplicidade, que não anulava
nenhum e enriquecia ambos. Agora só partilhamos um meridiano. E outro silêncio;
estéril. Ponho Dark Side of the Moon.
Um coração bate, mas não é o teu. E o grito não chega a Londres...
Boa noite. Fica bem.
24 comentários:
Que posso eu dizer?
Que esta Maria já tinha saudades das suas cartas à Maria?:))))
O texto está, todo ele, uma delícia!
"Nesses momentos o amor levava a melhor sobre as dúvidas quanto à minha sanidade mental e oferecias ombro solidário ao adulto e colo terno à criança, que da sua tristeza funda chamava o filho grande e ainda renitente por arrogância superficial, encontrávamo-nos a meio caminho, no silêncio acolhedor do teu peito. Ao som regular do teu enorme coração o miúdo adormecia e eu acordava para outros jogos, em que (me) perdia, fascinado por esse prazer longínquo e vertiginoso..."
O homem/miúdo...delicioso...
Bom soninho:)
P.S. Merece, depois de escrever um texto destes...:)
Não se esqueçam da latitude. Também! Cada ponto? Tem o seu lugar...
Maria,
NÃO É PARA QUEM PODE
É PARA QUEM POUPA
"Let's dive in lost Atlantis... Snorkelling in Flores island(Azores)"
http://www.youtube.com/watch?v=gC-gU7MBVJo
Edie Brickell - Good Times
http://www.youtube.com/watch?v=iqL1BLzn3qc
Another Day Before The Darkness: "Good Morning"
Eis um jogo muito vivido - sofridamente - e bem descrita a vivência.
Palavras compreensivelmente tristes de um benfiquista a falar com Londres. E um meridiano. E, no entanto, como a Andorinha, gostei de lê-las; faltando-lhes, contudo, pó de estrela.
Hable Con Ella - La Noche y El Viento
http://www.youtube.com/watch?v=t6OXW7XIwQ8
!Hit The Bottom But Do Not Leave The Sky...
Doentes da bola reclamam que profissionais de saúde lhes tiram tempo para viver: "Liberdade de imprensa aumentou em Portugal em 2013"
Sempre fui deficiente a uma disciplina: o futebolês. Não consigo perceber essa linguagem. Por isso nem comento.
João Pedro, aquele link não abre. Será incorrecto?
(Aquiles... Falta-lhe! O? S.
Bea... Já tem uma escada para chegar aos tachos mais altos. Professor! Derby? (Carreço contra Cantelães) Só permitimos empates fora: em casa estamos sempre em vantagem:)
Adorei o texto. Gosto de Maria...
Não, não é para o serão. É só para darem uma espreitadela. É uma artista francesa de renome. O que se faz para divulgar a música. Se conseguirem passar o Beja-me Mucho já é obra.
https://www.youtube.com/watch?v=N97QXm7rymc&list=RD0qQwnmLNNsM
No entanto gosto do espectáculo dela no Olympia.
https://www.youtube.com/watch?v=ufCkeqWR9C4
Neste mesmo espectaculo a AMAPOLa também saiu bem. O efeito cénico foi muito bem conseguido.
E permitam-me que traga aqui, para apreciarem a maestria de Rubén Simeó.
Vejam tudo o que puderem deste concerto no Japão. O voo do moscardo é excelente. Mas vajam a orquestra, o maestro, e o pormenor da flautista que aplaudr o Rubén, a meio do Stars.
https://www.youtube.com/watch?v=4uHTXGKHyRE&list=RDoSqQjtKUy08
Mas esta interpretacão da MACARENA, com a orquestra de Alicante, é muito boa. E reparem como, a meio, o maestro vai buscar os violinos. O maestro também merece atenção.
https://www.youtube.com/watch?v=4uHTXGKHyRE&list=RDoSqQjtKUy08
Aquiles:
Gostei muito. Até abanei com o Tico Tico. Já a Carmen Miranda o tinha feito, ou não? Que pena a doçura da língua francesa se ter esvaido por entre as frinchas anglo-saxónicas, que muitas vezes nem querem dizer nada.
http://www.youtube.com/watch?v=tYkm3d_JNmI&NR=1
Quanto ao mais que se discuta .... já não há debate que frutifique. Ou a malta compra caçadeiras automáticas de 10 cartuchas, ou cala-se para todo o sempre, e amocha, que é o que tem gostado de fazer nos últimos 30 anos. E continuarão a ser gozados por quem os anda a esmifrar sem apelo nem agravo.
Anfitrite
Na a doçura da língua francesa, sempre gostei desta senhora a cantar nessa lingua, aqui num original:
http://www.youtube.com/watch?v=L3xPVGosADQ
Ju... O único meio de comunicação que vai estar contextualizado. Muito antes! Do Murcon, é a AR TV?
P.S. Bom serão
https://www.youtube.com/watch?v=wdfuHO16lqE
Did you know that 6-8M people die annually from the consequences of disasters and water-related diseases?
http://www.un.org/en/events/worldwateryear/factsfigures.shtml
Aquiles:
Poucos se lembrarão deste filme histórico, que retrata com grande realismo uma tragédia que não se resolveu com uma caçadeira:
http://www.youtube.com/watch?v=X_fTJUGSZ-M
e que terminava com ela a cantar esta canção:
http://www.youtube.com/watch?v=j5gtDxTtOVg
Anfitrite, eu também concordo que essas são melhores e preferiveis às caçadeiras. Matam mais e mais depressa. E no filme é notado que tiveram de recorrer a esse meio para resolver o problema dessa época. Agora a época é outra, com problemas que precisam de ser resolvidos. Ou não. E nesse caso resolvido fica.
A cancão, nesse link, cantada peça Mireille, linda, é um hino muito bonito à luta pela liberdade e dignidade.
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